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O mundo globalizado e a necessidade de tutela penal do meio ambiente

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04/08/2012 às 16:16
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4 Pontos contrários ao uso do Direito Penal na seara ambiental

Se, por um lado, resta evidente que o meio ambiente necessita de proteção jurídica, por outro, são muitos os argumentos contrários ao uso do Direito Penal para efetivar tal proteção.

Contrários ao expansionismo, muitos doutrinadores afirmam, embasados em uma vertente minimalista, que não cabe ao Direito Penal a tutela dos novos interesse da modernidade, entre eles o meio ambiente. Assim,

o controle destas novas situações sociais, que envolvem os bens jurídicos decorrentes da pós-modernidade, recebe então novas propostas de regulação, como pela criação de um Direito de Intervenção (WINFRIED HASSEMER) ou pela total administrativização deste controle, relegando ao Direito Administrativo sancionador a incumbência de regulação e intervenção social nestes novos domínios. (SOUZA. 2007. p. 173)

Nesse universo, uma das principais argumentações seria a observância do princípio da intervenção mínima ou ultima ratio. Dessa maneira, se pelo princípio supracitado o Direito Penal deveria ser utilizado como última ferramenta do Estado para efetuar a proteção de um valor, afirma-se não haver necessidade de tipificações na seara ambiental, pois esta estaria satisfatoriamente guarnecida com o simples manejo dos recursos do Direito Administrativo sancionador. Nesse sentido, destaque há para os teóricos da Escola de Frankfurt que recusam por completo a expansão do Direito Penal aos novos interesses pós-modernos.

Um dos principais ícones da Escola de Frankfurt, Hassemer, não vislumbra a existência legítima de bens jurídicos supraindividuais, aqui inserido o próprio meio ambiente, a não ser que possam ser reconduzidos a um ser humano individualizado. Portanto, como solução aos problemas contemporâneos da sociedade Hassemer propõe duas saídas

Primeiramente, a volta ao ideal do direito penal do estado de direito (direito penal “clássico”), o que levaria a extensas descriminalizações (...); em segundo lugar, a criação de um chamado direito de intervenção, um novo ramo do direito, a ser situado entre o direito público e o privado, mais flexível que o direito penal, mas também menos severo. Aqui se deve situar a maior parte dos bens jurídicos coletivos e dos delitos de perigo abstrato. (..) Hassemerr espera um eficaz controle da criminalidade por meio de medidas da chamada “prevenção técnica”, que podem, através de reestruturações organizacionais, tornar dispensável a intervenção do direito penal” (GRECO. 2011. p.17)

Também defendendo a volta a um direito penal clássico, pode-se citar Naucke para quem “são criminosos apenas aqueles fatos que sejam graves o suficiente para legitimar uma pena retributiva” (apud GRECO. 2011. p. 19)

Assim, princípios de matriz liberal, estruturados com o fulcro de garantir limites ao poder de punir do Estado, não deveriam ser flexibilizados de maneira alguma, nem mesmo sob a justificativa de se proteger um valor como o meio ambiente, sob pena de se colocar em risco todas as conquistas liberais até então consolidadas no ordenamento pátrio.

Se por um lado o princípio da intervenção mínima representa um argumento de peso, há ainda a questão referente ao princípio da ofensividade. Dele decorre que só há crime onde há lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico (nullum crimen sine injuria). Conforme exposto, o Direito Penal Ambiental, baseado na idéia da precaução dos riscos, utiliza-se de ferramentas incriminadoras que, antecipando a culpabilidade, evitam que o dano venha a se concretizar. Esta é a metodologia dos crimes de perigo, extensamente utilizados no campo da proteção ecológica.

Conforme o princípio da ofensividade, não há de se falar em crime se sequer houve lesão ou perigo concreto ao bem jurídico protegido. Por sua vez, os crimes de perigo, sobretudo de perigo abstrato, onde há uma presunção legal do risco e um desvalor de uma ação considerada perigosa e não desejada, seriam ferramentas que não se encontram amparadas pelos princípios do Estado Democrático de Direitos. Portanto, funcionando como um critério político criminal de limitação do jus puniendi estatal, o próprio princípio da ofensividade, retiraria a legitimidade de grande parte dos tipos penais ambientais.

Na doutrina, de uma forma geral, grandes críticas são apontadas a esta construção na estrutura do delito. Mais uma vez, também os representantes da Escola de Frankfurt se mostram contrário a esta forma de tipificação, sobretudo em virtude de sua tendência ampliativa do arcabouço jurídico penal. No direito brasileiro, também crítica ao uso indiscriminados dos crimes de perigo na seara ambienta cite-se Helena Regina Lobo da Costa. Segundo da estudiosa,

deve-se deixar de lado o ‘mito da imprescindibilidade’ dos crimes de perigo abstrato, reconhecendo que, também em termos funcionais, eles apresentam dificuldades, visto que o delito se torna menos ‘tangível’ e, portanto, menos visível socialmente.

Seu campo de aplicação deve ser, portanto, bastante limitado, repisando que os critérios para essa limitação ainda precisam ser determinados com exatidão pela doutrina penal. (2010. p. 65)

Outra argumentação de peso é que o uso do Direito Penal no universo ambiental apresenta-se muito mais como uma ferramenta simbólica do que um eficaz mecanismo de proteção do meio ambiente. Ou seja, ao invés de realmente se justificar como uma ferramenta preventiva, os dispositivos penais ambientais não conseguem atingir seus objetivos de prevenção geral, apresentando-se apenas como um campo de inchaço desmedido e desnecessário do Direito Penal, subjugado pelas políticas públicas punitivistas.

Ademais, institutos como a responsabilização penal da pessoa jurídica, defensáveis precipuamente no campo do Direito Penal Ecológico, mostram-se como lei sem qualquer efetividade, haja vista que toda a dogmática penal foi construída sob a base da responsabilidade pessoal do indivíduo, sendo necessária uma completa remodelagem do Direito Penal para se permitir que responsabilizações a pessoas jurídicas, no campo penal, não representem um universo de indagações onde cada juiz atue conforme seu entendimento.

 


 

5 Conclusão

De todo o exposto, resta evidente que, no mundo globalizado, novos riscos são cada vez mais presentes, sobretudo quando o assunto se identifica com um meio ambiente equilibrado.

O desenvolvimento dos povos não pode ser realizado sem a imposição de limites que garantam uma sustentabilidade ambiental. A própria imprevisibilidade da duração da vida do homem na Terra, faz com que suas ações estejam calcadas na idéia de postergar tal estadia. Para tanto, de forma global, nasce à preocupação dos Estados com a proteção do meio ambiente, bem como a conscientização da importância desse valor para a própria sobrevivência da humanidade, erigindo-o a um bem jurídico digno de tutela penal.

Não há dúvidas de que o bem ambiental seja digno de proteção jurídica penal. Em verdade, embora os campos administrativo e civil também atuem visando a preservação ambiental, considerando a relevância do objeto sob proteção, o uso do Direito Penal pode atender de maneira mais eficaz ao ideal de prevenção.

Nesse sentido, considerando que o Direito Penal é extremamente estigmatizante, o simples fato de um valor ser por ele protegido, produz um efeito preventivo geral muito mais eficaz do que os outros ramos jurídicos. As próprias consequências ferrenhas de uma responsabilização penal, independente da sanção aplicada ser ou não a imposição de uma pena privativa de liberdade, atuam de maneira a inibir a prática dos comportamentos penalmente proibidos.

Dessa maneira, inaceitável é a negativa de uso Direito Penal, sob simples argumento de que este deve se limitar a proteção de bens jurídicos individuais, como o fazem grandes ícones da Escola de Frankfurt. O Direito Penal, como qualquer ramo jurídico, não pode negar a essência da Ciência do Direito, qual seja, a dinamicidade que a acompanha conforme a própria sociedade evolui.

Não obstante a defesa do uso do arcabouço jurídico penal para garantir a tutela ambiental, resta também evidente que neste universo grandes são as dificuldades dogmáticas. Adotando, prima face, a idéia salutar de que o meio ambiente é digno de proteção penal, razão pela qual a tipificação nesta seara é, ao menos ab initio, legítima, outros são os problemas que esta ciência necessita resolver. Portanto, se o novo paradigma social, cunhado na idéia de amplificação dos riscos globais, exige do Direito Penal um modelo mais dinâmico, vinculado ao ideal de antecipação de tutela e responsabilização não só da pessoa humana, como também da pessoa jurídica, certo é que tais novos institutos devem ser utilizados dentro da reserva do estritamente necessário, sob pena de representarem uma ferramenta contraria aos pilares do Estado Democrático de Direitos.

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Portanto, para a proteção eficiente do bem jurídico ambiental é imprescindível o recurso a institutos como os crimes de perigo e a responsabilização da pessoa jurídica. Contudo, considerando todas as mazelas que os envolvem, certo é que muito estudo se mostra necessário para que o seu uso não venha a ser contrário aos anseios sociais. A tipificação das condutas perigosas é sem dúvida imprescindível dentro da sociedade de riscos e seu uso, associado a princípios como da intervenção mínima, deve ser feito apenas quando se mostre de extrema necessidade.

Por outro lado, a responsabilização penal da pessoa jurídica, embora represente um mecanismo que atende as idéias, sobretudo, de proporcionalidade do Direito Penal, ainda encontra-se numa zona cinzenta de incertezas. Mesmo que alguns juízes já a estejam aplicando2, o que se vê é uma falta de critério no seu uso, o que reforça ainda mais a imprescindível evolução dogmática nesta temática.

Nesse diapasão, aos estudiosos da área resta não a argumentação de que apenas o chamado “Direito Penal Clássico”, cunhado nos ideais do Estado Liberal, teria uma ação legítima, mas sim, acompanhar as necessidades da dinamicidade social que implicam na conseqüente – e até mesmo inegável – evolução do Direito Penal para atender as mais recentes necessidades da sociedade pós-moderna, sem se perder no mundo do simbolismo.

Muito estudo ainda é necessário nesta seara para que as incertezas de uma aplicação do Direito Penal possam ser afastadas. Todavia, antes de negar sua aplicação ambiental, muito mais racional parece ser o estudo sobre os mecanismos que possibilitaram tal evolução nesse percurso aqui intitulado de “caminho sem volta”.


Referências

BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. Ed. São Paulo: Editora 34, 2011.

COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade – efetividade – tutela por outros ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010.

GARCÍA DE PAZ, M. Isabel Sánchez. El moderno derecho penal y la antecipación de la tutela penal. Valladolid: Secretariado de Publicaciones e Intercambio Científico, Universidade de Valladolid, 1999.

GRECO, Luís. Modernização do direito penal, bens jurídicos coletivos e crimes de perigo abstrato. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2011.

HEFENDEHL, Roland. ¿ Debe ocuparse el derecho penal de riesgos futuros? Revista Eletrônica de Ciência Pena y Criminologia. Disponível em: < http://criminet.ugr.es/recpc/recpc_04-14.pdf >. Acesso em:12 fev. 2004.

MACHADO, Fábio Guedes de Paulo; GIACOMO, Roberta Catariana. Dos bens jurídicos supra-individuais de conteúdo difuso como o meio ambiente. Disponível em: <http://www.diritto.it/pdf/28542.pdf >. Acesso em 15 ago. 2011.

MARTINS, Cintia Helena Backy. A sociedade de risco: visões sobre a iminência da crise ambiental global na teoria social contemporânea. Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 25, n. 1, p. 233-248, abr. 2004.

MENDOZA BUERGO, Blanca. El derecho penal em la sociedad del riesgo. Madrid: Civitas, 2001.

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 2. Ed. São Paulo: RT, 2001.

PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 5ª.ed. São Paulo: RT, 2011-a.

______.Crimes contra o ambiente. 2ª Ed. São Paulo: RT, 2001.

______. Direito penal do ambiente. 3ª. Ed. São Paulo: RT, 2011-b.

SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. 2ª Ed. São Paulo: RT, 2011.

SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito penal supra-individual: interesses difusos. São Paulo: RT,2003.

SOUZA, Luciano Anderson de. Expansão do direito penal e globalização. São Paulo: Quartier Latin, 2007.


Notas

1 Sobre o tema da legislação ambiental pelo mundo, vide PRADO. 2011-b. p. 69 e ss.

2 No Brasil, desde o advento da Lei nº 9.605/98, já há casos de condenação penal da pessoa jurídica. Nesse sentido, confira AP 2001.72.04.002225-0/SC, TRF 4º Região, 8ª Turma, data do julgamento: 06/08/2003. Também no STF, permitindo o processo criminal HC 85.190-8-SC, 2ª Turma, julgamento em 08/11/2005. 

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Sobre a autora
Gabriela Garcia Damasceno

Delegada de polícia civil do Estado de Minas Gerais, titular do 1ª Distrito policial de Uberlândia/MG; Graduada em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia; Especialista em Direito público pela Universidade Gama Filho; Mestranda em Direito Público pela Universidade de Uberlândia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DAMASCENO, Gabriela Garcia. O mundo globalizado e a necessidade de tutela penal do meio ambiente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3321, 4 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22300. Acesso em: 16 nov. 2024.

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