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A teoria da vulnerabilidade de Eugenio Raúl Zaffaroni e suas bases sociológicas

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Resumo:


  • Zaffaroni propõe a teoria da vulnerabilidade como um meio de entender a seletividade do sistema penal, que atinge desproporcionalmente grupos sociais vulneráveis, enquanto indivíduos poderosos e próximos ao poder são menos criminalizados.

  • A culpabilidade é vista como um processo dialético na teoria do delito, onde a autodeterminação humana é reconhecida, mas diferenciada da noção medieval de livre arbítrio, sugerindo uma liberdade de ação relativa frente ao sistema penal.

  • A teoria da vulnerabilidade sugere um realismo jurídico penal marginal, que busca reduzir os efeitos desumanos do poder punitivo, reorientando o conceito de culpabilidade para uma perspectiva mais realista e alinhada com o funcionalismo redutor.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

EDWIN H. SUTHERLAND, WHITE-COLLAR CRIME E A TEORIA DAS SUBCULTURAS CRIMINAIS DE RICHARD A. CLOWARD E L. E. OHLIN

Sutherland descreve, especialmente quando analisa as formas de aprendizagem do comportamento criminoso e da dependência desta com as várias associações diferenciais que a pessoa tem com outras pessoas ou grupos de pessoas. O autor faz uma crítica viril contra as teorias gerais do comportamento criminoso, baseadas sobre as condições econômicas (a pobreza), psicopatológicas ou sociopatológica, em sua obra White-Collar Crime.

Alessandro Barrata faz uma análise sobre a conclusão chegada por Sutherland quanto ao equívoco das teorias gerais da criminalidade:

Estas generalizações, afirma Sutherland, são errôneas por três razões. Em primeiro lugar, porque se baseiam sobre uma falsa amostra de criminalidade, a criminalidade oficial e tradicional, onde a criminalidade de colarinho branco é quase que inteiramente descuidada (embora Sutherland demonstre, por meio de dados empíricos, a enorme proporção deste fenômeno na sociedade americana). Em segundo lugar, as teorias gerais do comportamento criminoso não explicam corretamente a criminalidade do colarinho branco, cujos autores, salvo raras exceções, não são pobres, não cresceram em slums, não provêm de famílias desunidas, e não são débeis mentais ou psicopatas[28].

Ou seja, as teorias gerais sobre a criminalidade baseadas nas condições econômicas não explicam a criminalidade do colarinho branco, ou de estratos médios ou altos da sociedade. Porém, em alternativa às teorias convencionais, Sutherland (1940), assevera que há um elemento que ocorre em todas as formas de crime:

A hipótese aqui sugerida em substituição das teorias convencionais, é que a delinquência de colarinho branco, propriamente como qualquer outra forma de delinquência sistemática, é aprendida; é aprendida em associação direta ou indireta com os que já praticaram um comportamento criminoso, e aqueles que aprendem este comportamento criminoso não têm contatos frequentes e estreitos com o comportamento conforme a lei. O fato de que uma pessoa torne-se ou não um criminoso é determinado, em larga medida, pelo grau relativo de frequência e de intensidade de suas relações com os dois tipos de comportamento. Isto pode ser chamado de processo de associação diferencial[29].

Assim, para Sutherland, também existem fatores sociais (prestigio de alguns autores de infrações, escassa estigmatização de alguns tipos penais como os econômicos, políticos) e econômicos (possibilidade de recorrer a advogados de renomado prestígio, exercer pressão sobre os litigantes, corrupção, etc.) que contribuem para a chamada “cifra negra” (crimes sem apuração), ou quando muito aplicam simbologicamente o direito penal com sanções alternativas, como multas ou penas restritivas de direito, entre outras sanções não estigmatizantes.

Albert Cohen também demonstra, através de sua pesquisa sobre a teoria dos bandos juvenis, a existência da subcultura e do seu conteúdo específico. Segundo Cohen, os adolescentes da classe operária e do subproletariados em geral (pobres e marginais), a incapacidade de se adaptar aos standards da cultura dominante faz surgir o problema da autoconsideração e do status. Disso resulta uma subcultura de “negativismo”, “malvadeza” que permite exprimir e justificar a hostilidade e a agressão contra as causas da própria frustração social.

Ou seja, é criado um sistema de crenças e de valores, cuja origem é extraída de um processo de interação entre rapazes que, no interior da estrutura social, ocupam posições semelhantes. Esta subcultura representa a solução de problemas de adaptação, para os quais a cultura dominante não oferece soluções satisfatórias[30]. Assim, a teoria das subculturas criminais nega que o delito possa ser considerado como expressão de uma atitude contrária a valores e às normas sociais gerais, e afirma que existem valores e normas específicas dos diversos grupos sociais (subculturas)[31].

Isso mostra, que no interior de uma sociedade moderna, que é pluralista e conflitual, existem conjuntos de valores e regras sociais comuns, porém, existem também valores e regras específicas de grupos antagônicos. Assim, o direito penal não exprime, pois, somente regras e valores aceitos unanimemente pela sociedade, mas seleciona entre valores e modelos alternativos, de acordo com grupos sociais que, na sua construção (legislador) e na sua aplicação (magistratura, polícia, instituições penitenciárias), têm um peso prevalente[32].

Ou seja, dentro de uma única sociedade existem diferentes estratos sociais, aonde alguns são mais perseguidos pelo sistema penal do que outros, pois aqueles que escolhem os valores e aplicam o direito penal utilizam de um modelo comum apenas a alguns extratos da sociedade, criando assim um sistema desigual e baseado na falsa ideia de que existe uma sociedade uniforme, ecumênica, fraterna onde todas as pessoas possuem um mesmo valor e crença, ou seja, numa culpabilidade de um “mínimo ético” para proteger um sistema a “convivência humana” baseada na responsabilidade ética individual.

Também, a teoria das subculturas criminais de Cloward-Ohlin e Sutherland mostrou como a distribuição desigual do acesso aos meios legítimos para alcançar objetivos culturais das minorias desfavorecidas e a estratificação (divisão) de grupos sociais levaria a relativização dos valores de grupos menos favorecidos, pois o “mínimo ético” para estes é bem diferente do “mínimo ético” dos grupos detentores do poder.

Ou seja, se a eleição dos valores não é livre, e sim de acordo com algumas condições sociais e de comunicação não se pode dizer que existe uma “ética comum” para a culpabilidade, pois o que é reprovável para um grupo pode não ser para outro, destruindo um conceito geral de culpabilidade por prevenção geral ou especial.

Finalmente podemos dizer que não existe um único sistema de valores, ou o sistema de valores, em que a pessoa é livre de determinar-se de acordo com uma única gama de valores eleitos por alguns ou um grupo social, para se impor para todos. Ao contrário, não só a estratificação e o pluralismo dos grupos sociais, mas também as reações típicas de grupos socialmente impedidos de pleno acesso aos meios legítimos para a consecução dos fins institucionais dão lugar a um pluralismo de subgrupos culturais, alguns dos quais rigidamente fechados em face do sistema institucional de valores e de normas, e caracterizados por valores, normas e modelos de comportamento alternativo àquele[33].

Concluindo, só aparentemente está à disposição do sujeito escolher o sistema de valores ao qual adere. Em realidade, condições sociais, estruturas e mecanismos de comunicação e de aprendizagem determinam a pertença de indivíduos a subgrupos ou subculturas, e a transmissão e técnicas, mesmo ilegítimas.


CONCLUSÃO

As teorias tradicionais e clássicas da culpabilidade, surgidas especialmente no final do século XVIII, embora reconhecidas pela ética tradicional são insuficientes para a correta análise da culpabilidade, diante de uma sociedade onde a realidade que vemos é o de uma sociedade pluralista, com interesses antagônico, pessoas naturalmente diferentes, com classes diferentes, umas mais vulneráveis ao sistema policial, e outras, inversamente, invulneráveis ao sistema penal e mais próximas ao poder, o que dificulta a criminalização destes últimos. Por outro lado, é falsa a ideia - principalmente depois de Sutherland - de que a criminalidade é efeito da pobreza (ideia da teoria da co-culpabilidade), pois todas as camadas sociais praticam crimes, sendo somente diferente a incidência da criminalização entre estas pessoas, que opera com preferência sobre os setores mais vulneráveis da sociedade. A teoria da vulnerabilidade como fator de contenção do poder punitivo estatal, trazida pelo professor argentino Raúl Eugenio Zaffaroni no movimento que chama de “realismo jurídico marginal” demonstra claramente a seletividade do sistema penal e de suas agências oficiais, criando uma barreira de contenção para amenizar ou reduzir os danos e efeitos nefastos causados pelo sistema penal à pessoa humana num chamado “funcionalismo redutor”, o que ineludivelmente deve orientar o sistema jurídico-penal brasileiro.

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BIBLIOGRAFIA

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ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Derecho Penal: parte general / Alejandro Slokur y Alejandro Alagiu – 2ª ed. – Buenos Aires, Argentina, 2002.


Notas

[1] BUSATO, Paulo César. Apontamentos sobre o dilema da culpabilidade penal. In Revista Liberdades – n.° 8-setembro-dezembro de 2011, página 34.

[2] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, Parte Geral, 16ª edição, Editora Forense: Rio de Janeiro, 2003, página 125.

[3] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Derecho Penal: parte general / Alejandro Slokur y Alejandro Alagiu – 2ª ed. – Buenos Aires, Argentina, 2002, pág. 672.

[4] Idem, pág. 655.

[5] HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos de Direito penal. Trad. Pablo Alflen da Silva, Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 2005, página 306.

[6] Idem, pág. 651.

[7] Leia mais: BUSATO, Paulo César. Apontamentos sobre o dilema da culpabilidade penal. In Revista Liberdades – n.° 8-setembro-dezembro de 2011

[8] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. La Culpabilidad en el Siglo XXI. In: Direito Penal, v.3/ Alberto Silva Franco, Guilherme de Souza Nucci organizadores.- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, pág. 351.

[9] BUSATO, Paulo César. Apontamentos sobre o dilema da culpabilidade penal. In Revista Liberdades – n.° 8-setembro-dezembro de 2011, pág. 36.

[10] Como recentemente divulgado na mídia o caso do jovem Linderberg cuja pena ultrapassou 98 anos de reclusão.

[11] A declaração do ministro foi feita durante a assinatura de renovação de parceria entre o CNJ e a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) dentro do programa Começar de Novo, que prevê a criação de vagas para detentos e ex-detentos no mercado de trabalho e em cursos profissionalizantes em 06.09.2011.

[12] BETTIOL, Guiseppe; MANTOVANI, Luciano Pettoello. Diritto penale, Parte Generale, Padova, 1986, pág. 826, con citação de Guameri.

[13] Cfr. Roxin.

[14] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. La Culpabilidad en el Siglo XXI…pág. 350.

[15] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Derecho Penal: parte general / Alejandro Slokur y Alejandro Alagiu - 2", ed. – Buenos Aires, Argentina, 2002, pág. 654.

[16] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Derecho Penal: parte general ...2002, pág. 656.

[17] Idem, pág. 654.

[18] Idem, pág. 654.

[19] Idem, pág. 653.

[20] Texto extraído de voto do Ministro Luiz Fux, na ADI 4424/DF e ADC 19/DF em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal do Brasil.

[21] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Derecho Penal…pág. 400.  

[22] Idem, pág. 653.

[23] Filósofo americano de importância capital para a sociologia, pertencente à Escola de Chicago (psicologia). Juntamente com William James, Pierce e Dewey, Mead faz parte de uma corrente teórica da filosofia americana denominada de pragmatismo

[24] Filósofo e sociólogo. Schütz provavelmente foi o único dos grandes sociólogos que preferiu seguir a carreira de executivo na maior parte de sua vida, dando aulas em parte do tempo na New School for Social Research em Nova Iorque, produzindo trabalhos-chave para o desenvolvimento da sociologia fenomenológica. A principal contribuição de Schütz foi desenvolver a filosofia fenomenológica de Husserl como a base de uma filosofia das ciências sociais, particularmente para a teorização formulada por Max Weber. Sua obra mais notável é A construção significativa do mundo social, publicado em inglês como The phenomenology of the social world (A fenomenologia do mundo social).

[25] Según Howard S. Becker (1997), principal expoente del labelling approach, la idea de desvío es una creación de los grupos sociales que venga a remolque de la creación de las normas y de la aplicación de estas normas.

[26] Idem, pág. 102.

[27] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal; tradução de Juarez Cirino dos Santos.-3ª ed.-Rio de Janeiro: Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002, pág. 90.

[28] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal... p. 71/72

[29] E. H. Sutherland, (1940), p. 11.

[30] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal... p. 73.

[31] Idem, p. 73.

[32] Idem, p. 75.

[33] Ibdem, p. 74.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIANNA, Leonardo Lobo Andrade. A teoria da vulnerabilidade de Eugenio Raúl Zaffaroni e suas bases sociológicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3266, 10 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21977. Acesso em: 22 dez. 2024.

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