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Prisão ilegal: a responsabilidade civil do estado e o decorrente dever de indenizar pelos danos morais.

Quantificação dos valores indenizatórios.

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VI – O QUANTUM INDENIZATÓRIO – MANUTENÇÃO DO CARÁTER COMPENSATÓRIO E PUNITIVO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS ATRAVÉS DA ELEVAÇÃO DOS VALORES. PRINCÍPIO DA JUSTIÇA DISTRIBUTIVA E DIREITO DE REGRESSO

A dificuldade de se apurar o quantum indenizatório, como já dito acima, faz com que as decisões estipulem valores muito parcimoniosos que, por sua vez não atendem os objetivos da indenização por danos morais: a compensação pela dor sofrida pela vítima e a punição do ofensor que deverá, assim, sentir-se dissuadido de cometer outra falta.

Américo Luís Martins da Silva ao abordar a questão do dano por ofensa à liberdade pessoal, assim se manifesta:

"Vimos que o cárcere privado, a prisão provocada por queixa ou denúncia falsa feita de má-fé e a prisão ilegal constituem ofensas à liberdade pessoal da pessoa humana. Pelo que dispõe o art. 1.150 do Código Civil, a vítima de tais atos ilícitos tem direito a dois tipos de reparação: a) a reparação por danos patrimoniais (perdas e danos ou dano emergente e lucro cessante); e b) reparação por danos morais (soma equivalente ao dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva).

A reparação dos danos patrimoniais restringe-se às perdas e danos. O pagamento da soma equivalente à multa refere-se ao pagamento de indenização por danos morais. A respeito, Silvio Rodrigues menciona que, ao receber o pagamento do dano emergente e do lucro cessante, o ofendido já está indenizado de todos os prejuízos patrimoniais. Por conseguinte, ao ordenar o legislador que ele ainda deve receber, em dobro, o valor da multa criminal correspondente, é óbvio que está contemplando a indenização do dano moral, resultante do vexame que a prisão envolveu".(24)

Diante de tal texto, parece-nos que é possível e razoável adotar-se como forma de fixação do quantum indenizatório a fórmula preconizada no art. 1.550 do Código Civil Brasileiro(25), que nos remete ao art. 1.547 do mesmo diploma legal(26) e ao art. 49 do Código Penal(27).

Assim, analisando em conjunto os dispositivos legais acima mencionados, temos, no entender de Américo Luís Martins da Silva:

"Quanto à multa criminal correspondente, devemos acrescentar que aqui aplicam-se as mesmas ponderações que tecemos a respeito da indenização do dano moral decorrente da injúria e calúnia. Com base no grau máximo da multa prevista no art. 49 do Código Penal, a nosso ver, a fixação de tal verba deve ser da ordem de 720 (setecentos e vinte) dias-multa (dobro do teto máximo de 360 dias-multa, previsto no referido art.49), adotando-se o valor arbitrado pelo juízo criminal para o dia-multa. Não havendo condenação criminal em pena de multa, o valor do dia-multa seria arbitrado pelo juízo cível entre um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato e cinco vezes esse salário mínimo, conforme a realidade econômica do ofensor". (28)

Aplicando-se o acima previsto, analisemos um exemplo de indenização para o caso de prisão ilegal ocorrida em 03/2000, quando o salário mínimo vigente era de R$ 136,00 (cento e trinta e seis reais).

De acordo com o estipulado no art. 49 do Código Penal, temos que a pena multa pode variar de 10 a 360 dias-multa e o dia-multa, por sua vez, vai de 1/30 do salário mínimo até 5 vezes o salário mínimo vigente à época do ato danoso.

Se utilizarmos os valores de teto acima estipulados, vemos que o dia multa atingirá R$ 680,00 (5 vezes o salário mínimo de R$ 136,00) e a pena multa de 360 dias-multa atinge R$ 244.800,00 (360 vezes o dia-multa de R$ 680,00). O valor obtido acima, conforme determina o art. 1.547 do Código Civil, deverá ser pago em dobro. Obtemos, então, um valor indenizatório de R$ 489.600,00.

Assim, chegamos a um valor indenizatório que continua contando com a subjetividade que envolve os danos morais porém, com limites mínimo e máximo estabelecidos.

A fórmula que foi utilizada no exemplo acima, baseada em dispositivos legais, faz com que os valores obtidos cheguem mais perto do que se espera de tais indenizações.

Ora, a utilização de tal critério ensejaria o amplo atendimento das funções da indenização por danos morais. O ofendido seria compensado, se é que existe, de fato, tal compensação, considerando-se que as "dores da alma são imensuráveis" e o ofensor, além de punido, dissuadido da prática de novos temerosos atos contra a liberdade.

Os valores que proporcionam o uso de tal "fórmula" podem até supor um enriquecimento da vítima. Porém, como há que se falar em enriquecimento se não se pode medir a dor moral, espiritual, sofrida por outrem? De quais prazeres precisará ela gozar para ver-se minimamente compensada pelo sofrimento, dor, humilhação, vexame e constrangimento pelos quais passou?

Também é preciso levar em conta que se uma indenização por danos morais que atinja R$ 15.000,00 pode compensar a dor da vítima presa indevidamente, com certeza esse valor será inútil no diz respeito a punição do ofensor.

Estaria, nesse caso, o Estado devidamente punido em razão de ter no seu quadro de servidores pessoas que cometem erros grosseiros, privando pessoas inocentes de seus direitos constitucionalmente garantidos (liberdade, honra, intimidade, vida privada etc...)?

Não parece plausível que para não se gerar enriquecimento à vítima deixe-se de punir o ofensor que age de forma atentatória contra os direitos alheios.

É preciso ter-se em mente, em primeiro lugar, que é imperioso punir os servidores públicos que ao invés de garantir os direitos individuais e coletivos, partem para a posição de coatores, adotando condutas irregulares, infringindo a obrigação que lhes é conferida. Agora, se tal punição, que deve ser rigorosa com o intuito de inibir erros futuros, vier a trazer enriquecimento à vítima que foi humilhada em um distrito policial; foi privada de sua liberdade, mesmo que por horas; passou por constrangimentos ao tentar explicar para os servidores, familiares e amigos que houve um erro por parte da Administração; que correu risco de ver sua integridade física abalada – ou que teve sua integridade física violada -, não importa.

Até porque não sabemos e nunca saberemos quanto vale a dor moral de alguém.


VII – CONCLUSÃO

Assim, podemos concluir que:

a prisão ilegal traz em si, inerente à ela, os danos morais experimentados pelo ofendido;

não há que se provar, diante da responsabilidade objetiva do Estado, a culpa do servidor público ofensor; a responsabilidade civil do Estado decorre do simples funcionamento de seus serviços; há, apenas, que se provar o nexo de causalidade entre o ato ilegal e a dor;

há, portanto, o dever do Estado de indenizar o ofendido, buscando sempre atingir dois objetivos: compensar a vítima e punir o ofensor;

as indenizações são fixadas em valores obtidos através do arbítrio do juiz que segue como orientação dispositivos do Código de Telecomunicações e Lei de Imprensa;

os baixos valores indenizatórios não encontram justificativa alguma, principalmente diante do princípio da justiça distributiva, onde todos os cidadãos repartem tanto os benefícios como os ônus oriundos dos serviços públicos;

o Estado tem direito de regresso contra seus agentes ofensores assegurado pela Constituição Federal e, por fim,

existem dispositivos do Código Civil Brasileiro que, combinados com dispositivo do Código Penal, podem ser aplicados nos casos de indenização por danos morais decorrentes de prisão ilegal, compensando de forma mais ampla a vítima e punindo de forma mais eficaz o ofensor.


Notas

1.Fabrício Zamprogna Matielo - "Dano Moral, Dano Material – Reparações"- 2ª edição, p.128.

2."Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte: (...) Parágrafo 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."

3.Silvio Rodrigues – "Direito Civil" – 15ª ed., volume 4, Saraiva, p.190.

4.José Dias de Aguiar – "Da Responsabilidade Civil"- 6ª ed., volume II, Forense, 1979, p.414.

5.Caio Mário da Silva Pereira – "Instituições de Direito Civil"- 8ª ed., volume II, Forense, p.234.

6.Apelação Cível nº 13575/99 – 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – j.19/10/1999 – Boletim da AASP nº 2202 – p.1748-j.

7.Art. 1º, III – Constituição Federal

8.Voto nº 6276 - Desembargador Sergio Pitombo, proferido no julgamento da Apelação Cível nº 054.432.5/0-00, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

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9.Apelação Cível nº 98.0019.640 – 14ª Câmara Cível - Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – Des.Rel. Rudi Loewenkron.

10.Dora Maria de Oliveira Ramos – "Responsabilidade Civil do Estado por Dano Moral"- Revista do Advogado nº 49 – dez/96

11.RESP 220982/RS; Min. José Delgado – 1ª Turma – DJ 03/04/2000 – p.00116.

12.Julgamento da Apelação Cível nº 597176387 – 1ª Câmara Cível – Porto Alegre.

13.Caio Mario da Silva Pereira – "Responsabilidade Civil de Acordo com a Constituição de 1988" – p.54/55.

14.Julgamento proferido nos autos da Apelação Cível nº 054.432.5/0-00 – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Des. Rel. Sergio Pitombo – j.29.3.1999.

15.Voto nº 2671 proferido pelo Desembargador Relator Luís Ganzerla no julgamento da Apelação Cível nº 32.784.5/4 – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

16.Decisão proferida no autos da Apelação Cível nº 9640/98 – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – Des. Rel. Rudi Loewenkron – j. 16.9.1998.

17.Alberto Trabucchi – "Instituiciones de Derecho Civil"- 1/228 – Editorial Revista de Derecho Privado (RT. Vol.584/229).

18. José Osório de Azevedo Junior – Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – "O Dano Moral e sua Avaliação" – Revista do Advogado nº 49 – dez/96 – p.10.

19.José Osório de Azevedo Junior – obra citada.

20.Decisão proferida na Apelação Cível nº 258.177.1/8 – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – 6ª Câm. Dir. Públ. – j.16.9.1996.

21.Dora Maria de Oliveira Ramos – "Responsabilidade Civil do Estado por Dano Moral"- Revista do Advogado nº 49 – dez/96 – p.55/60.

22.Carlos Alberto Bittar – "Curso de Direito Civil"- volume 1 – Rio de Janeiro – Forense Universitária, 1994, p.580.

23.Maria Sylvia Zanella Di Pietro – "Direito Administrativo"- São Paulo – Atlas – 1994 – p.412.

24.Américo Luís Martins da Silva – "O Dano Moral e sua Reparação Civil" – Revista dos Tribunais – 1999 – p.372.

25."Art. 1.550 – A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido e, no de uma soma calculada nos termos do parágrafo único do art. 1.547".

26."Art. 1.547 – A indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido. Parágrafo único. Se este não puder provar prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva (art. 1.550)".

27."Art. 49 – A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. Parágrafo 1º - O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário".

28.Américo Luís Martins da Silva – Revista dos Tribunais, 1999 – Tombo 4254/99.

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Sobre a autora
Sylvia Maria Mendonça do Amaral

advogada em São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARAL, Sylvia Maria Mendonça. Prisão ilegal: a responsabilidade civil do estado e o decorrente dever de indenizar pelos danos morais.: Quantificação dos valores indenizatórios.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2273. Acesso em: 22 dez. 2024.

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