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A aplicação do princípio da insignificância nos crimes contra o patrimônio do Código Penal Brasileiro

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07/06/2012 às 19:36
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03: SANÇÃO PENAL

3.1 Do conceito de sanção penal

Conforme observado no capítulo anterior, ao estudar individualmente os crimes previstos no Título II do Código Penal, necessariamente cita-se as penas que deverão ser aplicadas ao infrator de cada delito.

A pena é uma espécie de sanção penal. A sanção penal é a consequência da prática de um delito, é retribuição estatal ao infrator da norma penal que tem como objetivo a manutenção da ordem social. É a realização do jus puniendi do Estado.

Luiz Flávio Gomes e Antonio García-Pablos de Molina distinguem os termos sanção e sanção penal. Para eles, sanção é um gênero ao qual pertencem: a) as penas; b) as medidas de segurança e c) as medidas alternativas (por exemplo: as medidas aplicadas como decorrência da transação penal, previstas na Lei dos Juizados Especiais – Lei 9.099/95, art. 76; medidas aplicadas ao usuário de drogas, por força do artigo 28 da Lei 11.343/2006 etc.)[55]. De modo que concluem que “toda medida alternativa é uma sanção, mas nem sempre ela conta com natureza penal. Daí a relevância de serem distinguidos os conceitos de sanção (gênero) e de sanção penal (espécie)”[56].

As medidas alternativas supracitadas não serão abordadas neste trabalho tendo em vista que estão previstas em leis esparsas e que o estudo delas desviaria do objetivo pretendido por este trabalho.

3.2 Das espécies de sanções penais

3.2.1 Das medidas de segurança

As medidas de segurança são tratadas no Título VI da Parte Geral do Código Penal.

A medida de segurança é uma espécie de sanção penal que tem caráter preventivo e terapêutico (curativo), que visa evitar que o autor de um fato havido como infração penal, inimputável ou semi-imputável, mostrando periculosidade, venha a cometer outro delito e receba tratamento adequado[57].

O Código Penal atual adotou o sistema vicariante na aplicação da medida de segurança, ou seja, o juiz não poderá aplicar cumulativamente a pena e a medida de segurança devendo optar por um ou outra.

As medidas de segurança poderão ser de duas espécies: 1) de internação em hospital de custódia ou tratamento psiquiátrico ou outro estabelecimento adequado; ou 2) de tratamento ambulatorial.

Para a aplicação da medida de segurança exigem-se os seguintes pressupostos: a) ocorrência de crime, b) inimputabilidade ou semi-imputabilidade do agente, e c) periculosidade.

A medida de segurança não possui um prazo máximo de duração, sendo esta por tempo indeterminado enquanto a periculosidade persistir. O prazo mínimo da medida de segurança será de um a três anos.

3.2.2 Da pena

Certo dicionário jurídico define pena como:

a sanção legal, punição ou cominação prevista em lei, que o Estado impõe àquele que infringe norma de direito. Punição legal da culpa apurada em processo judicial, nos limites da lei. Entre os caracteres da pena estão: a legalidade, que exige a prévia cominação legal para sua aplicação, não havendo crime nem pena sem lei que os defina; a pessoalidade, não passando a pena da pessoa do delinqüente, o que é preceito constitucional; e a proporcionalidade, que diz que a pena deve ser proporcional ao delito praticado, o que não impede que ela seja individualizada, levando o juiz em contra fatores subjetivos, como reincidência, a personalidade do réu etc.[58]

Guilherme de Souza Nucci define pena como “a sanção imposta pelo Estado, através da ação penal, ao criminoso, cuja finalidade é a retribuição ao delito perpetrado e a prevenção a novos crimes”[59].

Fernando Capez define pena como a “sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja a finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinqüente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade”[60].

As penas podem ser privativas de liberdade, restritivas de direito ou de multa (artigo 32 do Código Penal).

As penas privativas de liberdade podem ser: a) de reclusão – cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto; b) de detenção – cumprida em regime semiaberto ou aberto, salvo a hipótese de excepcional transferência para o regime fechado; ou c) prisão simples - prevista apenas para as contravenções penais e pode ser cumprida nos regimes semiaberto ou aberto (artigo 33 do Código Penal).

O que diferencia as espécies de regimes são os estabelecimentos em que se darão a execução da pena. Assim, no regime fechado a execução da pena se dá em estabelecimento de segurança máxima ou média, no regime semiaberto o sentenciado cumpre a pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar e, finalmente, no regime aberto o sentenciado cumpre a pena em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado, sendo certo que este trabalha fora durante o dia e à noite recolhe-se ao albergue.

As penas restritivas de direitos estão previstas no artigo 43 do Código Penal. Podem ser: 1) de prestação pecuniária, 2) de perda de bens e valores, 3) de prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, 4) de interdição temporária de direitos, ou 5) de limitação de fim de semana.

As penas restritivas de direitos substituem as penas privativas de liberdade quando preenchidos os seguintes requisitos: a) que o crime seja culposo independentemente da quantidade de pena fixada ou que o crime seja doloso e a pena privativa de liberdade aplicada não ultrapasse quatro anos e desde que o delito tenha sido cometido sem o emprego de violência ou grave ameaça à pessoa; b) que o réu não seja reincidente em crime doloso[61]; e c) a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente para a prevenção e repressão do crime.

As penas restritivas de direitos tem a mesma duração que as penas restritivas de liberdade e estas não podem ser aplicadas cumulativamente, haja vista o seu caráter substitutivo, conforme já mencionado.

A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou à entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a um salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos.

A perda de bens e valores refere-se a bens ou títulos ou ações pertencentes ao condenado e que reverterão em favor do Fundo Penitenciário Nacional, tendo como montante o prejuízo causado ou o provento obtido pelo agente ou terceiro em razão da prática do crime.

A prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas consiste na atribuição ao condenado de tarefas gratuitas junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos ou outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais.

A interdição temporária de direitos consiste na: a) proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; b) na proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependem de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público; c) na suspensão de autorização ou habilitação para dirigir veículo; e d) na proibição de frequentar determinados lugares.

A limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado, onde poderão ser ministrados aos condenados cursos, palestras ou atribuídas atividades educativas.

Por fim, falta tratarmos da pena de multa. O próprio artigo 49 do Código Penal preleciona o conceito dessa espécie de pena:

“Art. 49. A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa”.

Feitas essas breves considerações gerias acerca do instituto da pena no direito penal, é de suma importância estudar-se a seguir as finalidades da sanção penal tendo em vista que essa abordagem será vital ao que se sucederá nos capítulos seguintes.

3.3 Das finalidades da sanção penal

Embora já diferenciadas as espécies de sanções penais, neste subitem trataremos das finalidades da sanção penal de modo geral, no entanto, se abstendo, mais especificamente, às finalidades da pena.

No tópico anterior, ao conceituar-se pena, foi mencionadas, ainda que superficialmente, as finalidades da sanção penal. Falou-se em retribuição ao delito, prevenção a novos crimes e promoção de readaptação social.

A doutrina comumente ensina que a finalidade da pena é explicada por três teorias: 1. Teorias absolutas ou retributivas da pena; 2. Teorias relativas; e 3. Teorias unificadoras ou ecléticas.

As teorias absolutas ou retributivas, como o próprio nome sugere, derivam do Estado absolutista. Num regime absolutista, impunham-se pena àquele que agia contra o soberano, de modo que o indivíduo ao rebelar-se contra este, era encarado como se estivesse também se rebelando contra o próprio Deus. A pena traduzia a ideia de ser um castigo pelo qual se expiava o mal (pecado) cometido[62].

O fundamento ideológico das teorias retributivas da pena baseia-se no reconhecimento do Estado como guardião da justiça terrena e como conjunto de ideias morais, na fé, na capacidade do homem para se autodeterminar e na ideia de que a missão do Estado perante os cidadãos deve limitar-se à proteção da liberdade individual. Nas teorias absolutas coexistem, portanto, ideias liberais, individualistas e idealistas[63]·.

Em suma, as teorias absolutistas transmitem a ideia que a finalidade da pena é punir o autor do delito. “A pena é a retribuição do mal injusto, praticado pelo criminoso, pelo mal justo previsto no ordenamento jurídico (punitur quia peccatum est)”[64].

Para as teorias preventivas ou relativas, a pena não visa a retribuição do mal cometido e sim a prevenção da prática de um novo delito. Diferentemente da teoria anterior, esta não se baseia na realização da justiça e sim na inibição da prática de novos crimes, ou seja, impõe-se pena ao delinquente a fim de que o mesmo não venha a reincidir no cometimento de outra infração penal.

A prevenção a que se referem as teorias relativas divide-se em: prevenção geral e prevenção especial. A prevenção geral é caracterizada pela intimidação dirigida à sociedade, assim, as pessoas não cometem crimes, pois tem medo de serem punidas. Já a prevenção especial dirige-se exclusivamente ao delinquente porque objetiva a readaptação e a segregação social deste como meio de impedi-lo de voltar a delinquir[65].

As teorias mistas, unificadoras, ecléticas, intermediárias ou conciliatórias da pena tentam agrupar um conceito único aos fins da pena. Esta corrente tenta reunir os aspectos mais destacados das teorias absolutas e relativas[66].

As teorias unificadoras aceitam a retribuição e o princípio da culpabilidade como critérios limitadores da intervenção da pena como sanção jurídico-penal. A pena não pode, pois, ir além da responsabilidade decorrente do fato praticado[67].

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Por esta teoria, temos que a pena tem “a dupla função de punir o criminoso e prevenir a prática do crime, pela reeducação e pela intimidação coletiva (punitur quia peccatum est et ne peccetur)”[68].

Essas são as teorias mais comuns que tentam explicar as finalidades da pena. Desse modo, conclui-se que não é incorreto dizer que a pena possui finalidade retributiva, preventiva e ressocializadora, ainda que esta última seja considerada por muitos como um mito.

Tendo em vista o que se abordará futuramente neste trabalho, mister se faz dar um especial destaque à função ressocializadora da pena. A ressocialização é a reeducação do sentenciado, que possibilita ao mesmo a reinserção ao meio social de modo a não cometer mais delitos.

A própria lei de execuções penais (lei 7.210/84), em seu artigo 1º, já transmite essa ideia de ressocialização que a pena deve ter, nos seguintes termos:

“A execução da penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” (grifos nossos)

A realidade, no entanto, é outra. Discorrendo sobre a questão do comportamento futuro do indivíduo que é sujeito a uma pena privativa de liberdade, Alessandro Baratta comenta: “antes de terem um efeito reeducativo sobre o delinqüente determinam, na maioria dos casos, uma consolidação da identidade desviante do condenado e o seu ingresso em uma verdadeira e própria carreira criminosa”.[69]

Em razão dos altos índices de reincidência no Brasil, a grande maioria da população não acredita nessa função ressocializadora das penas. A ideia de que o indivíduo que for condenado a uma pena de prisão em regime fechado e que permaneça num estabelecimento prisional por quatro anos e que após esse tempo o mesmo saia completamente regenerado ou reeducado é, infelizmente, uma grande utopia e algo muito distante da atual situação brasileira.

Falando a respeito dessa função da pena, Cezar Roberto Bittencourt Comenta: “Não se pode atribuir às disciplinas penais a responsabilidade exclusiva de conseguir a completa ressocialização do delinqüente, ignorando a existência de outros programas e meios de controle social de que o Estado e a sociedade devem dispor com objetivo ressocializador, como são a família, a escola, a Igreja etc.”[70].

Ainda que mínima e não exclusiva das disciplinas penais, a função ressocializadora da pena deve ser algo a ser perseguido pelo Estado e pela Justiça.


04: PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

4.1 Da definição de princípio

O termo princípio deriva do latim principium que, por sua vez, deriva das palavras primus e cipium que traduzem a idéia de primeiro e considerar. Assim, após uma análise etimológica da palavra pode-se dizer que princípio é aquilo que deve ser primeiramente considerado, são regras-mestras dentro do sistema positivo.[71]

Em geral, os dicionários definem princípio como o “preceito, regra, causa primária, proposição, começo ou origem”[72].  

Carlos Ari Sundfeld comenta que “os princípios são as idéias centrais de um sistema, ao qual dão sentido lógico, harmonioso, racional, permitindo a compreensão de seu modo de organizar-se”.[73]

Guilherme de Souza Nucci falando a respeito da importância e do significado da palavra princípio no âmbito jurídico comenta: “o conceito de princípio indica uma ordenação, que se irradia e imanta os sistemas de normas, servindo de base para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo”[74].

Princípio é, por definição, o mandamento nuclear de um sistema, seu verdadeiro alicerce, sua causa primária, seu germe. Por isso mesmo, violar um princípio é muito mais gravoso do que agredir uma norma ou comando determinado, porquanto implica repúdio a todo um sistema. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais[75].

O trecho mencionado deixa bem clara a importância dos princípios no direito, seja ele penal, administrativo, tributário etc.

No direito penal há vários princípios básicos, dentre eles, destacam-se: o princípio da legalidade, o da intervenção mínima, da fragmentariedade, da humanidade, da lesividade, da culpabilidade, da taxatividade, da proporcionalidade, da anterioridade, da retroatividade da lei penal mais benéfica, da personalidade, da individualização da pena e o princípio da vedação da dupla punição pelo mesmo fato.

Conforme vem sendo salientado neste trabalho, interessa-nos o estudo do princípio da insignificância, de modo que, feita essas breves considerações acerca de princípios, pode-se passar à análise do princípio da insignificância.

4.2 Princípio da insignificância

A Constituição Federal logo em seu artigo 1º, inciso III, estabelece que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, o qual tem como fundamento a dignidade da pessoa humana.

A descrição formal de um fato criminoso dentro de um Estado Democrático de Direito, tem de observar se o fato tem relevância e tutela os mais importantes interesses sociais, ou seja, aqueles identificáveis com os direitos humanos. Os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana são fundamentais já que deles decorrem vários princípios penais.[76]

Embora nosso sistema jurídico careça de uma definição clara do que vem a ser a dignidade da pessoa humana, é possível tecer-se algumas conclusões a este respeito.

A palavra dignidade deriva do latim dignitas ou dignitatis. É definida como a “qualidade de quem é digno; nobreza; respeitabilidade”[77]. Pode ainda significar “o respeito que merece alguém ou alguma coisa”[78].

Logo, pode-se concluir que a dignidade da pessoa humana constitui um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, pelo qual subentende-se o respeito que deve ser prestado pelo Estado a todos os indivíduos presentes em seu território. O Estado deve criar meios que possibilitem uma vida digna a todos.

Num primeiro momento essas considerações acerca da dignidade da pessoa humana poderiam parecer desnecessárias haja vista que o tema desse subitem é o princípio da insignificância e não o conceito de dignidade da pessoa humana. Entretanto, tal introdução é essencial uma vez que o princípio da insignificância decorre da dignidade humana e já que é um princípio regente a todo ordenamento jurídico.

No que tange aos princípios penais específicos, o princípio da insignificância ou bagatela, encontra íntima relação com os princípios da fragmentariedade e da intervenção mínima.

O princípio da fragmentariedade trata-se de corolário do Princípio da Intervenção Mínima e do Princípio da Legalidade. Significa que o Direito Penal não deve sancionar todas as condutas lesivas aos bens jurídicos, mas tão-somente aquelas mais graves e danosas, incidentes sobre os bens mais relevantes.[79]

O princípio da intervenção mínima, por sua vez, estabelece que o direito penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos relevantes para os indivíduos e para a sociedade, bens imprescindíveis à convivência pacífica dos homens e que não podem ser protegidos de outra forma. É medida de orientação e limitação do poder punitivo estatal.[80] O princípio da insignificância é um princípio paralelo e corolário ao princípio da intervenção mínima.

O dicionário da língua portuguesa Michaelis descreve o termo bagatela como sendo:

“1. Coisa de pouco valor ou inútil. 2. Quantia insignificante, ninharia”[81].

Guilherme de Souza Nucci aduz que insignificante pode representar algo de valor diminuto ou desprezível, bem como algo de nenhum valor.[82]

O princípio da insignificância ou bagatela é um princípio penal limitador. Este princípio não está na dogmática jurídica, sendo certo que resulta da criação exclusivamente doutrinária e pretoriana[83].

Em nossa legislação pátria, entretanto, o princípio da bagatela encontra-se contemplado no Decreto-lei 1.001 de 21.10.1969 (Código Penal Militar), em seu artigo 240, §1º, que dita:

§ 1º Se o agente é primário e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou considerar a infração como disciplinar. Entende-se pequeno o valor que não exceda a um décimo da quantia mensal do mais alto salário mínimo do país.

Fernando Capez[84] explica que esse princípio originou-se no Direito Romano, sendo certo que deriva do brocardo minimis non curat praetor. Foi introduzido no sistema penal em 1964 por Claus Roxin.

No que tange à sua localização na teoria do delito e natureza jurídico-penal, há grande divergência doutrinária, existindo três correntes acerca do assunto que consideram o princípio da bagatela como: a) excludente de tipicidade; b) excludente de antijuridicidade; e c) excludente de culpabilidade.

4.2.1 Da natureza jurídico-penal do princípio da insignificância
4.2.1.1 O princípio da insignificância como excludente de tipicidade

A corrente que considera o princípio da insignificância como excludente de tipicidade é a mais difundida pela doutrina tradicional e é a que nos parece mais correta. Para os adeptos de tal teoria, consiste o princípio da insignificância na idéia de que o Direito Penal não deve se preocupar com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico, já que a tipicidade exige um mínimo de lesividade a esse[85].

Capez comenta que: “se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico, sempre que a lesão for insignificante, a ponto de se tornar incapaz de lesar o interesse protegido, não haverá adequação típica”[86].

Corroborando com o entendimento de Fernando Capez, Carlos Vico Mañas também entende que o princípio da insignificância é causa de exclusão da tipicidade. Diz ele que o juízo de tipicidade, para que tenha efetiva significância e para que não atinja fatos que devam ser estranhos ao Direito Penal, por sua aceitação pela sociedade ou dano social irrelevante, deve entender o tipo, na sua concepção material, como algo dotado de conteúdo valorativo, e não apenas sob o seu aspecto formal, de cunho eminentemente diretivo. Para dar validade sistemática à irrefutável conclusão político-criminal de que o Direito Penal só deve ir até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico, não se ocupando com bagatelas, é preciso considerar materialmente atípicas as condutas lesivas de inequívoca insignificância para a vida em sociedade. E arremata: a concepção material do tipo, em conseqüência, é o caminho cientificamente correto para que se possa obter a necessária descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não mais são objeto de reprovação social nem produzem danos significativos aos bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal[87].

Zaffaroni e Pirangeli entendem que a insignificância da afetação de bens jurídicos exclui a tipicidade, mas só pode ser estabelecida através da consideração conglobada da norma: toda a ordem normativa persegue uma finalidade; tem um sentido, que é a garantia jurídica para possibilitar uma coexistência que evite a guerra civil (a guerra de todos contra todos). A insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral, que dá sentido à ordem normativa, e, portanto, à norma em particular, que indica que essa hipóteses estão excluídas de seu âmbito de proibição, o que não pode ser estabelecido à simples luz da sua consideração isolada. O princípio da insignificância, portanto, é causa de atipicidade conglobante[88].

4.2.1.2 O princípio da insignificância como excludente de antijuridicidade

Embora minoritária, há quem entenda que o princípio da bagatela exclui em verdade a antijuridicidade. Alberto da Silva Franco e Carlos Frederico Pereira são alguns dos defensores de tal entendimento.

Alberto Silva Franco ao vincular o princípio da insignificância à antijuridicidade material aduz que vivemos num Estado Democrático de Direito, ao qual deve ser atribuído sentido material, que “corporifica em si a proteção da liberdade pessoal e política dos cidadãos e a moderação e juridicidade de todo o exercício do Poder Público”[89]. Defende, também, que a lesão ao bem jurídico protegido deve ser relevante para que provoque a persecucção.

Carlos Frederico Pereira, por sua vez, ensina que “a insignificância no tipo indiciário se manifesta, como visto de regra na antijuridicidade material, pois é esta que contém o bem jurídico e exige a sua lesão e acima de tudo, que seja significante, sem o que não se poderá conceber a existência de crime”.[90]

4.2.1.3 O princípio da insignificância como excludente de culpabilidade

A terceira e última corrente acerca na natureza jurídico-penal do princípio da insignificância, o situa no campo da culpabilidade e o considera como uma eximente de pena.[91] Tal corrente é a menos aceita de todas.

Dentre os seus poucos seguidores, encontra-se Abel Cornejo que entende que o princípio da insignificância como excludente da culpabilidade é algo bem mais plausível do que excludente de antijuridicidade, pois erige-se como um limite à ingerência do Estado e uma justificação ética à aplicação da pena, sendo sua aplicação atribuição do juiz, que, no caso concreto, deverá determinar se se encontra diante de uma conduta penalmente insignificante ou, pelo contrário, a ação reveste-se de gravidade suficiente para constituir-se num ilícito penal. Desse modo, aduz que para delimitar o âmbito da aplicação do princípio da insignificância, deve o juiz ponderar sobre o conjunto de circunstâncias que rodeiam a ação, a fim de estabelecer se a finalidade abrange a produção de perigos ou lesões relevantes para o bem jurídico ou só afetações ínfimas. Assim, sustenta que a falta de proporcionalidade entre o fato penalmente insignificante e o castigo que deveria aplicar-se ao autor torna conveniente eximir de pena o agente, uma vez que encontra-se ausente a justificação ética da pena.[92]

4.2.3 Breves conclusões

Pelo que foi exposto, entendemos que o princípio da insignificância é aquele que permite infirmar a tipicidade de fato que, por sua inexpressividade, constituem ações de bagatela, despidas de reprovação, de modo a não merecerem valoração da norma penal, exsurgindo, pois, como irrelevantes[93].

O princípio da insignificância se ajusta à equidade e à correta interpretação do direito. Por equidade, acolhe-se um sentimento de justiça, inspirado nos valores vigentes na sociedade, liberando-se o agente cuja ação, por sua inexpressividade, não chega a atentar contra os valores tutelados pelo Direito Penal. Por interpretação correta do direito, exige-se uma hermenêutica mais condizente do direito, que não pode ater-se a critérios inflexíveis de exegese, sob pena de desvirtuar o sentido da própria norma e conduzir a graves injustiças[94].

Em suma, o princípio da bagatela deve ser aplicado e interpretado junto com os demais princípios de direito penal, usando-se de razoabilidade e proporcionalidade, tendo em vista que a finalidade é evitar que os autores de condutas penais irrelevantes sejam severamente punidos sem necessidade. O reconhecimento de fato penalmente insignificante gera a atipicidade da conduta e, em conseqüência, a isenção de pena, já que falta um dos elementos do fato típico. Todavia, a gradação qualitativa e quantitativa do injusto, permite que o fato criminoso insignificante seja excluído da tipicidade penal, mas possa receber tratamento adequado – se necessário – como ilícito civil, administrativo etc., quando assim o exigirem preceitos legais ou regulamentares extrapenais[95]

Todavia haja um clamor constante por parte da sociedade no que tange à realização da justiça, pode-se dizer que essa ao considerar irrelevante determinado fato criminoso, retira a reprovabilidade da conduta, de modo que não mais persistem as razões para a aplicação das penalidades legais.

Porém, quais são os critérios que devem estar presentes na conduta do agente para que esta possa ser considerada como insignificante?

4.2.4 Critérios para aplicação do princípio da insignificância

A aplicação do princípio da insignificância no direito penal, não só no que diz respeito aos crimes contra o patrimônio, depende da análise da situação concreta, ou seja, está relacionado ao caso prático não havendo uma formula genérica ou previsão legal que determine, por exemplo, que os fatos “x”, “y” ou “z” realizados da maneira “a”, “b” ou “c” serão obrigatoriamente tidos como insignificantes.

Conforme dito anteriormente, diante da inexistência de regras legais expressas, os operadores do direito debatem sobre quais seriam os requisitos mínimos para que pudesse ser aplicado o princípio da bagatela.

De maneira geral, as propostas de criação de tais requisitos giram em torno das seguintes considerações: 1) o valor do bem jurídico em termos concretos, 2) a lesão ao bem jurídico em visão global, e 3) a consideração particular aos bens jurídicos materiais de expressivo valor social[96]. No entanto, não se chega à unanimidade de aceitação de tais requisitos.

Tentando dirimir a questão, o Supremo Tribunal Federal[97] criou requisitos que devem ser observados na hora da aplicação do princípio da bagatela. O Supremo decidiu que o princípio da insignificância não deve ser aplicado tomando-se por base tão somente o valor do bem jurídico, mas também deve-se observar os seguintes requisitos:

1.            Mínima ofensividade da conduta do agente;

2.            Nenhuma periculosidade social da ação;

3.            Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e

4.            Inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Conforme observado, para aplicação do princípio da insignificância não basta, apenas, o valor do bem ofendido. Inclusive, chama-se atenção ao fato de que o valor do bem ofendido é relativo, pois há julgados em que se considerou como ínfimas as quantias de 18, 20, 45, 80 ou 267 reais.

Por fim, convém salientar que nos delitos patrimoniais a insignificância não leva em conta a capacidade econômica da vítima[98].

Agora que já se sabe no que consiste o princípio da bagatela e quais são os fatores que permitem sua aplicação, ver-se-á no próximo capitulo quais dos delitos contra o patrimônio vistos anteriormente admitem, ainda que só teoricamente, a aplicação do princípio da insignificância.

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Sobre a autora
Aline Albuquerque Ferreira

Delegada de Polícia do Estado de São Paulo. Ex-Advogada. Pós-graduada em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público. Pós- graduanda em Direito Público. Possui graduação em direito pela Universidade Paulista (2011). Aprovada no IV Exame da Ordem. Tem experiência em direito, com ênfase em direito penal e direito do consumidor.Foi estagiária concursada do Ministério Público Estadual (área criminal) e Ministério Público Federal (área: tributária, constitucional). Foi estagiária da magistratura estadual de São Paulo na área criminal, estagiária na vara das execuções criminais de São Paulo e Vara das Execuções Fiscais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Aline Albuquerque. A aplicação do princípio da insignificância nos crimes contra o patrimônio do Código Penal Brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3263, 7 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21947. Acesso em: 23 dez. 2024.

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