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A ciência jurídica kelseniana: uma análise crítica contemporânea

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4 CIÊNCIA JURÍDICA: CONCEPÇÃO CONTEMPORÂNEA E PERPECTIVAS PARA O FUTURO

A ciência jurídica contemporânea tem como principal característica não ser algo pronto e acabado, feito para durar eternamente. Ao contrário, sua principal virtude reside na flexibilidade e na possibilidade de mudança e evolução, como forma de solucionar novas questões que a todo momento são apresentadas à humanidade. Segundo Karl Popper[12]: “À medida que aprendemos com os erros cometidos, nosso conhecimento aumenta”.

Conforme Arnaldo Vasconcelos:

 A diferença primordial entre os dois conceitos de ciência acima conforntados revela-se, contudo, mais ampla e mais profunda. A ciência fechada de Kelsen, proclamadamente positivista e formalista, opera com conceitos lógicos irresistíveis, porque desprovidos de conteúdo, assumindo, afinal, a imagem de obra completa e acabada, perfeito exemplar desta coisa extemporânea e insólita chamada dogmática jurídica. Em sentido oposto, a ciência atual, ao admitir a metafísica e os valores, situa-se propositadamente fora do âmbito de influência das categorias positivistas e formalistas, afirmando-se como processo, algo por natureza aberto à crítica e, portanto, provisório, dado o caráter conjectural de seus enunciados fundamentais. [13]

Percebeu-se que a verdadeira finalidade da ciência jurídica não está, como acreditava Kelsen, em apenas descrever a realidade, pois somente interessa ao indivíduo conhecer a realidade para aperfeiçoá-la e adequá-la com vistas à melhoria de sua qualidade de vida, à pacificação social e à solução de conflitos.

O formalismo e o dogmatismo exacerbado da ciência jurídica influenciada pelo positivismo, tal qual defendido por Hans Kelsen, não se mostrou eficaz para colmatar as lacunas normativas resultantes das mudanças trazidas pela era da globalização e das novas tecnologias.

Cada vez mais, torna-se necessário recorrer a outras ciências, tais como as ciências sociais e as ciências da natureza, como forma a compreender o comportamento humano e melhor solucioná-lo sob uma perspectiva jurídica.

Nas palavras de Nelson Nogueira Saldanha:

Cumpre observar, por outro lado, que hoje a vida humana parece tender para elementos e preocupações diferentes dos que vinham acompanhando historicamente a idéia mesma do direito: preocupações com a demografia e as comunicações, elementos tecnológicos e ideológicos pronunciadamente novos. Não é o caso de , diante disso, de o jurista fazer lamúria, nem insistir sobre as suas prorrogativas ou denunciar crises e decadências. Deve tentar aproximar o seu saber das problemáticas sociais de outras áreas, menos presos a formas e formalismos. Nessas outras áreas, encontramos certas modernizações funcionais, ligadas à fecundação proveniente de posições doutrinárias novas, como o marxismo, o existencialismo, o estruturalismo, as quais só em muito pequena escala vêm ecoando entre os juristas.[14]

Observa-se, pois, que a ciência jurídica contemporânea preocupa-se com os valores e a justiça, como formas de legitimar o Direito e como balizas para a confecção das normas jurídicas e sua aceitação como válidas, pelos indivíduos.

Não se pode mais conceber o Direito como algo estático e desligado das questões que movem o desenvolvimento social. Por essa razão, a ciência jurídica atual apresenta-se como obra propositadamente inacabada e assim deve permanecer, com ainda mais razão, no futuro.

O pensamento moderno traz, por marca de origem, a recorrente necessidade de se rever a cada passo, de reconsiderar progressos e transformações. O espírito ocidental, nos últimos séculos, adaptou-se substancialmente aos rítmos de mudança vividos pela sociedade, a tal ponto que o alterar-se ficou tido como normal, e não o excepcional como de certa forma era o caso entre os antigos (...)[15]

Os ordenamentos jurídicos tendem a conter, cada vez mais, normas gerais, capazes de abranger o maior número possível de situações inimagináveis ao tempo de sua concepção, como forma de atender aos anseios da sociedade.  


CONCLUSÃO

A ciência jurídica, segundo Hans Kelsen, fora concebida conforme uma concepção positivista, descritiva, anti-ideológica e afastada da idéia de justiça. Tudo com o objetivo de criar uma teoria pura do direito, afastada da influência de outras ciências, tais como a sociologia e a física.

Kelsen acreditava que não era função do Direito analisar o mundo dos fatos, ou seja, o “ser”. A função da ciência jurídica seria apenas descritiva, analisaria apenas o “dever ser”, sem a preocupação de valorar os fatos, se justos ou injustos.

Observa-se, entretanto que a função essencial da ciência jurídica é servir à sociedade, como meio de regular situações e pacificar conflitos. Não pode ser classificada como puramente descritiva, pois a ciência jurídica, ao mesmo tempo que descreve a realidade, a contrói e renova constantemente.

Kelsen acreditava, igualmente, em uma ciência jurídica anti-ideológica, pois considerava a ideologia aproximava o Direito da política e de uma falsa realidade, representando um elemento de impureza.

Sabe-se, entretanto, que tudo está permeado de ideologia, pois o indivíduo ao observar um objeto ou um fato imediatamente o valora, trata-se de característica inerente à natureza humana.

 O que se buscou, na realidade, foi afastar a metafísica da ciência jurídica. Entretanto, esvaziar o Direito de todo e qualquer conteúdo, apresentando-o como algo estático e imutável, ou seja, dogmático, jamais pode ser considerado ciência, de acordo com a concepção atual.

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Na realidade, ao conceber esse modelo de ciência jurídica puramente positivista, Kelsen buscou legitimar sua teoria e afastá-la de críticas indesejáveis.

A ciência jurídica contemporânea, ao contrário do que pregava Hans Kelsen, mostra-se, propositadamente, inabada, para que dessa forma possa se ajustar às necessidades humanas.


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Notas

[1] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. de João Batista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p.01

[2] VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria Pura do Direito: repasse crítico de seus principais fundamentos. Rio de Janeiro: G Z, 2010, p. 125.

[3] REALE, Miguel. Estudos de Filosofia e Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 53.

[4] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. de João Batista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p.119.

[5] VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria Pura do Direito: repasse crítico de seus principais fundamentos. Rio de Janeiro: G Z, 2010, p. 222.

[6] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. de João Batista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 242.

[7] COELHO, Fábio Ulhoa. Para Entender Kelsen.São Paulo: Saraiva, 2010.

[8] KELSEN, Hans. Teoria Geral das Normas. Trad. de José Florentino Duarte. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1986, p. 32.

[9] PASUKANIS, Evgeni B. Teoria Geral do Direito e Marxismo. Trad. Sílvino Donizete Chagas. São Paulo: Acadêmica, 1988, p.49.

[10] SOUZA FILHO, Oscar d’Alva e. Discurso em torno dos Direitos: Natural, Positivo e Alternativo. Fortaleza: ABC Fortaleza, 2000, p. 21

[11] KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. Trad. João Batista Machado.São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.08.

[12] POPPER, Karl. Conjecturas e Refutações. 2ª ed. Trad. de Sérgio Bath. Brasília: UNB, 1982, prefácio.

[13] VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria Pura do Direito: repasse crítico de seus principais fundamentos. Rio de Janeiro: G Z, 2010, p. 213.

[14] SALDANHA, Nelson Nogueira. Velha e Nova Ciência do Direito. Pernambuco: Universitária, 1974, p.29

[15] Ibidem, p.61

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Sobre a autora
Flavia Aguiar Cabral Furtado Pinto

Mestranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela UNIDERP; Analista Judiciária-Execução de Mandados do TRT da 7ª Região

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Flavia Aguiar Cabral Furtado. A ciência jurídica kelseniana: uma análise crítica contemporânea. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3292, 6 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22152. Acesso em: 14 nov. 2024.

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