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Agências reguladoras nos EUA e considerações sobre o direito comparado

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3        Conclusão: as Idas e Vindas da Regulação nos EUA

Fizemos este exame sintético das fases da regulação nos EUA para esclarecer que ao se falar do direito comparado norte-americano, temos que saber a que fase estamos nos referindo, pois o tratamento da matéria não foi uniforme ao longo do tempo. A regulação nos EUA vem sendo sujeita a idas e vindas, particularmente influenciadas pelas crises econômicas. Em momentos de maior prosperidade financeira o poder das agências tende a ser encolhido, sendo fortalecido nos momentos de crise.

Duas grandes questões foram usualmente postas em debate nos EUA ao longo das diversas fases: o controle sobre as agências e a intensidade da regulação. Questões como o poder das agências para o julgamento administrativo (adjudication) e o para criar normas legais (rule making) parecem já estar pacificadas, ao menos desde a entrada em vigor do APA - Administrative Procedure Act (Lei de Procedimentos Administrativos), em 1946. Um dos grandes pontos de debate, sobre este tema, é em que medida as decisões administrativas das agências deveriam se submeter ao controle judicial. Por outro lado, obervamos que a admissão destes poderes veio acompanhada, na doutrina norte-americana, de uma crítica quanto à independência dessas agências e a uma maior exigência de controle político, de formalidade de procedimentos e de controle judicial.

Um ponto que pretendemos ressaltar é que uma grande quantidade dos textos clássicos da doutrina norte-americana foi escrita na década de 1950 e 1960, como as obras já referidas de Louis L. Jaffe, Kenneth Culp Davis, James M. Landis e Frank E. Cooper. Estes textos foram elaborados numa época na qual prevalecia a ideia de que as agências eram, ou deveriam ser, independentes do controle político. É razoável se supor que os estudos clássicos tenham influenciado a doutrina norte-americana e estrangeira, perpetuando de certa forma a noção de que as agências reguladoras seriam independentes. Esta noção, todavia, está em descompasso com o debate político da década de 1970 e 1980 e com a prática administrativa contemporânea nos EUA. A doutrina norte-americana mais recente, por outro lado, já trata a questão de forma diversa, registrando a existência do controle político e judicial sobre os atos das agências e referindo-se de forma mais crítica à suposta independência dessas agências[34].

É interessante se perceber que a reforma estatal brasileira da década de 1990 introduziu a ideia de agências independentes com uma noção muito próxima ao modelo clássico norte-americano, num momento no qual esta noção, nos EUA, já estava em crise. Podemos supor, portanto, que a importação do modelo das agências independentes, adotado na reforma da década de 1990, foi concebida com maior influência dos textos doutrinários tradicionais da década de 1960-70 do que na prática norte-americana das décadas de 1980-90.

De se explicar que mesmo a doutrina tradicional dos EUA não defendia que todas as agências reguladoras eram independentes. Havia um grupo de dez agências[35] que eram realmente consideradas independentes. E assim o eram consideradas por que o Congresso, através da respectiva legislação de criação, teria limitado a possibilidade do Presidente de destituir os seus dirigentes e conselheiros. Relevante se apontar que duas dessas dez agências foram extintas nos anos 80 e 90, somente restando, na atualidade, oito agências federais tradicionalmente consideradas como verdadeiramente independentes, ainda que o termo seja correntemente usado de forma generalizada para designar as agências reguladoras norte-americanas. Todavia, mesmo em relação às agências tradicionalmente independentes, a doutrina norte-americana contemporânea aponta que a restrição à demissão ad nutum dos seus dirigentes não implica dizer que o Presidente não possa exercer algum tipo de controle político ou mesmo influenciar às suas políticas. Tal influência pode ser feita, por exemplo, através do controle orçamentário; da reorganização da estrutura administrativa; da influência pessoal sobre os conselheiros e dirigentes por ele nomeados; ou por meio da sua representação judicial, eis que, como regra, essas agências são representadas em juízo pelos procuradores do Departamento de Justiça (Department of Justice), órgão subordinado ao Presidente, por intermédio do Advogado-Geral (Attorney General)[36].

Em conclusão, opinamos que a independência não é uma característica essencial das agências reguladoras. Essas podem ser, ou não, independentes, em maior ou menor grau, como comprova a experiência norte-americana. Há que se diferenciar o elemento essencial, sem o qual o instituto não existe, das características acessórias, que podem ou não ser encontradas. Em sua essência, as agências reguladoras norte-americanas são caracterizadas não pela sua independência, mas por concentrarem em si funções executivas, funções legislativas (rulemaking) e funções judiciais (adjudication).


referência

ALVEAL, Carmen. Estado e Regulação Econômica: o Papel das Agências Reguladoras no Brasil e na Experiência Internacional. Conferência proferida no Seminário de Direito Internacional e Regulação Econômica. Escola Superior do Ministério Público da União. 20 Maio 2003. Disponível em <http://www.ppge.ufrgs.br/ATS/disciplinas/11/alveal-2003.pdf>. Acesso em 18 jun. 2012.

ANDERSEN, William R. Mastering Administrative Law. Durham, Carolina do Norte: Carolina Academic Press, 2010. E-book.

BARCELOS, Cristina. O Poder Normativo das Agências Reguladoras no Direito Norte-Americano e no Direito Brasileiro: Um Estudo Comparado. Dissertação de Mestrado. Orientação Almiro do Couto e Silva. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2008.

BRESSMAN, Lisa Schultz e THOMPSON, Robert B. The Future of Agency Independence. Vanderbilt Law Review, 63, nº 3 (Abril 2010).

BREYER, Stephen G. et. al. Administrative Law and Regulatory Policy: Problems, Text, and Cases. Nova York: Aspen, 2006.

DAVIS, Kenneth Culp. Administrative Law and Government, 2ª Ed. St. Paul (Minn.): West Publishing Co., 1975.

ELLIOTT, E. Donald. TQM-ing OMB: Or Why Regulatory Review Under Executive Order 12,291 Works Poorly and What President Clinton Should Do About It. Yale Law School Legal Scholarship Repository: Faculty Scholarship Series, 1994. Paper 2213. Disponível em <http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/2213>. Acesso em 16 jun. 2012.

REFERÊNCIAS:

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GOODNOW, Frank J. The Principles of Administrative Law of the United States. Nova York: The Knickerbocker Press, 1905.

GULLO, Theresa. History and Evaluation of the Unfunded Mandates Reform Act. National Tax Journal, Vol. LVII, nº 3, set. 2004. P. 559-570.

HARPER, Donald V. e JOHNSON, James C. The Potential Consequences of Deregulation of Transportation Revisited. Land Economics, 63 (2), maio 1987.

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. O Modelo Norte-Americano de Agências Reguladoras e sua Recepção pelo Direito Brasileiro. RERE - Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado. Nº 22, jun./jul./ago. 2010, Salvador (BA).

PIERCE JR., Richard J. Administrative Law. Nova York: Foundation Press, 2008.

SACCO, Rodolfo. Legal Formants: A Dynamic Approach to Comparative Law (Installment I of II). The American Journal of Comparative Law, vol. 39, No. 1 (1991), p. 1-34.


Notas

[1] No mesmo sentido: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. O Modelo Norte-Americano de Agências Reguladoras e sua Recepção pelo Direito Brasileiro. RERE - Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado. Nº 22, jun./jul./ago. 2010, Salvador (BA); ALVEAL, Carmen. Estado e Regulação Econômica: o Papel das Agências Reguladoras no Brasil e na Experiência Internacional. Conferência proferida no Seminário de Direito Internacional e Regulação Econômica. Escola Superior do Ministério Público da União. 20 Maio 2003. Disponível em <http://www.ppge.ufrgs.br/ATS/disciplinas/11/alveal-2003.pdf>. Acesso em 18 jun. 2012; e BARCELOS, Cristina. O Poder Normativo das Agências Reguladoras no Direito Norte-Americano e no Direito Brasileiro: Um Estudo Comparado. Dissertação de Mestrado. Orientação Almiro do Couto e Silva. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2008, p. 45-63.

[2] SACCO, Rodolfo. Legal Formants: A Dynamic Approach to Comparative Law (Installment I of II). The American Journal of Comparative Law, vol. 39, No. 1 (1991), p. 1-34.

[3] BARCELOS, C., op. cit., p. 28-31.

[4] “Administrative law is the study of the roles of government agencies in the U.S. legal system, including the relationships between agencies and the other institutions of government – Congress, the Judiciary, and the President”. Tradução nossa. PIERCE JR., Richard J. Administrative Law. Nova York: Foundation Press, 2008., p. 1.

[5] No mesmo sentido: OLIVEIRA, op. cit., p. 2-3.

[6] DICEY, A. V. apud GOODNOW, Frank J. The Principles of Administrative Law of the United States. Nova York: The Knickerbocker Press, 1905. p. 2.

[7] GOODNOW, op. cit., p. 1-3.

[8] Como aponta Kenneth C. Davis, há uma grande semelhança entre os argumentos de defesa do rule of Law e a defesa do princípio da legalidade, feito por autores europeus como Leon Duguit. Acerca do princípio do rule of Law, cf. DAVIS, Kenneth Culp. Administrative Law and Government, 2ª Ed. St. Paul (Minn.): West Publishing Co., 1975, p. 28-34.

[9] O exemplo mais evidente é a Lei de Procedimentos Administrativos norte-americana, a APA (Administrative Procedures Act), que prevê um conjunto de regras aplicáveis especificamente para a Administração Pública.

[10] Kenneth C. Davis aponta que o Direito Administrativo norte-americano claramente não se limita às agências reguladoras, apesar da literatura jurídica enfatizar especificamente as questões regulatórias. Davis aponta que áreas relevantes da atividade do governo, como os contratos administrativos e os subsídios públicos, são regidas por normas de Direito Administrativo, as quais são comumente negligenciados pela doutrina norte-americana. DAVIS, op. cit., p. 6-7.

[11] Cf. GOODNOW, op. cit., p. 1-15.

[12] Idem, p. 16-17.

[13] BREYER, Stephen G. et. al. Administrative Law and Regulatory Policy: Problems, Text, and Cases. Nova York: Aspen, 2006, p. 15.

[14] Idem, p. 16-17; e BARCELOS, op. cit., p. 31-35.

[15] Kenneth C. Davis registra que as primeiras agências norte-americanas foram criadas ainda no século XVIII, em 1789, com a criação de uma agência para estimar os impostos a serem pagos na importação e outra para o pagamento de pensões aos militares inválidos. Essas agências, todavia, eram órgãos do governo e ainda não tinham as características de uma agência reguladora. DAVIS, op. cit., p. 11.

[16] FEDERAL Trade Comission. About the Federal Trade Comission. Disponível em <http://www.ftc.gov/ftc/about.shtm>. Acesso em 12 jun. 2012.

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[17] BREYER, op. cit., p. 17.

[18] OLIVEIRA, op. cit., p. 3-4.

[19] BREYER, op. cit., p. 19.

[20] DAVIS, op. cit., p. 12.

[21] BREYER, op. cit., p. 20-21.

[22] DAVIS, op. cit., p. 12.

[23] Idem, p. 12.

[24] Richard Pierce afirma que o APA é para o direito administrativo o que a Constituição é para o direito constitucional. PIERCE JR, op. cit., p. 3.

[25] Cf. ANDERSEN, William R. Mastering Administrative Law. Durham, Carolina do Norte: Carolina Academic Press, 2010. E-book, cap. 2, item D, 2; e OLIVEIRA, R., op. cit., p. 4-5.

[26] BREYER, op. cit., p. 20-21.

[27] BREYER, op. cit., p. 22-25; e OLIVEIRA, R., op. cit., p. 5.

[28] Cf. HARPER, Donald V. e JOHNSON, James C. The Potential Consequences of Deregulation of Transportation Revisited. Land Economics, 63 (2), maio 1987. P. 137-146; BREYER et. al., op. cit., p. 25; e OLIVEIRA, R., op. cit., p. 5-6.

[29] ELLIOTT, E. Donald. TQM-ing OMB: Or Why Regulatory Review Under Executive Order 12,291 Works Poorly and What President Clinton Should Do About It. Yale Law School Legal Scholarship Repository: Faculty Scholarship Series, 1994. Paper 2213. Disponível em <http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/2213>. Acesso em 16 jun. 2012.

[30] Arnaldo Godoy ressalta esta nova perspectiva do Direito Administrativo norte-americano, relacionando o custo-benefício ao utilitarismo e ao instrumentalismo. GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito nos Estados Unidos. Barueri: Manole, 2004. p. 113-114. 

[31] Cf. BRESSMAN, Lisa Schultz e THOMPSON, Robert B. The Future of Agency Independence. Vanderbilt Law Review, 63, nº 3 (Abril 2010): 599-672. p. 619-623; e BREYER et. al., op. cit., p. 24-26.

[32] OFFICE of Information and Regulatory Affairs (EUA). Executive Order 12866 Regulatory Planning and Review. Disponível em <http://www.reginfo.gov/public/jsp/Utilities/EO_Redirect.jsp>. Acesso em 16 jun. 2012.

[33] Cf. GULLO, Theresa. History and Evaluation of the Unfunded Mandates Reform Act. National Tax Journal, Vol. LVII, nº 3, set. 2004. P. 559-570.

[34] Cf. PIERCE JR, op. cit., p. 4-6; e BREYER et. al., op. cit., p. 100-107.

[35] CAB – Civil Aeronautics Board (Conselho Civil de Aeronáutica), extinta em 1984; FCC – Federal Communications Comission (Comissão Federal de Comunicações); FMC - Federal Maritime Commission (Comissão Federal Marítima); FRB – Federal Reserve Board (Conselho do Banco Central) e órgãos do sistema do FED (Federal Reserve); FTC – Federal Trade Comission (Comissão Federal de Comércio); ICC – Interstate Commerce Comission (Comissão de Comércio Interestadual), extinta em 1995; NLRB - National Labor Relations Board (Conselho Nacional de Relações Trabalhistas); NRC – Nuclear Regulatory Comission (Comissão de Regulação Nuclear); FERC - Federal Energy Regulatory Commission (Comissão Federal de Regulação da Energia); e SEC (Securities and Exchange Commission). Cf. BREYER, op. cit., p. 100.

[36] BREYER, op. cit., p. 100-102; e PIERCE JR, op. cit., p. 139-145.

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Sobre o autor
Gustavo Augusto Freitas de Lima

Procurador Federal. Mestre em Direito, na linha de pesquisa de Políticas Públicas. Pós-Graduado em Direito Público. Professor de cursos de graduação e pós graduação, nas cadeiras de Direito Administrativo e Direito Constitucional. Membro do Conselho Editorial da Revista da AGU.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Gustavo Augusto Freitas. Agências reguladoras nos EUA e considerações sobre o direito comparado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3290, 4 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22159. Acesso em: 26 dez. 2024.

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