V – OUTROS PONTOS RELATIVOS ÀS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE
V.1 – APPS PREVISTAS EM OUTROS INSTRUMENTOS NORMATIVOS
Questão interessante a se registrar é que continua em vigor, naquilo que não for contrária à nova legislação, a legislação anterior, especialmente sobre as áreas de preservação permanente, seja estabelecida em outras leis (Federais, Estaduais ou Municipais) ou outros instrumentos normativos.
Portanto, é plenamente possível que continue sendo exigida a proteção das áreas de preservação permanentes criadas ou previstas em outros atos normativos, especialmente, nas resoluções do CONAMA.
Ocorre que o CONAMA foi criado justamente para implementar a Política Nacional do Meio Ambiente e vem sendo reconhecido, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, sua competência para criar ou regulamentar estas áreas de Preservação Permanente.
Esta competência decorre, inicialmente, do próprio artigo 225, da Constituição Federal quando dispõe no parágrafo primeiro, III, que compete ao Poder Público definir em todo o território nacional espaços especialmente protegidos.
Ademais, a competência normativa do CONAMA está estabelecida no art. 8º, VII, da Lei n. 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), e já foi reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme depreende-se do seguinte acórdão:
“PROCESSUAL CIVIL E DIREITO AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. OBRA EMBARGADA PELO IBAMA, COM FUNDAMENTO NA RESOLUÇÃO DO CONAMA N. 303/2002. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. EXCESSO REGULAMENTAR. NÃO-OCORRÊNCIA. ART. 2º, ALÍNEA 'F', DO CÓDIGO FLORESTAL NÃO-VIOLADO. LOCAL DA ÁREA EMBARGADA. PRETENSÃO DE ANÁLISE DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DO STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO-CONHECIDO.
1. O fundamento jurídico da impetração repousa na ilegalidade da Resolução do Conama n. 303/2002, a qual não teria legitimidade jurídica para prever restrição ao direito de propriedade, como aquele que delimita como área de preservação permanente a faixa de 300 metros medidos a partir da linha de preamar máxima.
2. Pelo exame da legislação que regula a matéria (Leis 6.938/81 e 4.771/65), verifica-se que possui o Conama autorização legal para editar resoluções que visem à proteção do meio ambiente e dos recurso naturais, inclusive mediante a fixação de parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente, não havendo o que se falar em excesso regulamentar.
3. Assim, dentro do contexto fático delineado no acórdão recorrido, e, ainda, com fundamento no que dispõe a Lei n. 6.938/81 e o artigo 2º, "f", da Lei n. 4.771/65, devidamente regulamentada pela Resolução Conama n. 303/2002, é inafastável a conclusão a que chegou o Tribunal de origem, no sentido de que os limites traçados pela norma regulamentadora para a construção em áreas de preservação ambiental devem ser obedecidos.
4. É incontroverso nos autos que as construções sub judice foram implementadas em área de restinga, bem como que a distância das edificações está em desacordo com a regulamentação da Resolução Conama n. 303/2002. Para se aferir se o embargo à área em comento se deu apenas em razão de sua vegetação restinga ou se, além disso, visou à proteção da fixação de dunas e mangues, revela-se indispensável a reapreciação do conjunto probatório existente no processo, o que é vedado em sede de recurso especial em virtude do preceituado na Súmula n. 7, desta Corte.
5. Recurso especial não-conhecido.”
(STJ - REsp 994881 / SC RECURSO ESPECIAL 2007/0236340-0 – relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142) – Primeira Turma, Publicado em 09/09/2009)
Assim sendo, continuam em vigor as áreas de preservação permanentes estabelecidas, por exemplo, na Resolução n. 303/2002 do CONAMA, dentre elas, a proteção às nascentes ou olhos d´água não perenes (art. 3º, III), já que não há proibição desta proteção pelo art. 4º, IV, do Novo Código Florestal.
Também prevalecem as APPs em locais de refúgio ou reprodução de aves migratórias e exemplares de fauna ameaçadas de extinção (art. 3º, XIII e XIV), uma vez que não contrariam o que está previsto na nova lei.
V.2 – A QUESTÃO DAS APPS DE NASCENTES E OLHOS D´ÁGUA INTERMITENTES
Ainda que não houvesse previsão na Resolução CONAMA 303/2002 para a proteção das nascentes e olhos d´água intermitentes – e há, sendo suficiente aquela resolução para a proteção destas áreas – estariam protegidas as nascentes de cursos d´água intermitentes, pelo menos, em 30 metros (e não 50 metros, como a previsão para nascentes de cursos d´água perenes).
Esta constatação decorre da interpretação dos artigos 3º e 4º, da Nova Lei, com o seguinte teor:
“Art. 3º
XVII - nascente: afloramento natural do lençol freático que apresenta perenidade e dá início a um curso d’água;
XVIII - olho d’água: afloramento natural do lençol freático, mesmo que intermitente;”
“Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
...
IV – as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;”
Ocorre que, segundo a própria definição do código, uma nascente é o afloramento natural do lenço freático que dá início a um curso d´água e tenha perenidade. Já o olho d´água é o mesmo afloramento, mas pode ser intermitente.
Sendo a nascente e o olho d´água perene, estará protegido em 50 metros conforme o artigo 4º, IV. Contudo, tratando-se de nascente ou olho d´água intermitente, é de se averiguar que, dando ela início a um curso d´água, ainda que intermitente, é evidente que faz a mesma parte deste curso d´água e, portanto, deverá ter uma área de preservação permanente de, no mínimo, 30 metros, com fundamento no artigo 4º, I, “a” da mesma legislação.
Ora, não faria sentido que um curso d´água intermitente fosse protegido em suas margens – e é de se registrar que o inciso I não faz diferenciação entre ser intermitente ou perene (apenas exclui os efêmeros – que, no conceito trazido pelo Decreto é o “corpo de água lótico que possui escoamento superficial apenas durante ou imediatamente após períodos de precipitação”), motivo pelo qual ambos estão protegidos – e seu começo não tivesse proteção alguma, somente por ser a sua nascente, já que a nascente faz parte do curso d´água e portanto deve ter a APP para ele estabelecida.
VI – DA NECESSIDADE DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL E COMPENSAÇÃO PARA OS CASOS DE SUPRESSÃO DE APP
A nova legislação ao tratar sobre os casos de intervenção ou supressão nas áreas de preservação permanente foi menos específica do que a anterior. Observe-se o artigo 8º e seu parágrafo terceiro:
“Art. 8º A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei.
...
§ 3º É dispensada a autorização do órgão ambiental competente para a execução, em caráter de urgência, de atividades de segurança nacional e obras de interesse da defesa civil destinadas à prevenção e mitigação de acidentes em áreas urbanas.”
Ocorre que o art. 4º do Código Florestal de 1965 era mais claro ao prever que tais supressões deveriam ser caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistisse alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.
Uma leitura apressada do dispositivo do novo código, poderia levar à conclusão de que não é mais necessário o licenciamento para tal atividade, ou que não se exigirá mais a alternativa técnica e locacional, bem como a devida compensação ambiental.
Primeiramente, o licenciamento ambiental é imperioso e decorre da própria leitura a contrario sensu do parágrafo terceiro, que dispensa a autorização do órgão ambiental somente nos casos ali previstos. Ou seja, nos demais casos a autorização é obrigatória.
Isto decorre, também, do fato da legislação ambiental necessitar ser interpretada de forma sistemática, sendo que o licenciamento nestes casos é obrigatório por força do artigo 10 da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente:
“Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento por órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.”
Por outro lado, é evidente que dentro do processo de licenciamento ambiental ainda continua necessário demonstrar que não há alternativa técnica e locacional para tal supressão, uma vez que, se houver outra possibilidade, em nome do princípio do desenvolvimento sustentável e da indisponibilidade do meio ambiente, dentre outros, é evidente que não poderá ser autorizada tal intervenção.
Também há que ser apontada a recepção pela nova legislação da Resolução CONAMA n. 369 que regulamenta os procedimentos para autorizações de supressões em APP, já que tal instrumento infralegal em nada confronta com o Novo Código.
Por fim, é imperiosa a exigência das medidas mitigatórias e compensatórias em decorrência desta supressão por parte dos órgãos ambientais, com fundamento no princípio do usuário-pagador.
Ocorre que nestes casos está sendo feito o sacrifício do bem ambiental, sendo que tal custo deve ser internalizado na atividade, conforme ensina Jacson Corrêa (CORRÊA, Jacson. Proteção Ambiental e Atividade Mineraria. Curitiba, Juruá, 2002., p. 44):
“Embora ainda não tenha sido tratado em nosso ordenamento jurídico com a amplitude e definição desejados, não há dúvida de que o princípio do poluidor-pagador, ou usuário-pagador, como prefere a melhor doutrina, tem a vantagem de indicar com maior exatidão e de forma definitiva que toda atividade econômica é, em sua origem, poluidora, e que os agentes responsáveis por ela devem arcar com os custos sociais que são dirigidos, com especial relevo, à prevenção do dano ambiental, retirando, com isso, da sociedade, a tarefa de subvencionar os poluidores, como soeu ocorrer durante largo tempo por conta de políticas públicas viciadas e equivocadas.”
O viés jurídico-econômico do princípio está estampado em seu conceito trazido pelo princípio 16 da Declaração Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento:
“Tendo em vista que o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo decorrente da poluição, as autoridades nacionais devem promover a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando na devida conta o interesse público, sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais.”
Assim, conforme ensina Herman Benjanim (BENJAMIM, Antônio Herman de V. O princípio poluidor-pagador e a reparação do dano ambiental. In Dano Ambiental, prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 229), “o objetivo maior do princípio poluidor-pagador é fazer com que os custos das medidas de proteção do meio ambiente – as externalidades ambientais – repercutam nos custos finais dos produtos e serviços cuja produção esteja na origem da atividade poluidora.”
Do que foi exposto conclui-se que, independentemente de haver uma previsão expressa sobre a necessidade das medidas mitigadoras ou compensatórias, as mesmas deverão ser exigidas pelo órgão ambiental com fundamento no princípio do usuário-pagador.
VII – DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E DE USO RESTRITO NÃO ELENCADAS EXPRESSAMENTE – AS EXPRESSÕES “VEDADA SUPRESSÃO/CONVERSÃO DE NOVAS ÁREAS” – IMPOSSIBILIDADE DE OCUPAÇÃO APÓS 22 DE JULHO DE 2008
O Novo Código em alguns pontos, aparentemente, não previu proteção para certas áreas, mas, da leitura mais atenta e interpretação sistemática, percebe-se que, em verdade, o que houve foi uma previsão de manutenção de atividades consolidadas em tais áreas protegidas.
A primeira observação neste sentido é no que diz respeito aos lagos naturais com área inferior a um hectare que, em uma primeira leitura, poder-se-ia entender que não estão mais protegidos por áreas de preservação permanente. Para tanto, veja-se o artigo 4º, II, § 4º:
“Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
II - as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de:
a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d’água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros;
b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas;
§ 4o Nas acumulações naturais ou artificiais de água com superfície inferior a 1 (um) hectare, fica dispensada a reserva da faixa de proteção prevista nos incisos II e III do caput, vedada nova supressão de áreas de vegetação nativa, salvo autorização do órgão ambiental competente do Sistema Nacional do Meio Ambiente - Sisnama.”
Do disposto acima se pode concluir que, tratando-se de lagos com área inferior a 20 hectares e superior a 01 hectare, deverão manter APP de cinquenta metros.
Naqueles lagos naturais com área inferior a 01 hectare, em uma leitura a contrario sensu também deverão ser mantidas tais áreas de APP de 50 metros, desde que existentes até 22 de julho de 2008.
Esta é a interpretação mais acertada do dispositivo, já que, a partir do momento em que afirma ser “vedada nova supressão de áreas de vegetação nativa”, está afirmando que, somente está dispensado de APP o lago em que esta supressão seja antiga.
A questão aqui é saber: o que é uma supressão “antiga”. A interpretação sistemática leva à análise temporal da lei, quando trata de ocupação consolidada, sendo aquela que foi feita até 22 de julho de 2008 (art. 3º, IV).
Não fosse esta interpretação, pelo menos, seria de se entender que o marco temporal é o da entrada em vigor da nova lei. Contudo, ressalta-se que o entendimento mais acertado é o de se conjugar o marco temporal maior criado pela lei: 22 de julho de 2008.
A única diferenciação é que nestes casos (lagos com área inferior a 01 hectare) a recuperação não será aquela prevista no artigo 61-A, § 6º, escalonada por módulo rural, mas sim deverá simplesmente recuperar a vegetação existente em 22 de julho de 2008, e, caso não houvesse nenhuma (ou sendo inferior aos limites daquele artigo), não será necessária a recuperação.
Note-se que a expressão “salvo autorização do órgão competente integrante do SISNAMA” deve ser conjugada com o dispositivo previsto para as supressões de APP em casos excepcionais, previstas no art. 8 º, acima citado.
O mesmo raciocínio e argumentação deve ser utilizado para os casos de várzeas, com fundamento no artigo 4º, § 5º:
“§ 5º É admitido, para a pequena propriedade ou posse rural familiar, de que trata o inciso V do art. 3º desta Lei, o plantio de culturas temporárias e sazonais de vazante de ciclo curto na faixa de terra que fica exposta no período de vazante dos rios ou lagos, desde que não implique supressão de novas áreas de vegetação nativa, seja conservada a qualidade da água e do solo e seja protegida a fauna silvestre.”
Deste dispositivo conclui-se: a) que a várzea somente pode ser ocupada por pequeno proprietário ou possuidor familiar (ou seja, excluem-se todos os demais); b) os plantios somente podem ser temporários e sazonais; c) não implique supressão de novas áreas de vegetação nativa; d) seja conservada a qualidade da água e do solo e seja protegida a vida silvestre.
Pois bem, inexistente um dos critérios acima, não pode ser ocupada a área de várzea, e, isto implica dizer que, se a área não estivesse ocupada até 22 de julho de 2008 (critério temporal da lei para áreas “antigas”), não poderá ser ocupada, ainda que presentes os outros três critérios.
Portanto, ao contrário do que muitos estão apregoando, as áreas de várzeas continuam com sua proteção garantida por lei, admitindo-se, somente a título de exceção, a ocupação acima descrita.
Os mesmos argumentos aplicam-se também às áreas previstas no artigo 4º, § 6º, desta Lei, já que no inciso V há expressa determinação que “não implique novas supressões de vegetação nativa.”
Por fim, merece análise a área de uso restrito criada pelo artigo 11:
“Art. 11. Em áreas de inclinação entre 25° e 45°, serão permitidos o manejo florestal sustentável e o exercício de atividades agrossilvipastoris, bem como a manutenção da infraestrutura física associada ao desenvolvimento das atividades, observadas boas práticas agronômicas, sendo vedada a conversão de novas áreas, excetuadas as hipóteses de utilidade pública e interesse social.”
De tudo o que se sustentou acima, fácil concluir que ao estabelecer neste artigo “vedada a conversão de novas áreas”, em verdade, o legislador pretendeu proteger todas as áreas com inclinação entre 25º e 45º não ocupadas após 22 de julho de 2008, que deverão ser mantidas sem qualquer ocupação, já que as atividades de manejo florestal sustentável, exercício de atividades agrossilvipastoris e a infraestrutura física associada somente poderão ser executadas se forem antigas ou seja, anteriores a 22 de julho de 2008.
Assim, caso a ocupação seja posterior a esta data, deverá ser feita a recuperação de tais áreas.
Ora, não fosse este o entendimento, estar-se-ia admitindo a “conversão de novas áreas”, e esvaziando o conteúdo jurídico desta área de uso restrito, que, segundo o próprio código, deve ser preservada e declarada aos órgãos ambientais, conforme se depreende de vários artigos da nova lei onde há citação deste termo (art.26, I, 29, III, 41, II, “c”, “d”, “f”, § 1º, II e II e § 4º e 59, § 4º).