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O tratamento das ofendículas na doutrina brasileira

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Resumo:


  • A doutrina brasileira diverge sobre a natureza jurídica das "offendiculas", sendo que a maioria considera como legítima defesa preordenada, enquanto uma corrente minoritária as enquadra como exercício regular de direito.

  • Existe a discussão sobre a moderação no uso dos "offendiculas", sendo consenso que deve haver proporcionalidade entre o risco da agressão e a reação do mecanismo de defesa.

  • Há autores que fazem distinção entre obstáculos passivos e mecanismos ativos de defesa, atribuindo a natureza de exercício regular de direito aos primeiros e de legítima defesa aos segundos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

1. INTRODUÇÃO

Sem pretender exaurir a matéria, mas tão-só contribuir para o seu debate, propomo-nos a examinar a questão das denominadas "offendiculas" ou "offensaculas", à luz da doutrina penal brasileira, por conta de sua inegável relevância no plano da dogmática penal e da cada vez mais freqüente e intensificada necessidade de recurso do particular aos meios de auto tutela de seus bens jurídicos, notadamente os patrimoniais, diante da impotência do Estado na sua proteção. Num momento em que cresce a busca por formas de segurança e proteção privada, na razão diretamente proporcional à falência dos mecanismos estatais de prevenção da violência e repressão à criminalidade, e diante da tíbia política de segurança pública do Estado, o assunto dos aparatos de defesa e proteção instalados pelos particulares ganha relevância.

A instalação das denominadas "offendiculas" sempre despertou, entre os autores brasileiros, acirrada divergência, principalmente no que tange à explicação de sua natureza jurídica.


2. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

Sob o prisma lexicológico, o termo ofendículo tem o significado de embaraço, empecilho, estorvo(1). Constituem, portanto, dispositivos de defesa predispostos, destinados a dificultar ou repelir o ataque ilícito a um bem, via de regra o patrimônio.

Os dicionários jurídicos atribuem-lhe o significado de meios de defesa instalados para proteção da propriedade, v.g. os cacos de vidro sobre muros, arame farpado, plantas espinhosas, eletrificação de maçanetas, etc(2).

A doutrina penal divide-se: uma corrente minoritária distingue os ofendículos em sentido estrito dos mecanismos predispostos à defesa, reservando àqueles o conceito de meros obstáculos "que opõem uma resistência normal, conhecida e notória, como uma advertência", ao passo que os mecanismos predispostos são tidos como aparatos geralmente ocultos e que são acionados em face de uma atividade de terceiro. Dessa distinção passam a situar separadamente um caso e outro: os ofendículos são colocados no âmbito do exercício regular de direito, enquanto os mecanismos de defesa predispostos são postos no sítio da legítima defesa preordenada(3).

A maioria da doutrina brasileira, entretanto, não faz distinção, preferindo considerar genericamente como ofendículos ou ofensáculas tanto os obstáculos passivos, expostos, como os cacos de vidro sobre um muro, o arame farpado, plantas espinhosas ou o fosso profundo ao redor do imóvel, quanto os aparelhos predispostos a agredir para proteger o bem, geralmente ocultos, como a armadilha que prende o ladravaz, a eletrificação de uma fechadura, a arma de fogo cujo mecanismo é acionado ao abrir de uma porta ou janela, etc(4).

E, tratando a tudo como ofendículos, a doutrina dominante ora os posiciona como exercício regular de direito, ora os tem como legítima defesa preordenada, sendo este último pensamento predominante entre os autores pátrios, como veremos adiante.

Portanto, o ponto nodal das divergências doutrinárias sobre o instituto aqui estudado é o estabelecimento de sua natureza jurídica. Podem-se relacionar, a respeito, três vertentes: numa, os ofendículos são considerados legítima defesa, dita preordenada ou predisposta; na segunda, são tidos como exercício regular de direito; na terceira, enfileiram-se os que fazem distinção entre o momento da instalação ou colocação dos objetos ou mecanismos de defesa – que tratam como exercício regular de direito – e o momento posterior, da efetiva atuação do aparato, que é acionado em face do ataque – que consideram legítima defesa.

2.1. OS OFENDÍCULOS COMO LEGÍTIMA DEFESA ¾ Uma verificação dos principais autores brasileiros revela a nítida preponderância quantitativa da corrente que nas ofendiculas ação acobertada pela legítima defesa, ainda que preordenada.

NELSON HUNGRIA, um dos expoentes dessa doutrina, preconiza que aquele que predispõe o ofendículo "não se encontra em condição diversa daquele que se arma de uma espingarda ou adquire um cão de guarda, prevendo a eventualidade de um assalto" (5); e FREDERICO MARQUES, outro grande nome dessa corrente, refutando as lições de IMPALLOMENI e MANZINI de que a hipótese é de exercício regular de direito, traz à colação o escólio de COSTA E SILVA de que, se o aparelho "está disposto de modo que só funcione no momento necessário e com a proporcionalidade a que o proprietário era pessoalmente obrigado, nada impede a aplicação da legítima defesa. Se as condições desta não forem respeitadas, não se poderá invocar a legítima defesa em favor de quem haja usado o aparelho"(6).

Filiam-se, ainda, a essa opinião, dentre outros, MAGALHÃES NORONHA(7), BASILEU GARCIA(8), LUIZ ALBERTO FERRACINI(9), GALDINO SIQUEIRA(10), DAMÁSIO DE JESUS(11) e FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO(12).

As críticas à colocação dos ofendículos no campo da legítima defesa radicam principalmente na suposta ausência dos requisitos da legítima defesa, como a atualidade da agressão e a moderação da repulsa. Há quem argumente, ainda, com a questão da exigência da vontade de defesa, que deve estar presente no momento da agressão.

Induvidoso que entre o momento da instalação do aparato predisposto e a ocasião de sua atuação não há um vínculo de imediatidade que se ajuste, de pronto, ao requisito da atualidade exigido pelo instituto da legítima defesa. Por isso, os críticos dessa corrente afirmam não haver aí a legítima defesa. ANÍBAL BRUNO, um dos mais contundentes opositores desse pensamento, aduz que na colocação dos ofendículos a conduta do agente "apresenta-se não como reação justa, oportuna e medida contra agressão atual ou iminente, mas como um gesto de prevenção contra possível agressão futura e, embora o aparelho predisposto só se destine a funcionar no momento do ataque, a verdadeira ação do sujeito é anterior..." (13).

Tal censura é rebatida pelos adeptos da vertente da legítima defesa com o argumento de que, malgrado a instalação do equipamento ou objeto seja anterior ao momento da agressão, seu funcionamento só é desencadeado no momento e como conseqüência desta. FERNANDO DE ALMEIDA PEDROSO defende que em razão de só atuarem "quando se descortinar a ‘atualidade’ de uma agressão injusta, a legítima defesa virá ao socorro do sujeito ativo."(14) E com a peculiar precisão, HUNGRIA afirma que "pouco importa que a instalação do aparelho insidioso preceda ao momento da agressão, desde que só entra em funcionamento na ocasião em que o perigo se faz atual."(15)

No tocante ao requisito da moderação na repulsa, que seria inconciliável com o uso de mecanismos predispostos em razão de ser a atuação do aparelho "automática e uniforme, não pode ser graduada segundo a realidade e a importância do ataque"(16), é consenso entre os defensores dessa corrente que se deve obedecer, rigidamente, uma relação de estreita proporcionalidade entre o bem sacrificado e o bem defendido(17), o que se pode sintetizar na lição de NORONHA: "De observar ainda que na predisposição de meios deve haver também moderação – outro requisito da justificativa. Para se proteger o patrimônio, v.g., com uma corrente elétrica, não é preciso que seja ‘fulminante’: uma descarga forte dissuadirá o mais animoso amigo do alheio."(18)

Ao nosso ver, a mais profunda e forte objeção que se faz ao posicionamento dos ofendículos no âmbito da legítima defesa é a referente à falta do elemento subjetivo – a vontade de defender-se – por ocasião da agressão que deflagra o funcionamento do mecanismo predisposto.

Da melhor doutrina extrai-se que "a exclusão da ilicitude de um comportamento depende do conhecimento dos pressupostos ‘objetivos’ e da existência de certa ‘direção da vontade’ positivamente valorada (condição ‘subjetiva’)... o elemento subjetivo integra a própria normatividade permissiva."(19) Daí concluir-se que só se pode reconhecer a legítima defesa quando, no momento mesmo da repulsa, o agente tenha presente a consciência de estar ocorrendo a agressão injusta e a vontade direcionada (direção finalista) à defesa; do contrário, subsiste o desvalor da ação, eis que não existe defesa legítima sem vontade de defender-se(20). E, sem dúvida, na ocasião do funcionamento do engenho, automático e independente da presença do proprietário, este não está agindo com o necessário "animus defendendi", que também não se fazia presente quando da colocação do "offendiculum", porque então não havia agressão em curso ou na iminência de ocorrer e, pois, não havia do que defender-se.

Por isso, delineia-se, ao nosso sentir, bem ajustada a crítica de MIRABETE à posição da corrente majoritária: "... comum é a assertiva de que se trata de legítima defesa ‘predisposta ou preordenada’. Para quem exige o elemento subjetivo nas justificativas, parece-nos discutível a aceitação deste último entendimento, pois a consciência da conduta deve estar presente com relação ao ‘fato’ concreto." (21)

Assim, salvo se adote a concepção de que as causas justificantes prescindem do componente subjetivo — o que não nos parece dogmaticamente adequado, nem consentâneo com os postulados da teoria finalista da ação, que é a principal inspiradora do nosso vigente Código Penal — resta absolutamente desconfortável a acomodação dos ofendículos no seio da legítima defesa. Tanto é assim que os próprios adeptos dessa idéia acrescem ao instituto da legítima defesa, em decorrência, um rótulo acessório: preordenada ou predisposta. O que, ao nosso ver, já começa a desfigurar a excludente de ilicitude em questão.

2.1.1. A lesão de terceiros – Ainda dentro do estudo dos ofendículos como hipóteses de legítima defesa, emerge a questão da lesão a terceiros, inocentes; ou seja, quando o funcionamento do mecanismo predisposto atinge pessoa que não estava agredindo o bem jurídico protegido, como no exemplo da arma que dispara automaticamente contra um carteiro que ingressa no quintal para por uma carta sob a porta. A respeito, os próprios integrantes dessa corrente divergem.

Para alguns, o autor deve ser responsabilizado pelos danos que eventualmente seu engenho vier a causar a terceiros inocentes, porque ao instalar o mecanismo, aceita o risco de que os atinja. Nessa linha de pensamento, ASSIS TOLEDO, escorado no pensamento de JESCHECK, preconiza que "os riscos que as ofendículas apresentam correm por conta de quem as utiliza. Se atingem um ladrão na ocasião do furto ou do roubo, ocorre em princípio legítima defesa; se apanham, contudo, uma criança ou um inocente, há pelo menos crime culposo"(22).

Para outros, a atuação do mecanismo contra inocente desloca-o da legítima defesa para a figura do exercício regular de direito, que escudara a conduta do agente no momento da colocação do aparelho(23).

Um terceiro posicionamento situa a hipótese de ofensa a terceiros no âmbito da legítima defesa putativa.

É o pensamento de HUNGRIA, que preleciona: "Pode acontecer, entretanto, uma ‘aberractio in persona’, isto é, que, ao invés do ladrão venha a ser vítima da armadilha pessoa inocente. A hipótese deve ser tratada como "legítima defesa putativa", posto que se comprove que o proprietário ou ocupante da casa estava persuadido de que a armadilha somente poderia colher o "furto nocturnus"(24).

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Consoante nosso entendimento pessoal, essa última posição é a mais acertada.

Primeiro, porque não nos parece correta a idéia de que se o agressor for atingido dá-se a legítima defesa preordenada, e se terceiro inocente for atingido, subsiste a responsabilidade (e, pois, a injuridicidade e a culpabilidade). Ora, isso implicaria transferir a um acontecimento completamente divorciado da vontade do agente e alheio à sua conduta – que foi exatamente a mesma nos dois casos, do ladrão e do inocente – a conseqüência jurídica de sua ação. Tal critério puramente aleatório não nos parece ter qualquer rigor científico. Além disso, deve-se ter em conta que, consoante as regras da legítima defesa, atuando sob o escudo dessa excludente a licitude persistirá ainda que por erro o agente atinja terceiro que não o agressor.

Depois, se nos delineia inconcebível que se possa inserir no sítio do exercício regular de direito a ofensa contra inocente. Ora, é curial que ninguém tem o direito de atacar quem não lhe está causando qualquer lesão ou perigo de lesão a bem jurídico. O exercício regular do direito restringiu-se à faculdade de instalar o mecanismo, não o de, com ele, atingir inocentes.

Assim, se postado o instituto em comento no campo da legítima defesa, é mais correto que a hipótese de ofensa a terceiros inocentes seja contemplada como legítima defesa putativa; desde que, por óbvio, o agente, ao instalar o mecanismo, tenha se acautelado com todas as diligências necessárias a só permitir seu funcionamento em caso de agressão ou de conduta que, malgrado não consubstancie agressão, possa ser, objetivamente, confundida como tal.

Ao contrário, se o agente, ao predispor o mecanismo, o fez de forma atabalhoada, capaz de atingir terceiros inocentes, deve responder a título de dolo eventual ou de culpa, consoante tenha, ou não, aceito o risco do evento danoso.

Ilustrativo, aqui, o escólio de NORONHA: "Tudo se resume na apreciação do fato, que, como nos outros casos de legítima defesa, pode comportar excesso. Quem eletrifica a porta de sua casa, que dá para a calçada da rua, age com culpa manifesta, senão com dolo, pois qualquer transeunte pode tocar ou encostar nela. Entretanto, quem assim fizer com a porta de uma casa rodeada de jardins e quintais e cercada por altos gradis e muros, de modo que é necessário a escalada, à noite, para tocar naquela, não age com culpa ‘stricto sensu’." (25)

2. 2. OS OFENDÍCULOS COMO EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO ¾ Doutrina minoritária no Brasil refuta a idéia de que o "offendiculum" possa acomodar-se no sítio da legítima defesa. Por isso, preferem localizá-lo no seio de outra excludente de ilicitude: o exercício regular de direito.

Argumenta o principal defensor desse pensamento em nossa doutrina, ANÍBAL BRUNO, que a essa categoria de exclusão de ilicitude, o exercício regular de direito, "pertence o ato do indivíduo que, para defender a sua propriedade, cerca-a de vários meios de proteção, as chamadas defesas predispostas ou ‘offendicula’, dispositivos ou instrumentos que impeçam ou embaracem o acesso do malfeitor ao bem protegido... destinados a funcionar no momento da agressão".(26) E explicita que o direito exercitado pelo indivíduo, no caso, é o de cercar sua propriedade de recursos que lhe assegurem a inviolabilidade, o direito de todo titular de um bem jurídico de protegê-lo contra injusta agressão.(27)

No mesmo sentido é o entendimento de MIRABETE, que acolhe o ensinamento de ANÍBAL BRUNO e acresce que não se poderia falar em legítima defesa, já que lhe faltaria o elemento subjetivo, eis que a consciência da conduta deve estar presente com relação ao ‘fato’ concreto(28), como dito alhures.

Assim também pensam JOSÉ GERALDO DA SILVA(29), TOMAZ SHINTATI(30), ROMEU DE ALMEIDA SALLES JR.(31) e PAULO JOSÉ DA COSTA JR. É escólio deste último que, "como os ofendículos são colocados muito antes do ataque, não se faz presente o requisito da atualidade ou da iminência. Conseqüentemente, a conduta preventiva retromencionada justifica-se como um exercício regular de direito, desde que não haja excesso." (32)

No mesmo diapasão, BENTO DE FARIA adverte que as lesões decorrentes da ação de dispositivos preordenados à proteção da propriedade ou valores, à evidência, não podem ser consideradas como praticadas em legítima defesa, por faltarem os requisitos da necessidade e da atualidade ou iminência do perigo no momento da instalação desses mecanismos(33).

Não é muito difundido na doutrina pátria tal posicionamento. Na doutrina alienígena encontram-se, entre outros, IMPALLOMENI e MANZINI(34), além de BETTIOL(35) e CUELLO CALÓN.

A maior crítica que se faz a essa corrente é aquela enfatizada por HUNGRIA: "não há direito sem o correlativo de um dever, e seria absurdo falar-se em ‘dever’ de se deixar lesar."(36)

2.3. DISTINÇÃO ENTRE INSTALAÇÃO E ATUAÇÃO DO OFENDÍCULO ¾ Vale ressaltar, por fim, que há autores que, na esteira do pensamento de SOLER(37) fazem nítida distinção entre ofendículos, no sentido de obstáculos passivos, empeços visíveis, notórios, que constituem um mero impedimento destinado à prevenção do ataque ao bem protegido (como os fragmentos de vidro nos muros, a cerca de arame farpado, as grades altas e pontiagudas, os fossos, etc), dos mecanismos predispostos a repelir ativamente o ataque, deflagrados pela invasão ou conduta do suposto agressor (como as armas que disparam automaticamente à entrada do ladrão em determinada área; as maçanetas eletrificadas; as armadilhas que ferem quem pisa em determinado lugar, etc), excedendo os limites da defesa passiva.

Aos primeiros, ditos ofendículas em sentido estrito, conferem a característica de exercício regular do direito de proteção ao bem jurídico. Aos últimos, que atuam com violência, atribuem natureza de legítima defesa.

De se observar que a diferença é estabelecida em decorrência da própria natureza do aparato predisposto: se opõe resistência passiva e ostensiva ao ataque, é tida como ofendícula em sentido estrito e encontra escudo no exercício regular de direito; se, porém, é preordenada à reação violenta e, de regra, é desconhecida ou incógnita para o pretenso agressor, é concebida como mecanismo de defesa predisposto, situado no campo da legítima defesa.

Dá ênfase a tal distinção, em nossa doutrina, LUIZ REGIS PRADO, que faz referência a escólio de ASÚA, no sentido de que se distinguem, de um lado, os meios impeditivos de entrada na propriedade, meros obstáculos, que constituem um direito do dono, e, de outro lado, os instrumentos mecânicos predispostos que atuam com violência imediata(38).

Outros autores pátrios também buscam fazer tal distinção; entretanto, apegam-se mais à diferença entre instalar o mecanismo ou objeto e o seu funcionamento posterior, quando da agressão. Não usam, portanto, como critério da distinção, a natureza mesma da coisa estruturada para a proteção do bem.

Assim, aventa-se que "quando da instalação e da preparação dos mecanismos de defesa, o proprietário age no exercício regular do direito de propriedade. Se o mecanismo funciona, repelindo uma agressão injusta do que tenta invadir a propriedade, trata-se, à evidência, de legítima defesa..."(39).

CEZAR ROBERTO BITENCOURT preconiza que "a decisão de instalar os ofendículos constitui ‘exercício regular de direito’, isto é, exercício do direito de autoproteger-se. No entanto, quando reage ao ataque esperado, inegavelmente constitui legítima ‘defesa preordenada."(40)

A distinção pelo critério do momento (instalação ou funcionamento da engenhoca) não nos parece adequada. Se um objeto tem determinada natureza (seja um "offendiculum" em sentido estrito; seja um dispositivo físico de defesa preordenada) sua natureza não pode alterar-se consoante o momento em que é observado ou em razão da passagem de um estado passivo para uma atuação positiva. O que tem natureza de exercício regular de direito continuará a tê-lo, e o que se pode definir como legítima defesa preordenada sempre o será. Mais aceitável é a distinção pelo prisma da própria substância da coisa, embora, ao nosso ver, sempre se trate de hipótese de exercício regular de direito, uma vez que, mesmo nos casos de engenho mecânico predisposto, não é a ação de quem o instala que deflagra seu funcionamento, como veremos a seguir.

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Sobre o autor
Gilson Sidney Amancio de Souza

promotor de Justiça no estado de São Paulo, mestrando em Direito Penal Econômico na U.E.M. - Universidade Estadual de Maringá(PR), professor de Direito Penal na Faculdade de Direito de Presidente Prudente - Associação Educacional Toledo, professor de Direito Processual Penal na UNOESTE Universidade do Oeste Paulista – Pres. Prudente

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Gilson Sidney Amancio. O tratamento das ofendículas na doutrina brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2260. Acesso em: 22 dez. 2024.

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