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A responsabilidade dos membros da Advocacia-Geral da União por pareceres relativos a licitações e contratos administrativos

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6  A RESPONSABILIZAÇÃO DOS MEMBROS DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO: DELIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL

Ao tratar da organização dos Poderes, a Constituição Federal de 1988 dedica um capítulo próprio ao que denomina “Funções Essenciais à Justiça”, situando dentre elas a “Advocacia Pública”. É justamente nesse contexto que se inserem a Advocacia-Geral da União e os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, que vêm respectivamente previstos nos arts. 131 e 132 do texto constitucional.

Ao analisar a atividade de consultoria jurídica desempenhada pela Advocacia-Geral da União, Rommel Macedo enquadra esse mister como um controle de legalidade e de legitimidade.[13] Noutros termos, pode-se afirmar que consiste num verdadeiro controle de juridicidade, à luz da doutrina de Diogo de Figueiredo Moreira Neto.[14]

Nesta perspectiva, não se pode olvidar que o exercício da atividade de consultoria jurídica “sem o mínimo de consistência técnica, inviabiliza o controle de legalidade e, em conseqüência, impossibilita a realização do Estado de Direito”, como bem aduzido por Moreira Neto.[15]

Considerando que a consultoria jurídica se traduz em atividade de controle, a ser desempenhada por membros da Advocacia-Geral da União, é evidente que a responsabilização desses agentes públicos não pode ser feita com os mesmos parâmetros adotados relativamente aos administradores públicos. Com efeito, o advogado que exerce consultoria jurídica possui função diversa daquela desempenhada pelos órgãos técnico-administrativos, distinção que é evidenciada no modelo italiano de Advocacia do Estado, que muito influenciou a Constituição Federal de 1988.[16]

É justamente em consonância com esses parâmetros jurídicos que foi elaborado o Anteprojeto de Lei Orgânica da Administração Pública Federal e Entes de Colaboração, por Comissão de Juristas constituída pela Portaria nº 426, de 6 de dezembro de 2007, alterada pela Portaria nº 84, de 23 de abril de 2008, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Tal anteprojeto trata da atividade de consultoria jurídica no bojo de Seção intitulada “Do controle”, estipulando que:

Art. 54. Os órgãos de consultoria jurídica da administração, independentemente de sua função de assessoria, devem, no exercício do controle prévio de legalidade, prestar orientação jurídica quanto à adoção de medidas aptas a permitir a efetividade da ação administrativa, em conformidade com os preceitos legais.

§ 1º Os agentes dos órgãos a que se refere o caput deste artigo não são passíveis de responsabilização por suas opiniões técnicas, ressalvada a hipótese de dolo ou erro grosseiro, em parecer obrigatório e vinculante para a autoridade a quem competir a decisão.

§ 2º Não se considera erro grosseiro a adoção de opinião sustentada em interpretação razoável, em jurisprudência ou em doutrina, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente aceita, no caso, por órgãos de supervisão e controle, inclusive judicial.

Pelo exame desses dispositivos, infere-se que:

a)                  a atividade de consultoria jurídica é, adequadamente, caracterizada como “controle prévio de legalidade”;

b)                 não se trata, porém, de um controle com efeito inibidor sobre a atuação dos órgãos governamentais, mas sim de uma atuação destinada à “orientação jurídica quanto à adoção de medidas aptas a permitir a efetividade da ação administrativa, em conformidade com os preceitos legais”;

c)                  a responsabilização dos Advogados Públicos somente é cabível na “hipótese de dolo ou erro grosseiro, em parecer obrigatório e vinculante para a autoridade a quem competir a decisão”.

No que tange, especificamente, aos membros da Advocacia-Geral da União, não se pode admitir uma dupla responsabilização administrativa pelos pareceres que exararem. Com efeito, não se revela consentâneo com os princípios da razoabilidade e da eficiência admitir que esses profissionais tenham sua conduta passível de responsabilização tanto internamente (no âmbito da própria instituição a que se vinculam) como também perante o Tribunal de Contas da União.

A este respeito, saliente-se que a Constituição Federal é clara no sentido de que “organização e funcionamento” da Advocacia-Geral da União são matérias afetas à lei complementar. Neste sentido, vige a Lei Complementar nº 73, de 1993, dispondo expressamente que:

Art. 5º - A Corregedoria-Geral da Advocacia da União tem como atribuições:

I - fiscalizar as atividades funcionais dos Membros da Advocacia-Geral da União;

II - promover correição nos órgãos jurídicos da Advocacia-Geral da União, visando à verificação da regularidade e eficácia dos serviços, e à proposição de medidas, bem como à sugestão de providências necessárias ao seu aprimoramento;

III - apreciar as representações relativas à atuação dos Membros da Advocacia-Geral da União;

IV - coordenar o estágio confirmatório dos integrantes das Carreiras da Advocacia-Geral da União;

V - emitir parecer sobre o desempenho dos integrantes das Carreiras da Advocacia-Geral da União submetidos ao estágio confirmatório, opinando, fundamentadamente, por sua confirmação no cargo ou exoneração;

VI - instaurar, de ofício ou por determinação superior, sindicâncias e processos administrativos contra os Membros da Advocacia-Geral da União.

(grifou-se)

Vê-se, portanto, que a Advocacia-Geral da União possui sim uma Corregedoria-Geral com competência disciplinada em lei complementar, cabendo-lhe “fiscalizar as atividades funcionais dos membros” da instituição, promover correição nos respectivos órgãos jurídicos e até mesmo instaurar “sindicâncias e processos administrativos”. Desta forma, eis o órgão legalmente competente para apurar as faltas funcionais cometidos pelos membros dessa instituição.


7  CONCLUSÃO

Conforme se observou ao longo deste artigo, os membros da Advocacia-Geral da União exercem uma atividade advocatícia que, constitucionalmente, é designada como “Função Essencial à Justiça”. Desta forma, no estudo da responsabilização funcional desses agentes públicos, o texto constitucional se constitui no adequado parâmetro de análise, de modo a bem delimitar as hipóteses e os mecanismos de responsabilização.

Frente a todas as considerações expendidas neste trabalho, não se mostra cabível a responsabilização de membros da Advocacia-Geral da União por parte do Tribunal de Contas da União, vez que:

a) a Advocacia-Geral da União é uma instituição com status constitucional, com organização e funcionamento disciplinados em lei complementar (art. 131 da Constituição Federal);

b) os membros dessa instituição desempenham atividade de controle de juridicidade na esfera consultiva, sendo dotados de inviolabilidade em suas manifestações (art. 133 da Carta Magna);

c) tal função de controle se deve sujeitar a mecanismos de fiscalização que levem em conta a distinção entre as atribuições dos advogados e dos administradores públicos;

d) desta forma, considerando que existe uma Corregedoria-Geral da Advocacia da União, com atribuições expressamente previstas no art. 5º da Lei Complementar nº 73, de 1993, esse deve ser o órgão competente para a responsabilização administrativa dos membros da Advocacia-Geral da União.

É evidente que tais Advogados Públicos são sim responsáveis pelo exercício de sua atividade consultiva. Porém, tal responsabilização somente pode ocorrer nas hipóteses de dolo ou erro grosseiro, em parecer obrigatório e vinculante para a autoridade a quem competir a decisão. Trata-se da exegese que mais se coaduna com as elucidativas premissas traçadas pelo Supremo Tribunal Federal no Mandado de Segurança nº 24631/DF, interpretado em consonância com a abalizada doutrina que trata da Advocacia Pública.

Desta forma, impende garantir que a atividade de consultoria jurídica, nos processos de licitações e contratos administrativos, seja realizada com o legítimo escopo de orientar o administrador público, em prol da efetivação do ordenamento jurídico. Isto, contudo, demanda um reconhecimento das prerrogativas dos membros da Advocacia-Geral da União, de modo a viabilizar um controle de juridicidade realmente eficiente, em consonância com o disposto na Constituição Federal de 1988.


REFERÊNCIAS

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Advocacia pública. Revista Jurídica da Procuradoria-Geral do Município de São Paulo. São Paulo, p. 11-30, dez. 1996, p. 11.

FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 163.

FERREIRA, Sergio de Andréa. Comentários à Constituição. In: CUNHA, Fernando Whitaker da (Coord.). Comentários à Constituição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1991. v. 3, p. 12.

MACEDO, Rommel. A atuação da Advocacia-Geral da União no controle preventivo de legalidade e de legitimidade: independência funcional e uniformização de entendimentos na esfera consultiva. In: GUEDES, Jefferson Carús; SOUZA, Luciane Moessa (Coord.). Advocacia de Estado: questões institucionais para a construção de um Estado de Justiça. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009, p. 465-483.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Constituição e revisão: temas de direito político e constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 248.

_____. Advocacia de Estado revisitada: essencialidade ao Estado Democrático de Direito. Debates em Direito Público: Revista de Direito dos Advogados da União, São Paulo, ano 4, n. 4, p. 36-65, out./2005.

QUINTÃO, Geraldo Magela da Cruz. Funções essenciais à justiça: da Advocacia do Estado. In: MONTEIRO, Meire Lúcia Gomes (Coord.). Introdução ao Direito Previdenciário. São Paulo: LTR, 1998. p. 229.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tribunal Pleno. MS 24073/DF. Rel. Min. Carlos Velloso. DJ de 31 out. 2003.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tribunal Pleno. MS 24584/DF. Rel. Min. Marco Aurélio. DJe de 20 jun. 2008.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tribunal Pleno. MS 24631/DF. Rel. Min. Joaquim Barbosa. DJe de 1º

 fev. 2008.

TORRES, Ronny Charles Lopes de. A responsabilidade do Advogado de Estado em sua função consultiva. In: GUEDES, Jefferson Carús; SOUZA, Luciane Moessa (Coord.). Advocacia de Estado: questões institucionais para a construção de um Estado de Justiça. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009, p. 139-164.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Plenário.  Acórdão nº 96/2004. Rel. Min. Humberto Guimarães Souto. DOU de 19 fev. 2004.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Primeira Câmara.  Acórdão nº 4.127/2008. Rel. Min. Marcos Vinicios Vilaça. DOU de 18 nov. 2008.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Segunda Câmara.  Acórdão nº 128/2009. Rel. Auditor Augusto Sherman. DOU de 6 fev. 2009.


Notas

[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Advocacia pública. Revista Jurídica da Procuradoria-Geral do Município de São Paulo. São Paulo, p. 11-30, dez. 1996, p. 11.

[2] ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO. Parecer GQ-24. Pareceres da AGU, Brasília, v. 2, p. 243, [1994].  Disponível em: <http://200.181.70.163/pareceres/index_default.htm>. Acesso em: 26 jun. 2006.

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[3] Vide o art. 40, caput e § 1º, da Lei Complementar nº 73, de 1993:

“Art. 40. Os pareceres do Advogado-Geral da União são por este submetidos à aprovação do Presidente da República.

§ 1º O parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento.”

[4] FERREIRA, Sergio de Andréa. Comentários à Constituição. In: CUNHA, Fernando Whitaker da (Coord.). Comentários à Constituição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1991. v. 3, p. 12.

[5] TORRES, Ronny Charles Lopes de. A responsabilidade do Advogado de Estado em sua função consultiva. In: GUEDES, Jefferson Carús; SOUZA, Luciane Moessa (Coord.). Advocacia de Estado: questões institucionais para a construção de um Estado de Justiça. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009, p. 157.

[6] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tribunal Pleno. MS 24073/DF. Rel. Min. Carlos Velloso. DJ de 31 out. 2003.

[7] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tribunal Pleno. MS 24584/DF. Rel. Min. Marco Aurélio. DJe de 20 jun. 2008.

[8] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tribunal Pleno. MS 24631/DF. Rel. Min. Joaquim Barbosa. DJe de 1º

 fev. 2008.

[9] “Art. 38. (...)

Parágrafo único.  As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração.”

[10] TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Primeira Câmara.  Acórdão nº 4.127/2008. Rel. Min. Marcos Vinicios Vilaça. DOU de 18 nov. 2008. Por oportuno, leia-se o que se recomenda no referido acórdão:

“1.5. Determinar à Superintendência Federal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento no Rio Grande do Sul que:

(...)

e) apresente as razões para o caso de discordância, nos termos do inciso VII do art. 50 da Lei nº 9.784/99, de orientação de órgão de assessoramento jurídico à Unidade;” (grifou-se)

[11] TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Segunda Câmara.  Acórdão nº 128/2009. Rel. Auditor Augusto Sherman. DOU de 6 fev. 2009.  Veja-se a recomendação expendida nesse acórdão:

“Os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão de 2ª Câmara, ACORDAM, por unanimidade, em:

(...)

1.5. determinar à Defensoria Pública da União - DPU que:

(...)

1.5.15. em caso de não atendimento às recomendações da Consultoria Jurídica do Órgão, emitidas em parecer que trata o parágrafo único do art. 38 da Lei 8.666/93, insira nos processos de contratação documento contendo as justificativas para o descumprimento dessas recomendações;” (grifou-se)

[12] TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Plenário. Acórdão nº 96/2004. Rel. Min. Humberto Guimarães Souto. DOU de 19 fev. 2004.  Veja-se o que consta no Relatório do Ministro Relator desse acórdão:

“19. O Tribunal, nas questões relativas à ‘ausência de parecer jurídico nas licitações’, não sendo detectado prejuízo ao erário, vem sinalizando no sentido de ausência de dolo ou má-fé por parte dos responsáveis, falha formal e determinação, conforme as supracitadas decisões apresentadas nas razões de justificativa: Acórdão 62/1999 - Segunda Câmara e Decisão 561/98 - Plenário. No primeiro, por não haver sido detectado nenhum prejuízo ao Erário foi determinada a imediata regularização das impropriedades subsistentes. No segundo, o fato de inexistir dano ao Erário sinalizou no sentido de ausência de dano ou má fé por parte dos responsáveis, considerando falha de natureza formal, propondo determinação para que o órgão adotasse as providências de modo a coibir a reincidência de tal falha. Vê-se, assim, que se trata de falha semelhante, merecendo o mesmo tratamento.” (grifou-se)

[13] MACEDO, Rommel. A atuação da Advocacia-Geral da União no controle preventivo de legalidade e de legitimidade: independência funcional e uniformização de entendimentos na esfera consultiva. In: GUEDES, Jefferson Carús; SOUZA, Luciane Moessa (Coord.). Advocacia de Estado: questões institucionais para a construção de um Estado de Justiça. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009, p. 471.

[14] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Advocacia de Estado revisitada: essencialidade ao Estado Democrático de Direito. Debates em Direito Público: Revista de Direito dos Advogados da União, São Paulo, ano 4, n. 4, p. 36-65, out./2005.

[15] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Constituição e revisão: temas de direito político e constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 248.

[16] FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 163. QUINTÃO, Geraldo Magela da Cruz. Funções essenciais à justiça: da Advocacia do Estado. In: MONTEIRO, Meire Lúcia Gomes (Coord.). Introdução ao Direito Previdenciário. São Paulo: LTR, 1998. p. 229.

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Sobre a autora
Tatiana Bandeira de Camargo Macedo

Advogada da União lotada na Consultoria Jurídica junto ao Ministério das Relações Exteriores. Pós-Graduada em Direito Penal e em Direito do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACEDO, Tatiana Bandeira Camargo. A responsabilidade dos membros da Advocacia-Geral da União por pareceres relativos a licitações e contratos administrativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3260, 4 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21923. Acesso em: 22 nov. 2024.

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