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Supremacia do interesse público sobre o particular: uma ideia à luz da Teoria Geral do Estado

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25/07/2012 às 14:10
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CONCLUSÃO

  O ser humano necessita viver em comunidade. Por isso associa-se. Mas esta associação não funciona de forma eficiente se cada indivíduo é livre para agir, para usufruir de seus direitos indiscriminadamente. A condução da vida em comunidade sob esta liberdade absoluta levaria à prevalência de uma só regra: a lei do mais forte, o que implicaria em inevitáveis prejuízos à boa parte dos cidadãos.

Para evitar esta situação, criou-se o Estado. Cada cidadão cede uma parte de sua liberdade, para que o Estado possa curar os interesses de todos e, assim, atingir o bem comum. Neste intento, são garantidas ao Estado prerrogativas, necessárias para o alcance de suas finalidades que, no entanto, são utilizadas para a prática de abusos e arbitrariedades, obrigando aos cidadãos a defender-se do próprio Estado.

Daí surgiu, por meio de revolução, o Estado de Direito. O Estado submetido à lei. Influenciada por um caráter extremamente individualista, a revolução visa garantir direitos de natureza eminentemente particulares. O bem comum neste momento histórico resume-se à garantia de liberdade e propriedade para todos os indivíduos.

Com a evolução da humanidade, este bem comum também evolui. Assume uma feição coletiva. Social. Erige-se o Estado Social de Direito, com reflexos na maioria dos ordenamentos jurídico-constitucionais modernos, inclusive o brasileiro. O bem comum de hoje não é simplesmente a garantia dos direitos individuais, mas, também, a garantia dos interesses coletivos. O interesse público consiste justamente na harmonização entre interesses individuais e coletivos, da forma como moldados pela ordem jurídica, com o objetivo de garantir a satisfação do bem comum.

Sobre essas bases históricas e ideológicas moldou-se o moderno Direito Administrativo, cujas diretrizes, caracterizadas pelo regime jurídico-administrativo, tem por finalidade garantir o equilíbrio entre as prerrogativas e sujeições conferidas à Administração Pública, sob a égide, respectivamente dos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade do interesse públicos. O primeiro tem enfrentado questionamentos que, no entanto, não merecem subsistir.

Com efeito, a premissa de que a supremacia do interesse público não consiste em princípio jurídico na acepção do termo aceita atualmente pela Teoria Geral do Direito, e correspondente à terceira fase do princípio, está absolutamente equivocada. Primeiramente porque, conforme demonstrado, ao expor a noção de princípio da supremacia, no contexto do regime jurídico-administrativo, a doutrina majoritária, capitaneada por CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, toma em conta a concepção de princípio relativa à segunda fase do conceito, como mandamento nuclear do sistema, critério para a criação e interpretação das normas que o compõem. Ademais, porque a terminologia adotada em nada abala a importância do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular no seu papel de fundamentar a instituição das prerrogativas necessárias ao cumprimento das finalidades do Estado.   

Também o argumento de que o interesse público a prevalecer não se coaduna com o bem comum parte de premissa equivocada. No desenvolvimento do trabalho restou demonstrado que o bem comum, como finalidade do Estado, está definido no ordenamento jurídico-constitucional, e sua configuração no atual contexto da humanidade envolve a salvaguarda dos direitos individuais e, concomitantemente, dos direitos coletivos (estes no sentido amplo). O interesse público consiste na harmonização destas duas dimensões de direitos. Portanto, o que o interesse público visa é justamente garantir o bem comum.

Por fim, constatou-se que a indeterminabilidade do conceito de interesse público não ameaça os direitos fundamentais, tendo em vista que o próprio ordenamento se encarrega de traçar, ao lado das prerrogativas do administrador, as sujeições que limitam a sua atuação. Este, aliás, é o cerne do regime jurídico-administrativo. 

Diante da análise realizada, se pode concluir pela subsistência do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado enquanto pilar inafastável do regime jurídico-administrativo. Como visto, regime jurídico consiste em sistema, e é nesta perspectiva que deve ser visto e analisado. Quando se trata do regime jurídico-administrativo, não existem prerrogativas sem sujeições. Não existe supremacia sem indisponibilidade. Raciocínios erguidos contra o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado que não considerem este binômio, não podem ser considerados críticas sérias, nem são suficientes para desconstruí-lo.


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Sobre o autor
Eduardo Rodrigues Evangelista

Mestrando em Direito do Estado pela PUC/SP. Advogado nas áreas de Direito Administrativo e Tributário na Advocacia Waltenberg.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EVANGELISTA, Eduardo Rodrigues. Supremacia do interesse público sobre o particular: uma ideia à luz da Teoria Geral do Estado . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3311, 25 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22289. Acesso em: 16 abr. 2024.

Mais informações

Artigo científico apresentado ao Programa de Mestrado em Direito do Estado, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito do Estado, sob orientação do Professor Doutor Clóvis Beznos.

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