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Regime jurídico-constitucional dos notários e registradores

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10/10/2012 às 10:20
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Até hoje alguns pontos são nebulosos, como a questão dos interinos ou designados que assumiram os cartórios após a vigência da Constituição de 1988 e, em tese, não teriam direito adquirido tal qual aqueles nomeados sem concurso sob a égide da ordem constitucional pretérita.

"Se o juiz põe fim à lide pela decisão, cruel para um e propícia para outro, o tabelião, com traços de inocente pena, sem sorriso e sem lágrimas da parte, ou absorve o litígio, resolvendo-se antes de incidir na tela judiciária, ou apaga, pela quitação, seus funestos vestígios. Um bom tabelião exerce benéfico influxo no destino dos povos." (Oliveira Machado)

Resumo: A atividade notarial de registro remonta à origem da organização do homem em sociedade. Ao longo do tempo a instituição adaptou-se à evolução social, sempre conferindo autenticidade, publicidade, segurança jurídica e eficácia aos atos jurídicos. Verdadeiro fator de pacificação social, prevenindo lides judiciais e formalizando jurídicamente a vontade das partes, os Notários e Registradores são agentes públicos que recebem do Estado delegante a importante função de zelar pelos fatos da vida civil e atos e negócios jurídicos, no que fica evidenciada a sua relevância social. A Constituição de 1988 possui diversos dispositivos que se relacionam diretamente com a atividade, em especial o art. 236 que se consolida o verdadeiro estatuto jurídico-constitucional da atividade Notarial e de Registro. 

Palavras-chave: Regime Jurídico-Constitucional, Notários e Registradores, Tabeliães e Oficiais de Registro, Art. 236, Constituição de 1988.

Sumário: INTRODUÇÃO. 1.da relevância social dos serviços notariais e registrais. 2.os serviços notariais e de registro na história. 2.1 Tabelionato de Notas. 2.2 Tabelionato de Protestos. 2.3 Registro Civil das Pessoas Naturais. 2.4 Registro Civil de Pessoas Jurídicas. 2.5 Registro de Títulos e Documentos. 2.6 Registro de Imóveis. 3.Regime Jurídico-Constitucional dos Notários e Registradores na Constituição de 1988. 3.1 O Art. 236, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 3.2 O Art. 236, §1º, da Constituição Federal – Do Estatuto dos Notários e Registradores. 3.3 O Art. 236, §2º, da Constituição Federal – Das normas Gerais sobre Emolumentos. 3.4 O Art. 236, §3º, da Constituição Federal – Do ingresso na atividade por Concurso Público. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

O art. 236 da Constituição da República dedicou-se a trazer as diretrizes constitucionais para a estruturação de uma carreira jurídica que remonta aos primórdios da humanidade.

Em que pese sua antiguidade e relevância social, a comunidade jurídica e os cidadãos em geral ainda não assimilaram totalmente a matriz constitucional do sistema notarial e registral.

Analisar esta matriz constitucional dos Serviços Notariais e de Registro e a forma como as diretrizes da Carta Maior foram assimiladas pelo ordenamento jurídico será o eixo central deste trabalho.

Por se tratar de atividade extremamente relevante na engrenagem do sistema jurídico, permitindo a resolução extrajudicial de uma série de situações que acabam não assoberbando ainda mais o Judiciário, trata-se de tema que justifica o desenvolvimento deste trabalho monográfico.

Ao desenvolver este trabalho de pesquisa, objetiva-se analisar a relevância social da atividade notarial e de registro, o que será feito no primeiro capítulo.

Na sequencia, investigar-se-ão as inspirações históricas e o desenvolvimento legislativo de cada uma das especialidades.

Por fim, no capítulo terceiro, analisar-se-ão o caput e os incisos do art. 236 da Constituição, investigando a matriz constitucional dos serviços notariais e de registro.


1.da relevância social dos serviços notariais e registrais

A atividade Tabelioa e Registrária é aquela de organização técnica e administrativa destinada, nos termos do art. 1º da Lei 6.015/73 e da Lei 8.935/94  a dar publicidade, autenticidade, segurança e eficácia as atos jurídicos.

Cada serventia tem uma organização específica, pois o Oficial tem autonomia para gerenciar e administrar internamente a serventia visando a melhor prestação do serviço público, sempre obedecendo aos padrões ditados pela Lei e pela fiscalização do Poder Judiciário[1].

“Autenticidade é a qualidade do que é confirmado por autoridade”.[2]

A eficácia pode ser entendida como a aptidão para produzir efeitos jurídicos, calcada na autenticidade dos negócios e na segurança atribuída pelo assento[3].

A segurança, como liberação do risco, está relacionada ao aperfeiçoamento dos sistemas de controle em que, através de remissões recíprocas, se busca constituir uma rede firme e completa de informações seguras[4].

Segurança Jurídica: eis o escopo último dos serviços notariais e de registro.

Enquanto o Tabelião dirige sua atividade essencialmente à segurança dinâmica, o Registrador atua na segurança estática.[5]

“O notário, ao elaborar o instrumento do contrato, aconselha as partes, expondo-lhes como o Direito rege a relação que estão a constituir; dá forma jurídica ao negócio pretendido”[6].

Em rápidas linhas, o notário é um conselheiro imparcial dos envolvidos no ato. Trata-se de um perito em direito (atividade essencialmente jurídica), que produzirá um documento público representativo do acordo de vontades entabulado entre as partes. Não raro as partes comparecem no balcão dos Tabelionatos de Notas requerendo a lavratura de determinado ato através da forma pública. Com toda a diligência que lhe é recomendada, compete ao tabelião investigar a real intenção das partes, e muitas vezes orientá-los sobre a incongruência de sua vontade com o ato requerido, de forma a dirigir imparcialmente as partes à lavratura do ato que atinja os objetivos por eles pretendidos, de forma segura e eficaz. Ademais, o Tabelião prudente irá sempre certificar-se de que as partes e intervenientes tem compreensão das consequências do ato lavrado, verificando sua capacidade jurídica. Daí a dinamicidade da segurança apresentada pelo Tabelião.

Por sua vez, o Registrador exerce uma atividade mais distanciada da presença e vontade das partes. Confere publicidade, entre outros, àqueles acordos de vontade formalizados juridicamente pelo Notário, perpetualizando-os em seus livros de registro (atividade estática). Com isso, os contratos se tornam presumidamente conhecidos por todos, “significando que a ninguém será válido alegar seu desconhecimento. A alguns contratos o Registro dá eficácia, fazendo nascer um direito que pode, a partir deste momento, ser oposto a qualquer pessoa”.[7]

Efetivamente, os efeitos jurídicos produzidos pelo registro público são três, a saber:

a)  Constitutivos – sem o registro o direito não nasce;

b)  Comprobatórios – o registro prova a existência e a veracidade do ato ou fato ao qual se reporta;

c)  Publicitários – o ato ou fato registrado, com raras exceções, é acessível ao conhecimento de todos, interessados e não interessados.[8]

A atividade tabelioa e registraria é, quiçá, uma das áreas de atuação do operador do direito que mais se aproxima da população. Notem que a maioria das pessoas durante o interregno de suas vidas sequer passa pelos corredores do Poder Judiciário, não se envolve com a atividade das Casas Legislativas, e nem com a atuação do Executivo. No entanto, não se furta de usufruir dos serviços dos serviços notariais e de registro, ao menos não no que concerne ao Registro Civil das Pessoas Naturais.

De fato, os serviços notariais e de registro estão presentes dos momentos mais relevantes da vida das pessoas. Senão, vejamos:

Logo ao nascer, toda pessoa têm direito constitucionalmente garantido[9] de acesso gratuito ao Livro A do Registro Civil das Pessoas Naturais para consolidar com assento de seu nascimento o primeiro ato inerente ao exercício da cidadania.

Se este jovem, já relativamente capaz, for emancipado voluntariamente por seus pais, teremos a atuação de um Tabelião de notas ao lavrar uma escritura pública e o também do Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais que irá registrar a emancipação no Livro E do Cartório do 1º Ofício ou da 1ª subdivisão judiciária da comarca de residência do emancipado e anotá-la à margem do assento de nascimento no Livro A.

Se o nosso cidadão resolver se casar, requererá ao Oficial Registrador Civil de seu domicílio ou de seu cônjuge, que seja realizado o procedimento de habilitação para ao final ser celebrado seu casamento que terá assento no Livro B.

Considerando que o novo casal pretende adquirir um imóvel para estabelecer residência, será lavrada uma escritura pública de compra e venda em um tabelionato de notas, com ingresso no Livro 2 – Registro Geral do Oficial do Registro de Imóveis do local de situação do bem.

Supondo que um dos membros do nosso casal seja um dentista, que junto com mais um colega de profissão decide organizar um consultório odontológico que funcionará sob a forma de uma sociedade simples. O ato constitutivo desta sociedade terá assento no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, onde também serão averbados todos os atos posteriores que alterem de qualquer forma a sociedade.

Se desta atividade econômica sobrevier um crédito representado por um título executivo, havendo inadimplemento do devedor, a sociedade simples poderá fazer uso dos serviços céleres e eficazes de um Tabelião de Protestos para resolver extrajudicialmente a pendência.

Caso o casamento não subsista, não havendo filhos menores ou incapazes e sendo os cônjuges concordes em relação às cláusulas do divórcio, este poderá ser entabulado perante um Tabelião, com a presença de um advogado, e a escritura pública servirá como título hábil para apresentação ao Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais para averbação do divórcio.

Por fim, ao término de toda uma vida em que os serviços notariais e registrais se fizeram presentes em maior ou menor escala, a vida da pessoa natural cessará com a morte, sendo que o óbito também terá ingresso no livro C do Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais do local do óbito, com anotações remissivas nos assentos anteriores.

A partir desta situação hipotética[10] fica evidente que a presença dos serviços extrajudiciais na vida das pessoas é uma constante.

Ademais, os acervos dos serviços notariais e registrais permitem que se revisite a história de uma comunidade. Os livros e arquivos constituem uma fonte primária de informações sobre a vida nas cidades, permitindo que pesquisadores e historiadores tenham acesso a dados que permitem compreender a evolução da sociedade.

Não nos esqueçamos ainda, que os serviços notariais e de registro são importantes fornecedores de informações aos órgãos públicos, através de diversas comunicações regularmente enviadas, municiando o gestor público de subsídios para a tomada de decisão na formulação de políticas públicas.

Atuam os notários e registradores como profissionais do direito dotados de relevante poder de profilaxia nas relações sociais.

Uma das esferas de atuação de um Tabelião é aquela atinente ao protesto de títulos e outros documentos de dívida. Esta atividade eminentemente profilática de lides judiciais exerce importante papel social, na medida em que fornece um meio célere e eficaz de redução da inadimplência das obrigações.

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Há quem vincule ao protesto uma ideia negativa, tal qual uma nota de hostilidade por publicizar uma situação inconveniente de inadimplência. Entretanto, consoante Vicente de Abreu Amadei, o protesto é um remédio ao inadimplemento e também um ponto de saneamento dos conflitos de crédito cambial. Trata-se de “meio simples, célere e eficaz de satisfação de boa parte dos títulos não honrados em seu vencimento; exerce, enfim, função de cura e de profilaxia jurídica”.[11]

Neste norte, o Tabelião de protestos “integra a medula do sistema cambiário, com sua presença medicinal, entre a vida e morte dos títulos de crédito”[12].

Outra faceta da atuação dos profissionais do direito envolvidos com a atividade registraria diz respeito ao Registro de Imóveis.

Quando um contrato é registrado ele sai do direito das obrigações e passa para a esfera do direito das coisas. O vínculo deixa de ser exclusivamente pessoal entre os contratantes para ser um vínculo entre pessoa e coisa[13].

De fato, nos termos do art. 1.245 do Código Civil[14], a transferência dentre vivos da propriedade se dá mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

No mesmo norte, o art. 1.227 do Código Civil estabeleceu que a constituição ou transmissão dos direitos reais sobre imóveis dependem do registro do título aquisitivo no Cartório de Registro de Imóveis.

Assim, o Registro Imobiliário tem a importante função de “permitir a aquisição da propriedade, passando o adquirente e a ser, com segurança, o proprietário do imóvel adquirido por ato inter vivos, a partir do registro”.[15]

Note-se que esta transmissão estará condicionada ao registro apenas nos atos inter vivos, pois nos atos causa mortis a transmissão se dá no momento da abertura da sucessão nos termos do artigo 1.784 do Código Civil[16]. Neste último caso, o registro imobiliário não processará a transferência da propriedade, mas será indispensável o registro do formal de partilha ou carta de adjudicação para que se perfectibilize a cadeia sucessória e o herdeiro passe a ter disponibilidade sobre o bem.

Assim, tem-se que a aquisição da propriedade imóvel “pelo direito hereditário, pela acessão ou pelo usucapião independerá de registro, visto que este tão somente afirmará a disponibilidade do bem de raiz e será feito em obediência ao princípio da continuidade”.[17]

Em relação à importância do registro imobiliário, vejamos o que diz Maria Helena Diniz:

O registro público destinado ao assentamento de bens imóveis vem não só ganhando grande relevância na seara do direito civil e mercantil, na do direito público por sua estreita vinculação com a aquisição da propriedade imobiliária por ato inter vivos (CC, arts. 1.227, 1.245 a 1.247), pela confiança na sua exatidão, garantida pela fé pública, mas também merecendo, por parte dos juristas e dos magistrados, análises mais aprofundadas, pelos vários problemas que suscita e pela sua necessidade ou obrigatoriedade para resguardar a estabilidade do domínio, preservar a segurança jurídica e possibilitar a verificação estatal do direito de propriedade, controlando os atos praticados pelo titular no exercício de seus direitos, relativamente a outros titulares.[18]

Além do registro de imóveis, são serventias registrais o registro civil de pessoas naturais, o registro civil de pessoas jurídicas e o registro de títulos e documentos, cada uma com atribuições próprias previstas na Lei de Registros Públicos.

Note-se que são nas serventias de registros que os atos lá registrados passam a ser oponíveis erga omnes, de forma que ninguém deles pode negar conhecimento. Além do evidente efeito publicitário, que permite que qualquer pessoa, independente de explanação de motivos, solicite uma certidão dos atos registrados, os serviços registrais geram presunção relativa de veracidade do que de seus acervos consta.

Ainda assim, em que pese seu evidente relevo histórico e social como fator de estabilização social, a função notarial e de registro possui uma roupagem Constitucional que parece ter dificuldade de se consolidar no meio jurídico.


2. os serviços notariais e de registro na história

A atividade notarial e registral remonta a priscas eras. Desde que o homem se organizou em sociedade surgiu a necessidade de se documentar os atos e fatos da vida civil e disciplinar a situação de fato do poder que os homens exercem sobre as coisas.  

Na antiguidade as negociações entre as pessoas e os fatos da vida civil tornavam-se públicos, conhecidos e “registrados por meio de festas promovidas especificamente com este fim”[19]. Naturalmente, não se tratava de um mecanismo muito eficaz.

A perpetuidade do papel, aliada a habilidade natural de algumas pessoas letradas acabou por dar origem a uma atividade destinada a assegurar a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos da vida civil. Trata-se da atividade notarial e registral.

Ambos existem há séculos e são essenciais, por mais que pareçam ao leigo peças de burocracia destinadas a dificultar o exercício da cidadania. Documentam (no sentido de guardar a memória) fatos importantes na vida das pessoas, como o nascimento e o casamento, além da morte. O registro da propriedade é ao mesmo tempo a prova do direito de propriedade e sua garantia. Os serviços notariais dão segurança às partes nos contratos, que são instrumentalizados pelo Notário, que lhes empresta fé pública [...].[20]

A natureza eminente pública da atividade notarial e registral no Brasil está atualmente constitucionalizada no art. 236 como veremos adiante.

Todavia, é importante observar que esta característica não é inovação da Constituição de 1988. Trata-se de propriedade muito mais antiga, herdada das Ordenações do Reino.

O Direito Civil brasileiro bebe na fonte do direito português, cuja inspiração vem do direito romano, germânico e canônico, além dos usos e costumes da vida ibérica[21].

Pelo menos desde as Ordenações Filipinas de 1603 há formalmente preocupação de se dar publicidade aos atos jurídicos considerados importantes.

“É a partir da legislação imperial portuguesa que vamos encontrar a fonte direta do sistema notarial e registral brasileiros”.[22]

Desde o início do século XVII (1603) até 31 de dezembro de 1916 (véspera da entrada em vigor do Código Civil de 1916) não houve alteração significativa nas normas de direito civil e registral no Brasil. A legislação imperial resistiu a três mudanças políticas radicais – a de 1640, a de 1822 e a de 1889[23].

Na sequência, algumas considerações serão tecidas sobre cada tipo de serventia e seu desenvolvimento histórico.

2.1 Tabelionato de Notas

“Historicamente, o notariado caminha junto com o desenvolvimento da civilização, estando presente desde os tempos mais remotos da sociedade. Os notários relatavam a evolução da humanidade e do direito por meio dos atos por eles documentados”.[24]

A doutrina relata que desde as civilizações dos egípcios, hebreus, gregos e romanos havia pessoas incumbidas de exercer funções muito próximas das que hoje são exercidas pelos Tabeliães de Notas.

Para o povo egípcio existiu os scribae, conhecidos como escribas, que atendiam e anotavam todas as atividades privadas, bem como redigiam todos os atos jurídicos para o monarca. Era uma atividade sem denotação de fé pública, necessitando de homologação de autoridade superior. Assim como os egípcios, os hebreus também tiveram o escriba. [...] Essas pessoas desfrutavam de uma preparação cultural especial, além de grande prestígio. Na Grécia existiam oficiais públicos, denominados mnemons, que lavravam contratos e atos dos particulares. Eram muito importantes, de forma que Aristóteles afirmava que os mnemons existiam e eram necessários em todas as cidades bem organizadas. No início de Roma imperava a boa-fé e a lei natural, onde a palavra dos cidadãos faziam fé em juízo. Com o crescimento das cidades houve necessidade de se regulamentar as relações, surgindo os notarii, tabelliones, argentarii e os tabularii.[25]

Em solo Brasileiro, pode-se dizer que o primeiro ato notarial de que se tem notícia consistiu na ata lavrada por Pero Vaz de Caminha, através da qual se relatou a descoberta e posse da terra.

No Brasil Imperial a publicidade dos atos se dava através do registro pelos Tabeliães de Notas. Com a Proclamação da República, a partir da criação dos cursos de Direito, o Brasil começou a se organizar juridicamente[26].

De lá para cá pouca coisa mudou no conteúdo da atividade notarial, que continua compreendendo a prática de muitos atos já previstos nas Ordenações. Assim, os tabeliães continuam escrevendo 'em um livro, que cada um para isso terá, todas as Notas dos contratos, que fizerem (Ordenações, Primeiro Livro, Título LXXVIII, 4), assim como testamentos (idem, 7), e os instrumentos de sua aprovação (idem 15). Continuam com o dever de fiscalizar o pagamento do imposto de transmissão, quando devido (idem, 14), e de arquivar 'muito bem' os livros de notas (idem, 2)'.[27]

2.2 Tabelionato de Protestos

Interessante é destacar a origem dos atuais Tabelionatos de Protesto de títulos e outros documentos de dívida. De fato, sua evolução histórica se confunde com o desenvolvimento da letra de câmbio, que é o título cambial por excelência.

Em função do desenvolvimento das relações comerciais e a evolução ao longo dos séculos da tratativa em torno dos títulos de crédito, é possível retrospectivamente estabelecer o século XIV como marco da atividade do Tabelião de Protestos. Isto porque neste período a Itália se destacava como importante entreposto comercial no Mediterrâneo e há notícia de protestos lavrados em Gênova nos anos de 1335 e 1395.

Assim como as demais instituições cambiais, a origem do protesto está na prática medieval italiana. No embrião da revolução comercial, a transformação das instituições econômicas, migrando da rigidez imobiliária para a fluidez mobiliária era imprescindível. No entanto, também era necessário segurança jurídica e proteção do adquirente de boa-fé como fatores de estabilização.[28]

Originalmente o protesto estava relacionado apenas à falta de aceite na letra de câmbio, mas logo evoluiu para evidenciar a falta de pagamento no vencimento, tal qual nos dias atuais[29].

Atualmente o Tabelião de Protestos brasileiro submete-se à Lei 9.492 de 10 de setembro de 1997, que define a competência, regulamento os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida e dá outras providências.

2.3 Registro Civil das Pessoas Naturais

No que concerne às atribuições do registro civil das pessoas naturais, eram da igreja católica durante o período colonial e imperial. O batismo funcionava como registro e controle de nascimento; o casamento só poderia ser realizado na igreja católica; os óbitos tinham assento nos livros paroquiais.

Assim aduz a Professora Ana Claudia Marques Benetti:

Durante o período colonial e no inicio de período imperial, o registro civil das pessoas naturais era atribuição da igreja católica, que regulava as condições e normas para o casamento. Os nascimentos eram marcados pelo assentamento do batismo. Nos livros de registro paroquial estão os batismos, casamentos e óbitos ocorridos no território brasileiro em tal período [...].[30]

Consoante Reinaldo Velloso dos Santos, os livros de registro paroquial do período colonial e início do Império atualmente estão nos arquivos das Cúrias Metropolitanas e, “de acordo com a Lei 8.159/1991, os registros civis de arquivos de entidades religiosas produzidos anteriormente à vigência do Código Civil ficam identificados como de interesse público e social.”[31]

Todavia, com o passar dos anos o registro paroquial tornou-se obsoleto, especialmente se considerarmos o crescimento do número de escravos libertos e o início da imigração[32]. Com isso muitos brasileiros não eram católicos e consequentemente ficavam sem os respectivos registros inerentes as pessoas naturais.

Nesta senda, houve a necessidade de regularizar o sistema de registro de forma com que todos pudessem ter acesso, através do sistema secularizado e de incumbência estatal.

De início, somente os registros de nascimentos, casamentos e óbitos dos não católicos eram feitos em livros próprios dos Escrivães dos Juízos de Paz (Lei 1.144, de 11 de setembro de 1861, e Regulamento 3.069, de 17 de abril de 1863).[33]

De fato, “a secularização do registro civil é apontada como um marco na transição para o Estado laico brasileiro”.[34]

Neste ínterim, houve a necessidade de regular a situação de registro civil no Brasil, de maneira formal, o que aconteceu através do Decreto nº 5.604, editado em 1874 para regulamentar a Lei 1.874 de 1870. Segundo esta normatização, foram encarregados dos assentos de nascimentos casamentos e óbitos, em cada Freguesia do Império, o Escrivão do respectivo Juizado de Paz, sob a imediata direção e inspeção do Juiz de Paz. A partir de 1874, os registros passaram a contar com um enorme contingente de pessoas, sendo possível encontrar registros de imigrantes, indigentes e escravos libertos.[35]

Em 1889 entrou em vigor o Decreto nº 9.886 de 1888. Especialmente a partir da República houve uma maior assimilação da sociedade sobre a obrigatoriedade do Registro Civil.[36]

Na sequência tivemos o Código Civil de 1916, a Lei de Registros Públicos de 1973 e finalmente o Código Civil de 2002.

2.4 Registro Civil de Pessoas Jurídicas

As ordenações Filipinas de 1603 não conferiam personalidade jurídica às sociedades, que eram vistas como um mero vínculo contratual entre os sócios. Sem a ficção da separação patrimonial atribuída pela personalidade jurídica, os sócios eram os únicos titulares de direitos e obrigações.

Após 15.11.1889, proclamada a República, veio o Dec. 119-A de 07.01.1890, extinguindo o padroado, declarando a plena liberdade de culto, extensiva às igrejas, associações e institutos em que agremiados podendo constituírem-se e viver coletivamente, sem intervenção do poder público, e, acima de tudo, reconhecendo-lhes personalidade jurídica, cabendo o arquivamento de seus atos ao Registro Geral.[37]

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 recepcionou o Decreto 119-A. Logo após, em 1893 sobreveio a Lei 173 que atribui ao Registro de Hipotecas o arquivamento das associações que se fundarem para fins religiosos, morais, científicos, políticos ou de simples recreio.[38]

Note-se que por muito tempo o Brasil não contou com um registro específico para o assentamento das Pessoas Jurídicas não empresariais. Neste interregno, a atividade constituía um “encargo confiado, sem sistema, a diversos funcionários, ainda que em maior parte ao Oficial do Registro de Títulos e Documentos”[39].

No último dia do ano de 1973 foi publicada a Lei de Registros Públicos atualmente em vigor – Lei 6.015/1973, a qual reestruturou o sistema de registros públicos no Brasil e foi recepcionada pela Constituição da República de 1988.

O Registro Civil das Pessoas Jurídicas passou a ser o local apropriado para registro das então “sociedades civis”, atribuindo-lhes personalidade jurídica própria.

Por fim, o Código Civil de 2002 trouxe profundas alterações no direito associativo. As antigas sociedades civis passaram a ser divididas em associações e sociedades simples, mantidas as fundações[40].

2.5 Registro de Títulos e Documentos

Antigamente, não havia um repositório público para registro dos títulos e documentos a que se pretendesse dar publicidade e conservação.

Em 1892 a Lei Federal nº 79 estabeleceu que as regras para eficácia interna e externa dos escritos particulares. Conquanto feito de próprio punho, devidamente assinado pelas partes, com duas testemunhas, valeria como prova do acordo entre as partes. Todavia a validade contra terceiros só ocorreria “a partir da data do reconhecimento de firma, do registro nas notas do Tabelião, da apresentação em juízo ou em repartições públicas ou do falecimento de uma das partes”.[41]

A grande fragilidade deste sistema da Lei Federal 79 de 1892 era a possibilidade de se antedatar documentos. Para solucionar este problema foi elaborada a Lei 973 de 1.903 que criou o primeiro Oficio de Títulos e Documentos do país. Tratava-se de um único e indivisível cartório, situado na Capital Federal que na época era o Rio de Janeiro. Com o registro dos títulos, documentos e outros papéis, o RTD passou a “assegurar não só a autenticidade, conservação e perpetuidade, mas também a data dos documentos particulares em relação a terceiros”.[42]

O Código Civil de 1916 consolidou o Registro de Títulos e Documentos como forma de fixar a data de documentos particulares e atribuir-lhes eficácia erga omnes. Tal característica foi mantida pelo Código Civil de 2002, consoante se depreende da dicção do art. 221:

Art. 221. O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na livre disposição e administração de seus bens, prova as obrigações convencionais de qualquer valor; mas os seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros, antes de registrado no registro público.[43]

Atualmente, o serviço registral de títulos e documentos possui atribuições específicas para transcrição dos documentos arrolados no art. 127 da Lei 6.015/1973. O parágrafo único do referido artigo dispõe sobre a competência supletiva do serviço de registro de títulos e documentos[44]. Existe ainda, um rol de registros que são imprescindíveis para surtir efeitos em relação a terceiros, consoante o art. 129 da Lei de Registros Públicos.

2.6 Registro de Imóveis

Na antiguidade não existia a ideia de propriedade individual de imóveis. O homem, como ser gregário que é, vivia em grupos, ocupando conjuntamente casas e terras. Individualizavam-se apenas os bens de consumo, como roupas e armas.

Somente quando a terra passou a ser explorada para fins comerciais aquele que a tornava produtiva ficou sendo não só seu dono, como também de seus frutos e produtos, mas essa ocupação não recebia proteção jurídica, por não haver ainda uma sociedade politicamente organizada.[45]

O direito de propriedade começou a ser assegurado em sua plenitude no Brasil pela Constituição Imperial de 1824. Na época, era tido como um direito absoluto, bastante distante do direito de propriedade vinculado à função social tal qual no texto constitucional de 1696 e na Constituição vigente[46].

Desde a Constituição Imperial de 1864 o Brasil adota um sistema de registro imobiliário eclético, resultante da fusão entre o sistema alemão e o francês: trata-se de um procedimento complexo, em que não basta o título, mas é imprescindível seu registro.

Neste ínterim, o registro possui o duplo efeito de constituir o direito real (efeito constitutivo) e anunciá-lo a terceiros (efeito publicitário). Antes do registro existe apenas direito pessoal entre os contratantes e a partir do lançamento registral nasce o direito real. “A causa é a escritura, e o efeito é o registro. Pelo sistema brasileiro, anulada a escritura que é a causa, por consequência, anula-se o registro”.[47]

O sistema matricial, fundado na matrícula como base legal do imóvel, foi criado pela Lei 6.015/1973 e é a forma atualmente utilizada no Brasil, em detrimento do antigo sistema de transcrições.

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Sobre a autora
Gabriela Lucena Andreazza

Advogada, professora de Direito Notarial e Registral.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDREAZZA, Gabriela Lucena. Regime jurídico-constitucional dos notários e registradores . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3388, 10 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22777. Acesso em: 24 nov. 2024.

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