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O poder tributante e o primado do direito

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A humanidade, ao longo de sua evolução histórica, tem registrado uma constante, ferrenha e incansável luta na sempre árdua tentativa de submeter o poder dos governantes ao primado do direito.

A imposição tributária e o poder absoluto dos governos já trilharam, no passado, caminhos inseparáveis. Porém, desde o ano de 1215, no reinado de João-Sem-Terra, na velha Inglaterra, germinou o embrião que tornaria completamente inaceitável a tributação desmesurada e sem as rédeas da lei.

Naquela época, o Rei, que tinha o poder de vida e morte sobre os seus súditos, detinha, também, o poder absoluto de tributar. Desde aquele tempo, no entanto, nada sufocava mais o súdito comum do que os efeitos danosos da tributação abusiva que, no dia-a-dia, incomodavam e comprometiam, não raras vezes, a sua própria subsistência.

Tanto foi que, dentre as principais disposições limitadoras do poder real, contidas na legendária Carta Magna de 1215 D.C., foram incluídas as primeiras restrições ao poder de tributar.

Essa verdadeira conquista da civilização, sintetizada mais tarde na expressão "no tributation without representation", traduziu-se, inequivocamente, em dos pilares fundamentais da formação do Estado Moderno, que juntamente com a divisão tripartite dos poderes, de "Montesquieu", sob a égide da lei, legou aos governados (representados) o direito de retirar das mãos do poder que gasta, a capacidade ilimitada de arrecadar.

Entretanto, tanto lá como cá, seja no passado ou no presente, sabe-se que, raramente, o poder governamental procura adequar a sua despesa ao que arrecada,

coibindo primeira e tenazmente o desperdício, a incompetência na administração dos recursos e até mesmo a sua malversação. Freqüentemente, pois, tende a buscar, somente, na majoração dos gravames tributários, a única alternativa para o seu incontrolado dispêndio.

Dentro dessa ótica, que afeta a maioria dos governantes, desde tempos remotos, residem as principais distorções na distribuição da sempre crescente e sufocante carga tributária.

Os governantes, ao invés de procurar ajustar seus orçamentos e otimizar os mecanismos de arrecadação, de forma que se inibam, efetivamente, as práticas de sonegação - muitas de todos conhecidas - preferem inflar o "bolo" tributário com a adoção de medidas que, não raras vezes, agridem a própria natureza constitucional da figura tributária ou mediante a instituição de novos tributos e contribuições que se superpõem em sua base de incidência.

Assim, ainda hoje, pode-se constatar que nada oprime e angustia mais o cidadão comum, do que os efeitos sempre nefastos de uma excessiva carga tributária que, invariavelmente, distorcida em sua distribuição, desrespeita a capacidade contributiva e transmuta-se num verdadeiro confisco, abatendo-se, injusta e pesadamente, mais sobre uns do que sobre outros.

Essa gritante distorção na distribuição da carga tributária somente favorece aos sonegadores profissionais que se beneficiam da fragilidade dos mecanismos de arrecadação e fiscalização, bem como da locupletação de maus servidores públicos.

Enquanto isso, a cada novo tributo ou contribuição que surge, reiteram-se os mesmos já desbotados argumentos de que

há inadiável e imprescindível necessidade de se fazer frente às despesas que se avolumam e para as quais as receitas auferidas jamais são suficientes.

Paralelamente aos motivos de ordem econômica, com ares quase apocalípticos, tenta-se sempre relegar a segundo plano os princípios e fundamentos da Lei Maior. Porém, na medida em que o clamor dos representados torna-se caudaloso e encontra abrigo entre os detentores mais esclarecidos do Poder Fiscalizador das Leis, procura-se passar à opinião pública a idéia corrompida de que é indispensável mais uma reforma na Constituição. Surgem então inúmeras propostas de ajustes, que não tem outro objetivo, senão o de abarcar fatias cada vez maiores de incidências tributárias, tornando mais injusta a distribuição da carga decorrente.

Essa distribuição mais justa da carga tributária, deve sempre levar em conta, primeiramente, a real capacidade contributiva dos governados e não, simplesmente, a capacidade de arrecadação da máquina estatal que como braço do poder que gasta, no cumprimento de sua função, termina por relegar o contribuinte à mera condição de dado estatístico nos mapas de arrecadação.

Finalmente, retornando-se à conquista que se originou naquele longínquo ano de 1.215 D.C., em nome da independência e da harmonia entre os Poderes, deve-se resgatar o inarredável compromisso com a cousa pública e o chamado bem comum, retirando-se, efetivamente, das mãos de quem gasta, o ilimitado poder de arrecadar.

Dessa forma deve-se legar à Nação um Sistema Tributário compatível com a sua realidade econômico-social, ampliando o universo de contribuintes, numa distribuição mais justa da tributação, porém, efetivamente, incluindo nesse universo os que, hoje, privilegiadamente, pagam bem abaixo de sua real capacidade contributiva.

Nessa melhor distribuição, minorar-se-á a excessiva concentração que hoje sufoca aos que já ultrapassam em muito os limites de tal capacidade.

Somado a isso, resta somente, priorizar a competência, a seriedade e a eficiência na administração dos recursos, repelindo-se o desperdício e a malversação.

Aí sim, com certeza, voltar-se-á a trilhar o caminho da verdadeira modernidade, que, em última análise, somente torna-se válida se resgatar ao hoje cidadão a sua inalienável condição de centro e razão de ser de tudo.

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Sobre o autor
Aurelino Sousa dos Santos Júnior

advogado em Belém (PA), pós-graduado em Direito Tributário pela FGV

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS JÚNIOR, Aurelino Sousa. O poder tributante e o primado do direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2279. Acesso em: 18 abr. 2024.

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