O populismo penal vingativo que está tomando conta tanto do mundo ocidental civilizado (países centrais) como dos países periféricos é, antes de tudo, expressão de uma festa, visto que (como dizia Nietzsche) o sofrimento (veiculado por meio da vingança) traz em seu bojo um incomensurável prazer. Quando uma promessa é descumprida ou um acordo desonrado (ou seja: quando alguém é acusado de um crime, tendo descumprido ou supostamente descumprido as regras sociais e legais vigentes), a dor e o sofrimento daquele que deve (do criminoso devedor) serviria como equivalente ao desprazer causado pela promessa não cumprida (pela violação da norma).
O sofrimento do criminoso (do inimigo, que às vezes é apenas um suposto criminoso) gera prazer, um prazer equivalente à satisfação do crédito (do direito de vingar). Há uma equivalência (subjetiva, psicológica) entre a dor infligida contra o infrator e o dano causado (ou supostamente causado) por ele. Existe uma espécie de compensação entre o sofrimento do acusado e a ofensa por ele praticada (ou supostamente praticada). O ser humano sente prazer em ver seu semelhante (o devedor, o acusado, o condenado, o preso) sofrer ou ser humilhado, sobretudo, quando possível, publicamente (midiaticamente). A raiva e o ódio (ou seja: a vingança) são descarregados sobre o acusado (sobre o bode expiatório) como forma de punição prazerosa pelo que ele fez (ou pelo que ele é).
Fazer sofrer (pondera Nietzsche, em A genealogia da moral) causa um prazer infinito. “Fazer sofrer é, assim, uma verdadeira festa. Sem crueldade não existe gozo possível: isso é o que ensina a mais longa história do ser humano.” O castigo, quando a ele se agrega o adicional (simbólico) do prazer festivo, deixa de ser tal para se transformar em pura vingança. Os agentes do populismo penal não se contentam nunca com o simples castigo. Quando falam em castigo do delinquente, na verdade, estão querendo o prazer festivo gerado pela vingança, pelo sofrimento, pela crueldade, pelo massacre, pelo aniquilamento (do criminoso, do inimigo).
A lição de Nietzsche que acaba de ser recordada bem explica a festa de alguns soldados do Exército (1º Batalhão no Rio de Janeiro, onde funcionou o DOI-Codi no tempo da ditadura), no dia 11.07.12 (O Globo de 12.07.12, p. 2), que gritavam, enquanto corriam pela Rua Barão de Mesquita, “Bate, espanca, quebra os ossos. Bate até morrer”. O instrutor perguntava: “E a cabeça?”. Os soldados respondiam: “Arranca a cabeça e joga no mar”. “E quem faz isso?” (indagava o instrutor). Os soldados respondiam: “É o esquadrão Caveira”.
Isso equivale a um tipo de hino do extermínio festivo, que é o escopo final do populismo penal vingativo. Hino cantado e ensinado, inclusive nas vias públicas, com aplausos populares. Hino que, em certo sentido, recebeu o beneplácito do Supremo Tribunal Federal, ao validar (em 2010) a lei de anistia que acobertou os crimes contra a humanidade do tempo da ditadura. Hino que zomba da Corte Interamericana de Direitos Humanos (da OEA), que condenou o Brasil a investigar e punir tais crimes. Trata-se de hino que festeja a indução ao crime, com requintes de crueldade. A lógica do extermínio festivo, que tem ampla aceitação no nossa ambiência jurídica e socioeconômica escravagista, por si só, não explica o título do Brasil de 20º país mais violento do mundo, mas seguramente é um dos fatores mais relevantes.