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Auxílio-reclusão e remuneração a ser considerada na prova da baixa renda

01/09/2012 às 14:10
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Há duas correntes interpretativas: só a renda do dependente deve ser levada em conta? Ou deve ser considerada a renda do segurado?

O benefício de auxílio-reclusão no Regime Geral de Previdência Social brasileiro (RGPS) está previsto nos arts. 18, II, ‘b’, e 80 da Lei nº 8.213/91, e é regulamentado pelos arts. 116/119 do Decreto nº 3.048/99.

É concedido aos dependentes de segurado do RGPS (e não ao segurado), observados os requisitos do mencionado art. 80: “o auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço”.

Em princípio, quatro requisitos são exigidos por lei para a concessão do auxílio-reclusão: (a) a qualidade de segurado do recluso; (b) a qualidade de dependente do postulante do benefício; (c) um requisito negativo, que é o não-recebimento de determinados rendimentos; (d) e o recolhimento à prisão (parágrafo único do art. 80).

Assim, o auxílio-reclusão não depende de carência (art. 26, I, da Lei nº 8.213/91, e art. 30, I, do Decreto nº 3.048/99), logo, basta que o segurado tenha recolhido uma contribuição para que o benefício seja devido aos seus dependentes.

Mesmo que não tenha recolhido contribuição no mês de sua prisão, os dependentes terão direito ao benefício se estiver mantida a qualidade de segurado, conforme as regras do art. 15 da Lei nº 8.213/91[1]. Nesse sentido, o art. 116, § 1º, do Decreto nº 3.048/99, prevê que “é devido auxílio-reclusão aos dependentes do segurado quando não houver salário-de-contribuição na data do seu efetivo recolhimento à prisão, desde que mantida a qualidade de segurado”.

Exige-se, de forma negativa, que o segurado preso não esteja recebendo remuneração de seu empregador, benefício de auxílio-doença ou de aposentadoria (terceiro requisito listado), considerando a natureza alimentar do auxílio-reclusão, substitutiva da verba que o segurado recebia para manter os seus dependentes.

Caso continue recebendo salário ou um dos benefícios previdenciários citados, não há fundamento para a cumulação com o auxílio-reclusão, podendo o segurado e os dependentes (conjuntamente) optar pelo que for mais vantajoso. Nos termos do art. 2º, § 1º, da Lei nº 10.666/2003: “O segurado recluso não terá direito aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria durante a percepção, pelos dependentes, do auxílio-reclusão, ainda que, nessa condição, contribua como contribuinte individual ou facultativo, permitida a opção, desde que manifestada, também, pelos dependentes, ao benefício mais vantajoso” (redação similar tem o art. 167, § 4º, do Decreto nº 3.048/99).

Por outro lado, se o segurado recluso desenvolver alguma atividade remunerada durante o cumprimento da pena, e recolher contribuições como contribuinte individual ou facultativo, mantém-se o direito de seus dependentes ao recebimento do auxílio-reclusão (art. 2º da Lei nº 10.666/2003 e art. 116, § 6º, do Decreto nº 3.048/99). Contudo, o segurado não pode requerer a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria no curso dessa atividade, sob pena de cancelamento do auxílio-reclusão, ou do exercício da opção pelo benefício mais favorável.

Ainda, o auxílio-reclusão é cumulável com o seguro-desemprego (art. 124, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91, e art. 167, § 2º, do Decreto nº 3.048/99).

Existe um quinto requisito para a concessão do auxílio-reclusão, que é a baixa renda, incluída no art. 201, IV, da Constituição pela EC nº 20/98:

“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

(...)

IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda”.

Apesar da redação clara, duas principais correntes de interpretação dessa norma se formaram: (a) só a renda do dependente deve ser levada em conta; (b) e deve ser considerada a renda do segurado.

Seguindo a primeira posição, a Turma Regional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais da 4ª Região editou a Súmula nº 5: “Para fins de concessão do auxílio-reclusão, o conceito de renda bruta mensal se refere à renda auferida pelos dependentes e não a do segurado recluso”.

Contudo, prevaleceu no Supremo Tribunal Federal a segunda concepção. O Pleno do STF, no dia 25/03/2009, julgando dois recursos extraordinários interpostos pelo INSS (de nº 486413 e 587365), decidiu por 7 x 3 votos que a renda a ser considerada é a do segurado. O primeiro recurso citado foi assim ementado:

“PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. ART. 201, IV, DA CF. DESTINATÁRIO. DEPENDENTE DO SEGURADO. ART. 13 DA EC 20/98. LIMITAÇÃO DE ACESSO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO.

I - Nos termos do art. 201, IV, da CF, o destinatário do auxílio-reclusão é o dependente do segurado recluso.

II - Dessa forma, até que sobrevenha lei, somente será concedido o benefício ao dependente que possua renda bruta mensal inferior ao estipulado pelo Constituinte Derivado, nos termos do art. 13 da EC 20/98.

III - Recurso extraordinário conhecido e provido” (RE 486413/SP, Pleno, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 25/03/2009, DJe 07/05/2009).

O voto do relator, Min. Ricardo Lewandowski, baseou-se na interpretação literal do art. 201, IV, da Constituição, que menciona a baixa renda dos segurados, e não dos dependentes (como visto, o dispositivo utiliza a expressão “dependentes dos segurados de baixa renda”, e não “dependentes de baixa renda dos segurados”). Acrescentou ainda, com fundamento no princípio da seletividade, previsto no art. 194, parágrafo único, III, da Constituição, e referido na exposição de motivos da EC nº 20/98, que se pretendeu selecionar a concessão do benefício para os mais necessitados[2].

Por fim, mesmo após essas decisões do STF, ainda subsiste a seguinte polêmica acerca do requisito renda: deve ser considerado o último salário-de-contribuição integral ou a renda eventualmente existente no mês imediatamente anterior à prisão?

Por exemplo, um segurado recluso a partir de 02/07/2012 e que teve vínculo empregatício até 31/03/2012, com um salário-de-contribuição de R$ 1.500,00, não será considerado como tendo baixa a renda para a primeira concepção, mas sim para a segunda (pois a contribuição de 06/2012 foi igual a zero, ou seja, inferior ao limite máximo).

Recorda-se que, regulamentando a EC nº 20/98, o art. 116 do Decreto nº 3.048/99 prevê que “o auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço, desde que o seu último salário-de-contribuição seja inferior ou igual a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais)”.

Esse valor é atualizado anualmente por meio de portarias e corresponde, no período de 16/12/1998 a 31/12/2012, às seguintes quantias:

- R$ 360,00, a partir de 16/12/1998 (art. 13 da Emenda Constitucional nº 20/98);

- R$ 376,60, a partir de 01/06/1999 (arts. 15 e 17 da Portaria MPAS nº 5188/1999);

- R$ 398,48, a partir de 01/06/2000 (arts. 10 e 11 da Portaria MPAS nº 6211/2000);

- R$ 429,00, a partir de 01/06/2001 (arts. 10 e 11 da Portaria MPAS nº 1987/2001);

- R$ 468,47, a partir de 01/06/2002 (arts. 10 e 11 da Portaria MPAS nº 525/2002);

- R$ 560,81, a partir de 01/06/2003 (arts. 11 e 12 da Portaria MPS nº 727/2003);

- R$ 586,19, a partir de 01/05/2004 (arts. 4º e 5º da Portaria MPS nº 479/2004);

- R$ 623,44, a partir de 01/05/2005 (arts. 4º e 5º da Portaria MPS nº 822/2005);

- R$ 654,61, a partir de 01/04/2006 (arts. 4º e 5º da Portaria MPS nº 119/2006);

- R$ 676,27, a partir de 01/04/2007 (arts. 4º e 5º da Portaria MPS nº 142/2007);

- R$ 710,08, a partir de 01/03/2008 (arts. 4º e 5º da Portaria Interministerial MPS/MF nº 77/2008);

- R$ 752,12, a partir de 01/02/2009 (arts. 4º e 5º da Portaria Interministerial MPS/MF nº 48/2009);

- R$ 810,18, a partir de 01/01/2010 (arts. 4º e 5º da Portaria Interministerial MPS/MF nº 333/2010, que revogou a Portaria Interministerial MPS/MF nº 350/2009, que estipulava o valor de R$ 798,30, também a partir de 01/01/2010);

- R$ 862,60, a partir de 01/01/2011 (arts. 4º e 5º da Portaria Interministerial MPS/MF nº 407/2011, que revogou a Portaria Interministerial MPS/MF nº 568/2010, que estipulava o valor de R$ 862,11, também a partir de 01/01/2011);

- R$ 915,05, a partir de 01/01/2012 (art. 5º da Portaria Interministerial MPS/MF nº 407/2011, que revogou a Portaria Interministerial MPS/MF nº 407/2011).

A discussão sobre a contribuição ou o mês a ser considerado para a inclusão na baixa renda existe principalmente porque o art. 13 da EC nº 20/98 não especifica qual deles (e em que data ou período) deve ser considerado:

“Art. 13. Até que a lei discipline o acesso ao salário-família e auxílio-reclusão para os servidores, segurados e seus dependentes, esses benefícios serão concedidos apenas àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), que, até a publicação da lei, serão corrigidos pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social”.

Acerca do tema, a Turma Nacional de Uniformização decidiu que a baixa renda deve ser analisada de acordo com o último salário-de-contribuição, ou seja, a última remuneração efetivamente recebida pelo segurado antes da prisão:

“(...) 5 – Verifica-se, assim, que o conceito de salário-de-contribuição está associado à remuneração efetivamente percebida pelo segurado, destinada à retribuição do seu trabalho. Logo, se segurado não aufere renda em um determinado período, não há falar em salário-de-contribuição correspondente a esse interregno, tampouco em ‘salário-de-contribuição zero’, consoante a tese adotada pelo acórdão recorrido.

6 – O último salário-de-contribuição do segurado – a ser considerado para efeito de enquadramento no conceito de baixa renda – corresponde, portanto, à última remuneração efetivamente auferida antes do encarceramento, por interpretação literal do art. 116 do Decreto nº. 3.048/99” (Pedido de Uniformização 200770590037647, rel. Juiz Federal Alcides Saldanha Lima, j. 24/11/2011, DJ 19/12/2011).

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Seguindo essa linha, a Turma Regional de Uniformização da 4ª Região recentemente modificou sua orientação e passou a decidir que deve ser levada em consideração a última remuneração recebida pelo segurado antes da prisão:

“PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. SEGURADO RECLUSO DESEMPREGADO. SALÁRIO DE CONTRIBUIÇÃO. ALINHAMENTO AOS PRECEDENTES DA TNU.

1. O último salário de contribuição do segurado - a ser considerado para efeito de enquadramento no conceito de baixa renda (Art. 201, inc. IV da CF) - corresponde à última remuneração efetivamente auferida antes do encarceramento. Alinhamento da postura da TRU4 aos precedentes da TNU (PEDILEF 200770590037647, Juiz Federal Alcides Saldanha Lima, DOU 19/12/2011).

2. Pedido de Uniformização conhecido e provido” (Incidente de Uniformização 5000990-59.2012.404.7105, rel. Juíza Federal Ana Beatriz Vieira Palumbo, j. 21/08/2012).

O fundamento principal dessas decisões observa o decidido pelo STF nos RE 486413 e 587365, pois, tendo em vista que um dos requisitos do auxílio-reclusão é a baixa-renda (e o salário-de-benefício é calculado com base nela), o enquadramento – ou não – do segurado precisa ser feito de acordo com a última remuneração recebida, ou seja, com o último salário-de-contribuição. Presume-se que não há qualquer renda no mês em que o segurado não recolheu sua contribuição previdenciária.

O direito é gerado pela existência de contribuição previdenciária, calculada com base no salário-de-contribuição, que, por sua vez, é apurado a partir da remuneração do segurado[3].

Também se levou em conta que reputar uma contribuição como sendo igual a R$ 0,00 equivaleria a uma contagem ficta não autorizada.

Acrescenta-se a esses argumentos que deve ser considerada a última renda integral do segurado, e não a proporcional. Por exemplo, se o segurado recebeu a remuneração de R$ 1.200,00 em 02/2012, trabalhou até o dia 10/03/2012, tendo um salário-de-contribuição de R$ 400,00, e foi preso em 10/07/2012, deve ser considerada a renda de R$ 1.200,00, que (em regra) reflete sua renda habitual (e não o valor proporcional aos dias trabalhados no último mês).

Logo, a baixa renda do segurado para a concessão do auxílio-reclusão deve ser verificada com base na última remuneração integral recebida pelo segurado antes da prisão.


Notas

[1] Sobre o assunto, na prática: “PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. CONCESSÃO DE AUXÍLIO RECLUSÃO. PERDA DE QUALIDADE DE SEGURADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. - O benefício de auxílio reclusão deve ser concedido ao segurado, desde que até 12 meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar o exercício da atividade ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração, ‘ex vi’, do artigo 15, II, da Lei nº 8.213/91” (STJ, REsp 192172/SC, 6ª Turma. Rel. Min. Vicente Leal, j. 17/12/1998, DJ 22/02/1999, p. 159). Ainda: “(...) 4. Ocorrendo o óbito durante o chamado ‘período de graça’, não há falar em perda da qualidade de segurado do de cujus, razão pela qual seus dependentes fazem jus à pensão por morte” (STJ, AgRgRD no REsp 439021/RJ, 6ª Turma. Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 18/09/2008, DJe 06/10/2008). Da mesma forma: “(...) 1. Concede-se o benefício de auxílio-reclusão aos dependentes do segurado desempregado, desde que mantida a qualidade de segurado na data do seu efetivo recolhimento à prisão (...)” (TRF4, AC 200271080025998/RS, 6ª Turma, rel. Des. Federal Nylson Paim de Abreu, j. 01/09/2004, DJ 13/10/2004, p. 628). Na doutrina: “Acaso recolhida a prisão pessoa que já houvesse perdido a qualidade de segurada, seus dependentes não terão direito ao benefício (...)” (FORTES, Simone Barbisan; PAULSEN, Leandro. Direito da seguridade social: prestações e custeio da previdência, assistência e saúde. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 148).

[2] Sobre o auxílio-reclusão e a decisão do STF: CARDOSO, Oscar Valente. Auxílio-reclusão e a apreciação do requisito renda pelo STF. Revista IOB Trabalhista e Previdenciária, São Paulo, nº 241, pp. 19-35, jul. 2009.

[3] Acerca dessas distinções: CARDOSO, Oscar Valente. Aviso prévio indenizado e salário-de-contribuição. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, nº 174, pp. 102-109, mar. 2010.

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Sobre o autor
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente. Auxílio-reclusão e remuneração a ser considerada na prova da baixa renda. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3349, 1 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22535. Acesso em: 22 nov. 2024.

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