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A viabilidade e segurança do processo eletrônico no âmbito do direito processual civil

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24/06/2012 às 10:10
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6. UM RETRATO DA REALIDADE DO PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

O foco deste capítulo é apontar alguns dados estatísticos sobre a estrutura do Poder Judiciário brasileiro, para verificar o quanto se pode esperar ou não da efetiva aplicação do processo eletrônico em todo o País.

De início, uma constatação: o Brasil é um país onde a atividade judicante é uma tarefa extremamente difícil, tendo em vista a proporção desigual entre o número de juízes e o número de processos existentes e a falta de estrutura de trabalho. Some-se a isso o excesso de litigiosidade, fruto dos conflitos sociais das mais variadas formas. Tais circunstâncias podem ser constatadas nas pesquisas e dados estatísticos recentes.

Com efeito, dados do Conselho Nacional de Justiça apontam que o aumento do número de processos é maior que o aumento da população. De 2007 para 2008, foram distribuídas 2,4 milhões de novas ações no país, enquanto nasceram 2 milhões de brasileiros. Revelou-se que em 2008 a quantidade de processos aumentou 3,4% em relação a 2007, saltando de 67,7 milhões para 70,1 milhões ações no Poder Judiciário brasileiro, mais de uma ação para cada três habitantes. Nesse mesmo período, a estimativa do IBGE indicou que a população subiu 1,03%, passando de 187,64 milhões para 189,61 milhões de habitantes. Em consequência desse elevado número de processos, a justiça tem se tornado cada vez mais lenta. Das aproximadamente 70 milhões de ações em tramitação no país em 2008, apenas 25 milhões foram julgadas (35,71%)55.

O gráfico seguinte demonstra o crescimento do número de ações de 2007 para 2008:

Figura 1. Aumento do número de ações em 2008, relacionado ao total demonstrado no ano de 2007.

Considerando que em 2008 tramitaram aproximadamente 70.100.000 (setenta milhões e cem mil) ações no País e que desse número apenas 45 (quarenta e cinco) milhões foram sentenciadas, o índice de congestionamento56 no Brasil chega a aproximadamente 64,29% de processos pendentes de julgamento. É o que ilustra o gráfico abaixo:

Figura 2. Índice de congestionamento no Poder Judiciário brasileiro, referente ao número de processos ainda pendentes de julgamento.

É oportuno destacar, ainda, que esse aumento da litigiosidade não é acompanhado pelo aumento suficiente do número de juízes. Para se ter uma ideia, os 70,1 milhões de processos que tramitaram em 2008 foram distribuídos para apenas 15.731 (quinze mil e setecentos e trinta e um) magistrados brasileiros, resultando na proporção de aproximadamente 4.456 (quatro mil e quatrocentos e cinqüenta e seis) processos para cada juiz (média nacional)57.

Trazendo esse diagnóstico para a justiça estadual de 1º grau, a mais sobrecarregada do país, talvez por ser a mais próxima do cidadão, a relação entre o número de juízes e o de processos revela uma carga de trabalho de 5,3 mil processos por magistrado. Conforme dados do Conselho Nacional de Justiça, “Justiça em números”, em 2008 tramitaram mais de 45 milhões de processos no 1º grau da justiça estadual, sendo que foram sentenciados apenas 9,3 milhões de processos (aproximadamente 20% do total). Por consequência, a taxa de congestionamento, que se refere ao número de processos pendentes de julgamento, ficou em 80%58.

A figura abaixo destaca esse congestionamento:

Figura 3. Índice de congestionamento na Justiça Estadual de 1º Grau.

Nesse quadro, há Estados que têm uma proporção mais agravada. Por exemplo: São Paulo conta com uma sobrecarga de 10.612 (dez mil e seiscentos e doze) processos por juiz; Rio Grande do Sul tem 6.761 (seis mil e setecentos e sessenta e um) e Santa Catarina revela uma proporção de 6.719 (seis mil e setecentos e dezenove) processos por magistrado. A média em Minas Gerais é de 4.230 (quatro mil e duzentos e trinta) processos por juiz. E a taxa de congestionamento nesses estados é de, respectivamente, 84% em São Paulo, 67,1% no Rio Grande do Sul, 76,5% em Santa Catarina e 69,6% em Minas Gerais59.

Esses dados gerais impressionam, pois, por si só, já revelam a dificuldade do exercício da magistratura brasileira. Entretanto, algumas comarcas apresentam uma desproporção muito maior. Citem-se dois exemplos: Nas 29 Varas do Fórum de Guarulhos-SP tramitam aproximadamente 453 (quatrocentos e cinquenta e três) mil processos. Levando-se em conta que cada Vara conta com um juiz, o número que se obtém é de aproximadamente 15.621 (quinze mil e seiscentos e vinte e um) processos por juiz. Em Guarulhos, quase 1000 (mil) processos são distribuídos todos os dias60. O segundo exemplo é o da 7ª Vara da Fazenda Pública de João Pessoa - PB, onde existem cerca de 19 (dezenove) mil ações para um só juiz61.

Acerca desses exemplos, em que se aponta a sobrecarga de trabalho dos magistrados, se destaca a figura seguinte, através da qual vislumbra-se o acúmulo de feitos para um único órgão jurisdicional:

Figura 4 . Carga de trabalho dos magistrados.

Denota-se, então, que, para a diminuição da litigiosidade, o País precisa melhorar a distribuição de renda, a educação, a saúde, a segurança pública e o nível de emprego, pois as deficiências que existem quanto a estes aspectos criam, ainda que indiretamente, muitos conflitos, que acabam chegando ao Judiciário, provocando o aumento de número de processos. Ademais, o próprio Estado precisa se reestruturar, porque parte da sobrecarga da Justiça brasileira tem origem nele mesmo, um litigante que falha na missão de proteger os seus cidadãos, que demora a pagar, um litigante de prerrogativas processuais.

Pode-se dizer, portanto, que os números revelados até aqui retratam um dos porquês da morosidade do Poder Judiciário no Brasil. Aliás, há que se considerar, ainda, que muitos cidadãos desistem de procurar o Judiciário porque sabem da ineficiência e da demora do processo, implicando verdadeira renúncia do direito de ação. Essa deficiência de estrutura explica a demora dos trâmites processuais, levando o processo a se transformar em um fenômeno de injustiça e descrédito, quando, ao contrário, ele existe para ser um instrumento a serviço do Estado para solucionar os conflitos e trazer a paz social.

Por tudo isso, indaga-se: como exigir celeridade processual de um juiz com aproximadamente 10 mil processos? Será que é suficiente a substituição do papel pelo meio digital?

O que se pode afirmar é que o processo eletrônico tem se apresentado como uma alternativa (entre outras) para tornar o processo mais célere, mais efetivo. No entanto, é preciso ter em mente que, embora de forma diferente, a tendência é aumentar a demanda processual, principalmente se for verificado realmente que o processo digital é mais rápido, o que gerará um estímulo às pessoas para a procura do Poder Judiciário.

Daí conclui-se que, em um futuro próximo, com a completa aplicação do processo eletrônico no Brasil, ao invés de 10 mil processos em papel, por exemplo, haverá 10 mil processos eletrônicos.

Neste ensejo, destaca-se que a via eletrônica se configura apenas como uma forma diferente de se construir o processo, substituindo o papel pelo meio eletrônico, disponibilizando-o no computador e na rede mundial de computadores – internet.

Ultrapassados esses pontos, um outro enfoque refere-se ao investimento em tecnologia, pois em nada adianta a concepção de um processo eletrônico sem infraestrutura tecnológica adequada capaz de permitir a informatização integral do processo e a capacitação de servidores.

Fala-se disso porque, infelizmente, o número atual de computadores existentes no Poder Judiciário ainda é insuficiente para uma completa aplicação do processo eletrônico no Brasil. Também de acordo com os dados do Conselho Nacional de Justiça62, conta-se atualmente com menos de 01 (um) computador por servidor. O índice referente ao total de computadores por usuário mostra-se desta forma: a Justiça Federal aponta 0,97; na Justiça do Trabalho 0,92 e na Justiça Estadual o total é de 0,87 computadores por usuário. Apenas alguns Estados têm o privilégio de oferecer um computador ou mais para os seus usuários. É o caso de Amapá (1,00), Amazonas (1,06), Distrito Federal (1,08), Espírito Santo (1,00), Rio Grande do Sul (1,14) e Santa Catarina com 1,16 computadores por usuário.

Veja-se a representação a seguir:

Figura 5 – número de computadores por usuário

Destarte, sem investimento tecnológico será impossível um processo eletrônico verdadeiramente efetivo.

Por isso, verifica-se que a falta de modernização das varas judiciais, bem como o excesso de papéis, contribui para o congestionamento dos processos. As práticas atuais revelam que o processo costuma demorar mais tempo nas secretarias judiciais do que no gabinete do juiz, isso devido à necessidade de autuação, numeração de folhas e carimbos, o que poderá ser superado com a aplicação integral do processo eletrônico.

Pertinente que foi descrito neste capítulo, é pertinente a afirmação do juiz Edilberto Barbosa Clementino:

[...]Ocorre, contudo, que o que se dá na maioria das vezes é a absoluta impossibilidade para o processo e julgamento célere das questões postas em juízo, seja pelo grande número de feitos em tramitação, seja pelo reduzido número de juízes, funcionários e, principalmente, pela falta de recursos materiais e tecnológicos ou subutilização dos disponíveis[...].

Assim, é preciso mais do que a mudança da forma de se praticar os atos processuais para tornar o processo mais célere.

Esses foram os dados que se destacaram no desenvolvimento do trabalho. No capítulo seguinte, far-se-á a abordagem do novo horizonte que se desenha no Direito Processual Civil – o processo eletrônico, sublinhado por muitos como a esperança de um processo mais ágil.


7. PROCESSO ELETRÔNICO – SOLUÇÃO PARA OS MALES DO PODER JUDICIÁRIO?

No capítulo anterior, houve destaque para a deficiência de infraestrutura do Judiciário brasileiro, constatando-se que muitos magistrados brasileiros estão impossibilitados de assegurar celeridade ao processo devido à sobrecarga de trabalho.

E referente a esse aspecto, a Associação de Magistrados do Brasil (AMB) destacou que, para conter a morosidade do Judiciário, é necessário duplicar o quadro de juízes em todo o país. Conclui que o número insuficiente de juízes é agravado pelo excesso de processos tramitando nas varas judiciais. Para a AMB, o recomendável para que não haja congestionamento é que cada unidade judiciária seja responsável por mil processos, o que acontece em apenas 15% dos casos63.

Revelou, ainda, que a carência de funcionários técnicos capacitados e de estruturas equipadas torna o Judiciário mais lento. Apontou que um problema enfrentado pelo Poder Judiciário é a ausência de um sistema integrado de informações em 80% das varas, onde o carimbo ainda é instrumento de trabalho de muitos juízes, que não fazem o registro eletrônico das informações. Em muitos casos, os despachos feitos à mão, sem a utilização sequer de máquina de escrever, é prática frequente em 30% das varas, em especial nas regiões Norte e Nordeste64.

Dessa forma, é preciso ter em mente que será necessário investimento na infraestrutura do Poder Judiciário para a completa aplicação e efetividade do Processo Eletrônico no Brasil, seja com o aumento do número de juízes, seja com o aumento de investimento em tecnologia.A partir disso, então, e antes de responder à indagação deste capítulo, é importante verificar sobre a própria viabilidade e segurança desse novo processo, o que se fará no tópico seguinte.

7.1. A viabilidade do processo eletrônico

O processo eletrônico já é uma realidade, não mera utopia. Representa a inclusão do Poder Judiciário na era digital. É o sinal da modernização, que já alcançou muitas varas judiciais do país.

Levando em consideração todo o estudo até aqui desenvolvido, o processo eletrônico pode ser conceituado como o instrumento eletrônico utilizado pelo Estado para a solução dos conflitos.

No sítio do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, link do PROJUDI65, encontra-se a seguinte definição:

O processo judicial digital, também chamado de processo virtual ou de processo eletrônico, pode ser definido como um sistema de informática que reproduz todo o procedimento judicial em meio eletrônico, substituindo o registro dos atos processuais realizados no papel por armazenamento e manipulação dos autos em meio digital.

Como seria inevitável, em pleno século XXI, tempo em que a distância entre as pessoas foi reduzida pelo uso da internet, fenômeno que impactou a informação, a comunicação, a compra e o oferecimento de bens e serviços e a globalização, os recursos tecnológicos alcançaram também o Poder Judiciário para oferecer a produção de um novo processo, mais acessível, mais rápido e mais econômico – o processo eletrônico (ou digital).

A internet veio aproximar as sociedades do mundo inteiro, interligar culturas, proporcionar a troca de conhecimento e de informações e fomentar a pesquisa. Veio transformar as pessoas, ligá-las a todos os pontos do planeta. Trouxe um mundo virtual paralelo ao mundo real. Ela se tornou uma ferramenta indispensável do homem moderno, desde as suas relações sociais mais simples, como troca de e-mails, até as mais complexas, como é o caso da produção de sítios, da manutenção de computadores e do aprimoramento da integridade e segurança das informações.

E o Poder Judiciário não ficou imune às transformações sociais promovidas pela internet. Afinal, ela oferece múltiplas funcionalidades, do acompanhamento do trâmite processual, trocas de e-mails até a pesquisa de jurisprudência. Quanto à jurisprudência, por exemplo, a internet possibilitou uma melhoria na construção dos julgados, pois o magistrado tem a opção de observar os diversos entendimentos (dos casos a serem sentenciados) em todos os tribunais brasileiros, isso sem sair do trabalho ou de casa, com o objetivo de julgar da forma mais justa e efetiva possível. Isso porque todos os tribunais do país estão interligados na internet. De igual forma é para os demais operadores de direito, que têm na internet uma opção muito útil e indispensável no seu dia-a-dia.

É por isso que se propaga a ideia de que hoje se convive na sociedade da informação tecnológica, defendida por José Carlos de Araújo Almeida Filho, onde há um ritmo acelerado na troca de informações, uma quebra das barreiras geofísicas e uma comunicação muita mais rápida, tudo isso em função dos avançados recursos tecnológicos, os quais permitem, por exemplo, com o clique de um mouse, enviar uma correspondência eletrônica, em apenas alguns segundos, para qualquer lugar do mundo66.

Almeida Filho67 descreve ainda:

A ideia de uma nova sociedade, contudo, é perturbadora, ainda mais quando se está diante da máxima ubi societas ibi jus. Aboradando a premissa de que inexiste sociedade sem direito ou direito sem sociedade – ubi jus ibi societas -, trazemos a ideia metafória de Pellegrini, Dianamarco e Cintra quando apresentam o náufrago Robson Crusoé, isolado em um ilha. Pelo conceitos atuais de sociedade, não podemos afirmar estar o mesmo assim vivendo até a chegada do índio Sexta-Feira. Ocorre, todavia, que já se pode imaginar em uma sociedade sem a presença física de duas ou mais pessoas. Acaso o naufrágio literário ocorresse nos dias de hoje, bastaria que Robson Crusoé estivesse portando um notebook, com uma simples conexão wireless, para estar conectado a uma rede mundial de computadores e, portanto, em sociedade. Uma sociedade própria da cibercultura.

Nessa nova sociedade, movida pelas informações digitais, é que se insere um novo modelo de processo, cuja inserção no ordenamento jurídico se deu através da Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006, em vigor desde 20 de março de 2007, a qual dispõe, em 22 artigos, sobre a informatização do processo judicial, implicando a alteração de 12 artigos da Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil. Compõe-se de quatro capítulos: o primeiro trata da informatização do processo judicial; o segundo, da comunicação eletrônica dos atos processuais; o terceiro, do processo eletrônico; e o quarto traz as disposições gerais e finais. É nessa Lei que se vislumbra a viabilidade do processo digital.

Trata-se de uma verdadeira revolução, principalmente no âmbito do Processo Civil, foco principal deste trabalho, tendo em vista que foi, expressamente, o processo mais afetado pela nova lei, tendo 12 artigos alterados. Conforme já abordado, o processo eletrônico tem aplicação também nos processos penal e trabalhista (§1º do artigo 1º da Lei citada), mas estes demandariam um estudo próprio, dadas as suas peculiaridades.

A Lei 11.419/2006 demonstra que a instituição do processo eletrônico veio transformar o registro das informações judiciais, substituindo-se o papel pela via eletrônica, digital. A partir dela surgiu o PROJUDI, Processo Judicial Digital (também tratado como processo eletrônico), cuja colocação em prática está sendo estimulada em todas as esferas judiciais do Brasil.

Resumidamente, estes sãos os principais pontos da Lei 11.419/2006: a) substituição do papel pela via eletrônica (meio virtual), utilizando-se da internet; b) a prática dos atos processuais eletronicamente, mediante a assinatura digital, sem a necessidade de termos de juntada, numeração, autuação ou certidão; c) interação entre juízes, promotores, defensores públicos, advogados e partes através da internet; d) peticionamento, despachos e sentenças eletrônicos; e) acesso a todos os dados do processo pela internet, de forma rápida e instantânea, respeitados os casos de segredo de justiça, sem a necessidade de ir ao fórum; f) publicação através do Diário da Justiça Eletrônico, eliminando-se o impresso em papel; g) envio das cartas (precatória, de ordem e rogatória) por meio eletrônico; h) possibilidade de citação, intimação e notificação por meio eletrônico; i) digitalização dos documentos de papel, transformando-os em documentos eletrônicos.

Elpídio Donizetti68 aborda essa nova realidade do processo informatizado:

De qualquer forma, não se pode negar o grande avanço representado pela Lei nº 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial. O conjunto das alterações levadas a efeito por essa norma significa que em breve não haverá mais autos físicos, que enfim ficar-se-á livre da papelada, cuja guarda, além de ocupar grandes espaços físicos nos fóruns, implica elevados gastos financeiros para a conservação e, o que é mais grave, o corte de centenas de milhares de árvores por ano somente para registrar atos processuais.

Na prática, o processo eletrônico propõe um novo modelo de tramitação processual, deixando crer, pelo menos hipoteticamente, que a sua efetiva implementação no âmbito do Processo Civil (não excluindo a sua aplicação nos processos penal e trabalhista) eliminará o tempo gasto com a formação daquele caderno que se conhece hoje: autuação em cartolina e numeração da petição inicial, carimbos para juntada das petições e documentos, certidões, apensamento de autos conexos com barbantes. Fala-se na eliminação de tempo porque, muitas vezes, os processos permanecem muito tempo nas secretarias judiciais, aguardando manifestação (dos advogados, promotores, defensores públicos, peritos, etc), juntada de documentos ou numeração e rubrica de folhas (imagine-se uma petição inicial com documentos que chegam a mil, duas mil, três ou até dez mil folhas)69.

Essa mudança de paradigma é abordada pelo Desembargador Marcelo Guimarães Rodrigues70, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

O Judiciário [...] colocou já em prática, ainda que de forma embrionária, diante das notórias restrições orçamentárias, o processo eletrônico e o Diário do Judiciário eletrônico (a partir da edição da Lei Federal 11.419/2006), que seguramente representa o início de uma nova e promissora era com o rompimento definitivo de seculares símbolos do arcaísmo (eliminação do papel, carimbos, linhas e agulhas de costurar maços, prateleiras, arquivos físicos – salas e prédios – imensos, caríssimos, inseguros e ineficientes).

O autor Fausto Bernardes Morey Filho71 fala também desse novo processo e aponta possíveis reflexos:

A aplicação da nova Lei conjugada com a implantação dos novos sistemas informatizados propiciará, num futuro próximo, mudanças importantes no escopo do trabalho dos servidores, nas rotinas das unidades judiciárias e em suas estruturas organizacionais. A mudança do ferramental tecnológico utilizado para a realização dos trabalhos afetará as atribuições dos servidores, em decorrência, por exemplo: a) da substituição de autos físicos (pastas de processo), livros de registro, fichas e carimbos, entre outros, por processos eletrônicos; b) das decorrentes modificações na tramitação processual com a eliminação da necessidade de intervenção de servidores, como por exemplo, no processamento de petições iniciais, intimações e publicações; c) do fato de que muitas intimações e notificações serão realizadas pelo Portal da Justiça, entre outros. Os servidores do futuro terão atividades muito mais próximas às de um assessor técnico de Desembargadores e Juízes, com conhecimento em tecnologia de informação e gestão administrativa, pois muito da responsabilidade pelo desempenho da unidade será sua atribuição. As atividades hoje desenvolvidas por eles são predominantemente de caráter manual, tais como, juntada de petições, registros em livros e em fichas de controle. [...]

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Esse ponto de vista é fundamental para eliminar parte da resistência dos operadores do direito contra o processo eletrônico. Este não pretende suprimir a mão-de-obra necessária para acompanhar e trabalhar o processo, mas apenas adaptá-la ao novo (e inevitável) paradigma. Não poderia ser diferente, porque as máquinas não têm o condão, jamais, de substituir o homem. Não pensam, não têm criatividade, não trabalham sozinhas. São obras dos homens, trabalham para o melhor desempenho do seu trabalho, enfim, são fruto da curiosidade e inteligência humanas, as quais sempre inovam em busca da melhor forma de produzir, consumir ou mesmo de conviver.

Para Almeida Filho72:

Mesmo com a inserção da informatização judicial no Brasil, os auxiliares da justiça serão imprescindíveis ao andamento dos feitos. As perguntas recorrentes, em eventos que tratam especificamente do processo eletrônico, demonstram esta preocupação por partes dos serventuários do Poder Judiciário. É importante destacar que a participação humana jamais poderá ser substituída pelas máquinas. A informatização proporcionará distribuição, movimentação e documentação eletrônicas. [...] Mas é certo que esta movimentação informatizada não prescindirá da participação dos auxiliares da justiça, que deverão certificar os atos praticados pelas partes, como, por exemplo, a tempestividade do envio da peça processual, bem assim questões envolvendo custas e certidões. A existência do processo em sistemas informáticos não significa que a conclusão será imediata, tão logo protocolada uma petição. Os auxiliares continuarão a exercer suas funções como delimitadas nos respectivos códigos, somente que com o plus da certificação eletrônica.

O inevitável é que os auxiliares de justiça deverão ser capacitados para lidar com a tramitação eletrônica do processo. É por isso que acredita-se que não haverá aumento do desemprego no Poder Judiciário, mas sim uma demanda por mão-de-obra qualificada, técnica.

Para o incentivo da implementação do processo eletrônico no País, exemplos não faltam. O primeiro deles, muito combatido no início de sua aplicação e louvado hoje, inclusive internacionalmente, é o da urna eletrônica (ideia brasileira), que permite o registro dos votos dos eleitores na forma digital, assegurando o sigilo e a segurança do voto, além de uma apuração em tempo recorde (não mais aqueles dias infindáveis, em que havia contagem manual de cédulas); o segundo, é o da declaração anual do imposto de renda através da internet. As pessoas que ainda se utilizam do preenchimento manual dos formulários são exceções; por último, citem-se as inúmeras transações eletrônicas feitas diariamente através da internet, para oferta e compra de produtos e serviços e as movimentações financeiras dos bancos, todas disponibilizadas na internet e trabalhadas com o auxílio dos computadores (diferente de anos atrás – quanto tudo era feito em fichas de papel).

Sendo assim, o processo eletrônico se apresenta, através da Lei 11.419/2006, como uma nova ordem, rompendo com o modelo processual em papel, com a perspectiva de proporcionar ao processo mais celeridade, objetivando dar ao jurisdicionado uma solução jurídica mais rápida. A resistência73 continuará existindo, naturalmente, pois o que se apresenta é algo novo, inimaginável há pouco mais de uma década atrás, que ainda suscita muitas dúvidas em relação à efetiva segurança das informações, o que será abordado no tópico seguinte.

7.2. A segurança das informações processuais digitais

Muito maior que a resistência de muitas pessoas ao uso das novas tecnologias pelo Poder Judiciário, a preocupação com a segurança do processo eletrônico é o que mais tem dificultado uma confiança plena nessa nova ferramenta. Trata-se de um preocupação que deverá existir sempre, tendo em vista que as informações judiciais não podem ficar à mercê de fraudes, manipulações e alterações ou ataques de hackers, porque isso implicaria em verdadeira insegurança jurídica.

A esse respeito, Edilberto Barbosa Clementino74, citando Hely Lopes de Meirelles (Meirelles, 2001, p.90), destaca que o princípio da segurança jurídica é um dos pontos fundamentais da ordem jurídica, construído a partir do princípio da boa-fé dos administrados ou da proteção da confiança e ligado à necessária estabilidade da relação jurídica.

Clementino pondera, ainda, que, conforme ocorre com o processo tradicional, o processo digital deve possibilitar a mesma certeza quanto à autenticidade e à integridade dos documentos eletronicamente produzidos, bem como garantir a sua proteção contra acesso indiscriminado75.

Em se tratando de processo digital, todos os documentos que o integram passam a se denominar documento eletrônico. E a validade e segurança desses documentos, no que se refere à autenticidade e integridade, é que poderão garantir a segurança de todo o processo eletrônico.

J.E.Carreira Alvim e Silvério Nery Cabral Júnior, ao citarem a obra de Augusto Tavares Rosa Marcacini, descrevem que o documento eletrônico é uma seqüência de bits que, traduzida por meio de um programa de computador, representa ou comprova um fato. Assim como os documentos físicos, o eletrônico não se resume em escritos: pode ser um desenho, uma foto digital, sons, vídeos, enfim, tudo o que puder representar um fato e que esteja armazenado em arquivo digital. Sustentam que as peculiaridades técnico-informáticas do documento eletrônico é que o diferenciam dos documentos tradicionais76.

O advogado Mário Paiva77, Assessor da Organização Mundial de Direito e Informática (OMDI), suscita os itens indispensáveis à segurança dos documentos eletrônicos: a) autenticidade: a correspondência entre o autor aparente e o autor real comprovada pela assinatura digital; b) integridade: os documentos eletrônicos não podem ser objeto de alterações que lhes modifiquem o conteúdo; c) confidencialidade: o acesso aos documentos eletrônicos tem de ser controlado com o uso de técnicas de criptografia.

Ainda no que concerne ao documento eletrônico, o autor AugustoTavares Rosa Marcacini defende o “princípio da equivalência instrumental ao papel”. O mesmo pondera que o principal obstáculo do processo eletrônico resume-se à questão da segurança do meio digital em relação ao papel. Conclui que não existe, em nenhum dos dois, segurança em termos absolutos. Assim, propõe que o meio eletrônico pode exercer as mesmas funções do papel, e de modo mais satisfatório, não havendo como rejeitar, portanto, a eficácia do documento eletrônico78.

Consoante já se afirmou, a segurança do processo digital depende da validade jurídica dos documentos eletrônicos.

Sobre isso escreveu o autor Miguel Pupo Correia79:

A eficácia jurídica dos documentos em geral e dos documentos eletrônicos em especial está, como já dissemos, fortemente dependente da confiança, credibilidade ou fiabilidade que possam merecer reproduções – melhor se diria revelações – de factos ou objectos, o que depende essencialmente de dois fatores: genuinidade e segurança. É genuíno o documento quando não sofreu alterações. É seguro tanto mais quanto mais difícil for alterá-lo e mais fácil de descobrir as alterações que tenha sofrido e reconstituir o texto original.

E a genuinidade e a segurança do processo eletrônico, ainda que impossíveis de se alcançar de modo absoluto (tal como ocorre com o papel) são alcançadas através da assinatura digital, criptografia e certificação digital, termos que serão adiante estudados.

7.2.1. A assinatura digital

O inciso III do §2º do artigo 1º da Lei 11.419/2006 disciplina duas formas de assinatura eletrônica: a) a digital, baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma da lei específica; e b) cadastro do usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.

No entanto, a forma mais segura de garantir a autenticidade e a integridade das informações do processo eletrônico é a assinatura digital obtida através da criptografia assimétrica ou de chave pública, o que será explicado adiante.

Expressão relacionada à informática, ela é bem definida pelo autor William Stallings80:

Uma assinatura digital é um mecanismo de autenticação que permite ao criador de uma mensagem anexar um código que atue como assinatura. A assinatura é formada tomando o hash da mensagem e criptografando-a com a chave privada do criador. A assinatura garante a origem e a integridade da mensagem.

Segundo destaca esse autor, a solução mais adequada para situações onde não existe confiança mútua entre emissor e receptor da mensagem é a assinatura digital, que é semelhante à assinatura manuscrita, com esta não se confundindo. Ela precisa ter as seguintes características: a) deve verificar o autor, a data e hora da assinatura; b) deve autenticar o conteúdo no momento da assinatura; c) deve ser verificável por terceiros, para resolver disputas. Assim, a função de assinatura digital inclui a função de autenticação81.

A partir dessas propriedades, William Stallings formulou os seguintes requisitos para uma assinatura digital: a) ela precisa ter um padrão de bits que dependa da mensagem que será assinada; b) precisa usar alguma informação exclusive do emissor, para impedir tanto a falsificação quanto a retratação; c) deve ser relativamente fácil produzi-la; d) deve ser relativamente fácil reconhecê-la e verificá-la; e) deve ser computacionalmente inviável falsificá-la, seja construindo uma nova mensagem para uma assinatura digital existente seja construindo uma assinatura digital fraudulenta para determinada mensagem; e f) deve ser prático armazenar uma cópia da assinatura digital82.

Para Henrique Nelson Calandra83, Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, “a assinatura digital conferirá aos documentos o mesmo valor jurídico daqueles em papel, assinados de próprio punho. Esse sistema tem como pilares a autenticidade, a integridade e a confiabilidade, minimizando os riscos em torno da segurança”.

Almeida Filho84 cita em sua obra a definição do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação:

A assinatura digital é uma modalidade de assinatura eletrônica, resultado de uma operação matemática que utiliza algoritmos de criptografia assimétrica e permite aferir, com segurança, a origem e a integridade do documento. A assinatura digital fica de tal modo vinculada ao documento eletrônico “subscrito” que, ante a menor alteração neste, a assinatura se torna inválida. A técnica permite não só verificar a autoria do documento, como estabelece também uma “imutabilidade lógica” de seu conteúdo, pois qualquer alteração do documento, como por exemplo a inserção de mais um espaço entre duas palavras, invalida a assinatura.

A assinatura digital, portanto, é diferente da assinatura manuscrita e da assinatura digitalizada. Esta é obtida pela digitalização de um documento assinado a mão, através de um scanner ou aparelho similar, enquanto a assinatura manuscrita é aquela que se apõe de próprio punho em algum documento, vinculando ao mesmo a autoria e a autenticação.

Na definição da assinatura digital, consta que a mesma é obtida através da criptografia assimétrica, cujo estudo é essencial para a garantia da segurança do processo digital.

7.2.2. A criptografia

Consta do Dicionário Jurídico Acquaviva85 que criptografia é expressão de origem grega (kriptos – escondido e grápho – grafia), significando escrita oculta, indevassável, conhecida por poucos, para preservar informações. É uma forma de tornar obscura, incompreensível uma mensagem, com um determinado código, por exemplo. Essa mensagem só será compreensível se o destinatário conhecer a forma de decifrá-la.

Conforme explicado no item anterior, a assinatura digital é obtida através da criptografia, podendo esta ser denominada como um elemento fundamental daquela, que permite a segurança e a validade dos documentos eletrônicos.

Edilberto Barbosa Clementino86 explica:

Na era dos Computadores, Criptografia e Intimidade estão ligadas de forma indissociável. Criptografia é um conjunto de técnicas que permite tornar incompreensível uma mensagem ou informação, com observância de normas especiais consignadas numa cifra ou num código. Para deslindar o seu conteúdo o interessado necessita da chave ou segredo. Essa chave pode ser obtida por ato de vontade daquele que encriptou a mensagem ou informação (confidenciando ao interessado o código de acesso) ou pela utilização de técnicas para descobrir a forma de encriptação utilizada e respectivo código.

Para esse autor, a validade jurídica dos documentos eletrônicos depende da autenticidade, integridade e proteção contra acesso não autorizado, características diretamente relacionadas à Criptografia.

William Stallings87, autor da ciência da computação, afirma que criptografia é a ferramenta automatizada mais importante para a segurança das informações de um computador na rede. Ele destaca em sua obra que o crescente uso do computador e dos sistemas de comunicação aumentou o risco de roubo de informações particulares. Assim, a criptografia tornou-se um dos principais métodos de proteção das informações eletrônicas.

A criptografia divide-se em duas espécies: a convencional, ou simétrica, e a criptografia por chave pública, ou assimétrica. Esta última é a que mais interessa ao presente estudo, pois é a modalidade mais segura e foi a adotada pela Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil (Medida Provisória 2.200-2, de 24 de agosto de 2001).

7.2.2.1. Criptografia Simétrica ou Convencional

Nessa espécie, o emissor e o receptor da mensagem cifrada (codificada, oculta) usam a mesma chave (mesmo código) para decifrar a informação. A criptografia simétrica transforma o texto claro em texto cifrado, usando uma chave secreta e um algoritmo de criptografia. Usando dessa mesma chave, o receptor da mensagem decifra o texto – recupera o texto claro a partir do texto codificado88.

O risco da criptografia simétrica é que um mesmo código (a mesma chave) é compartilhado entre emissor e destinatário da mensagem, o que torna a informação vulnerável, pois qualquer pessoa, de posse dessa chave, consegue decodificar a mensagem, podendo alterá-la ou mesmo deletá-la.

7.2.2.2. Criptografia Assimétrica ou Pública

A assinatura digital é obtida através da criptografia assimétrica, a qual cria um vínculo entre a assinatura e o corpo do documento. Nesse modelo, a cifragem (codificação) e a decifragem (ato de tornar inteligível o texto obscuro) são realizadas usando diferentes chaves – uma pública e outra privada. A criptografia assimétrica transforma o texto claro em texto cifrado usando uma das duas chaves e um algoritmo de criptografia. A partir do uso da outra chave associada e um algoritmo de decriptografia, o texto claro é recuperado. Ela é a forma mais usada para assegurar a confidencialidade e autenticação89

Conforme descrito por Edilberto Barbosa Clementino90, a criptografia assimétrica assim funciona:

O interessado em comunicar-se dispõe de duas chaves. Uma, é de apenas seu conhecimento, jamais necessitando revelá-la para quem quer que seja. Uma outra, de conteúdo disponível, podendo até constar de uma espécie de catálogo público. Quem quiser mandar uma mensagem sigilosa para alguém, bastaria buscar a Chave Pública dessa pessoa em um catálogo público. Dessa forma, encriptaria a mensagem que somente poderia ser lida pelo destinatário, o único a conhecer a Chave Privada apta para desencriptar a mensagem sigilosa.

O autor Willian Stallings91 exemplifica, citando quatro etapas essenciais:

1. Cada usuário gera um par de chaves a ser usado para a criptografia e decriptografia das mensagens; 2. Cada usuário coloca uma das chaves em um registro público ou outro arquivo acessível. Essa é a chave pública. A outra chave permanece privada. [...] Cada usuário mantém um conjunto de chaves públicas obtidas de outros usuários; 3. Se Bob deseja enviar uma mensagem confidencial para Alice, Bob criptografa a mensagem usando a chave pública de Alice; 4. Quando Alice recebe a mensagem, ela a decriptografa usando sua chave privada. Nenhum outro destinatário pode decriptar a mensagem, pois somente Alice conhece a sua chave privada.

[...]

Com essa técnica, todos os participantes têm acesso às chaves públicas, as chaves privadas são geradas localmente por cada participante e, portanto, nunca precisam ser distribuídas. Desde que a chave privada de um usuário permaneça protegida e secreta, a comunicação que chega está protegida. A qualquer momento, um sistema pode alterar sua chave privada e publicar a chave pública correspondente para substituir sua antiga chave pública.

Deste modo, a criptografia assimétrica apresenta-se bem mais segura do que a criptografia convencional (simétrica), pois trabalha com chaves diferentes para a cifragem e decifragem da mensagem. Entretanto, não se pode afirmar que seja absolutamente segura, pois o seu sucesso em garantir a integridade, autenticidade e confidencialidade da mensagem depende da guarda sigilosa da chave privada, para evitar que outras pessoas se passem pela detentora dessa chave, praticando atos e negócios jurídicos em seu nome.

De forma expressa, o Brasil se valeu da criptografia assimétrica para garantir o sigilo das comunicações eletrônicas com a adoção da Medida Provisória 2.200-2, de 24 de agosto de 2001.

A criptografia assimétrica ou pública, portanto, apresenta-se como método indispensável para imprimir maior confiabilidade ao processo eletrônico, muito embora seja pertinente salientar que dificilmente será alcançada a certeza inequívoca acerca dessa confiança, tanto no processo tradicional (físico ou de papel) quanto no eletrônico.

Mas, enfim, onde são adquiridas as assinaturas digitais e desenvolvidas as chaves pública e privada da criptografia? É o que se verá a seguir.

7.2.3. Certificação digital

Após tratar da assinatura digital e daquilo que lhe dá segurança, a criptografia assimétrica, é necessário saber acerca da produção dessa espécie de assinatura eletrônica. Para tanto, existe a certificação digital, a tecnologia responsável pela segurança das informações na internet.

O advogado Marcus Filgueiras92 explica da seguinte forma:

Certificação digital é o ato de autenticar e comprovar não só a autoria de um documento digital, mas também o seu teor. Esse ato se concretiza por meio de um programa informático que funciona como uma espécie de chave eletrônica codificada (criptografada), que é fornecida para os usuários por entidades credenciadas (Autoridades Certificadoras) que aqui no Brasil compõem o denominado ICP-Brasil – Infra-estrutura Brasileira de Chaves Públicas. Percebe-se que a certificação é como se fosse um cartório virtual – um terceiro, portanto – que autentica a assinatura eletrônica dos que se submetem a esse sistema. [...] O destinatário do documento digital ao abri-lo, poderá acessar também o certificado emitido por uma autoridade que garante a veracidade do teor daquele específico documento e a identificação do seu emitente. Esse certificado tem uma codificação que, se houver adulteração do documento digital após a sua emissão, por menor que seja, será identificada. Portanto, com este recurso se identifica o autor e, além disso, protege a integridade dos dados relativamente a alterações indevidas. Registre-se que não garante a existência do documento, mas do que ele contém. [...] Esse programa codificado pode ser fornecido de diversas formas: tokens, cartões magnéticos com chips, CDs, entre outros.

A certificação digital, desenvolvida graças aos avanços da criptografia, é o instrumento que garante a utilização cada vez maior da internet nestes tempos modernos, não apenas como meio alternativo de comunicação, mas também como lugar seguro para transações eletrônicas (compra, oferta, troca de bens e serviços, além de operações bancárias). E através dessa certificação é que se obtém o certificado digital93.

Conforme o sítio da autoridade certificadora Serasa Experian Certificados Digitais94, “o certificado digital é um documento eletrônico que possibilita comprovar a identidade de uma pessoa, uma empresa ou um site, para assegurar as transações online e a troca eletrônica de documentos, mensagens e dados, com presunção de validade jurídica”.

O certificado digital é um documento eletrônico que contém todos os dados referentes à certificação digital conferida a determinada pessoa. Ele é emitido após a identificação completa do interessado, incluindo nome, um número público exclusivo denominado chave pública e muitos outros dados que identificam aquele que emite a assinatura digital. Essa chave pública é que serve para validar uma assinatura realizada em documentos eletrônicos95.

Segundo consta da enciclopédia livre Wikipédia96:

Um certificado digital é um arquivo de computador que contém um conjunto de informações referentes à entidade para a qual o certificado foi emitido (seja uma empresa, pessoa física ou computador), mais a chave pública referente à chave privada que se acredita ser de posse unicamente da entidade especificada no certificado. [...] Um certificado digital normalmente é usado para ligar uma entidade a uma chave pública. Para garantir digitalmente, no caso de uma Infraestrutura de Chaves Públicas, o certificado é assinado pela Autoridade Certificadora que o emitiu [...].

Joel Guilherme97 assim descreve:

Um certificado digital nada mais é que um documento (eletrônico) contendo a chave pública de um usuário (ou processo) e dados de identificação do mesmo. Este documento deve ser assinado por uma autoridade confiável, a Autoridade Certificadora, atestando sua integridade e origem. Usualmente, certificados digitais são utilizados para garantir a integridade e origem de chaves públicas depositadas em bases de dados de acesso público.

Conforme esse autor, ao ter acesso à chave pública de determinado usuário, associada ao respectivo certificado digital, e confiando na autoridade certificadora, tem-se a certeza de que a chave pertence ao usuário identificado e de que só ele dispõe da chave privada correspondente que o capacita a decifrar mensagens cifradas com aquela chave pública, ou assinar documentos com a correspondente chave privada98.

A respeito da autoridade certificadora, os autores J.E. Carreira Alvim e Silvério Nery Cabral Júnior99 ensinam:

[...] A autoridade certificadora é um terceiro alheio ao conteúdo do documento eletrônico, responsável pela autenticidade das chaves públicas utilizadas na criptografia, sendo o seu papel o de criar ou possibilitar a criação de um par de chaves criptográficas para o usuário, além de atestar a real identidade das partes através de informações adicionais, utilizando-se dos métodos convencionais (identidade, CPF, nome ou razão social etc.). Além disso, cabe também a essa autoridade emitir um certificado digital, contendo todas as informações que assegurem a transação eletrônica, inclusive as que vinculem a assinatura e sua respectiva chave a determinado indivíduo, proprietário das chaves.

Pelo exposto, a certificação digital é indispensável para assegurar a integridade, autenticidade e confidencialidade das informações disponíveis na internet, sendo um instrumento de fundamental importância para o processo eletrônico. E, de acordo com o que já foi descrito, o sistema oficial de certificação digital no Brasil funciona a partir da Infraestrutura de Chaves Públicas brasileira – ICP-Brasil, instituída pela Medida Provisória 2.200-2/2001.

É isto. Os pontos até aqui abordados permitem concluir, então, que a assinatura digital, a criptografia assimétrica e a certificação digital asseguram ao processo eletrônico um razoável nível de segurança, devendo ser considerado que não há meio totalmente seguro (nem o meio físico – papel, nem o meio eletrônico).

Esses termos técnicos, importados da ciência informática, revelam a integração que deve existir entre o Direito e a Informática para a compreensão e aceitação do processo eletrônico como um sistema viável e razoavelmente seguro. Afinal, trata-se de um novo fenômeno da modernidade, desenvolvido por meio de programas de computador e através da rede mundial de computadores.

Segundo o que já foi dito, a segurança tem sido a principal preocupação quando se fala no processo integralmente digital. Não é sem razão, tendo em vista que as ameaças dos hackers e dos vírus podem tornar um sistema eletrônico altamente vulnerável. Ainda mais quando se trata de processo: o acesso não autorizado pode apagar despachos, sentenças, ou mesmo alterá-los, implicando sérios prejuízos às partes; as fraudes podem permitir que liminares sejam forjadas; pessoas podem se passar pelas partes processo, provocando uma verdadeira confusão.

No entanto, essa preocupação não pode ser obstáculo para a tramitação processual em meios eletrônicos. Há de se considerar que hoje, nos moldes de como está sendo formada a sociedade da informação tecnológica, totalmente interligada pela internet, e de como aumentou o volume de troca de informações pela rede mundial de computadores, a segurança é a regra, não exceção. Considere-se, ainda, que a maior parte dos internautas acessa a internet usando de boa-fé, a trabalho, para pesquisa, estudos ou simplesmente para comunicação.

Além disso, é possível minimizar os riscos de invasão ou manipulação dos dados digitais do processo eletrônico a partir de políticas de segurança, tais como: a) backup diário - cópia de todo o processo eletrônico. É um método simples, utilizado em todos os sistemas informáticos. Seria uma espécie de autos suplementares eletrônicos; b) adoção de programas antivírus sempre atualizados, medida também simples e bastante utilizada, até mesmo em computadores domésticos. O vírus talvez seja o principal incômodo desde o surgimento da internet. Propaga-se através de e-mails e pode apagar arquivos, bem como alterar e roubar informações sigilosas; c) conscientização e treinamento dos usuários, principais personagens do processo eletrônico; e d) capacitação da equipe técnica, a fim de que estejam sempre preparados para o controle permanente das informações e a adoção de medidas suficientes para evitar a invasão ao banco de dados do Poder Judiciário.

Em termos de capacitação técnica, essa talvez seja a principal medida a ser tomada quando se está diante da tramitação processual eletrônica. A equipe técnica tem de estar preparada para prevenir invasões, coibi-las e identificá-las. É possível haver invasão, mas é ilusão alguém achar que está escondido atrás de um computador, pois todos os computadores são identificados (número de IP – Internet Protocol), ainda mais quando se está interligado pela internet. A fraude ou invasão de um hacker, por exemplo, pode ser investigada até encontrar o computador de onde saiu a ameaça, o programa danoso. Por isso, a pessoa que usa a internet para invadir sistemas ou danificá-los pode ser responsabilizada, civil e criminalmente.

Logo, as medidas apontadas são importantíssimas não só para o Poder Judiciário, responsável pelo trâmite do processo eletrônico, mas para todos os setores que estejam conectados na rede mundial de computadores.

Feitas essas ponderações, é de suma importância tratar, agora, da harmonia do processo eletrônico com os princípios norteadores do processo civil (estudados no capítulo 5), porque, afinal, o desenvolvimento deste trabalho objetiva o estudo da viabilidade e segurança do processo eletrônico no âmbito do Direito Processual Civil. Se aqueles princípios forem atendidos, um grande passo será dado para contribuir com a adoção plena de um processo civil eletrônico verdadeiramente efetivo.

7.3. A aplicação dos princípios norteadores do processo civil ao processo eletrônico

Retornando à leitura do capítulo 5, vê-se que lá foram estudados os princípios constitucionais e infraconstitucionais norteadores do processo civil, especificamente estes, que mais repercutem no processo eletrônico: devido processo legal, igualdade, contraditório, ampla defesa, acesso à justiça, publicidade, celeridade, oralidade, imediação, instrumentalidade, economia, lealdade processual e cooperação.

A seguir, a relação de cada um desses princípios com o processo eletrônico:

a) devido processo Legal: considerado o primado do Direito Processual, o princípio do devido processo legal encontra-se previsto constitucionalmente (artigo 5º, LIV) e é a partir dele que todos os demais princípios encontram suporte. Ele revela que toda a tramitação processual deve respeitar regras previamente estabelecidas em lei e na Constituição (juiz natural, vedação de provas ilícitas, regras de competência, isonomia, contraditório, ampla defesa, etc).

O processo eletrônico não propõe a supressão de nenhuma garantia legal ou constitucional. Ao contrário, inaugura apenas um novo modo de construir o processo, utilizando-se dos recursos oferecidos pela tecnologia, a fim de dar maior celeridade ao mesmo. Desta forma, ele deverá estar sujeito às mesmas formalidades exigidas pelo processo tradicional, em obediência a todas as garantias legais e constitucionais para apuração da verdade e solução dos conflitos100.

b) igualdade ou isonomia: como já foi estudado, esse princípio encontra-se descrito no caput do artigo 5º da Constituição da República e assegura a todos os indivíduos tratamento igual, se iguais as condições em que se encontram, ou desigual, se desiguais as partes, visando ao equilíbrio e evitando privilégios sem distinção constitucional ou legal.

A importância de seu reflexo no processo eletrônico acentua-se na medida em que, no Brasil, as pessoas mais carentes ainda não têm computadores nem acesso à internet – são os chamados excluídos digitais. O Poder Judiciário não pode ser veículo da transgressão desse importante princípio, acessível apenas aos mais informatizados, em detrimento da camada mais pobre.

No entanto, a exclusão digital não deve ser empecilho para a efetividade do processo digital, pois a cada dia o número de excluídos digitais diminui101, seja porque os computadores pessoais estão com preços menores, seja porque o acesso à internet está cada vez mais popular (lan house, acesso público e gratuito em bibliotecas, por exemplo). Isso não quer dizer que ela não deve ser preocupação e pauta constantes das medidas sociais governamentais. Aliás, a perspectiva do processo eletrônico pode até estimular essas medidas, sendo propulsora do aumento das oportunidades de acesso aos computadores e à internet.

Além disso, é preciso considerar que hoje a maioria dos advogados tem computadores em seus escritórios, inclusive com acesso à internet, o que não permitirá nenhuma distinção de oportunidades com relação aos seus clientes.

c) contraditório: a garantia de participação das partes, de serem comunicadas de todos os atos processuais, de dizerem e contradizerem aos argumentos da parte adversa, se revelará muito maior nos processo eletrônico, uma vez que o mesmo ficará disponibilizado na internet durante vinte e quatro horas, com, inclusive, a possibilidade de prática dos atos de citação e intimação pela internet (artigo 4º e seguintes da Lei nº 11.419/2006).

Assim, o princípio do contraditório (artigo 5º, LV, da Constituição Federal) não será anulado pelo processo digital, mas sim melhorado.

d) ampla defesa: a Lei de Informatização do Processo Judicial (Lei nº 11.419/2006) não se prestou a alterar nenhuma regra concernente à defesa e aos seus recursos, o que nem poderia ocorrer, sob pena de inconstitucionalidade.

O preceito constitucional da ampla defesa, com todos os recursos a ela inerentes, aptos a expor e demonstrar a defesa de direitos, com argumentações e produções de prova, será garantido, mas sob uma nova forma, a via eletrônica, não mais o papel. E, ainda que haja prova para cuja realização seja indispensável o papel (um laudo pericial, por exemplo), a mesma será digitalizada para integrar o processo eletrônico.

e) acesso à justiça: com já foi destacado, o processo judicial é uma forma de garantir o acesso à justiça, em todas as suas formas de manifestação.

E com o processo judicial eletrônico não é diferente, podendo ser afirmado que este é uma forma moderna e tecnológica de garantir aos jurisdicionados um acesso mais amplo e célere à justiça.

É necessário destacar que, para assegurar a efetividade desse princípio, a via eletrônica tem que ser um meio fácil e seguro, sob pena de se criar mais um obstáculo ao acesso à justiça.

f) publicidade: o princípio da publicidade talvez seja o que mais se acentua no processo eletrônico, uma vez que através deste será dada a maior publicidade possível aos atos processuais, que estarão disponibilizados na internet para todos os interessados.

Vê-se que o processo eletrônico assegura uma ampla publicidade, ressalvados os casos de segredo de justiça e aqueles em que deva prevalecer o direito à privacidade e à intimidade.

Para Edilberto Barbosa Clementino, o processo judicial eletrônico respeita o princípio da publicidade, pois assegura e amplia o conhecimento pelas partes de todas as etapas processuais, bem como oferece ao público o acesso às decisões judiciais, dando-lhe pleno poder de fiscalização102.

Exemplo que pode ser citado para demonstrar o quanto a via eletrônica torna a publicidade mais efetiva é o Diário da Justiça eletrônico (DJe), órgão de comunicação oficial, publicação e divulgação dos atos processuais e administrativos do Poder Judiciário.

A publicidade do Diário da Justiça hoje é muito maior, através da internet, se comparada com aquela do Diário impresso, de letras miúdas, de difícil leitura e de acesso restrito apenas aos profissionais do Direito.

Segundo o professor Túlio Vianna, citado na obra de Almeida Filho103, o princípio da publicidade tende a ser fortalecido com a divulgação na internet dos andamentos processuais. Para ele, “a tecnologia representa um meio infinitamente mais eficaz de divulgação dos atos processuais, principalmente, para as partes e interessados que poderão acompanhar seus processos a partir do computador de suas residências ou computadores públicos”.

g) celeridade ou duração razoável do processo: essa é principal consequência permitida pelo processo eletrônico, pelo menos no que se refere ao trâmite processual, pois reduzirá o tempo gasto com protocolo de petições, juntadas, carimbos, numeração de folhas, cargas de autos etc.

O processo eletrônico se propõe a tornar o processo mais rápido, não permitindo que ele dure mais que o tempo razoável para a solução dos conflitos, atuando conforme o preceito constitucional do inciso LXXVIII do artigo 5º, segundo o qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Com efeito, pode-se afirmar que o processo digital é um dos meios que garantem a celeridade da tramitação processual.

No entanto, como já abordado, a via eletrônica não basta, por si só, para garantir a rápida duração do processo, sendo necessário investimento humano e tecnológico para que se aperfeiçoe o princípio da celeridade.

h) Oralidade: o processo eletrônico objetiva reforçar no processo civil o princípio da oralidade, assim como nos seus primórdios, simplificando e reduzindo a quantidade de documentos escritos no processo. Isso em função da quantidade de recursos audiovisuais oferecidos atualmente pela tecnologia.

Edilberto Clementino104 descreve:

[...]diferentemente do que ocorria no passado, diante do avanço dos recursos tecnológicos, a observância da oralidade não implica a mesma falta de registros, consoante ocorria no passado. Enquanto que a oralidade resultava na dependência da memória do julgador e do grupo social que presenciava o julgamento público, ou que dele tivesse notícia, hoje a oralidade já não mais se associa à intangibilidade posterior dessa forma de instrução probatória. Desnecessários se fazem os registros escritos das provas produzidas em audiência, quando a instância recursal pode-se valer da mesma prova coletada pelo juízo singular, pela simples gravação das audiências de instrução em arquivos de computador (em formato MP3 ou similar), inclusive com imagens (formato JPEG e outros), se preciso, sem necessidade de transcrições ou de outros meios que, “filtrando” a prova, muitas vezes podem fazer perderem-se sutilezas impossíveis de transcrição. Tudo isso se necessitando de um mínimo espaço físico para armazenamento.

É importante frisar que a gravação de depoimentos em audiência já é permitida pelo Código de Processo Civil, em seu artigo 417105, cuja regra foi adaptada integralmente ao processo eletrônico.

Cumpre registrar aqui a observação do magistrado mineiro Carlos Frederico Braga da Silva106:

Atualmente, são utilizados meios arcaicos e burocráticos para registrar a prática dos atos processuais. Todos aqueles que militam no foro sabem da dificuldade de se reduzir a termo, com a fidelidade recomendada, tudo aquilo que foi debatido em audiência. Referida dificuldade fulmina o princípio da oralidade, porque os sentimentos, a maneira de se expressar e a entonação das palavras não são assimiladas no papel. Assim, a gravação da prática dos atos processuais utilizando recurso de audiovisual, com uma simples web cam, por exemplo, ou o recurso de um DVD, para registrar a imagem e o som obtidos na audiência, se transformaria em excepcional ferramenta de agilização da prestação jurisdicional de qualidade [...].

Assim, os recursos tecnológicos audiovisuais têm o objetivo de aperfeiçoar o princípio da oralidade no processo eletrônico, reproduzindo com exatidão os depoimentos da partes, testemunhas, peritos e demais interessados, bem como a manifestação dos advogados, promotores e defensores públicos, tornando desnecessária a redução a termo escrito, como é feito no processo tradicional (papel), com a árdua tarefa de o juiz ditar ao escrevente judicial o que ocorreu em audiência.

i) Imediação e identidade física do juiz: o contato do juiz com as partes e as provas produzidas em audiência será muito maior com a aplicação do processo eletrônico, principalmente quando da utilização de recursos audiovisuais, conforme destacado no item anterior, quando se falou do princípio da oralidade.

j) Instrumentalidade: considerando que o processo é o instrumento da jurisdição, o meio eletrônico transforma o processo tradicional a partir dos inúmeros recursos tecnológicos, aptos a garantir maior eficiência ao processo.

Em sua visão instrumental, o processo não é fim em si mesmo, senão meio de alcançar a solução de litígios. De igual forma é o processo digital, mero instrumento, só que desenvolvido em via eletrônica, através do computador e da internet.

O autor Sebastião Tavares Pereira defende o princípio da dupla instrumentalidade (ou da sub-instrumentalidade processual da tecnologia), segundo o qual a tecnologia é um instrumento a serviço de outro instrumento, o processo107.

Assim, o processo eletrônico, atento ao princípio da instrumentalidade, é um instrumento a ser utilizado pelo Estado para exercer a jurisdição, desenvolvido através de instrumentos tecnológicos modernos.

k) economia: o princípio da economia, intrínseco a um processo menos dispendioso, menos demorado, restará atendido pelo processo eletrônico, pois este implicará a diminuição do tempo de tramitação processual, a quebra de barreiras geográficas e a redução do uso do papel, com a conseqüente melhoria dos trabalhos do Poder Judiciário. Esse novo processo aperfeiçoará no Poder Judiciário um dos pilares da administração pública, o princípio da eficiência, previsto no artigo 37, caput, da Constituição Federal108.

Para Edilberto Clementino109, o processo eletrônico supera em muito o processo tradicional, principalmente se considerar que a distância entre autor, réu, juízes, promotores, advogados, defensores públicos, promotores de justiça, tribunais estaduais, tribunais superiores é a mesma, o clicar do mouse.

A título de exemplo, o Ministro César Asfor Rocha, do Superior Tribunal de Justiça - STJ110, em entrevista concedida ao Correio Braziliense, a respeito do processo eletrônico, destacou que só com a desnecessidade de remessa física de autos haverá uma economia em torno de 20 milhões de reais, quantia paga por ano aos Correios, pelos serviços de postagem. Para ele, a remessa eletrônica dos processos reduzirá o tempo de meses, gasto com a remessa física, para apenas algumas horas.

O ministro fez menção, ainda, à redução de custos em outros setores:

Temos, em média, 50 portas quebradas por mês por causa dos carrinhos que transportam os processos. Por isso, temos de ter um setor de conserto de portas. O custo da manutenção dos elevadores também vai reduzir consideravelmente, porque o trânsito de pessoas no tribunal vai diminuir. E será ainda uma economia de tempo para os ministros, o que é muito importante. A cada dia, eu descubro uma vantagem a mais. Estacionamento, gastos com segurança, tudo isso será reduzido.

Desse modo, a via eletrônica do processo representa a economia sob os aspectos do tempo, custos do processo, meio ambiente e administração da justiça.

l) lealdade processual: ainda que se considere a assinatura digital, obtida a partir da criptografia assimétrica, como forma de assegurar a autenticidade e integridade dos documentos eletrônicos, só a honestidade e a boa-fé podem garantir ao processo, seja qual for a sua forma, confiabilidade.

Por certo, as fraudes surgem de pessoas mal intencionadas, que podem macular tanto o processo tradicional quanto o eletrônico.

Portanto, lealdade e boa-fé são o que se espera, principalmente em se tratando de um processo eletrônico ainda desconhecido por muitos, o qual ainda perpassa dúvidas com relação à sua integral viabilidade no Poder Judiciário e à segurança das informações.

m) Cooperação: este princípio orienta as personagens do processo, destinado a fomentar uma decisão justa. Concernente ao processo eletrônico, pode-se afirmar que a cooperação será indispensável para uma decisão mais justa e também mais segura.

Especial atenção será exigida dos juízes, promotores, advogados, defensores públicos, partes e demais interessados, no sentido de prevenção das fraudes, podendo, conforme o caso, verificar quaisquer alterações havidas nas manifestações, despachos e sentenças.

Levando em conta que a cooperação reforça uma característica do contraditório, envolvendo participação das partes, a função pacificadora do processo, principalmente do eletrônico, depende da participação de todos.

Encerrada essa parte do trabalho, com o estudo da relação do processo eletrônico com alguns dos princípios norteadores do processo civil, verificou-se que estes são especialmente importantes para se garantir a efetividade desse novo processo, porque orientam e instigam um processo efetivo e justo. Afinal, não se poderia conformar com um processo civil digital que não atendesse aos referidos princípios.

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Sobre o autor
Luiz Carlos Santana Delazzari

Assessor de Juiz na 1ª Vara Cível da comarca de Ponte Nova. Pós-Graduando em Direito Processual Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELAZZARI, Luiz Carlos Santana. A viabilidade e segurança do processo eletrônico no âmbito do direito processual civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3280, 24 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22014. Acesso em: 23 abr. 2024.

Mais informações

Professora Orientadora: Luciana Maroca de Avelar Viana.

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