Um tema que está em voga e de grande controvérsia é a eleição para os tribunais judiciários do País. Envolve política, democracia e voto.
Na Grécia, política significava a vida pública do cidadão, debate e tomada de decisões, bem como a arte de definir as ações do Estado.
Na obra Política, Aristóteles pondera que o homem é um animal social, um ser gregário e a cidade deve assegurar uma vida melhor, livre e digna.
A palavra democracia advém do grego: demos = povo e kratos = poder. Democracia é um regime de governo que incumbe aos cidadãos o poder de tomar decisões políticas diretamente ou indiretamente por meio de representantes eleitos.
O voto tem um de seus antecedentes remotos na Grécia Antiga, onde o povo se reunia nas praças públicas (Ágoras) para discutir assuntos relativos à cidade, obras públicas, justiça, leis. A decisão se dava por intermédio do voto direto.
O transcorrer da história demonstrou que tal ideia somente foi consolidada à custa de lutas e sacrifícios, superando-se um período de absolutismo real. Via Revolução Francesa (1789) houve a consolidação do sufrágio universal via voto. O voto é, antes de tudo, uma conquista e, por impositivo, um direito humano.
Pois bem. No tema que nos concerne, eleições nos tribunais, atualmente há uma eleição restrita para a escolha da Administração que abrange Presidente, Vice-Presidente e Corregedor da Justiça, na qual votam apenas os desembargadores, que são os juízes em atuação nos tribunais. Via de regra, a eleição é meramente homologatória pois são eleitos os membros mais antigos da Corte.
Dentre tribunais de justiça, do trabalho e federais, somam-se 56 unidades judiciárias, cujas direções (Presidência e Vice) são eleitas via sufrágio restrito – apenas os membros da Corte têm direito a voto.
Sobre o tema há três PEC’s – Projetos de Emenda Constitucional, que convergem no sentido de que a eleição será apenas para a Presidência e Vice, excluindo-se a Corregedoria – porque é o órgão fiscalizatório, e amplia o direito ao sufrágio para os juízes de primeiro grau de jurisdição, salvo os substitutos, que são aqueles juízes que ainda estão no estágio probatório.
A eleição será para os órgãos de cúpula dos Tribunais de Justiça, Regionais Federais e do Trabalho, excluindo-se os Eleitorais, pela própria composição plural e específica, e os tribunais superiores. Mais que isso: apenas os desembargadores terão a capacidade eleitoral passiva – poderão ser eleitos. Isso não é muito: no Ministério Público qualquer dos promotores pode ser eleito. Sob tal aspecto, poderia vingar um argumento muito comum: o da politização dos tribunais. Ao se conferir a capacidade eleitoral passiva apenas aos desembargadores extirpa-se tal argumentação.
Após tais ponderações, as indagações que se põem são: qual o fator positivo em se quebrar uma tradição secular na composição dos tribunais? Os modelos de Administração dos Tribunais como os vemos são eficientes? Eles produziram uma justiça eficiente?
As vozes favoráveis à modificação sustentam-se nos seguintes pontos:
Em primeiro lugar a valorização da magistratura de primeiro grau. Não haveria razão plausível para alijar dos juízes a capacidade eleitoral ativa, mantendo-se a fórceps um status quo que deslegitima os ocupantes das cadeiras via sufrágio restrito.
Sabemos que não se pode resolver questões complexas com equações simples. Mas a negativa para as indagações impõe desde logo uma mudança no viés atual.
Um outro aspecto é conferir a legitimidade ativa – não a passiva – aos mais de dezesseis mil juízes brasileiros (fonte CNJ, ano 2010). Ora, se o Judiciário é o guardião da ordem democrática, a ele deve se assegurar uma efetiva democratização no processo de escolha dos dirigentes.
É um contrassenso o Poder que garante as eleições mais céleres e seguras do mundo carecer de democracia para si próprio. Seria até leviano supor que os juízes não tenham qualidade e discernimento suficientes para a escolha dos dirigentes dos tribunais.
Um terceiro ponto refere-se à eficiência administrativa: não se pode pressupor que o Gestor Máximo da Instituição é a melhor escolha tão-só por ser o mais antigo. Deixa-se de lado o mérito centralizando-se de forma única e inflexível a disputa. Se no campo da atividade julgadora a premissa da primazia pela antiguidade possa ser mais palatável, no campo da Administração é totalmente equivocado. Isso por uma simples diferenciação: Julgador é diferente de Administrador. Este tem que imergir nos problemas administrativos dos tribunais, ser agregador, conciliador, discutir projetos, ter uma boa diretoria, ser avesso a preferências pessoais, zelar pelo princípio da igualdade.
Pelo que vimos, as administrações dos tribunais não primaram pela criação de uma justiça mais efetiva. É óbvio que os problemas são variados e de diversas matizes. Muito está sendo feito, é bem verdade. Contudo, a participação dos juízes de 1º grau, aqueles que estão em contato direto com os advogados, partes e a população em geral, muito poderia contribuir na construção de uma justiça mais acessível.
Os juízes de primeiro grau, face à proximidade com a população, em muito colaboram para a própria evolução legislativa. Há inúmeros institutos modificados por força de sua atividade. A sensibilidade da atuação decorrente do nexo com os anseios populares, de uma justiça mais célere e efetiva, é peça fundamental, motivo por que sua vontade deve ser levada em conta.
Em tema de Judiciário, a evolução há de ser contínua. A própria criação do CNJ foi fundamental para que tivessem voz os juízes de 1º grau – considerados agentes políticos de menor importância.
O órgão passou a ser o bastião seguro para os gritos que não se faziam ouvir. Ele aprecia reclamações que sequer eram apreciadas, levadas consideração. Impôs-se a publicidade nas audiências administrativas, mesmo face a impositivo constitucional (art. 93, X, CF/88), abolindo as audiências secretas. Estes são exemplos de mudanças fundamentais para a democratização do Poder Judiciário e, como conseqüência, para que ele se torne mais acessível e produza resultados efetivos. Contudo, é necessário mais.
Em um momento em que se prega pluralismo, ativismo em hard cases, interpretação aberta, no qual se exige do juiz uma maior participação social e efetivação dos direitos fundamentais insertos na Constituição, nada mais justo que os juízes monocráticos possam ter o direito de voto na eleição dos representantes do Poder.
Do Judiciário cada vez se exige mais: novas ações e mentalidade, em um contexto em que, a cada dia mais, torna parte da vida do cidadão. Neste cenário, a possibilidade de participação mais ampla e democrática somente atualiza o Judiciário às suas aspirações internas face às novas exigências democráticas. É um imperativo da modernidade!
Quanto ao argumento contrário às eleições nos tribunais: evitar a politização, ele não mais se sustenta. A própria atuação do CNJ como guardião das decisões administrativas dos tribunais destrói esse mito.
O órgão fiscaliza diuturnamente o Judiciário e seus atos, bem como há o controle interno dos tribunais, o que afasta o argumento da politização.
Por isso, necessária a democratização dos tribunais.
Uma última ponderação: a necessidade de maior integração estrutural das instâncias, não apenas a política. A disparidade das instâncias é, na maioria dos casos, gritante face à escassez de funcionários, material e precariedade de instalações no 1º grau, situações que não se repetem na 2ª instância, aliás, é o reverso. Isso é fato, é real, e foi constatado pela Corregedoria Nacional de Justiça nas correições realizadas no ano de 2011.
Registra-se que após a atuação do CNJ houve uma maior aproximação do 2º para com o 1º grau, mas há de haver uma evolução maior, mesmo porque na atual conformação, apenas uma minoria dos juízes (desembargadores) elege a cúpula.
São esses os argumentos que impõem a democratização do Judiciário permitindo-se o direito a voto dos juízes na eleição do Presidente e Vice-Presidente das Cortes dos Tribunais de Justiça, Regionais Federais e Regionais do Trabalho.
É uma exigência da modernidade, que permitirá uma Justiça mais plural, democrática, transparente e efetiva.