I-NECESSÁRIA INDEPENDÊNCIA TÉCNICA A SER GARANTIDA AOS ADVOGADOS PÚBLICOS
A emissão de pareceres jurídicos no âmbito da Administração Pública é tema de extrema importância e pouco discutido no mundo jurídico, motivo pelo qual, humildemente, procura-se trazer a lume este instigante tema através do presente trabalho.
Geralmente a Administração Pública possui uma Assessoria Jurídica interna composta por advogados públicos ocupantes de cargos efetivos cuja principal atribuição funcional é a emissão de pareceres jurídicos, que servem de suporte para a prática de atos administrativos pelos Gestores Públicos.
Conforme ensinamentos do insigne Administrativista e Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, em sua obra Curso de Direito Administrativo, 29ª Edição, Ed. Malheiros Editores, “Os pareceres costumam ser classificados em (a) facultativos; (b) obrigatórios e (c) vinculantes. Facultativos, são os que a autoridade pode solicitar, mas não está obrigada a demandá-los; obrigatórios são aqueles que a autoridade está juridicamente adstrita a solicitar antes de decidir, mas, tanto quanto em relação aos anteriores, não está obrigada a seguir; vinculantes são aqueles que a autoridade não apenas deve pedir, mas estará obrigada a seguir.”.
Mais adiante Celso Antônio esclarece que “no caso dos pareceres obrigatórios, e, assim, pois, dos técnico-jurídicos desta tipologia, se não for solicitado o parecer, o ato decisório será, ipso facto, inválido. No caso dos vinculantes, sê-lo-á tanto na hipótese de não ser solicitado, quanto na de ser praticado ato decisório em desconformidade com ele.”.
A não menos respeitada autora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, leciona em sua obra “Direito Administrativo, 17ª Edição, Editora Atlas, que “o parecer é facultativo quando fica a critério da Administração solicitá-lo ou não, além de não ser vinculante para quem o solicitou. Se foi indicado como fundamento da decisão, passará a integrá-la, por corresponder à própria motivação do ato.”.
Apesar dos pareceres jurídicos serem solicitados pelos Gestores Públicos para servirem de sustentação aos Atos Administrativos que pretendem praticar, o Advogado Público que emite tais pareceres deve fazê-lo em estrito cumprimento de suas atribuições funcionais, cujo objetivo central é a defesa dos interesses da Administração Pública que o remunera e não do Administrador Público que os solicita.
Desta forma, o Advogado Público tem o dever profissional e funcional de emitir um parecer jurídico contrário aos interesses pessoais do Gestor Público se o ato que o mesmo pretende executar for visivelmente ilegal.
Aliás, como bem observado pelo eminente Celso Antônio, “Se vier a ser considerado ato praticado em desconformidade com parecer técnico (e cujo vício se relacione com questão ou aspecto objeto da manifestação do parecer) caberá responsabilização do agente que expediu o ato decisório, pois, em tal caso, ficará evidenciado que agiu (pelo menos) com culpa, porquanto terá desatendido conclusões em relação às quais não tinha habilitação técnico-funcional para contender com conhecimento de causa (mesmo que, de fato dispusesse de conhecimentos naquela área).”.
Por tal motivo os Advogados Públicos devem ter independência técnica e possuir mecanismos de proteção que garantam o pleno exercício desta liberdade, para que, assim, não fiquem reféns das pressões e ameaças a que podem ser submetidos nos momentos em que seus pareceres forem contrários aos interesses do mau Administrador.
Neste particular, a forma de se garantir o livre trabalho destes profissionais, com o pleno exercício da necessária independência técnica em prol da segurança jurídico-econômica da Administração Pública que os remunera, é vinculando-os diretamente a uma Procuradoria Própria de carreira.
II- OS PARECERES JURÍDICOS DEVEM SER EMITIDOS DIRETAMENTE PELOS ADVOGADOS PÚBLICOS OCUPANTES DE CARGOS EFETIVOS
As pessoas ocupantes dos cargos em comissão são profissionais de confiança do Administrador Público que os nomeou e, assim, na grande maioria dos casos, acabam trabalhando em prol dos interesses pessoais do Administrador Público e não do Estado.
Não é por menos que o respeitável autor Celso Antônio, ao lecionar sobre os cargos em comissão, fez questão de observar em nota de rodapé o seguinte:
“Estes cargos e as chamadas funções comissionadas são as grandes fontes dos escândalos encontradiços no serviço público porque, quando seus ocupantes não provêm de carreiras públicas, carecendo de grandes compromissos com elas, são alheios aos freios que disto lhes resultariam. Ademais, porque, ainda quando recolhidos nestas carreiras, como lhes corresponde uma remuneração elevada em relação aos padrões correntes no Estado, quem os venha a ocupar tem grande interesse em conservá-los e, pois, em se evadir dos riscos da livre exoneração a que estão sujeitos, razão pela qual são manipuláveis à vontade por seus superiores, agentes políticos, de cuja boa vontade depende sua permanência, pelo que geralmente são proclives a satisfazer-lhes os propósitos, ainda quando incorretos. Ditos cargos deveriam ser reduzidas a um mínimo possível e, sobretudo, excluídos da possibilidade do exercício de inúmeras atividades que hoje desempenham para diminuir os escândalos na Administração...”
Assim, resta evidente que a independência técnica de um Assessor Jurídico ocupante de cargo em comissão fica comprometida, tendo em vista que no mínimo ficará desconfortável ao mesmo emitir um parecer jurídico contrariando os interesses do agente político que o nomeou.
Portanto, entendo que a emissão de pareceres jurídicos deva ser feita diretamente pelo Advogado Público ocupante do correspondente cargo efetivo e que o Assessor Jurídico deve, tão somente, aprovar o aludido parecer jurídico ou reprová-lo mediante a emissão de um contra-parecer.
Ademais, o artigo 37, V, da Constituição Federal prevê expressamente que os cargos em comissão “destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”. Portanto, o Assessor Jurídico deve tão somente chefiar as Assessorias Jurídicas comandando e fiscalizando os serviços encaminhados aos servidores daquele setor e prestar o assessoramento jurídico ao Gestor Público, não podendo atuar através da emissão de pareceres técnico-jurídicos, que são atribuições funcionais exclusivas dos Advogados Públicos ocupantes de cargos efetivos.
Assim, a emissão de parecer jurídico deve ser atribuição exclusiva dos advogados públicos que ocupam o correspondente cargo efetivo, principalmente quando tal atribuição estiver prevista em lei.
Aliás, na grande maioria das vezes consta expressamente na lei própria das entidades públicas que uma das atribuições funcionais dos advogados públicos ocupantes de cargos efetivos será a emissão de pareceres jurídicos, sendo certo que nestes casos os assessores jurídicos ocupantes de cargos em comissão não deterão a competência para tal fim.
Ademais, como bem observado pelo ilustre Celso Antônio, “embora frequentemente ocupantes de cargo em comissão ou de funções de confiança emitam pareceres jurídicos, isto não pode ser juridicamente admitido, pois, como alerta Maurício Zockun, o art. 132 da CF é explícito em dizer que a representação judicial e consultoria da União e dos Estados cabe aos membros da carreira de procurador. Há de se entender que está referido a cargos e cargos efetivos de tal carreira. A Lei Magna é silente em relação aos procuradores municipais, porém, a teor de procedente comentário do citado publicista, não é excessivo entender que também a eles deve ser aplicado, Deveras, como resulta do brocardo jurídico latino, “ubi idem ratio ibi eadem legis dispositio” (onde existir a mesma razão, aí se aplicará a mesma regra legal).”. Entendo que o mesmo raciocínio empregue aos procuradores municipais, se estende aos advogados públicos das autarquias e fundações.
Destarte, considerando que os assessores jurídicos ocupantes de cargos em comissão não detêm a competência funcional para a emissão de pareceres jurídicos, caso reste configurado que determinado agente político solicitou a emissão de pareceres jurídicos aos ocupantes destes cargos de livre nomeação e exoneração, os mesmos poderão ser responsabilizados civilmente pelos atos administrativos baseados nestes pareceres jurídicos que eventualmente gerem prejuízos à fazenda pública.
Neste particular, cabe transcrição dos ensinamentos do insigne Celso Antônio, que bem enfatizou o seguinte: “Entretanto, é fundamental assinalar que o pressuposto do que se vem de dizer, é o de que a autoridade administrativa não tenha qualquer possibilidade de interferência na manifestação do parecerista. Donde: se este ocupa cargo de provimento em comissão ou função de confiança, sendo, pois, suscetível de ser dele desligado ad nutum, é claro que não desfrutará da independência necessária para o opinamento técnico-jurídico. Em tal caso, seu parecer não respaldará a conduta do agente. Logo, este último, como observa a precitada Carolina Zancaner Zocckun, será responsável pelo ato, ainda que praticado na conformidade do parecer, porque buscou um apoio cujo conforto poderia ser por ele manipulado e não raro, deveras, o é.”.
Observe-se que não se está afirmando que os ilustres advogados ocupantes dos cargos em comissão de assessoramento jurídico sejam desonestos, mas sim que pelo fato de ocuparem cargos de livre nomeação e exoneração acabam sendo alvo fácil de pressões políticas que limitam ou excluem a independência técnica que deveriam possuir para emitirem parecer jurídicos com imparcialidade.
Noutro giro, cabe ser observado que se o mau administrador pretende utilizar assessores jurídicos ocupantes de cargos em comissão para emitirem pareceres dando suporte a atos administrativos ilegais ou manifestamente contrários aos interesses da Fazenda Pública, tais gestores serão facilmente responsabilizados pelo ato, ainda que praticados na conformidade do parecer, conforme ensinamentos do renomado professor Celso Antônio Bandeira de Melo:
“Se diversamente, houver atuado na conformidade do parecer técnico, entendemos fora de dúvida que, com a ressalva feita a seguir, descaberá responsabilizar o agente. É que em tal caso, seu comportamento terá sido estribado em conclusões a respeito das quais não tinha, funcionalmente ou, muitas vezes, sequer de fato, conhecimento de causa para decidir, e que foram fornecidas por quem as possuía. Logo, não se poderá derivar diretamente daí imprudência, negligência ou imperícia, vale dizer culpa. Ora, como é notório, a responsabilidade civil dos agentes públicos só tem lugar nos casos de dolo ou culpa, o que, aliás, tradicionalmente se estampa até mesmo em nossas Constituições (hoje, residindo no art. 37, §6º, da Lei Magna).
Entretanto, é fundamental assinalar que o pressuposto do que se vem de dizer, é o de que a autoridade administrativa não tenha qualquer possibilidade de interferência na manifestação do parecerista. Donde: se este ocupa cargo de provimento em comissão ou função de confiança, sendo, pois, suscetível de ser dele desligado ad nutum, é claro que não desfrutará da independência necessária para o opinamento técnico-jurídico. Em tal caso, seu parecer não respaldará a conduta do agente. Logo, este último, como observa a precitada Carolina Zancaner Zockun, será responsável Pelo ato, ainda que praticado na conformidade do parecer, porque buscou um apoio cujo conforto poderia ser por ele manipulado e não raro, deverás, o é.”.
Destarte, por tais questões acima levantadas os pareceres jurídicos devem ser emitidos diretamente pelos advogados públicos ocupantes de cargos efetivos e não pelos assessores jurídicos ocupantes de cargos em comissão, tendo em vista que estes últimos não detêm a competência funcional para tanto.
III- CONCLUSÃO
Por todo o exposto, a independência técnica dos advogados públicos apenas alcançará sua plenitude quando os mesmos estiverem organizados em carreira própria, estando vinculados diretamente às Procuradorias para que consigam desenvolver suas funções sem interferências e pressões dos maus administradores, sendo certo que tal blindagem refletirá na maior segurança jurídico-econômica do Estado.
Da mesma forma, o Estado terá seus interesses melhor protegidos se os pareceres jurídicos forem emitidos exclusivamente pelos advogados públicos ocupantes de cargos efetivos, ficando aqui a sugestão para que tal atribuição seja exclusivamente atribuída aos aludidos profissionais, através de expressa previsão legal, o que, também, acabará gerando maior segurança jurídico-econômica do Estado.