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A informação como direito fundamental do consumidor

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01/10/2001 às 00:00
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10. Informação: oferta ou integração ao contrato?

É sabido que a oferta, seja ela individual ou ao público, classifica-se como negócio jurídico unilateral, para cuja existência e eficácia vinculante basta a única manifestação de vontade do ofertante ou proponente. Produz, portanto, efeitos jurídicos próprios, antes da aceitação e de sua consumação no contrato. A oferta, como qualquer outro negócio jurídico unilateral, pode ser revogada, nos limites que a lei admita, extinguindo o vínculo obrigacional, além de estar sujeita às vicissitudes dos vícios subjetivos de vontade, em especial do erro.

A informação nas relações de consumo, e particularmente a publicidade lícita (adequada, suficiente e veraz), integra-se aos contratos de modo objetivo e inevitável, desde quando concretizados. Não pode ser objeto de retratação ou de escusa da obrigação, sob alegação de erro. A lei portuguesa de defesa dos consumidores, de 1996, é clara, a respeito (art. 7º, 5): "As informações concretas e objectivas contidas nas mensagens publicitárias de determinado bem, serviço ou direito consideram-se integradas no conteúdo dos contratos que se venham a celebrar após a sua emissão, tendo-se por não escritas as cláusulas contratuais em contrário". Do mesmo modo, o Código do Consumidor brasileiro (art. 36) determina que toda informação ou publicidade suficientemente precisa "obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dele se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado".

Trata-se, pois, de obrigação decorrente de lei, de integração contratual compulsória, não se enquadrando, por inteiro, na teoria do negócio jurídico. Essa teoria, melhor dizendo teorias, aprofundam, no plano conceitual, o princípio da autonomia da vontade, pouco importando que arranquem da vontade em si ou da declaração, pois os efeitos negociais queridos são reconhecidos e validados pela lei, nos seus limites. Todavia, a mensagem ou oferta publicitária não é recebida pelo direito com os efeitos queridos pelo fornecedor (atrair ao consumo), mas com efeitos jurídicos obrigacionais definidos pela lei, a saber, vinculando objetivamente o conteúdo da informação, no interesse dos consumidores.

Se de negócio jurídico unilateral se tratasse, então poderia o erro ser oponível ao vínculo obrigacional dela decorrente. E assim, o fornecedor estaria escusado de celebrar o contrato com o consumidor atraído pela mensagem publicitária, alegando que teria havido erro. As conseqüências do erro são a ele imputáveis, que, se for o caso, terá pretensão e ação contra o publicitário. O erro, por exemplo quanto ao preço anunciado, integra-se no risco de sua atividade, não podendo ser oposto aos consumidores, que estariam mais vulneráveis a tais práticas, quase sempre intencionais de atração enganosa. A jurisprudência dos tribunais brasileiros, sem embargo de vacilações naturais ante modelos que escapam do sistema tradicional dos contratos, tem rejeitado o argumento escusativo de erro da mensagem publicitária. A firme orientação nesse sentido previne a solução de conflitos evitáveis e favorece o cumprimento da proteção constitucional do consumidor. Esse efeito preventivo e benéfico tem sido traduzido na prática de muitas empresas em definirem, na publicidade, o número exato de unidades dos produtos à venda e melhor precisão no preço e nas condições de pagamento.

Assim, não se pode considerar a publicidade como oferta, no sentido tradicional do termo, melhor se concebendo como modo de integração compulsória aos contratos de consumo.


11. Vinculação da informação não explícita

A informação insuficiente ou deficiente (informação não explícita) não pode ser óbice à vinculação obrigacional do fornecedor, em benefício do consumidor. Em outras palavras, a informação obriga, ainda que não esteja explicitada, pouco importando que essa omissão seja intencional ou involuntária.

A informação não explícita, que vincula, é toda aquela necessária ao conhecimento e compreensão do consumidor típico, e no seu interesse, emergente da natureza do produto ou do serviço. Nesse sentido, também integra o contrato de consumo. As regras técnicas aplicáveis à segurança de determinado produto, por exemplo, integram a informação como nelas estivessem. Do mesmo modo, as características de qualidade utilizadas em produtos e serviços similares, pelos demais fornecedores.

Se assim não fosse, estar-se-ia a admitir, por via transversa, conduta fundada em venire contra factum proprium. A falta do dever de informar constitui não apenas violação ao direito do consumidor à informação mas ao direito-dever de concorrência, pois estaria em indevida posição de vantagem, que a ordem econômica constitucional rejeita (artigo 170, IV, da Constituição brasileira).


12. Direito à informação e garantia de cognoscibilidade

O direito fundamental à informação visa à concreção das possibilidades objetivas de conhecimento e compreensão, por parte do consumidor típico, destinatário do produto ou do serviço. Cognoscível é o que pode ser conhecido e compreendido pelo consumidor.

Não se trata de fazer com que o consumidor conheça e compreenda efetivamente a informação, mas deve ser desenvolvida uma atividade razoável que o permita e o facilite. É um critério geral de apreciação das condutas em abstrato, levando-se em conta o comportamento esperado do consumidor típico em circunstâncias normais. Ao fornecedor incumbe prover os meios para que a informação seja conhecida e compreendida.

A cognoscibilidade abrange não apenas o conhecimento (poder conhecer) mas a compreensão (poder compreender). Conhecer e compreender não se confundem com aceitar e consentir. Não há declaração de conhecer. O consumidor nada declara. A cognoscibilidade tem caráter objetivo; reporta-se à conduta abstrata. O consumidor em particular pode ter conhecido e não compreendido, ou ter conhecido e compreendido. Essa situação concreta é irrelevante. O que interessa é ter podido conhecer e podido compreender, ele e qualquer outro consumidor típico destinatário daquele produto ou serviço. A declaração de ter conhecido ou compreendido as condições gerais ou as cláusulas contratuais gerais não supre a exigência legal e não o impede de pedir judicialmente a ineficácia delas. Ao julgador compete verificar se a conduta concreta guarda conformidade com a conduta abstrata tutelada pelo direito.

Pretende-se com a garantia de cognoscibilidade facilitar ao consumidor a única opção que se lhe coloca nos contratos de consumo massificados, notadamente quando submetidos a condições gerais, isto é, "pegar ou largar" ou avaliar os custos e benefícios em bloco, uma vez que não tem poder contratual para modificar ou negociar os termos e o conteúdo contratual.

A Lei portuguesa das cláusulas contratuais gerais, de 1985, com as alterações havidas pelo Decreto-Lei nº 220 de 1995, em seu artigo 5º, prevê um dever de comunicação prévia e integral, ao consumidor, das condições gerais que deverão ser integradas ao contrato individual. A norma estabelece que a comunicação deve ser realizada de modo adequado e com antecedência necessária, tendo em conta a extensão e a complexidade das condições, a possibilidade de seu conhecimento efetivo por quem use de comum diligência, cabendo ao fornecedor o ônus da prova da efetiva e adequada comunicação.

O Código do Consumidor brasileiro (arts 46 e 54) estabelece que os contratos de consumo não serão eficazes, perante os consumidores, "se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo", ou houver dificuldade para compreensão de seu sentido e alcance, ou se não forem redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, ou se não forem redigidos com destaque, no caso de limitação de direitos.

Todas essas hipóteses legais configuram elementos de cognoscibilidade, situando-se no plano da eficácia, vale dizer, sua falta acarreta a ineficácia jurídica, ainda que não haja cláusula abusiva (plano da validade). Os contratos existem juridicamente, são válidos mas não são eficazes. O direito do consumidor, portanto, desenvolveu peculiar modalidade de eficácia jurídica, estranha ao modelo tradicional do contrato. No lugar do consentimento, desponta a cognoscibilidade, como realização do dever de informar.


Conclusão

Procurou-se demonstrar que o mundo atual assiste a transformações substanciais, para muitos irresistíveis, em que os Estados e os direitos nacionais são postos em tela de julgamento, quanto à sua função prestante, em face da globalização econômica. A crise do Estado social - a promessa generosa e solidária da última etapa do Estado moderno - repercute nos direitos fundamentais de terceira geração, onde se incluem os direitos do consumidor, que brotaram de seu seio.

Paradoxalmente, enquanto o Estado social se reduz, na exata medida do avanço do mercado global, o direito do consumidor se expande, sabido que somente é possível fazê-lo mediante a intervenção estatal, na legislação, nas ações e políticas públicas de proteção e na forte atuação da administração da justiça. Esse paradoxo não pode ser entendido senão como fato, contrário à dura lógica do mercado, decorrente da consciência de que o consumidor não é o elo enfraquecido e despersonalizado da cadeia econômica de produção e distribuição. É pessoa com necessidades, desejos, ideais, que merece respeito à sua dignidade humana, que somente o direito pode assegurar.

Na era da informação, justamente a informação é erigida em direito fundamental do consumidor, de cada cidadão, no plano mais elevado que o sistema jurídico pôde desenvolver, de modo a que a tutela jurídica arme-o de condições para o exercício da liberdade de escolha, como contrapartida ao mercado massificado que tende a todos submeter à sua lógica. No plano internacional, a resolução da ONU e as diretivas das ordens supranacionais afirmam o reconhecimento da natureza fundamental do direito à informação.

A informação e o dever de informar tornam realizável o direito de escolha e autonomia do consumidor, fortemente reduzida pelos modos contemporâneos de atividade econômica massificada, despersonalizada e mundializada. Nessa direção, recupera parte da humanização dissolvida no mercado e reencontra a trajetória da modernidade, que prossegue o sonho mais alto do iluminismo, a capacidade de pensar e agir livremente, sem submissão a vontades alheias, cada vez mais difícil na economia globalizada de Estados e direitos nacionais enfraquecidos, onde as principais decisões econômicas são tomadas por conselhos de administração de empresas transnacionais.

O desafio que se coloca ao jurista é a capacidade de ver as pessoas em toda sua dimensão ontológica e não como simples e abstratos pólos de relação jurídica e muito menos como objetos manipuláveis pelos interesses econômicos. Tratando do direito civil, mas com aplicabilidade certeira ao atual direito do consumidor, o grande jurista e humanista português Orlando de Carvalho(21) pugnou pela "repersonalização" do direito, como autêntico princípio, fundado na "acentuação de sua raiz antropocêntrica, da sua ligação visceral com a pessoa e seus direitos". Restaurar a primazia da pessoa é assentar o direito na dignitas humana e concebê-lo como um "serviço da vida", um foyer da cidadania ativa.


Notas

1.Na Constituição brasileira, o artigo 6º assim os define: "Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados, na forma desta Constituição".

2.Cf. Aloísio Ferreira, Direito à informação, Direito à comunicação, São Paulo, Ed. Celso Bastos, 1997, p. 94/5, que lista as seguintes espécies de informação: informação oral, informação escrita, informação visual, informação audiovisual, informação jornalística, informação publicitária ou propagandística, informação recreativa, informação individual, informação institucional, informação popular, coletiva ou geral, informação automatizada.

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3.Cf. Actas do Congresso Internacional omunicação e Defesa do Consumidor", Coimbra, 1996.

4.Norberto Bobbio, O tempo da Memória, De senectude e outros escritos autobiográficos, trad. Daniela Versiani, Rio de Janeiro, Ed. Campus, 1997, p. 160.

5.Cf. Actas do Congresso Internacional sobre "Comunicação e Defesa do Consumidor", cit., p. 492.

6.A Constituição brasileira optou por norma geral assecuratória do direito fundamental do consumidor, inserida no artigo enumerador dos direitos e garantias individuais e coletivas (art. 5º), prescrevendo: "XXXII – O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor".

7.O Código do Consumidor brasileiro (art. 3º) admite que pessoa jurídica de direito público possa assumir a posição de fornecedor, quando prestar serviço mediante remuneração. Do mesmo modo, a Lei de Defesa dos Consumidores portuguesa (art. 2º.2).

8.Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, trad. Luís Afonso Heck, Porto Alegre, Sérgio Fabris Editor, 1998, p. 281-5.

9.Cf. Robert Alexy, Teoria de los Derechos Fundamentales, trad. Ernesto Garzón Valdés, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, p. 86.

10.Para um estudo mais amplo do tema, cf. Paulo Luiz Netto Lôbo, Condições Gerais dos Contratos e Cláusulas Abusivas, São Paulo, Ed. Saraiva, 1991, p. 61-70.

11.Información al usuário, in Revista Ajuris, edição especial, Porto Alegre, março 1998, p. 256.

12.Para Antonio Manoel da Rocha e Menezes Cordeiro (Da Boa Fé no Direito Civil, Coimbra, Almedina, 1997, p 1234) a confiança exprime a situação em que uma pessoa adere, em termos de atividade ou de crença, a certas representações, passadas, presentes e futuras, que tenha por efetivas. O princípio da confiança explicitaria o reconhecimento dessa situação e tutela.

13Cf. Cláudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 2ª edição, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1995, p. 241.

14.O Código do Consumidor brasileiro, em seu artigo 34, é explícito a respeito. Do mesmo modo, a Lei de Defesa do Consumidor portuguesa (art. 8º,5 ): "O fornecedor ou prestador de serviços que viole o dever de informar responde pelos danos que causar ao consumidor, sendo solidariamente responsáveis os demais intervenientes na cadeia da produção à distribuição que hajam igualmente violado o dever de informação".

15.Paulo Luiz Netto Lôbo, Responsabilidade por Vício do Produto ou do Serviço, Brasília, Ed. Brasília Jurídica, 1996.

16.Cf. Geraint G. Howells, Strict Liability in Common Law: Historical Development and Perspectives. Documentos Básicos do Congresso Internacional de Responsabilidade Civil. Blumenau, out./nov. 1995, p. 82.

17.Flexible Droit, 6ª edição, Parias, LGDJ, 1988, p. 273.

18.A diretiva européia nº 84/450/CEE define a publicidade como "qualquer forma de comunicação feita no âmbito de uma atividade comercial, artesanal ou liberal tendo por fim promover o fornecimento de bens ou de serviços, incluindo os bens imóveis, os direitos e as obrigações".

19.Cf. Jacques Ghestin, Traité de Droit Civil – La Formation du Contrat, 3ª edição, Paris, LGDJ, 1993, p. 534.

20.Nesse sentido, um dos mais importantes consumeristas brasileiros, Antônio Herman de Vasconcelos Benjamin, in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor,Ada Pellegrini Grinover et al., Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1998, p. 266.

21.Cf. A Teoria Geral da Relação Jurídica, Coimbra, Centelha, 1981.

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Sobre o autor
Paulo Lôbo

Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP), Professor Emérito da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Foi Conselheiro do CNJ nas duas primeiras composições (2005/2009).︎ Membro fundador e dirigente nacional do IBDFAM. Membro da International Society of Family Law.︎ Professor de pós-graduação nas Universidades Federais de Alagoas, Pernambuco e Brasília. Líder do grupo de pesquisa Constitucionalização das Relações Privadas (UFPE/CNPq).︎

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LÔBO, Paulo. A informação como direito fundamental do consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2216. Acesso em: 5 nov. 2024.

Mais informações

Conferência proferida na Cerimônia de abertura do 3º Curso de Pós-Graduação em Direito do Consumidor do Centro do Direito do Consumo da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, no dia 10.11.2000

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