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Direito e moral sob as perspectivas positivista e materialista-estrutural

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Não é tarefa fácil – por mais que alguns a façam parecer – delimitar os conceitos de Direito e de Moral. Tão difícil quanto delimitá-los é, também, diferençá-los. Entretanto, muitos se arriscaram e ainda se arriscam em tal empresa, afinal, todo o sistema filosófico ou teórico que resolva encarar a "Sociedade", o "Direito", ou até mesmo o "Homem" , há que se defrontar, em seu caminho, com tais conceitos.

Longe de mim, nestas poucas linhas e com meu parco desenvolvimento conceitual, arriscar a enfrentar tal(is) problemática(s). Ao contrário: ao que me proponho é justamente buscar uma interpretação das interpretações positivistas ( em suas versões extremista e branda) e daquelas que chamarei de Marxistas-Estruturalistas(2), a respeito desta problemática.

Para encarar tal problemática (refiro-me aqui à problemática da interpretação das interpretações positivistas e marxistas-estruturalistas), proponho um retorno, que se faz necessário, pelo menos, à Grécia Clássica e, a partir daí, ver como eram encarados direito e moral, ao menos pela realidade discursiva prevalente de... Aristóteles.

O que se pode evidenciar já no pensamento deste autor, principalmente no que refere ao limite das obras de Aristóteles, é a ausência, nas mesmas, de um título específico para o Direito. Assim, os conceitos "jurídicos" de Aristóteles se darão dentro do título reservado à ética(moral) – V. Ética a Nicômaco. Justamente aí Aristóteles irá desenvolver suas considerações sobre o Direito. Tal fato, como já foi notado por alguns positivistas, denota a ausência de separação, no pensamento helênico(leia-se discurso prevalente/ideologia prevalente e autorizado(a) em Grécia), entre o Direito e a Moral. Seguindo esta constatação, os positivistas contemporâneos procuram a fundamentá-la na existência do Telos Grego, ou seja, na visão que tinha o grego de que tudo tende a um fim, tudo e todos têm uma finalidade pré determinada e atinge sua finalidade quando está maduro e amadurece quando atinge sua finalidade. Sendo assim, o Direito tende a um fim – expressar a moral. O Direito é expressão da Moral, o direito é parte da moral. A esta ausência de separação entre Direito e Moral atribuída diretamente ao Telos como a evidenciam alguns positivistas, eu gostaria de contrapor uma tese, ainda que provisória, a qual retomarei posteriormente e que pode ser expressa da seguinte maneira: no pensamento helênico não há uma distinção nítida entre o Direito e Moral pelo fato de não haver a necessidade desta distinção. Deixemos em suspenso tal tese. Ao contrário, seguirei os passos de outro tópico que será muito útil tanto para entendermos a tese posta em suspenso, quanto para entendermos as origens do Direito Positivo moderno: refiro-me à distinção, já em Platão e Aristóteles entre Direito Natural e Positivo. Isso mesmo! Aristóteles , por exemplo, já distinguia Direito Natural e Positivo nos seguintes termos (Bobbio) (...) "da justiça civil uma parte é de origem natural, outra se funda em lei. Natural é aquela justiça que mantém em toda a parte o mesmo efeito e não depende do fato de que pareça boa a alguém ou não; fundada na lei é aquela, ao contrário, de que não importa se suas origens são estas ou aquelas, mas sim como é, uma vez sancionada."(3) Os gregos (em especial Aristóteles) põem, assim – e isto se repetirá ao longo dos séculos, inclusive no pensamento jusfilosófico medieval mesmo que com atenuações – o direito natural em evidência – direito universal – em contraposição ao Direito positivo (encarregado de regular as condutas menos importantes e válido somente em alguns lugares) mais: como assevera Norberto Bobbio, quanto aos comportamentos regulados pelo direito, Aristóteles distingue-os conforme os regule o direito natural ou o positivo: "os comportamentos regulados pelo direito natural são bons ou maus por si mesmos, enquanto aqueles regulados pelo direito positivos são por si mesmos indiferentes(...)"


II

O direito natural é, assim, para o grego, pautado pelo critério de justiça: direito justo, direito bom/mau, enquanto o direito positivo já apresenta nesse momento uma de suas características marcantes: a indiferença de seu conteúdo (se bem que aqui esta indiferença não se dá em função de um suposta neutralidade axiológica e sim porque o direito positivo é considerado como o direito que rege as situações/casos/fatos/ secundários, menos importantes na vida do cidadão estando, assim, em segundo plano), tal distinção talvez justifique esta outra tese por mim proposta: na antigüidade Clássica o direito natural tinha um conteúdo, ou melhor, o direito natural, em contraposição ao direito positivo se identificava com a própria moral: direito bom/justo/belo, o direito natural era um capítulo da moral, sendo o direito supremo, a mais "bela" expressão do direito tendente a um fim; por sua vez, o direito positivo era eminentemente amoral e secundário regulando fatos que não passavam por uma avaliação axiológica rigorosa.

Vemos então, a partir desta Segunda tese(que não tem nada de original; alias, todos os conceitos aqui desenvolvidos não têm originalidade alguma. Se, remotamente, trago algo de original, talvez seja no modo como ordenei o discurso), ou seja, "O direito natural encerra um conteúdo axiológico – é um axioma – é parte da moral." Se unir-mos esta tese com a primeira tese por mim esboçada: "não há no pensamento grego uma distinção nítida entre direito e moral, pelo fato de não haver necessidade desta distinção", chegaremos, ainda assim, no Telos constatado pelos positivistas: tendo em vista que o Telos, a finalidade, a potência que tudo tem de ser ato ( tudo é ato ou potência – Aristóteles) é o fundamento mesmo de uma ausência de distinção entre direito natural e moral. Pois o direito natural (a partir de agora designado por DN) tende, sua finalidade mesma é o bom/belo e justo, isto já evidenciou, v.g. L. A. Hart em O conceito de direito. Entretanto, eu ouso ir um pouco além, mergulhar com um pouco mais de profundidade na questão e fazer a pergunta que poderá suturar as duas teses inicialmente esboçadas (e que está ínsita, latente, nas constatações juspositivistas), que estão provisoriamente "desmembradas" pelo fundamento do Telos dado pelo positivismo jurídico: O que fundamenta o Telos? Ou melhor: a que serve este Telos, esta finalidade a que tudo tende, o que fundamenta uma identificação da moral com o DN?

Antes de responder a questão aqui suscitada, vamos analisar a teoria do ato e potência artistotélica que, antes de mais nada, traduz o discurso predominante de seu tempo em sua manifestação sincrônica. Como sabido, Aristóteles destinguia ato e potência: ato é a perfeição e potência é a capacidade de perfeição. Assim, toda a mudança é a passagem da potência ao ato, resultando o movimento. A evolução dá-se passando-se de potência a ato e vice-versa, sucessivamente. Exemplificando: uma semente é potência de uma muda que torna-se ato-muda, que evolui à potência de uma árvore que torna-se ato-árvore. O barro é potência de vasilha, por exemplo, que torna-se ato-vasilha; um cidadão é potência de um catedrático de filosofia, por exemplo, e torna-se ato-catedrático, por sua vez este ato passa à potência de sábio filósofo que passa a ato- sábio; um animalzinho, filho de um não cidadão, filho de um escravo também é potência, também se tornará ato, que ato? Escravo. Sim, e não há nada de escandaloso nisso visto que a tendência, o Telos do animalzinho é passar de potência a ato-trabalho escravo e, se tal não ocorrer, houve uma falha terrível!(vale dizer: não natural). Assim, também o infame é potência, o doente é potência, o louco é potência, etc... segundo esta teoria. Todos destinados a um fim(Telos). Qual este Telos então, qual a finalidade de todas as coisas? O que significa a perfeição? Significa a ordem natural, a lei do mundo simbólico significante que busca, em última instância, e dentre outras coisas, a manutenção do modo de produção então vigente: o escravismo. Por detrás do Telos, velada, bem escondida, se encontrará a justificativa para a ausência da distinção entre DN e moral: a manutenção do modo de produção, das relações de poder. A finalidade do cidadão é o ócio; a do escravo, o trabalho. O cidadão que se dedica ao ócio é bom/belo/justo/moral/correto. Ao contrário, o cidadão que, por ventura pense em trabalhar no lugar de seu animalzinho-escravo será mau/feio/iníquo/imoral, afastando-se dos postulados do DN ínsito na ordem, na finalidade de todas as coisas.


III

Na Idade Média a fusão entre esta concepção aristotélica com os postulados do cristianismo(em especial os dez mandamentos) irá produzir um enfoque interessante: o DN como reprodução da natureza que é a criação perfeita de Deus. Na natureza das coisas está a presença de Deus, está a moral e está o Direito(natural, com óbvio). Mais um ponto para o DN...

Ao longo da Idade Média esta situação irá gradativamente se invertendo, o Direito Positivo(designado de DP a partir de agora), começará a se delinear com mais clareza(não cabe aqui, pelo propósito deste artigo, fazer uma exposição histórica do DP em seus principais pontos e tendências. Para aqueles que desejam se aprofundar nesse aspecto indico as obras: O Positivismo jurídico de N. Bobbio e O que é o direito de Roberto Lyra Filho; dois pontos de vista contrários mas bem interessantes e fundamentados). Feita esta ressalva, eu gostaria de me concentrar na ascensão do DP com seus postulados principais. Três características marcam o DP que irá se contrapor e "derrubar" o DN: neutralidade axiológica(suposta),primado da lei (poder legislativo) e tendência à cientificidade.

Para entendermos a existência desse DP, temos que relevar alguns pontos:

1º - durante os séculos XIII a XVII o DN começa a perder terreno para o DP em função da ascensão da burguesia mercantilista – capitalista, que vem, gradativamente, dentro de sua lógica discursiva, acumulando capital, o que culmina em uma grande revolução – Revolução Burguesa;

2º- as possibilidades de êxito da empresa burguesa necessitavam, inevitavelmente, dentre outras coisas, a substituição da ideologia moral/jurídica dominante na Idade Média – feudal, por uma ideologia jurídica própria, adequada a seus objetivos;

3º- esta ideologia jurídica, virá, em última instância, a legitimar o novo modo de produção instaurado no seio da sociedade moderna – o modo de produção capitalista – industrial.

Acontece que o DN era um dos entraves ideológicos(que posteriormente Marx qualificará de "superestrutural") à ascensão do capitalismo. A Monarquia Absolutista era quem, pelo menos inicialmente, juntamente ao Clero e à Aristocracia da época, que emanava o Direito, era o único poder soberano. O Soberano, o grande Leviatã era o representante de Deus na terra. Deste modo as revoluções ideológicas da nova classe em ascensão (revolução científica, revolução política, comportamental, industrial, corporal) tomaram a forma de uma prática discursiva anti-Deus(que era quem "mandava" por intermédio de seus lacaios-soberanos) e seus "aliados" para assim poderem instaurar o seu novo modo de produção. O antropocentrismo, o cogito cartesiano, as ideologias da liberdade, igualdade, fraternidade, legalidade, racionalidade, o surgimento dos "intelectuais", foram algumas das reações teóricas da nova classe contra as práticas de um período anterior que ainda a assediava. No plano jurídico, como pré-anunciado, a reação burguesa, após ascender como classe dominante, foi o aprimoramento do DP, tendo como alicerce a filosofia política que propunha a descentralização do Poder Soberano (ideologia das separação/divisão dos Poderes). Assim, também a negação da moralidade inferida da natureza das coisas é substituída pelo culto à lei(4). Não cabe mais o Telos, assim como não cabe mais a Deus nos impor a assertiva de que moramos numa terra plana, que é o centro do universo, assim como não cabe, como já evidenciado, o Direito inferido da "natureza das coisas", os valores absolutos foram "relativizados", morre o Telos, somos um grão de poeira cósmica no deserto do universo e não sabemos qual nosso fim(finalidade), nem nosso fim(termo) nessa terra, nesse mundo. A nossa única salvação é a lei; entra em cena, bem maquiado e para representar seu papel, o positivismo jurídico, novo ator no teatro jurídico. Entretanto, vale ressaltar, o DP, ou melhor, o discurso do período, relativiza tudo, mata Deus mas esquece-se de matar um ser muito importante: o homem. A ideologia do homem/sujeito é mais concentrada do que a representação ideológica medieval do homem, posteriormente à revolução, com a única diferença de que este ser não está, em tese, submetido a seu Deus, tendo consciência-de-si e livre arbítrio – mas deixemos esta tese em suspenso.


IV

O positivismo jurídico – ideologia do DP, pode ser encarado sob três ângulos distintos, ou melhor, pode ser encarado como uma resposta tríplice a estas perguntas: como deve ser concebido o direito?(positivismo como método); de que modo se engendra tal concepção?( positivismo como teoria); qual o fundamento de todo o direito?(positivismo ético ou positivismo como ideologia – vista pelo próprio positivismo enquanto tal).

O método do DP é aquele que encara o direito como uma ciência(5) encara seu objeto de estudo, ou seja, com uma neutralidade axiológica: visa estudar o direito como ele é e não dizer como ele deveria ser.

Como teoria, seguindo-se a disposição de Bobbio, o positivismo jurídico compreende estas seis teorias:

  • teoria coativa do direito
  • teoria legislativa do direito
  • teoria imperativa do direito
  • teoria da coerência do ordenamento jurídico
  • teoria da completude do ordenamento jurídico
  • teoria da interpretação lógica ou mecanicista do direito.

Como ideologia (ou filosofia) o juspositivismo se apresenta com o postulado de que a lei deve ser obedecida sob qualquer condição. Encerra, assim, um juízo de valor.

Desta divisão em três temáticas positivistas, podemos, para o objetivo aqui proposto, ressaltar o método, as teorias legislativa/coativa e a ideologia positivistas.

O método nos indica que o DP, quando se depara com uma realidade(que é qualificada de "jurídica" conforme esteja regulada por sistema de regras ordenadas e coativas), vale dizer com um direito posto, encara-o como é dado não fazendo, assim, juízo de valor sobre a realidade. Exclui-se, assim, qualquer elemento jusnaturalista na medida em que não cabe a questão da justeza – para o cientista do direito – que o direito comporta. Cabe, isto sim, e a partir da teoria da legalidade, encarar o direito do ponto de vista legal, ou seja, encarar a lei posta como ela é, não como deveria ser segundo um critério de justiça. Isto, como torna-se facilmente notável, está imbricado à concepção ideológica do positivismo(seja na versão extremada ou moderada), segundo a qual "o direito é lei".

E a moral? Onde fica a moral na concepção positivista? O direito regula condutas descritas num sistema de normas: sistema lógico, ordenado e coerente. E a moral o que faz? Posto o problema, agora podemos tentar situar a moral segundo o positivismo.

Para tal feito, acho interessante trabalhar dois autores: Kelsen e Hart.

Kelsen traduz bem a visão juspositivista quando, em sua Teoria pura do Direito, no capítulo II, encara o direito e a moral. Neste capítulo Kelsen expõe o método positivista ao afirmar: "a ciência jurídica não tem de legitimar o direito somente tem de conhecê-lo e descrevê-lo(Kelsen). limita, então, o objeto da ciência do direito: conhecer e descrever o direito(posto). Mas o que é o direito e – em conseqüência – o que é a moral? Como se distinguem no pensamento kelseniano?

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Kelsen primeiramente distingue direito e moral pela coercibilidade: "Direito e moral não se podem distinguir essencialmente com referência à produção ou à aplicação das suas normas. Ambos têm a mesma fonte de criação"(costume). O direito só pode ser distinguido da moral quando se concebe como uma ordem de coação." (...) "a sanção moral apenas consiste na aprovação da conduta conforme às normas e na desaprovação da conduta contrária às normas".(sem emprego da força física).

Para distinguir direito e moral Kelsen apoia-se na relatividade da moral: "os vários sistemas morais possuem valores diferentes, a única coisa que eles têm em comum é o fato de serem normas sociais". Kelsen procura afirmar assim relatividade da moral; não há moral absoluta e sim sistemas(os mais distintos) de moral que variam espaço/temporalmente. Desta relatividade da moral Kelsen tira a conseqüência de que a ordem jurídica pode ou não coincidir com a ordem moral.

Assim, a distinção é baseada, em última análise, na relatividade da moral, separam-se direito e moral. Ambos são normas sociais porém uma é legislada e coativa e a outra não; Kelsen: "A tese de que o direito é, segundo sua própria essência, moral, isto é, de que somente uma ordem social moral é direito, é rejeitada pela Teoria Pura do Direito", vale acrescentar: justamente porque a moral é relativa ( varia no espaço e no tempo). O método então: não leva em conta a "moralidade" da lei; não considera como direito a norma desprovida de sanção e não leva em consideração a norma que não obedece aos critérios de validade pré estabelecidos.

Hart também parte da relativização da moral, evidencia o Telos grego e a "ruptura" moderna em relação ao mesmo. Dentro desta visão encontra-se a distinção operada por Mill, e utilizada por Hart, entre leis descritivas e leis prescritivas: as primeiras, se contrariadas não subsistem como leis, perdem o direito de serem tratadas como leis; as últimas(prescritivas) prescrevem condutas humanas, podendo ser violadas e subsistirem. Afirma, então, Hart, que esta distinção não é feita pelos jusnaturalistas que confundem leis descritivas com leis prescritivas esperando destas sempre uma verificabilidade. Hart, entretanto, a meu ver, é um positivista moderado que encara a doutrina do DN como aquela que contém certas "verdades elementares".(6) Assim, o autor vê no Telos de Aristóteles a Hobbes/Hume a finalidade da sobrevivência humana que fundamenta um conteúdo mínimo de DN, elencado pelo autor na forma de truísmos que permitem ao direito e à moral o propósito mínimo da sobrevivência. Estes truísmos inferidos da natureza seriam constatados dos fatos naturais relacionados ao conteúdo das normas jurídicas ou morais; vale dizer: estas normas, como já mencionado, devem ser orientadas pelos seguintes truísmos:

I – vulnerabilidade humana: a moral e o direito devem restringir a violência utilizada para matar ou causar ofensas corporais(restringir significa conferir a um número seleto o poder oficial de matar ou causar lesões corporais – esse é o sentido), justamente porque o homem é vulnerável, o uso da violência não pode ser generalizado;

II – igualdade aproximada: a igualdade aproximada entre os seres humanos torna óbvia a necessidade de abstenções mútuas;

III – altruísmo limitado: "o homem é meio termo entre ‘anjo’ e ‘demônio’, portanto, deve haver abstenções recíprocas";

IV – recursos limitados: os recursos naturais limitados fundamentam a instituição da propriedade privada e a livre contratação;

V – compreensão e força de vontade limitadas: todos os homens são tentados por vezes a preferir os seus próprios interesses imediatos e, na ausência de uma organização especial para a sua descoberta e punição, muitos sucumbiram à tentação "o Estado-sanção é , assim, a garantia de que os que obedeceriam voluntariamente não serão sacrificados aos que não obedeceriam";

Para Hart, estes truísmos(7) são de importância vital para a compreensão do direito e da moral, pois o que, na visão deste autor, torna as sanções possíveis e necessárias é uma necessidade natural(proteção da pessoa/indivíduo, propriedade e compromissos). Assim todo o sistema normativo(seja moral, seja jurídico) há de conformar-se com estes truísmos que buscam, em última instância, construir um sistema de abstenções recíprocas. Deve-se prestar atenção aqui: o sistema de abstenções recíprocas não é possível em sua plenitude, o que relativiza tanto a moral quanto o direito; e traz a lume "iniqüidades". Assim, o direito, face às limitações da "natureza" torna-se impossibilitado de distribuir de forma "eqüitativa" as "benesses" a toda a sociedade ensejando "distorções". É uma forma de positivismo moderado. Nas palavras de Hart: " o direito comporta normas (válidas) que sejam iníquas. Cabendo àqueles que sofrem a influência destas normas identificar: ‘isto é direito mas é demasiadamente iníquo/imoral para ser obedecido’.( Eu posso até ver o sujeito na cadeira elétrica dizendo: "isto é direito mas é demasiadamente imoral para ser obedecido, eu ordeno que tirem-me daqui neste instante!") É, assim, contraposto ao jusnaturalismo que, como evidencia o autor, proclama que o direito não pode contrariar os princípios morais. Ao que vale contra argumentar: o direito descrito por Hart não contraria os seus princípios morais(sob a forma de truísmos Dragqueens), na medida em que é a própria "natureza das coisas" que enseja as iniqüidades.

O que fundamenta a teoria de Hart, assim, são os truísmos(DN travestido), verdades elementares, gerais, absolutas; a meu ver a falibilidade destes truísmos é evidente na medida em que sua maquiagem é de terceira categoria, mau elaborada e vetusta, porém, não cabe aqui dissecá-los em sua integridade – o que pretendo fazer em outra oportunidade.

Como vimos, historicamente o juspositivismo surge como uma das pilastras(um discurso) das práticas discursivas que culminaram numa insurgência bem conhecida de nós – a revolução burguesa – reação ao poder absoluto do monarca e à moral(religião) medieval, etc.

O que estas duas abordagens do direito têm em comum e o que fundamenta esta distinção entre direito e moral proposta por ambos os autores?

A resposta a estas questões não pode prescindir, antes de mais nada, da própria averiguação da cientifícidade do direito, o que pode ser colocado do seguinte modo: pode o direito ser uma ciência? Se pode ser uma ciência, quais as características desta ciência? Mais: qual o objeto desta ciência?

Não cabe ao propósito deste meu estudo uma abordagem epistemológico-jurídica, ou seja, não pretendo analisar a cientificidade do direito, mas sim oferecer, rapidamente, a visão da "direitologia" de Kelsen e Hart. O traço característico, que aqui nos interessa, da visão científica destes dois autores(pode-se dizer: do positivismo jurídico), está no fato de encararem a "direitologia" como uma ciência descritiva, ou seja, a ciência do direito nesta perspectiva seria encarregada de descrever o conteúdo de um dever-ser não tendo uma função normativo/axiológica. O problema, entretanto, situa-se no fato de que a ciência do direito, por mais que tente, não consegue se desvencilhar do seu aspecto normativo. Nas palavras de Tercio Sampaio Ferraz Jr.: "Kelsen(Teoria Pura do Direito) afirma que os enunciados da Ciência Jurídica usam a fórmula dever-ser, mas são descritivos, pois apenas constatem o que é e o que não é direito em determinada situação (tempo e espaço). Quer-nos parecer, porém, que, enquanto pensamento tecnológico, o dever-ser que acompanha implícita ou explicitamente as proposições da teoria jurídica dá-lhes o caráter de criptonormativo (...), isto é, faz das teorias jurídicas teorias com função de resolver do modo mais satisfatório possível uma perturbação social."(8) Isto impõe reconhecer um aspecto axiológico à ciência do direito(aspecto valorativo = escolha moral), o que põe em cheque a própria "pureza" do direito, bem como o monopólio do Estado na produção normativa e a separação compartimentada entre direito e moral.

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Sobre o autor
Charles Irapuan Ferreira Borges

advogado em Novo Hamburgo (RS), atuante nas áreas trabalhista e consumerista

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES, Charles Irapuan Ferreira. Direito e moral sob as perspectivas positivista e materialista-estrutural. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2242. Acesso em: 18 nov. 2024.

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