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Regime jurídico-constitucional dos notários e registradores

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10/10/2012 às 10:20
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3. Regime Jurídico-Constitucional dos Notários e Registradores na Constituição de 1988

A atividade notarial e registral tem status constitucional.

Data de 05 de outubro de 1988 o nascedouro de uma nova era nos sistema brasileiro dos serviços notariais e de registro.

A Constituição de 1988 é um marco legislativo que rompeu com a ordem jurídica anterior mediante a manifestação do Poder Constituinte Originário. Estabeleceu-se, pois, todo um novo parâmetro de constitucionalidade no que concerne às atividades notariais e de registro.

Depois de tanto descaso e muita pressão, finalmente a Constituição Federal de 1988, no seu Art. 236, trouxe profundas e essenciais mudanças para o notários e registradores pátrios.

O simples fato da inserção desse artigo na nossa Carta Magna, teve o efeito arrebatador de principiar a retirada da instituição notarial do obscurantismo que a envolvia, tornando-a mais conhecida, inclusive pelos juristas e dando notícia do seu  relevo social e jurídico.[48]

O Notário ou Tabelião e o oficial de registro ou Registrador, passaram a ser, na nova ordem constitucional, pessoas físicas que recebem uma delegação do Poder Público para exercer uma atividade subordinada à legalidade estrita (regime jurídico administrativo).

Na esteira da Constituição Federal de 1988 surge espaço para o desenvolvimento de ramos do direito diretamente relacionados com a temática notarial e registral, como o direito imobiliário e o direito urbanístico, destinados a “organizar os espaços habitáveis de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade”.[49]

Há inúmeros dispositivos do texto constitucional que informam o direito notarial e registral.

Á guisa de exemplo, iniciemos citando logo o art. 1º que consolida como fundamentos da República, em seus incisos II e III, a cidadania e a dignidade da pessoa humana. Ora, uma série de atos imprescindíveis ao exercício da cidadania (e.g. registro de nascimento, assento de óbito) perpassam pela serventia de Registro Civil das Pessoas Naturais.

Mas adiante, o caput do art. 5º, que arrola como um dos direitos e deveres individuais e coletivos a propriedade, que é revisitada nos incisos XXII e XXIII para reiterar que é garantido o direito de propriedade, mas que esta propriedade atenderá a sua função social.

A Constituição Cidadã alargou os direitos e garantias individuais, atingindo especialmente as associações[50] nos incisos XVII a XXI do art. 5º, com reflexos diretos no Registro Civil de Pessoas Jurídicas.

Ainda no rol dos direitos individuais e coletivos, vale citar os incisos LXXVI e LXXVII do art. 5º. O primeiro trata de assegurar a gratuidade para os reconhecidamente pobres do registro civil de nascimento e da certidão de óbito. Já o segundo inciso, ao assegurar a gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania acabou por estender a gratuidade dos atos essenciais do registro civil das pessoas naturais a todos os cidadãos, independente de sua condição econômica.

Ainda no âmbito do registro civil de nascimento, a Constituição trata de questões relativas à nacionalidade que terão impacto direto no trabalho dos Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais.

Consoante o art. 12, I, ‘c’, da Carta Constitucional, consideram-se brasileiros natos:

os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 54, de 2007).

Sobre o tema, como regra de transição, o art. 95 do ADCT estabelece que os nascidos no estrangeiro entre 7 de junho de 1994 e a data da promulgação desta Emenda Constitucional, filhos de pai brasileiro ou mãe brasileira, poderão ser registrados em repartição diplomática ou consular brasileira competente ou em ofício de registro, caso venham a residir na República Federativa do Brasil.

No campo dos direitos sociais, lembremo-nos que a Emenda Constitucional 64 de 2010 alterou o caput do art. 6º para inserir o direito à moradia como um dos direitos sociais constitucionalmente assegurados. Ainda sobre o tema moradia, vale notar que o art. 26 da Carta Magna atribui competência comum à União, Estados, Distrito Federal e Municípios para “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais”[51].

O art. 22, inciso XXV, trata de firmar a competência privativa da União para legislar sobre Registros Públicos.

Walter Ceneviva nos lembra de que foi no exercício desta competência privativa, também prevista na ordem constitucional anterior, que foi editada a Lei de Registros Públicos – Lei 6.015 de 31 de dezembro de 1973[52].

Por sua vez, o art. 24, inciso IV, atribui competência concorrente à União, aos Estados e ao Distrito Federal para legislar sobre as custas dos serviços forenses, ou sejam para tratar de emolumentos dos serviços notariais e registrais[53].  Tal regulamentação é feita pela Lei 10.169, de 29 de dezembro de 2000.

No que concerne ao enquadramento funcional, a doutrina e a jurisprudência seguem a linha de que os Notários e Registradores são agentes públicos (porque exercentes de função pública), mas não são considerados funcionários públicos em sentido estrito. Neste norte, são particulares em colaboração com a Administração. Por esta razão, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre a não aplicabilidade do art. 40, §2º, II da Constituição[54], aos Notários e Registradores. Leia-se: não estão sujeitos à aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade (ADI 2.602/MG)[55].

Em se tratando da ordem econômica e financeira (Título VII), a Constituição trata no Capítulo II da Política Urbana e no Capítulo III da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária, descendo as minúcias de prever detalhes sobre procedimento desapropriatório e requisitos para aquisição de bens imóveis por usucapião, institutos diretamente relacionados à atuação dos Notários e Registradores. 

O Ato das Disposições Constitucionais e Transitórias trata, em seu artigo 32 de excepcionar a aplicação do art. 236 aos serviços notariais e de registro que já tenham sido oficializados pelo Poder Público, respeitando-se o direito de seus servidores.

Com a Emenda Constitucional nº 61 de 2009 foi criado o Conselho Nacional de Justiça a quem compete o controle e atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário. Neste norte, compete ao CNJ receber e conhecer das reclamações contra serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, “podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa”[56].

Sem dúvida, o maior repositório de informações acerca dos serviços notariais e de registro em sede constitucional é art. 236 e seus parágrafos, os quais serão analisados a seguir.

3.1 O Art. 236, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

“Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”. 

O art. 236 da Constituição é o repositório da matriz constitucional do atual sistema notarial e registral brasileiro.

Atualmente, o caput do art. 236 estabelece que “os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”.

Nota-se, pois, que os “Notários e Registradores são profissionais do direito que exercem uma função pública delegada pelo Estado. Tais atividades são desempenhadas em caráter privado, sem que os profissionais que as exerçam integram o corpo orgânico do Estado”.[57]

De fato, os tabeliães e oficiais de registro são particulares aprovados em concurso público que recebem do Estado a incumbência para a realização de um serviço público que será realizado “em nome próprio, por sua conta e risco, mas segundo as normas do Estado e sob a permanente fiscalização do delegante”.[58]

Esta delegação não se confunde com a concessão de serviços públicos, nem com a autorização, modalidades reguladas por leis específicas.

Note-se que a seguir as características da concessão de serviços públicos:

a) Consiste a concessão na transferência ao particular da execução do serviço público, regulado por lei, mediante licitação e contrato;

b) apoia-se no art. 175 da CF sendo regulamentada pela Lei 8.987/95 [...];

c) requer autorização legislativa, licitação, motivação da outorga através de publicação de ato justificativo, e contrato;

d) ocorrendo irregularidade na prestação do serviço pode o concedente intervir na concessionária com vistas a assegurar a adequação do serviço. Formaliza-se por decreto, que especificará as condições de intervenção [...];

e) de conformidade com o art. 35 da Lei nº 8.987/95, extingue-se a concessão por: reversão, no término do prazo; encampação, na retomada por interesse público, com indenização; rescisão, como penalidade decorrente de infração; anulação, na ilegalidade da concessão; e extinção da empresa.[59]

A autorização seria aquele ato administrativo discricionário por meio do qual a Administração Pública outorga a alguém, “que para isso se interesse, o diredito de realizar certa atividade material”.[60]

A delegação, por sua vez, é um ato administrativo complexo, que compreende desde a aprovação em concurso público de provas e títulos até a outorga, que atribui a particular o serviço público de notas ou de registro, consoante regulamentado na Lei 8.935/1994.

Em Santa Catarina, o ato de outorga da delegação compete ao Presidente do Tribunal de Justiça, após o encerramento do concurso[61].

Quando o caput do art. 236 estabelece que os serviços serão exercidos em caráter privado, isto significa que as relações entre o titular da delegação e os seus prepostos estará submetida às normas de direito privado.

Em outras palavras, os empregados que trabalham nas serventias notariais e de registro como escreventes ou auxiliares, funcionando como prepostos do titular da delegação são trabalhadores comuns, com vinculação celetista tendo o titular como empregador. Daí se extrai que escreventes e auxiliares não são agentes públicos.

Ademais, o caráter privado do exercício do serviço notarial e de registro fica bem evidenciado pela independência administrativa e funcional de que goza o titular da delegação, que será um Notário ou um Registrador.

3.2 O Art. 236, §1º, da Constituição Federal – Do Estatuto dos Notários e Registradores

“§ 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário”.

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Consoante o parágrafo primeiro do art. 236, cabe a Lei Federal regular as atividades dos Notários e registradores, disciplinando a responsabilidade civil e criminal sua e de seus prepostos, bem como definir critérios para a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

Enquanto Poder Público delegante, compete ao Estado que emite a outorga regular a atividade, impor condições para ingresso e exercício na função e disciplinar a responsabilidade administrativa.

No que concerne à fiscalização dos atos dos Notários e Registradores pelo Poder Judiciário, tal prerrogativa decorre do regime de delegação do serviço público.

De fato, a Lei mencionada no § 1º do art. 236 passou a integrar o ordenamento jurídico seis anos após a promulgação da Constituição, com a Lei 8.935 de 18 de novembro de 1994. Ao regulamentar o art. 236, a Lei 8.935 trouxe várias respostas que a perguntas que até então a comunidade jurídica desconhecia a resposta.

Consolidou-se, pois, o Estatuto dos Notários e Registradores, que entre outros aspectos tratou de: estabelecer as atribuições e competências de cada especialidade; regulamentar o ingresso na atividade; dispor sobre o regime de contratação dos prepostos sob responsabilidade do próprio Oficial pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho; fixar normas para a responsabilidade civil e criminal; dispor sobre incompatibilidades e impedimentos, direitos e deveres e infrações disciplinares; tratar da fiscalização pelo Poder Judiciário; prever as hipóteses de extinção da delegação; e vincular os notários e registradores, escreventes e auxiliares ao regime geral de previdência social.

Os serviços notariais e de Registro, como vimos, são prestados através de uma delegação privada. Logo, o “cartório” não é órgão público e não tem personalidade jurídica. Trata-se de uma delegação privada despersonalizada. Na verdade, o que popularmente se chama de “cartório” é apenas o local onde uma pessoa física aprovada em concurso público exerce, em caráter privado, uma delegação para prestar serviços públicos.

Em decorrência disso, o “cartório”, que é destituído de personalidade, não tem acervo patrimonial para responder por eventuais prejuízos. Assim, a responsabilidade por danos causados ao usuário é objetiva e direta do titular da delegação.

Após indenizar o dano, o titular terá ação regressiva contra o preposto, nos casos em que este tenha dado causa ao prejuízo com culpa ou dolo. A natureza desta responsabilidade civil dos prepostos é indireta e subjetiva.

3.3 O Art. 236, §2º, da Constituição Federal – Das normas Gerais sobre Emolumentos

“§ 2º - Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro”.

O § 2º do art. 236 dispõe que “Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro”.[62]

De fato, a Lei nº 10.169, de 29 de dezembro de 2000 regulamentou o dispositivo constitucional, estabelecendo normas gerais sobre emolumentos, de reprodução obrigatória pelo Legislador estadual.

Em Santa Catarina a Lei Complementar n. 156, de 15 de maio de 1997 trata do Regimento de Custas e Emolumentos.

Além de arcar com os emolumentos destinados a remunerar o Tabelião ou Oficial de Registro, o usuário dos serviços notariais e de registro catarinense está sujeito ao recolhimento do FRJ – Fundo de Reaparelhamento da Justiça, criado através da Lei nº 8.067, de 17 de setembro de 1990. O FRJ “integra o sistema de controle e fiscalização dos atos e serviços forenses, notariais e de registro, sendo constituído de recursos oriundos de cálculo incidente à razão de 0,3% (zero vírgula três por cento) do valor do ato ou serviço”[63].

Nos termos do art. 10, §1º do Regimento de Custas e Emolumentos Catarinense, “o recolhimento devido ao Fundo de Reaparelhamento da Justiça - FRJ - dar-se-á apenas uma vez nos atos e serviços forenses, notariais e de registro de valor superior a R$ 13.920,00”.

Além da Lei Federal 10.169/2000, não raro o Congresso Nacional, sob o pretexto de viabilizar o acesso aos serviços notariais e registrais de populações economicamente desfavorecidas ou para fomentar a circulação econômica estabelece isenções ou reduções nos emolumentos devidos aos tabeliães e registradores.

A Lei do Programa Minha Casa, Minha Vida – Lei 11.977/2009 – é um exemplo típico desta situação.

A comunidade notarial e registral, através de suas associações e órgãos representativos, manifestou-se veementemente contra tais medidas do legislador federal.

Note-se, porém que apesar das sérias ressalvas da classe no que concerne às reduções significativas nos emolumentos devidos aos Tabeliães e Oficiais de Registro pelos atos inseridos no contexto do Programa Minha Casa Minha Vida, há de se considerar que o Programa está vinculado a uma ideia de assegurar o direito social fundamental à moradia.

No que concerne especificamente à regularização fundiária de interesse social, a Lei estabelece, em seu artigo 68, que “não serão cobrados custas e emolumentos para o registro do auto de demarcação urbanística[64], do título de legitimação e de sua conversão em propriedade e dos parcelamentos oriundos da regularização fundiária de interesse social”.

Os serviços notariais e de registro estão comprometidos com a inclusão social de cada brasileiro e com a ampliação do acesso à cidadania.

Todavia, o viés social do Programa não pode ignorar a matriz constitucional dos serviços notariais e de registro, atualmente exercidos por particulares mediante delegação de uma função pública nos termos do art. 236 da Constituição.

A remuneração destinada à subsistência destes agentes públicos, que na verdade são particulares em colaboração com o Estado, é decorrente de emolumentos, que, seguindo as diretrizes nacionais da Lei 10.167/2000, são fixados pelos Estados[65].

Neste norte, e tendo em vista as noções importadas do direito tributário de vedação de isenções heterônomas, há base jurídica para se questionar a legitimidade de uma lei federal (Lei 11.977/2009) que crie isenções a tributos estaduais.

Ademais, o Supremo Tribunal Federal já consolidou entendimento de que os emolumentos têm natureza tributária na modalidade de taxas. São, portanto, taxas estaduais e como tais, somente o Legislador Estadual teria legitimidade para renunciar à receita tributária, instituindo isenções.

É pacífico, pois, que os emolumentos cobrados pelos titulares da delegação pela prestação dos serviços notariais e de registro têm natureza jurídica de taxa de serviço público.

Como modalidades tributárias que são, as taxas submetem-se ao regime constitucional tributário. Seu aumento exige lei em sentido estrito e devem ser respeitados os princípios da anterioridade anual e nonagesimal.

Note-se, porém que o percentual dos emolumentos que for repassado ao Tribunal de Justiça não pertence ao titular da delegação, nem se destina a remunerar os serviços notariais e de registro prestados. Esta parcela tem, pois, natureza de taxa de polícia.

3.4 O Art. 236, §3º, da Constituição Federal – Do ingresso na atividade por Concurso Público

“§ 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses”.

Note-se que, apesar de mais de duas décadas de vigência da Constituição, a sociedade e a comunidade jurídica ainda não assimilaram bem o regime jurídico-constitucional da atividade notarial e de registro.

Prova disso é o fato de que as Unidades Federativas reiteradamente desobedecem o § 3º da Constituição, deixando de realizar concurso público de provimento ou de remoção quando qualquer serventia estiver vaga.

De fato, a dinâmica das relações sociais e políticas, aliada a interesses escusos das mais diversas ordens, faz com que até hoje alguns pontos ainda sejam nebulosos, como a questão dos interinos ou designados que assumiram os cartórios após a vigência da Constituição de 1988 e, em tese, não teriam direito adquirido tal qual aqueles nomeados sem concurso sob a égide da ordem constitucional pretérita.

Em que pese o art. 236, § 3º, da Constituição ser claro ao estabelecer que o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses, não há sequer um Estado da Federação que cumpra à risca o ditame constitucional.

Não raro a mídia propaga iniciativas atentatórias aos ditames constitucionais, que visam privilegiar interesses espúrios em detrimento do interesse público. Referimo-nos à Proposta de Emenda Constitucional nº 471/05 que prevê a regularização do provimento irregular de mais de 5.000 pessoas que estão a frente de serventias notariais e registrais sem a realização de concurso público em todo o país.

Na tentativa de compreender racionalmente a situação posta, há de se investigar as origens históricas da instituição do concurso público para ingresso na atividade notarial e registral.

Em 1903 a Lei 973 instituiu no Distrito Federal o primeiro Ofício de Registro de Títulos, Documentos e outros papéis. A Lei foi regulamentada pelo Decreto 4.775 de 1903, que estabeleceu que este Ofício único e indivisível seria exercido no Distrito Federal (Guanabara) por um serventuário vitalício denominado Oficial do Registro Especial. O primeiro Oficial a ser provido seria nomeado livremente pelo Presidente da República. Porém, os subsequentes o seriam por concurso.

Outrora serventias oficializadas, ou ocupadas por pessoas indicadas politicamente ora pelo Governador, ora por Desembargadores, os serviços notariais e de registro passaram a ser vistos como atividades eminentemente jurídicas, exercidas por profissionais do direito em caráter privado.

Uma vez tendo a Carta Maior de 1988 determinado a obrigatoriedade de concurso público para o ingresso na atividade notarial e de registro, as serventias que vagassem a partir da sua promulgação, não mais incidiriam no privilégio previsto no artigo 208 da constituição de 1969, eis que instituída uma nova ordem.[66]

Note-se que a juridicidade da atividade, impressa pela CRFB/1988, fica evidente quando se considera que só podem pleitear a outorga da delegação mediante concurso público de provas e títulos bacharéis em direito ou pessoas que tenham exercido a atividade de escrevente por no mínimo 10 anos.

Hércules Aghiarian defende a autonomia didática do direito Registral, pregando sua instituição como cadeira de estudo sistematizado e autônomo, viabilizando o “acesso ético e democrático por parte dos profissionais do direito, por concurso de provas e títulos – malgrado a resistência de muitos -, à atividade notarial e de registro”.[67]

Uma vez realizada a seleção através do concurso público de provas e títulos, o que nos termos da Constituição deve ocorrer a cada seis meses se qualquer serventia estiver vaga, o particular aprovado receberá a delegação do serviço público.

 “A delegação prevista no art. 236 da CF é administrativa, atribuída pelo Poder Executivo a prestadores de serviço público, não servidores públicos”[68].

De fato, segundo a Constituição o regime funcional dos Notários e Registradores os inclui na categoria de agentes públicos (gênero), na modalidade particulares em colaboração com o Estado.

“A delegação é, a rigor, irrevogável desde o ato perfeito e acabado da outorga, só podendo ser cassada nas hipóteses legais, obedecido o devido processo legal”. [69]

O concurso é o meio mais democrático e transparente de seleção de pessoas capacitadas para realizar um serviço público, em especial os serviços notariais e de registro que são delegados para profissionais do direito o prestarem em caráter privado, nos termos da nossa Constituição.

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Sobre a autora
Gabriela Lucena Andreazza

Advogada, professora de Direito Notarial e Registral.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDREAZZA, Gabriela Lucena. Regime jurídico-constitucional dos notários e registradores . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3388, 10 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22777. Acesso em: 30 dez. 2024.

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