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O estatuto da cidade e suas implicações

01/10/2001 às 00:00
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O Presidente da República sancionou, em 10 de julho último, a Lei nº 10.257, que instituiu o Estatuto da Cidade, estabelecendo normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como de equilíbrio ambiental. Esta lei entrará em vigor dia 10 de outubro de 2001, noventa dias após sua publicação, ocorrida dia 11 do mesmo mês de julho.

Trata-se de inovador dispositivo legislativo no intuito de tornar mais humanas nossas cidades, que vai ao encontro do princípio da função social da propriedade do inciso XXIII do artigo 5º da Constituição Federal. Em decorrência do pequeno espaço, analisar-se-ão algumas das inovações.

O inciso II do artigo 2º institui a gestão democrática através da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.

O artigo 7º institui o chamado IPTU progressivo no tempo, voltado aos imóveis que descumpram sua função social, ou seja, aqueles não edificados, subutilizados ou não utilizados, devendo a legislação municipal regular em quais condições específicas isso ocorre. Lei Municipal também definirá a alíquota a ser aplicada a cada ano no IPTU progressivo, não excedendo a duas vezes o valor do ano anterior, até o teto de 15% (quinze por cento). Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que seja cumprida a referida obrigação pelo proprietário.

Por ser inovador e há muito tempo postulado, este dispositivo certamente será muito utilizado pelos Prefeitos Municipais. Como a lei só entra em vigor em 10 de outubro e diante do princípio tributário da anterioridade, e ainda como muitos legislativos entram em recesso em meados de dezembro, é de se supor e esperar que sejam enviados, já no dia da entrada em vigor projeto(s) de lei(s) às Câmaras Municipais, adequando o ordenamento legal municipal à legislação enfocada. Para tanto, os próximos três meses certamente serão de árduo trabalho para os envolvidos.

A partir do artigo 9º até o artigo 14 a lei trata da usucapião especial de imóvel urbano, já permitido no artigo 183 da Constituição Federal, para áreas urbanas de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas pelo interessado pelo prazo mínimo de cinco anos, desde que ali resida com sua família e não tenha outro imóvel urbano ou rural. A novidade é a instituição da usucapião especial de imóvel urbano, no mesmo prazo e com idênticas condições, para áreas urbanas superiores a duzentos e cinqüenta metros quadrados, desde que ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, e não se possa identificar os terrenos ocupados por cada possuidor. É a chamada usucapião especial coletiva de imóvel urbano. Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno para cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, sendo possível, porém, acordo escrito entre os condôminos, fixando frações ideais diferenciadas. Constituir-se-á, neste caso, condomínio especial indivisível, somente sendo passível de extinção por, no mínimo, dois terços dos condôminos, em caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio.

O artigo 11 prescreve que na pendência da ação de usucapião especial urbana, ficarão sobrestadas quaisquer outras ações, petitórias ou possessórias, que venham a ser propostas relativamente ao imóvel usucapeindo. De critícável técnica redacional é o parágrafo 2º do artigo 12, ao instituir que "o autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis". Sabidamente os benefícios de gratuidade de justiça e assistência judiciária gratuita referem-se à isenção de custas processuais e honorários de sucumbência, e não as custas para registro do imóvel, certamente ao que queria se referir neste dispositivo. De qualquer sorte, na melhor hemenêutica e de acordo com os princípios norteadores da lei, certamente os oficiais de registro de imóveis observarão o exato objetivo do dispositivo nas suas elevadas funções.

Tantas outras são as novidades instituídas pelo Estatuto da Cidade, como a possibilidade de concessão de direito de superfície (art. 21), a outorga onerosa do direito de construir (art. 28), a possibilidade de operações urbanas consorciadas (art. 32), a transferência do direito de construir (art. 35), e o estudo de impacto de vizinhança (art. 36). O espaço disponível, como antes salientado, impede uma análise pormenorizada, o que poderá ser feito posteriormente.

É de se salientar, finalmente, que o artigo 52 institui condutas do Prefeito Municipal que deixar de observar alguns dispositivos do Estatuto e que possam configurar improbidade administrativa.

Todos, à análise do Estatuto, então, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida de nossas cidades, em especial advogados, arquitetos e engenheiros, além de legisladores e prefeitos municipais, sendo de se esperar destes, como antes destacado, iniciativas legislativas já no mês de outubro próximo, com o fim de adequar o ordenamento jurídico municipal à nova lei.

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Sobre o autor
Luiz Gonzaga Silva Adolfo

advogado, mestre em Direito Público, professor da UNISINOS - São Leopoldo (RS) e da ULBRA - Gravataí (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. O estatuto da cidade e suas implicações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2200. Acesso em: 28 mar. 2024.

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