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A inversão do ônus da prova no sistema processual brasileiro: uma regra de julgamento ou de procedimento?

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17/06/2012 às 10:56
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CONCLUSÃO 

A importância do direito probatório está no fato de que a prova é instrumento da parte para a realização de um objetivo, que é o convencimento judicial acerca da veracidade ou não de um fato que é objeto da demanda. Essa oportunidade das partes de influenciarem o juiz na decisão advém dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal e, por isso, deve ser garantida aos litigantes em todas as fases da prova no processo.

Sob essa perspectiva constitucional do direito processual civil, é que se fundamenta a necessidade de que as regras do ônus da prova, previstas no Código de Processo Civil, não sejam analisadas da forma estática como foram criadas, sob pena de não alcançarem a aplicabilidade constitucional que se espera do processo.

Por isso, a lei de defesa do consumidor inovou, dinamizando as regras do ônus da prova em prol do consumidor e garantindo a aplicabilidade material do princípio da igualdade. Isso porque, essa norma foi criada com o entendimento de que o consumidor é a parte mais fraca na relação, razão pela qual a lei incumbiu ao fornecedor maior carga probatória.

Desta forma, a inversão do ônus da prova prevista no Código de Defesa do Consumidor que, como foi exposto, pode ocorrer pela própria lei ou em razão de determinação judicial, deve ser compreendida da seguinte forma: a inversão ope legis, por estipular previamente a quem cabe o ônus de provar, não gera surpresa às partes e, por isso, não acarreta nenhum prejuízo caso seja mencionada somente na sentença. Já no que tange à inversão ope iudicies, em razão de se tratar de norma que pode ser aplicada ou não no processo, dependendo da análise do magistrado quando à existência dos requisitos previstos no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, deve ser uma regra de procedimento, ou seja, o magistrado deve dizer se inverte ou não o ônus da prova ainda na fase de instrução do processo, permitindo às partes o conhecimento prévio de quais são os seus encargos probatórios.


REFERÊNCIAS

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Notas

[1] Apesar de terem se baseado no sistema Norte-americano, para os juristas europeus os valores elevados arbitrados às indenizações dos danos causados por produtos defeituosos estavam “ensejando a formação de uma verdadeira indústria da responsabilidade por acidentes de consumo” (SANSEVERINO, 2002, p. 19).

[2] Sanseverino (2002, p. 16) cita o primeiro precedente jurisprudencial Norte-americano sobre acidentes de consumo, proferida no caso MacPherson versus Buick Motor Co. e julgada em 1916 pela Suprema Corte de Nova York. O autor refere que naquele caso o cidadão norte-americano envolveu-se em um acidente, em razão de que o automóvel, que fora adquirido no dia anterior, teve uma das rodas quebradas por defeito de fabricação, causando graves lesões ao cidadão. Ajuizada ação indenizatória, a empresa alegou que sua obrigação limitava-se à cadeia contratual estabelecida com o revendedor. Contudo, a corte julgou no sentido de o fabricante tem dever de diligência, o qual supera os limites do próprio contrato. Posteriormente, a partir da década de 60, na Califórnia, no caso Greenman versus Yuba Powers Product Inc., foi reconhecida pela primeira vez a responsabilidade objetiva do fabricante pelos danos causados em razão dos produtos defeituosos.

[3] “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;”.

[4] “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

[5] “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

[6] “O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.”

[7] “Expressão latina que se traduz por força da lei ou em virtude da lei, para exprimir todo ato ou toda medida que se promove  ou se executa em atenção ao que em lei se fixa.” (SILVA,  DE PLÁCIDO E, p. 538,  2008).

[8] “O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. § 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar”.

[9] “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar”.

[10] “O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.”

[11] “Por ordem do juiz.” (KOCHER, 2010).

[12] Prux (1998. P, 108), ao apresentar uma definição sobre o profissional liberal, refere: “Marca o profissional liberal, embora não com absoluta exclusividade, a sua formação universitária, o seu labor predominantemente intelectual e por conta própria (sem subordinação hierárquica), feito dentro da área em que ele é formado e, ainda, a forma como o consumidor o escolhe, ou seja, com base na confiança estritamente pessoal (instituto personae) que este tem na sua figura e, principalmente, na qualidade do seu trabalho”.

[13] Artigo 14: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.” “Parágrafo 4°: A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.”

[14]  No farmalismo-valorativo se entende que “As prescrições formais devem, pois, ser apreciadas conforme sua finalidade, evitando-se o formalismo oco e vazio, a fim de sempre buscar a realização da justiça material.”  Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/LAURA%20PARCHEM%20-%20VERS%C3%83O%2 0FINAL.pdf>. Acesso em: 23 de  março de 2011.

[15] O Princípio da adequação refere-se a “necessidade de se emprestar maior efetividade possível ao direito processual no desempenho de sua tarefa básica de realização do direito material”.  (CARPES, 2010, p. 71)

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[16] “Considerando as circunstâncias da causa e as peculiaridades do fato a ser provado, o juiz poderá, em decisão fundamentada, observado o contraditório, distribuir de modo diverso o ônus da prova, impondo-o à parte que estiver em melhores condições de produzi-la. § 1º Sempre que o juiz distribuir o ônus da prova de modo diverso do disposto no art. 261, deverá dar à parte oportunidade para o desempenho adequado do ônus que lhe foi atribuído. § 2º A inversão do ônus da prova, determinada expressamente por decisão judicial, não implica alteração das regras referentes aos encargos da respectiva produção.” Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf>. Acesso em: 23 de março de 2011.

[17] “§ 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I - que não colocou o produto no mercado;  II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”

[18] “§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:   I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;  II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”

[19] “O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.”

[20] “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;”

[21] Seguem julgados com posicionamentos que permitem a inversão do ônus da prova pelo artigo 6, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, nos casos de defeito do produto ou do serviço: 70039710066, 70041701699, 70041827676, 70041945551 e 71002986164, todos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

[22] “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.”

[23] Para o autor, nas obrigações de meio, o devedor assume o compromisso de prestar um serviço ao qual dedicará com atenção e diligência, utilizando-se dos recursos disponíveis, mas sem se comprometer com o resultado. Nesse caso, compete ao credor demonstrar que na atividade desenvolvida pelo devedor não houve as necessárias diligências e cuidados necessários. De outra forma, nas obrigações de resultado, há um objetivo determinado do credor, e, por isso, basta o credor demonstrar o descumprimento da obrigação, não havendo necessidade da demonstração de culpa, pois essa será presumida. Por isso, caberá ao devedor afastar a sua responsabilidade comprovando a ocorrência de caso fortuito ou de força maior. (SANSEVERINO, 2002, p. 184-185).

[24] Trata-se da convicção do juiz do direito sustentado pelo autor. Para Marinoni (2007, p. 20), quando a convicção for explicada através da motivação, será possível dizer que a convicção é racionalizada.

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Sobre a autora
Jennifer Leal Furtado Barreto

Bacharel em direito pela faculdade Faplan/Anhanguera de Passo Fundo. Pós-graduanda em Processo Civil pela faculdade Anhanguera de Passo Fundo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARRETO, Jennifer Leal Furtado. A inversão do ônus da prova no sistema processual brasileiro: uma regra de julgamento ou de procedimento?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3273, 17 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22036. Acesso em: 28 mar. 2024.

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