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Cabimento do recurso de revista nas execuções fiscais

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27/08/2012 às 14:23
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4. O cabimento do recurso de revista nas execuções fiscais: análise à luz do conflito entre os princípios da segurança jurídica e da razoável duração do processo.

A execução trabalhista fundada em títulos executivos extrajudiciais, a exemplo das execuções fiscais que visam à cobrança de penalidades administrativas impostas aos empregadores, apresenta significativas peculiaridades quando comparada com aquela fundada em títulos executivos judiciais, principalmente no que diz respeito, em cada caso, ao momento da discussão judicial acerca do direito material representado pelo título e à profundidade das matérias passíveis de discussão na fase executiva.

Daí porque a decisão acerca do tratamento dispensado a um e outro tipo de feito executivo, inclusive no que diz respeito às eventuais restrições à interposição de recursos, deve ser precedido de acurada análise, constituindo atitude evidentemente irresponsável o simples tratamento de ambas as hipóteses como se fossem uma só.

Frise-se que a discussão sobre o tema ganhou maior relevância na nova conjuntura jurídica brasileira, em que a Justiça do Trabalho teve sua competência consideravelmente ampliada pelas alterações introduzidas no art. 114 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional n.º 45/2004.

Várias matérias anteriormente submetidas a outros ramos do poder judiciário entraram agora na competência dessa Justiça Especializada, o que veio a aumentar a proporção de execuções por títulos executivos extrajudiciais em relação àquelas voltadas ao cumprimento das sentenças trabalhistas. Exemplo disso é a norma introduzida pelo art. 114, VII, da Constituição Federal.

E levando-se em conta que a maior parte da disciplina legal e do entendimento jurisprudencial que cercam a questão foi desenvolvida anteriormente à citada alteração do texto constitucional, período em que predominavam de forma ainda mais evidente as execuções fundadas em títulos executivos judiciais, nem os tribunais, nem a lei, tratam adequada e suficientemente a matéria.

A deficiência do tratamento legal e jurisprudencial dispensado à disciplina na contemporaneidade justifica uma releitura à luz fundamentos principiológicos que orientam a inovação e a interpretação do sistema jurídico processual brasileiro.

Com efeito, sabe-se que as normas jurídicas apresentam-se, em regra, como enunciados dotados da generalidade e abstração imprescindíveis à abrangência da maior quantidade possível de situações sob seu âmbito de regulamentação. E por não disporem de densidade suficiente para a imediata aplicação aos casos concretos, dependem da atividade interpretativa de seus aplicadores.

Ocorre que a aludida abstração resulta na impossibilidade da correta interpretação dos textos normativos, quando isoladamente considerados, uma vez que a pobreza semântica de uma determinada norma, tomada fora do contexto jurídico ao qual pertence, ora dá margem a interpretações inadequadas às finalidades do sistema normativo, ora impossibilita que se chegue ao significado que melhor atende a essas finalidades.

É exatamente nesse ponto que emerge a importância dos princípios jurídicos enquanto diretrizes interpretativas, na medida em que impõem a aplicação, ao caso concreto, da solução que melhor corresponde aos valores fundamentais do sistema normativo neles enunciados. Assim, “[...] em relação às normas de abrangência mais restrita, os sobre (princípios) exercem uma função interpretativa, na medida em que servem para interpretar normas construídas a partir de textos normativos expressos, restringindo ou ampliando seus sentidos.” (ÁVILA, 2006, p.98)

Conforme já exposto acima, a questão atinente ao cabimento do recurso de revista nas execuções fiscais que tramitam na Justiça do Trabalho encontra baliza especialmente em dois princípios, quais sejam, o da segurança jurídica e o da razoável duração do processo, enquanto corolário do princípio do acesso à ordem jurídica justa.

O primeiro sinaliza no sentido de ampliar ao máximo as hipóteses de cabimento dos recursos aos tribunais superiores, de modo a maximizar a uniformização do entendimento jurisprudencial em torno da interpretação da legislação federal e da Constituição. Já o segundo orienta no sentido de se restringir ao máximo possível as hipóteses de cabimento de quaisquer recursos, com vistas a promover a tramitação mais célere do feito. Por certo, a garantia da máxima eficácia a um desses princípios isoladamente levaria, na hipótese sob análise, ao aniquilamento do outro. Está-se, portanto, diante de um conflito principiológico.

Ocorre que os conflitos entre princípios não comportam solução por meio das regras clássicas usualmente aplicadas na solução de conflitos normativos, pautadas por critérios de tempo, hierarquia e especialidade. A utilização dessas regras, leva obrigatoriamente à declaração de invalidade de uma norma em detrimento da outra. Já no tocante aos princípios, ensina  Robert Alexy (2008, pp. 93-94):

As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente diversa. Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com o outro, permitido –, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta. Isso é o que se quer dizer quando se afirma que, nos casos concretos os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com o maior peso têm precedência. Conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios  - visto que só princípios válidos podem colidir – ocorrem, para além dessa dimensão, na dimensão do peso.

É certo que a restrição prevista no art. 896, § 2.º, da CLT, é justificável no tocante às execuções fundadas em títulos executivos judiciais, cuja formação depende de um prévio processo de conhecimento em que as questões concernentes ao direito material cristalizado no título são ampla e longamente discutidas e decididas, não sendo passíveis, em regra, de nova apreciação na fase executiva. É o que se depreende do disposto no art. 884, § 1.º, da CLT, segundo o qual  “A matéria de defesa será restrita às alegações de cumprimento da decisão ou do acordo, quitação ou prescrição da divida”.

Nesse caso, a limitação ao cabimento do recurso de revista, vai ao encontro do que preceitua o princípio da razoável duração do processo, positivado no art. 5.º, LXXVIII, da Constituição Federal, princípio esse que apresenta maior relevância nesse tipo de execuções, já que a prévia discussão da matéria de fundo no processo de conhecimento  associada à estreiteza dos limites que cercam os debates durante a fase executiva, constituem óbice a profundas agressões ao princípio conflitante, qual seja, o da segurança jurídica.

Hipótese diferente verifica-se nas execuções fundadas em títulos executivos extrajudiciais, hoje mais freqüentes na Justiça do Trabalho em razão da ampliação da competência dessa Justiça Especializada pela Emenda Constitucional 45/2004. Aqui a ânsia desenfreada de imprimir celeridade à tramitação dos processos pode dar ensejo ao severo comprometimento do princípio da segurança jurídica.

Nesses feitos, eventuais controvérsias em torno do direito material cristalizado no título jamais foram objeto de discussão judicial, razão pela qual as lides daí decorrentes serão resolvidas em sede de embargos à execução, Processo de conhecimento autônomo em que a possibilidade de apreciação da matéria é ampla. É o que determina o art. 745, V, do Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária ao processo do Trabalho, ao dispor que, com relação à execução fundada em título executivo extrajudicial, o devedor poderá, nos embargos, alegar “qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento”.

E em razão da maior amplitude do âmbito de discussão nesses feitos, adquire maior peso o princípio da segurança jurídica, já que a perpetuação de entendimentos jurisprudenciais regionalizados em torno das questões federais debatidas,  que decorreria da restrição disposta no art. 896, § 2.º, da CLT, inviabilizaria a precisa delimitação da previsibilidade em torno da interpretação do direito e, conseqüentemente, traria um risco elevado de insegurança jurídica em torno de um maior número de matérias.

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Assim, por todo o exposto, deve-se conferir interpretação restritiva ao art. 896, § 2.º, da CLT, de modo a limitar sua aplicação nas execuções de sentença, estritamente nos termos previstos textualmente pelo dispositivo. Por conseguinte, nas execuções fundadas em títulos executivos extrajudiciais, a exemplo das execuções fiscais, o cabimento do recurso de revista deve ser regido pelo disposto no art. 896, caput, da CLT, que prevê hipóteses mais amplas de cabimento, privilegiando o princípio da segurança jurídica de demonstrada preponderância nesse caso.


4. Conclusão.

Considerando que o tema atinente ao cabimento do recurso de revista nas execuções processadas perante a Justiça do Trabalho, fundadas em títulos executivos extrajudiciais, notadamente as execuções fiscais que visam à cobrança de penalidades administrativas impostas aos empregadores, encerra, em última análise, um conflito entre os princípios da segurança jurídica e da razoável duração do processo, a questão deve ser resolvida à luz da doutrina de Robert Alexy, pela qual os conflitos principiológicos são resolvidos por meio da ponderação, atribuindo-se maior valor a um dos conflitantes em face das peculiaridades do caso concreto.

E considerando-se as particularidades que cercam a execução por título executivo extrajudicial, quando comparada com aquela fundada em título executivo judicial, ostenta maior peso o princípio da segurança jurídica, principalmente em face da maior abrangência da matéria passível de discussão naquele primeiro tipo de feito e da inexistência de prévia discussão judicial do direito material representado pelos títulos respectivos.

Como conseqüência da aplicação do princípio da segurança jurídica, deve-se conferir interpretação restritiva ao disposto no art. 896, § 2.º, da CLT, de modo que seja aplicável tão somente nas execuções de sentença. Assim, o cabimento do recurso de revista nas execuções fiscais deve ser regido pela regra do caput do citado art. 896.


5. Referências Bibliográficas

BONAVIDES, Paulo. O direito à paz como direito fundamental da quinta geração. Interesse Público, Porto Alegre, ano 8, n. 40, p. 15-22, novembro 2006.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim Wambier. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.

PINTO, José Augusto Rodrigues. Execução Trabalhista. 11. ed., São Paulo: Editora LTR, 2006.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 7 ed., Coimbra: Livraria Almedina. 2003.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.

WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In: GRINOVER, A. P.; DINAMARCO, C. R.; WATANABE, K. (Coord.). Participação e processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1988.

MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. O acesso à justiça e os institutos fundamentais do direito processual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993. 

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Sobre o autor
Inácio André de Oliveira

Graduado pelo Centro Universitário do Triângulo. Assessor de Ministro no Tribunal Superior do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Inácio André. Cabimento do recurso de revista nas execuções fiscais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3344, 27 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22484. Acesso em: 24 abr. 2024.

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