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IPTU e ITR: molde normativo específico e critério material

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10/08/2012 às 16:55
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3 IPTU E ITR

Dadas a considerações tecidas nos tópicos anteriores, passaremos, neste momento, a construção do molde normativo da regra matriz de incidência tributária de duas espécies tributárias do gênero imposto discriminadas na CRFB, a partir do método recém proposto.

Trataremos, assim, do IPTU e do ITR, discriminados nos artigos 156, inciso “I” e 153, inciso “VI”, da CRFB.

Neste intento, partiremos do texto constitucional e, posteriormente, verificaremos as disposições estruturais contidas em lei complementares, de modo a que possamos desenhar os moldes normativos dentro dos quais devem se amoldar as regras matrizes de incidência tributária, para que sejam válidas.

A primeira observação a ser feita em relação ao molde ideal do IPTU, seguindo as premissas anteriormente apresentadas, é que o texto constitucional, estabelecendo um parâmetro específico de validade relativo à sujeição ativa e aos veículos de introdução deste tributo (isto acontece com todos os impostos) nos termos do qual, para que seja válida, a regra matriz de incidência tributária do IPTU incidente na área de determinado Município, deve ser introduzida no sistema através de lei municipal válida e o Município correspondente deve figurar como sujeito ativo[18].

Vale ressaltar, por oportuno, que sujeição ativa não se confunde com competência legislativa tributária, sendo esta a prerrogativa indelegável de, por meio da edição de textos legislativos, introduzir no direito positivo disposições estruturais e instituidoras de tributos, enquanto aquela pode ser definida como a competência administrativa tributária, uma vez que é a prerrogativa de receber (arrecadar) e exigir (promover execução) determinada prestação, no caso: o comportamento de pagar do sujeito passivo, bem como de verificar a regularidade do seu cumprimento (fiscalizar).

Neste sentido, no caso do IPTU, a competência legislativa tributária relativa a disposições estruturais de envergadura infraconstitucional deverá ser exercida concorrentemente pela União e pelo Município, enquanto a competência legislativa tributária relativa às disposições instituidoras e a competência administrativa tributária (sujeição ativa) caberão exclusivamente ao Município. No caso do ITR, a União será a única a legislar.

Sendo assim, é plausível sintetizar o primeiro parâmetro do molde normativo específico nos seguintes termos: os enunciados conotativos de conduta do IPTU devem ser introduzidos no sistema positivo através de leis municipais e o município competente deve figurar como sujeito ativo na regra matriz de incidência tributária.

Ainda em relação ao exercício da competência legislativa tributária, é possível extrair da carta magna, especificamente de seu artigo 150, § 1°, um parâmetro de validade especificamente relacionado ao IPTU, que pode ser apresentado da seguinte forma: a instituição do imposto ou as alterações do critério quantitativo da sua regra matriz de incidência tributária que impliquem em aumento na quantia a ele relativa, no que se refere às alíquotas, devem ser introduzidas no sistema no exercício financeiro anterior ao da cobrança e noventa dias antes desta; no que se refere à base de cálculo, devem ser introduzidas no sistema no exercício financeiro anterior ao da cobrança.

Além daqueles relativos às competências tributárias, é possível extrair, diretamente do texto constitucional, um terceiro parâmetro de validade da regra matriz de incidência tributária especificamente relativa ao IPTU, dessa vez relativo às alíquotas, ou seja, às razões do critério quantitativo.

Trata-se de parâmetro, também do molde normativo específico, desenhado a partir dos enunciados conotativos estruturais contidos no artigo 156, § 1°, incisos I e II, e no artigo 182, § 4°, inciso II, da CRFB, que pode ser sintetizado nos seguintes termos: as alíquotas do IPTU só poderão variar à razão do valor do imóvel, da localização, do uso e da magnitude da violação ao princípio da função social da propriedade.

Esgotadas os enunciados constitucionais especificamente relativos ao IPTU, passaremos aos textos constantes da lei complementar, no caso o CTN, lembrando que, a partir deste ponto, as disposições estruturais, para que sejam válidas, devem adequar-se aos termos dos enunciados, também estruturais, introduzidos no sistema através de veículos de envergadura superior, de maneira que, fora do texto constitucional, os critérios compositores do molde normativo têm, apenas, pretensão de validade, sendo certo que tal característica deverá ser verificada.

Dadas estas considerações, vê-se que o CTN, especialmente nos parágrafos do artigo 32, traz um parâmetro específico, direcionado ao critério espacial da regra matriz de incidência tributária a ser eventualmente composta pelo ente federativo competente, nos termos do qual: na zona urbana (critério espacial) não podem estar compreendidas áreas não compreendidas nos termos do § 2° ou nas quais não exista, ao menos, dois dos benefícios discriminados no § 1°.

Mais à frente, notamos mais um parâmetro específico do IPTU, ao qual deve amoldar-se a regra matriz de incidência tributária correlata, no artigo 33, caput e parágrafo único, através do qual se estabelece, já de forma sintetizada que: “a base do cálculo do imposto é o valor venal do imóvel” e que “na determinação da base de cálculo, não se considera o valor dos bens móveis mantidos, em caráter permanente ou temporário, no imóvel, para efeito de sua utilização, exploração, aformoseamento ou comodidade”.

Ainda no CTN, especificamente no artigo 32, consta um parâmetro específico, direcionado ao critério material, segundo o qual: a hipótese de incidência constante da regra matriz de incidência tributária deverá eleger como signos presuntivos do fato jurídico, que verificado poderá ensejar o lançamento, a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.

Por fim, o artigo 34 do CTN “traz” o parâmetro específico, desta vez relativo ao critério pessoal, segundo o qual: a regra matriz de incidência tributária através da qual se pretende instituir o IPTU deve trazer como contribuinte o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil ou o seu possuidor a qualquer título.

Está, dessa maneira, enumerado o rol de parâmetros específicos e pretensamente válidos que, unidos, formarão o molde normativo ao qual deverá adequar-se a regra matriz de incidência tributária do IPTU, para que seja válida.

No entanto, nos parece que alguns dos parâmetros apresentados não “sobrevivem” integralmente ao exercício de verificação de sua validade a partir do cotejo dos mesmos em face dos enunciados conotativos estruturais extraíveis do texto da lei maior.

Ocorre que, conforme mencionado anteriormente, os enunciados conotativos estruturais que compõem o molde normativo específico, funcionando como parâmetros de validade aos quais devem se adequar os enunciados conotativos de conduta componentes da regra matriz de incidência tributária, como não poderia deixar de ser, não podem violar o quanto estabelecido pelos enunciados conotativos estruturais introduzidos no sistema através de veículos de envergadura hierarquicamente superior.

Em razão disto, afirmamos que o molde normativo específico de cada espécie do gênero imposto deve ser construído a partir de seu enunciado estrutural mais cogente, ou seja, daquele que, no texto constitucional, escolhe uma materialidade, cujos fatos jurídicos correlatos podem ser sintetizados através da junção de um verbo e de um complemento e que funcionam como enunciados estruturais específicos, de segundo grau, aos quais deve adequar-se qualquer outro parâmetro constante do molde normativo específico.

No caso do IPTU, acreditamos estar presente tal disposição no artigo 156, inciso I, no qual a CRFB determina que o IPTU deve incidir sobre a propriedade predial e territorial urbana, fatos jurídicos que podem ser sintetizados nas seguintes orações, formadas por um verbo acompanhado de um complemento: “ser proprietário de prédio urbano” e “ser proprietário de terreno urbano”.

Conforme aduzimos anteriormente, a síntese na fórmula verbo + complemento é fundamental, uma vez que esta deverá figurar como critério material da regra matriz de incidência tributária através da qual se pretende exercer a exação, sendo da lei complementar a função de definir qual será o critério espacial, qual será o critério temporal e quais serão os signos presuntivos da ocorrência do critério material, sendo certo que as decisões intra-sistêmicas decorrentes de tal exercício não podem violar ou desvirtuar os enunciados conotativos estruturais auferíveis do texto constitucional.

No caso concreto, conforme sugerimos e antes de qualquer consideração, é notável e inquestionável que, pelo menos sob o ponto de vista literal, há discrepância entre os enunciados conotativos estruturais auferíveis a partir do artigo 156, inciso “I”, da CRFB, e do artigo 32 do CTN, uma vez que aquele fala da materialidade propriedade de prédio ou terreno urbano enquanto este define como notas distintivas da realidade a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.

De igual maneira, também goza de tais características a afirmação de que existe, pelo menos a princípio, discrepância entre os enunciados conotativos estruturais auferíveis a partir dos artigos 153, VI e 156, inciso “I”, da CRFB e dos artigos 29, 31, 32 e 34 do CTN, uma vez que o possuidor a qualquer título e o titular do domínio útil não tem relação pessoal e direta com o fato jurídico ser proprietário de prédio ou terreno urbano ou com o fato jurídico ser proprietário de terreno rural[19].

Segundo o artigo 1.228 do Código Civil de 2002 (CC), veiculado pela Lei 10.406/2002, proprietário é aquele “que tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”, modificando, portanto, muito pouco o que se estabelecia através do artigo 524 do Código Civil de 1916 (Lei 3.071/1916), segundo o qual a “lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua”.

De início, dos mencionados dispositivos, podemos concluir, por corolário lógico e sem maiores dificuldades que, na medida em que o proprietário tem o direito de reaver o bem do possuidor ou do detentor a título injusto, a propriedade, a posse e o domínio são coisas diferentes.

A fim de ressaltar esta diferença, pode-se notar que o artigo 1.196 do vigente CC define que possuidor é “todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”, razão pela qual o conceito de propriedade é não só diferente, mas mais amplo e, portanto, dotado de mais notas distintivas do que o conceito de posse; bem como é possível perceber que o artigo 1.225 do mesmo diploma sequer inclui a posse no rol de direitos reais, do qual o primeiro e principal item é a propriedade.

Outra sorte não merece o domínio útil que, apesar de não ser expressamente definido pelo CC, é incluído no rol dos bens passíveis de penhora, trazido pelo artigo 1.473, no qual também consta a propriedade, razão pela qual está a tratar-se de coisas diferentes.

Também neste sentido, a doutrina clássica nacional, na medida em que Orlando Gomes define sinteticamente o direito de propriedade, citando Windscheid, como “a submissão de uma coisa, em todas as suas relações, a uma pessoa” (GOMES, 2002, p. 97), e que Miguel Maria de Serpa Lopes o caracteriza como sendo o direito que “congrega em torno de si todas as demais categorias de Direitos Reais sobre a Coisa Alheia, os quais giram em seu derredor”, bem como sendo o que se situa na “posição de centro de irradiação de todos os demais direitos reais” (LOPES, 2001, p. 76).

Nestes termos, tratando-se de diferentes poderes sobre a coisa e, portanto, de diferentes fatos jurídicos, acreditamos, conscientes de que a CRFB, ao limitar a competência legislativa tributária relativa aos impostos, abstrai fatos jurídicos e não apenas bens, que carecem de validade os enunciados conotativos estruturais que estabelecem como signos presuntivos dos fatos jurídicos do IPTU e do ITR a posse e o domínio útil, e que definem como contribuinte do imposto o possuidor a qualquer título e o titular de domínio útil, introduzidos no sistema através do CTN, uma vez que exorbitam os limites estabelecidos pelo enunciado estrutural que define a materialidade a ser tributada, introduzido no sistema através do texto constitucional.

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Nos parece que esta seja a conclusão necessária, tendo em vista as premissas escolhidas que, por sua vez e salvo melhor juízo, revelam-se, aos nossos olhos, perfeitamente adequadas ao Sistema Tributário Nacional e, de resto, ao sistema positivo brasileiro.

Semelhante a este, inclusive, é o entendimento de Leandro Paulsen.

Entendemos que o art. 32 do CTN, no que desborda do conceito de propriedade, é incompatível com o texto constitucional. De fato, note-se que é a riqueza revelada pela propriedade que é dada à tributação. Assim, não se pode tributar senão a propriedade e senão quem revele tal riqueza. A titularidade de qualquer outro direito real revela menor riqueza e, o que importa, não foram os demais direitos reais previstos constitucionalmente como ensejadores da instituição de impostos.” (PAULSEN, 2008, p. 711).

É certo, no entanto, que há manifestações em sentido contrário, fundadas em diferentes argumentos e provenientes de mentes infinitamente mais hábeis e consagradas do que a nossa, razão pela qual, rogadas as devidas vênias, ousaremos enfrentá-las de maneira a sustentar, tanto quanto seja possível, a plausibilidade da nossa posição.


4 DA TRIBUTAÇÃO DA POSSE E DO DOMÍNIO ÚTIL

4.1 A incidência isolada sobre os “direitos inerentes” à propriedade

De início, abrindo o rol dos entendimentos segundo os quais a tributação da posse e do domínio útil através do IPTU e do ITR, há a posição sustentada por Hugo de Brito Machado, segundo o qual os “direitos inerentes” à propriedade estariam sujeitos à incidência dos impostos de que se trata (MACHADO, 2007, p. 364).

Aduz o mencionado mestre que, ao falar da propriedade, a CRFB está a abranger a posse e o domínio útil, que seriam seus elementos, razão pela qual entende que não estando concentrados em uma só pessoa os elementos da propriedade ou se esta pessoa é imune ou isenta seria possível que a tributação recaísse sobre a posse ou sobre o domínio útil.

Com todo o respeito, nos parece que, sendo o “fato gerador” suficiente e necessário, conforme se estabelece a partir do artigo 114 do CTN[20], a tributação isolada de algum dos seus elementos violaria o segundo requisito, de maneira que se estaria a tributar a partir de fato atípico.

Sendo assim, nos parece que a incidência sobre a posse e sobre o domínio útil, nos termos propostos, carece de fundamento legal, razão pela qual revelar-se-ia como exação ilegal.

4.2 A propriedade como sinônimo de imóvel

Dentre os entendimentos segundo os quais é apenas aparente a antinomia existente entre os enunciados conotativos estruturais extraíveis do artigo 153, inciso VI, da CRFB da República e dos artigos 29 e 32 do CTN, destacaremos, de início, aquele que tem por fundamento a afirmação de que o termo propriedade, constante do mencionado dispositivo constitucional, não fora adotado em seu sentido técnico-jurídico e sim no sentido de “patrimônio imobiliário” ou ‘imóvel”.

De maneira a fundamentar esta posição, é comum a afirmativa segundo a qual a mesma decorreria de uma interpretação sistemática da CRFB da República, sobretudo quando avaliado o artigo 153, § 4°, inciso I, no qual, segundo estes mestres, o texto constitucional atribui à expressão “propriedades improdutivas” o significado: imóvel improdutivo.

Comungam deste entendimento: Luís Fernando de Souza Neves (2007, pp. 1098-1099), Aires Fernandino Barreto (1991, p. 228), José Francisco e Marcelo Pellegrina (2001, pp. 467-468).

Segundo o que entendemos, propõe-se que, diferentemente do que se vê nos demais impostos discriminados, não se verificaria, no caso do IPTU e do ITR, abstração constitucional de materialidades na delimitação da competência legislativa tributária relativa a impostos e sim, unicamente, abstração de um determinado tipo de bem.

Isto posto, faz-se imperioso concluir que, segundo os que comungam deste entendimento, por determinação constitucional, a decisão intra-sistêmica cujo resultado será vertido em texto e introduzido no sistema positivo através de lei complementar, gravitará em torno do conceito de imóvel e, somente por tal circunstância, será limitada, motivo pelo qual a tributação da posse e do domínio útil através do IPTU e do ITR seria perfeitamente válida e o modelo que propomos, de todo, inócuo.

De início, não nos parece tão evidente e acertada a conclusão relativa ao termo “propriedades improdutivas”, utilizado pelo texto constitucional, razão pela qual passamos a sustentar em sentido contrário, com base no fato de que o imóvel, por ser um bem no sentido técnico-jurídico e, mais do que isso, por ser uma coisa inanimada que, em si, nada produz, sendo certo que a produtividade não decorre do bem, mas do uso, da fruição ou da disposição do mesmo.

Igualmente, parece-nos certo que, nos termos ora refutados, a lei complementar tributária poderia atribuir a função de aspecto material da hipótese de incidência do IPTU e do ITR a qualquer abstração de fato jurídico que gravitasse em torno do conceito de imóvel, utilizando-se para tanto dos mais diversos verbos e complementos, por mais absurdo que possa parecer o resultado de tal exercício.

Em outras palavras, desde que existisse previsão em lei complementar tributária, nada impediria que a hipótese de incidência do IPTU fosse, por exemplo, a implosão de um imóvel, a pintura de um imóvel, a limpeza de um imóvel, etc[21].

Tal raciocínio, em verdade, tem por base a talvez mais básica regra argumentativa do discurso jurídico, enquanto modalidade do discurso prático geral, segundo a qual se “x” e “y” são semelhantes em relação aos aspectos relevantes, que no caso se resumem ao verbo ser e ao termo imóvel, o que se aplica a “x” também pode ser aplicado em relação a “y”[22].

Com efeito, não nos parece razoável aceitar que a CRFB, quando da delimitação das competências legislativas tributárias, tenha trazido unicamente o conceito de “imóvel” sem aceitar que, conseqüentemente, a lei complementar está autorizada a escolher e abstrair qualquer fato jurídico que guarde relação com tal conceito e erigi-la à qualidade de aspecto material da hipótese de incidência.

Do nosso ponto de vista, o termo “propriedade improdutiva” foi utilizado no sentido de exploração das prerrogativas inerentes ao direito de propriedade de forma contrária às diretrizes trazidas através do princípio da função social da propriedade, tal como alguém que: não promove a utilização do bem (uso); extrai seus frutos de forma predatória, exagerada ou danosa a terceiros (fruição); ou, por fim, deixa de transferir a propriedade a alguém que promova a sua utilização (disposição).

Nos parece, ainda, que a própria análise do texto integral do enunciado extraível do artigo 153,  § 4°, inciso I da CRFB resulte em conclusão favorável à nossa posição, pois, ao desestimular a manutenção de propriedades improdutivas, o bem imóvel em si, se mantém (não desaparece), sendo certo que o que se desestimula a manter-se é a exploração das prerrogativas do direito de propriedade por indivíduo que não promova o adequado uso do bem.

Ademais, ainda que assim não fosse, não nos parece razoável que, em virtude de uma utilização atécnica de determinada expressão no texto de um diploma legal, possa se justificar o raciocínio segundo o qual em todos os demais momentos em que a expressão foi usada, ou apenas naqueles em que haja dúvida, não se quis dar a mesma o seu sentido técnico-jurídico, sobretudo quando tal expressão é utilizada na definição de um instituto  e no contexto de um subsistema onde reine a utilização de significados técnico-jurídicos.

De igual maneira, em nossa opinião, considerar que a discriminação constitucional de competência para instituir a regra matriz de incidência tributária do IPTU deve gravitar em torno de um bem (imóvel) e que a construção da regra matriz de incidência tributária dos demais deva gravitar em torno de materialidades (circulação de mercadorias, prestação de serviços, produção industrial, etc), antes de ser o resultado de uma interpretação sistemática, implica em desvirtuar tal método e ignorar a existência do subsistema constitucional tributário.

Em resumo, aceitar a idéia que ora se refuta seria concluir que, em um contexto de divisão de competência legislativa entre os entes federativos, no qual há outros onze institutos pares construídos com conceitos técnico-juridicos e cujos “núcleos” são materialidades (classes de fatos jurídico de ocorrência futura e possível), o IPTU e o ITR são institutos construídos com linguagem coloquial cujos núcleos são bens, é, a mais não poder, desarrazoado.

4.3 O postulado da interpretação econômica

Ainda considerando que a discrepância entre os enunciados constantes do artigo 156, inciso I da CRFB da República e do artigo 32 do CTN é apenas aparente, já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça[23] e se posicionam doutrinadores extremamente respeitados, tal como Sacha Calmon Navarro Coêlho (2010), Ricardo Lobo Torres (2009), Kiyoshi Harada (2009), Aliomar Baleeiro e Misabel Derzi (2008).

Basicamente, segundo o que verificamos, estes mestres entendem que, não só as leis tributárias, mas também os dispositivos constitucionais que dizem respeito às materialidades sujeitas à tributação por meio de impostos, devem ser interpretadas segundo um postulado específico, que podemos definir com o da interpretação segundo o critério econômico, através do qual seria possível qualificar como inexistente a discrepância apontada.

Ademais, avaliam o potencial efeito social da tributação da propriedade urbana e rural por via dos impostos discriminados na CRFB, para, com base nas conclusões sobre tais efeitos, interpretar o texto da lei maior de forma mais ou menos extensiva.

Neste sentido, Sacha Calmon Navarro Coêlho (2010), em seu Curso de Direito Tributário Brasileiro, após rebater o entendimento segundo o qual “o pressuposto da incidência é o imóvel” e a conceituação do IPTU e de qualquer outro imposto como “imposto real”, bem como depois de tecer considerações sobre o conceito técnico-jurídico dos termos propriedade, posse e domínio útil à luz do CC; questiona se o CTN teria criado um conceito específico e diverso da “acepção civilística”.

Em resposta, o ilustre mestre soteropolitano, baseando-se em Hensel, segundo o qual “em certas situações (sobretudo com relação a impostos sobre o patrimônio ou a renda), pode-se entender de equiparar quem tenha o “domínio econômico” do objeto com o proprietário”, afirma que “situações fáticas atenuam” o “princípio” extraível do artigo 110 do CTN e que a sua “interpretação é extensiva” (COÊLHO, 2010, pp. 326-332).

Cita a afirmação do também baiano Aliomar Baleeiro, segundo o qual há a “realidade de que milhares ou milhões de fazendas e sítios, no Brasil, ocupam terras públicas ou particulares de terceiros, já que seus possuidores não têm título hábil ou o título não se filia a uma cadeia sucessória até o dia do desmembramento do patrimônio público” (COÊLHO, 2009, p. 379), com o que, inclusive, concorda Ricardo Lobo Torres (2009) ao afirmar que a tributação da posse via IPTU é possível pois “na estrutura fundiária do País, avultam os casos de mera ocupação de áreas devolutas e ainda não discriminadas”.

Considera, ainda, que a intenção do legislador da lei complementar seria atingir o proprietário, o “quase proprietário” e o que “aparentava ser o proprietário”, razão pela qual não poderia ser tributada qualquer posse, mas somente aquela de titularidade da pessoa que poderia vir a se tornar a proprietária; bem como que este mesmo legislador teria tomado a posse e a enfiteuse “como “signos presuntivos” de um direito de propriedade tributável”, afirmando ser a posse um “fato gerador por extensão”.

Acerca da enfiteuse, que afirma ser o "mais amplo direito real sobre coisa alheia", aduz, invocando Amilcar Falcão, que “o fato gerador de um tributo é um fato de conteúdo econômico a que a lei atribui relevância jurídica” e, com base nestas considerações e em demais características da enfiteuse, afirma que o CTN “vislumbra no direito real do enfiteuta o conteúdo mesmo do direito de propriedade com um minus irrelevante”.

Apresenta minucioso estudo sobre o conceito técnico-jurídico dos termos propriedade, posse e domínio útil à luz da doutrina clássica e finaliza afirmando inexistir antinomia, no particular, entre a CRFB e o CTN.

De maneira semelhante e com resultado idêntico, posicionam-se Aliomar Baleeiro e Misabel Derzi (2008), na tradicional obra Direito Tributário Brasileiro, escrita por aquele e atualizada por esta.

Inicialmente, avaliando o artigo 110 do CTN, Aliomar Baleeiro afirma que, a despeito de não constar de forma expressa, há no CTN, de forma subjacente, indicativo de que as “leis fiscais” devem ser interpretadas segundo o postulado da “interpretação segundo o critério econômico”. Aduz, no entanto, que este diploma legal é “tímido” quanto a tal postulado e que não o erige à categoria dos princípios básicos, ao contrário do que ocorre com o postulado da primazia dos conceitos do Direito Privado (BALEEIRO, 2008, pp. 687-693).

Em nota, Misabel Derzi, após tecer considerações de ordem histórica acerca do postulado de que se trata, afirma que, implicitamente, o artigo 110 do CTN “Parte do pressuposto de que nomes não são uma definição, apenas referem o objeto, cuja conotação (sentido preciso) somente vem traçada em contexto mais amplo. Ele determina assim, nos casos em que o nome se presta às relevantes funções de definir ou limitar competências, a cristalização da denotação e da conotação completa que tenha segundo os moldes do campo jurídico privado de onde foi extraído”.

Mais à frente, tratando especificamente do IPTU, Aliomar Baleeiro, com base no postulado da interpretação segundo o critério econômico, afiram não ser “duvidosa a constitucionalidade da aplicação do imposto ao possuidor sem título de domínio” (BALEEIRO, 2008, pp. 243-247)[24].

Comentando tal afirmação, Mizabel Derzi (2008) sustenta que, em verdade, aquilo que se definiu como interpretação econômica, tem por objetivo a interpretação teleológica da norma tributária, sob o prisma do princípio da igualdade.

Sustenta, no entanto, que não podem configurar fatos geradores do IPTU a posse a qualquer título, mas somente aquela que “pode vir a se converter em propriedade”; bem como que o domínio útil “somente e tributável por ser uma quase-proprieade”.

Argumenta, por fim, que por ser a posse uma exteriorização e o domínio útil uma propriedade “efetiva”, “econômica” e “quase plena”, não há invalidade no artigo 32 do CTN.

Também neste sentido, Kiyoshi Harada (2009) sustenta que os artigos 32 e 34 do CTN não padecem de inconstitucionalidade, uma vez que o entendimento do termo propriedade, no texto constitucional, não deve ser entendido em seu sentido jurídico e com abstração do seu aspecto econômico.

Rogadas as devidas vênias, não nos parece que seja assim, vez que, segundo o que entendemos, os argumentos segundo os quais o enunciado extraível do artigo 156, inciso I, da CRFB da República deve ser interpretado através do que definimos como postulado da interpretação segundo o critério econômico e que resulta na aceitação da validade dos artigos 32 do CTN, ainda que respeitáveis, fundam-se em premissas contrárias ao que se dispõe através da carta magna.

Inicialmente, faz-se necessário ressaltar que, conforme leciona Eros Roberto Grau[25], os enunciados informadores da interpretação/aplicação do direito em determinado sistema positivo devem ser sintetizados, ainda que seus componentes se encontrem implícitos ou dispersos em seus textos, razão pela qual faz-se necessário concluir que, para que fosse reconhecida a existência, no contexto do ordenamento jurídico brasileiro, do postulado da interpretação segundo o critério econômico, fazia-se necessário que o mesmo fosse introduzido no sistema, ainda que de forma implícita, por algum veículo capaz de fazê-lo, o que não ocorre.

Mais do que isso, para que servisse ao fim pretendido, qual seja, o de exercer a função de diretriz interpretativa da lei maior, o postulado de que se trata teria de ser sintetizado a partir de seu texto, uma vez que, no sistema positivo brasileiro, não se interpreta a CRFB segundo parâmetros estabelecidos em lei[26]. Tanto uma quanto outra são interpretadas a partir de parâmetros extraíveis, implícita ou explicitamente, a partir da carta magna e somente dela, sob pena de restar violada a  regra da supremacia da CRFB.

O sistema constitucional brasileiro não só impõe a supremacia absoluta do texto magno, como garante o respeito a tal regra através da instituição da jurisdição constitucional, bem como determina que a interpretação dos textos ordinários (infraconstitucionais) seja feita através das diretrizes constitucionais (postulado da interpretação conforme a CRFB) e de forma a conferir a maior efetividade possível aos enunciados dela extraíveis (princípios da máxima efetividade e da força normativa da CRFB)[27].

Dessa forma, a interpretação dos dispositivos constitucionais, tal como sustentamos ao tratar do molde ideal, deve ser realizada a partir de elementos constantes da própria CRFB, que irão transcendê-la direcionando a interpretação dos enunciados infraconstitucionais.

Nestes termos, no que se refere ao IPTU, nos parece claro que, quando no texto constitucional, a despeito dos mais de vinte anos de existência do artigo 32 do CTN e da diferença existente entre os conceitos de propriedade, posse e domínio nos termos dos Códigos Civis de 1916 e de 2002, se estabelece (artigo 156, inciso I) que o IPTU e o ITR incidirão sobre a propriedade e não sobre a posse ou o domínio útil, optou-se por não tributar estas materialidades por via destes impostos.

Ainda neste intento, é notável que ao estabelecer que a chamada competência residual pode ser exercida pela União de forma exclusiva e mediante lei complementar, a lei maior desautoriza, de plano,  a extensão das materialidades por ela discriminadas através de métodos interpretativos, reservando tal exercício ao poder constituinte derivado, sendo certo que se assim não fosse as materialidades se resumiriam a diretrizes e o enunciado extraível do artigo 154, inciso I da CRFB da República, seria inócuo.

Faz-se interessante, neste momento, mencionar que, antes do advento da Emenda Constitucional número 33/2001, o Supremo Tribunal Federal declarou que não incidiria ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto (Súmula 660), decisão que deu ensejo à reforma do artigo 155, § 2°, inciso IX, alínea “a”, fazendo nele constar que o ICMS seria devido nas importações de bens ou mercadorias importadas por pessoas físicas ou jurídicas, contribuintes ou não.

De que inconstitucionalidade padecia o artigo 2°, § 1°, inciso I da Lei Complementar 87/96 antes do advento Emenda Constitucional 33/2001 e da Lei Complementar 114/2002?

Padecia por estabelecer que a importação de bens ou mercadorias por não contribuinte era signo presuntivo da hipótese de incidência do ICMS a despeito da CRFB não mencionar expressamente tal hipótese.

Dessa maneira, nos parece, tendo em vista a vinculação do exegeta aos princípios do legislador racional e da supremacia da CRFB, que o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional, se manifestaram no sentido de que as materialidades discriminadas no texto constitucional devem ser interpretadas de forma absolutamente estrita.

Se assim não fosse, não seria necessário reformar a CRFB e a Lei complementar, bem como não seria adequado o entendimento apresentado na súmula 660 do STF, uma vez que, poder-se-ia interpretar a materialidade constitucional pelo critério econômico, considerando como hipótese de incidência “por extensão” a entrada de mercadoria ou bem quem não era contribuinte, uma vez que expressão econômica do tá fato é idêntica àquela da entrada realizada por contribuinte.

O que se nota do texto constitucional, aos nossos olhos e acerca da expressão econômica dos fatos jurídicos tributários, é que a lei maior determina que fatores econômicos devem ser considerados quando da definição do montante a ser suportado pelo contribuinte e não na interpretação das materialidades nela discriminadas, conforme se depreende do seu artigo 145, § 1°.

Com efeito, no nosso entender, do texto da CRFB da República não se extrai qualquer elemento capaz de sequer sugerir que os seus “enunciados tributários”, sobretudo quando se prestam a limitar as competências legislativas tributárias dos entes federativos, devam ser interpretados segundo o critério econômico; tampouco que o conceito de propriedade seja entendido de maneira a que nele estejam incluídos a posse e o domínio útil.

Noutro giro, nos parece que a mera existência do artigo 110 do CTN, segundo a qual, nos casos em que a CRFB da República tenha feito menção a instituto de direito privado quando da limitação de competências, não poderá a lei tributária alterar a definição, o conteúdo e o alcance de tal instituto, representa, inquestionavelmente, o fato de que o postulado da interpretação segundo critério econômico não está presente no ordenamento jurídico nacional.

Aceitar entendimento contrário, no nosso entender, implica em tornar absolutamente inócuo o enunciado estrutural introduzido no sistema normativo através do artigo 110 do CTN, ao absoluto arrepio do princípio do legislador racional; bem como em aceitar que o alcance do texto constitucional poderá ser modificado através de critérios interpretativos introduzidos no sistema através de veículo de envergadura infraconstitucional, restando sem qualquer efeito os princípios da máxima efetividade, da supremacia e da força normativa da CRFB.

Parece-nos, nestes termos, que avaliar o aspecto econômico das classes de fatos juridicos eleitos, através da CRFB, à função de materialidades passíveis de tributação por via de impostos, seja prerrogativa exclusiva do constituinte, sendo certo que, a partir da decisão intra-sistêmica tomada por este, vertida em texto escrita e aposta na lei maior, a avaliação feita pelo legislador deve ser estritamente jurídica e, portanto, alheia a aspectos econômicos ou políticos não expressos na CRFB, sob pena de restar autorizada a transcendência dos limites do seu poder intepretativo, que é, por certo, essencialmente vinculado.

Em sentido semelhante, afirma Alfredo Augusto Becker[28] que a “doutrina da intepretação do Direito Tributário segundo realidade econômica”, em verdade, é responsável pela “demolição do que há de jurídico do Direito Tributário” (BECKER, 2007, p. 136).

Em arremate, ousamos parafrasear este notável mestre, afimando, como ele, que a doutrina da intepretação do Direito Tributário, segundo  realidade econômica, é filha do maior equívoco que tem impedido o Direito Tributário evoluir como Ciência Jurídica”, sendo o maior equívoco, justamente, “a contaminação entre pincípios e conceitos jurídicos e pincípios e conceitos pré-jurídicos (econômicos, financeiros, políticos, sociais, etc.)” (BECKER, 2007, p. 42)

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Sobre o autor
Marcos de Andrade Stallone

Graduação em Direito pela Universidade Católica do Salvador (2008), especialização em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (2010) e especialização em Direitos Humanos, Teoria e Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2012). Atualmente é sócio do escritório Tawil, Ribeiro e Stallone Advocacia e Consultoria e professor da Faculdade Metropolitana de Camaçari.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

STALLONE, Marcos Andrade. IPTU e ITR: molde normativo específico e critério material . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3327, 10 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22366. Acesso em: 25 nov. 2024.

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