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Breves anotações pontuais sobre a Lei nº 12.651/2012 (Novo Código Florestal)

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28/10/2012 às 14:48
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XIII – DO REGULAMENTO TRANSITÓRIO DA NOVA LEI

XIII.1 – QUESTÕES GERAIS

Tema que afetará diretamente a questão da aplicação e interpretação da nova lei em comento é a regulamentação transitória estabelecida no capítulo XIII que compreende os artigos 59 a 68.

Ao analisar-se todo este capítulo das disposições transitórias percebe-se que o mesmo tem a finalidade de ser um marco entre os fatos ocorridos antes desta lei e os que ocorrerem após. Mas não é só, percebe-se de forma clara que este marco temporal escolhido não é o da publicação da lei, mas sim o estabelecido no conceito de área rural consolidada previsto no artigo 3º, IV, com o seguinte teor:

“Art. 3º  Para os efeitos desta Lei, entende-se por:

...

IV - área rural consolidada: área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio;”

Tal afirmação tem por sustentação a interpretação sistemática de todo este capítulo, em que nos vários artigos e parágrafos citados faz-se a menção às áreas consolidadas até 22 de julho de 2008, conforme se percebe do art. 59, § 4º, art. 61-A, 61-B, 63 e 66.

Portanto, em todo este capítulo o marco temporal é o mesmo: 22 de julho de 2008, em consonância com o conceito de área consolidada trazida no artigo 3º, IV, acima citado.

De outro norte, esta situação também é evidente se houver uma interpretação histórica, dos motivos, alegações e discussões sobre o Novo Código, em que toda vez que se alegava a situação do retrocesso ambiental criado, os setores defensores (agronegócio, usineiros, etc...) sempre defenderam que tal código não daria azo para novos desmatamentos, anistia ou impunidade e sim serviria para regularizar a situação das áreas consolidadas há muito tempo, e que supostamente estariam sendo prejudicadas pela suposta legislação anacrônica anterior “que jogava milhares de agricultores na ilegalidade”.

Pois bem, esta é a única conclusão possível: para que não haja uma anistia ainda maior do que a que foi feita, dando azo a novos desmatamentos, impunidade e tudo que se sabe decorrente deste Novo Código Florestal, a exclusiva interpretação possível é a de que todos os dispositivos previstos no capítulo XIII somente são aplicáveis às áreas consolidadas, conforme a redação do próprio código, inclusive do art. 60, com o seguinte teor:

“Art. 60.  A assinatura de termo de compromisso para regularização de imóvel ou posse rural perante o órgão ambiental competente, mencionado no art. 59, suspenderá a punibilidade dos crimes previstos nos arts. 38, 39 e 48 da Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, enquanto o termo estiver sendo cumprido.

§ 1º  A prescrição ficará interrompida durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

§ 2º  Extingue-se a punibilidade com a efetiva regularização prevista nesta Lei.”

 Portanto, a suspensão de punibilidade prevista no artigo 60 para os artigos 38, 39 e 48 da Lei n. 9.605/98, bem como a extinção da mesma, constante no parágrafo segundo do mesmo artigo, deve ser interpretada dentro do contexto destas disposições transitórias, sendo claro que somente se aplicam para aquelas infrações cometidas até a data de 22 de julho de 2008.

Ressalte-se que, neste caso, interpretação diversa causaria perplexidade, já que as multas administrativas previstas para os mesmos fatos têm de forma clara este marco temporal (art. 59, § 4º), não havendo razão para que se entendesse de forma diversa em relação ao crime, até porque o artigo 60 é expresso a vincular este benefício ao programa previsto no artigo 59, de forma que ambos estão umbilicalmente ligados, inclusive, por força desta limitação temporal.

Não sendo este o entendimento – o que parece não ser crível – é de se reconhecer que, pelo menos, tal situação aplica-se somente aos casos anteriores à edição da lei, uma vez que as disposições são “transitórias”, caso contrário, seriam permanentes.

Ainda na análise do art. 60, é de se reconhecer que nos casos de continuidade de ocupação das áreas de preservação permanente ou reservas legais após a data de 22 de julho de 2008 - por se tratarem de crimes permanentes conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça já citado anteriormente - não poderá ser enquadrada na benesse estabelecida neste dispositivo, já que estarão estas situações fora do marco temporal estabelecido pela lei, uma vez que a consumação do delito continua (ou continuou, caso tenha cessado após aquela data) ocorrendo.

É de se registrar, também, que o artigo 60 carece de regulamentação, uma vez que somente após a criação do “Programa de Regularização Ambiental – PRA” previsto no artigo 59 e após a assinatura do termo de compromisso é que haverá a suspensão da punibilidade. Até lá, continuam a correr os processos criminais independentemente.

De igual maneira, o fato de haver o proprietário assinado Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público ou com outro co-legitimado não impede a continuidade da ação penal, uma vez que o artigo em questão, por tratar-se de exceção à regra deve ser interpretado de forma restritiva, sendo que o legislador, quando quis suspender as penalidades relativas a estes fatos, enquanto não implementado o PRA, o fez de forma expressa, conforme consta no parágrafo quarto do artigo 59.

Em reforço a isto, é de se reconhecer que a regra geral é aquela prevista na Constituição Federal de que a responsabilidade ambiental é tríplice (art. 225, § 3º). Aliás, impõe-se deixar claro, inclusive, ser este dispositivo em questão eivado de inconstitucionalidade por violentar este princípio da tríplice responsabilidade ambiental, sendo este o posicionamento já defendido pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, que em reunião editou a seguinte súmula de entendimento:

“SÚMULA: O art. 60 da Lei n. 12.651/12 afronta o princípio constitucional da tríplice responsabilização do poluidor, estabelecido no art. 225, § 3º da Constituição Federal, ao impedir a aplicação da sanção penal em decorrência da celebração de um acordo administrativo.”

XIII.2 – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A  REGULAMENTAÇÃO PARA ÁREAS CONSOLIDADAS EM APP E RESERVAS LEGAIS

Sem qualquer dúvida, as disposições estabelecidas para as áreas consolidadas em áreas de preservação permanente e reserva legal, são um dos maiores retrocessos estabelecidos por esta lei, eivado de inconstitucionalidade, conforme posição já defendida no artigo mencionado na introdução deste estudo.

Contudo, eventualmente superada a inconstitucionalidade, cabe ao aplicador do Direito a interpretação do texto legal e sua aplicação nas situações do dia a dia.

O artigo 61 assim determina:

“Art. 61-A. Nas Áreas de Preservação Permanente é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008.”

Em seus parágrafos, conforme o tamanho da propriedade e a largura da área a ser protegida, estabelece faixas de recuperação que variam entre ínfimos 05 (cinco) metros e o máximo de 100 metros nas margens dos rios, nascentes, veredas, entre outros.

A primeira questão a ser verificada é que, por ser esta uma disposição de exceção à regra geral (prevista nos artigos 4º e seguintes), sua interpretação deve ser feita de forma restritiva.

Ademais, é de se levar em conta que também por tratar-se de exceção, o ônus da prova de que a área em questão enquadra-se no conceito de atividade consolidada compete a quem alega, uma vez que a regra geral é da recuperação de todas as Áreas de Preservação Permanente nos percentuais previstos a partir do artigo 4º.

Neste raciocínio, competirá ao proprietário de tal área juntar provas cabais de que a área já era ocupada anteriormente a 22 de julho de 2008, especialmente, através de provas técnicas e de imagens de satélite, o que hoje é perfeitamente possível além de economicamente viável.

Não se desincumbindo deste ônus, aplica-se a regra geral prevista, impondo-se a recuperação de toda a área.

Além disto, não é qualquer ocupação que poderá ser mantida, mas, exclusivamente, aquelas relativas às três atividades previstas no “caput”: a) agrossilvipastoris; b) ecoturismo; c) turismo rural.

Sobre o termo “agrossilvipastoril” há que se entender que o mesmo tem conteúdo científico delimitado, não se confundindo com a simples existência de agricultura, pecuária, silvicultura ou mesmo agropecuária. 

William Freire e Daniela Lara Martins (Dicionário de Direito Ambiental e Vocabulário Técnico de Meio Ambiente, Editora Mineira, 2003, p. 31) ensinam que “Agrossilvicultura – São povoamentos permanentes de aspecto florestal, biodiversificados, manejados pelo homem de forma sustentada e intensiva, para gerar um conjunto de produtos úteis para fins de subsistência e ou de comercialização.”.

Portanto, somente se houver a conjunção entre um sistema florestal, juntamente com agricultura e/ou criação de animais é que poderão tais áreas permanecerem ocupadas.

Assim, a simples presença de lavouras, pastos ou monoculturas florestais (eucalipito, pinos, etc...) por não serem sustentáveis e não serem conjugadas, não poderão permanecer, pois não se enquadram no conceito de “agrossilvipastoris” estabelecido no dispositivo em estudo.

É de se ressaltar que o legislador quando quis tratar de forma separada tais atividades assim o fez, usando o termo “agropecuária” (art. 1º, III, 3º VI, 41 e 74) ou agricultura (38, § 2º, capítulo XII, etc...).

Não resta dúvida, assim, que ao usar o termo “agrossilvipastoril” usou-o na acepção científica acima aludida, o que exclui sua aplicação aos casos isolados de agricultura, pecuária ou silvicultura, atividades estas que não poderão permanecer em preservação permanente, ainda que já ocupadas anteriormente a 22 de julho de 2008.

Note-se que o Decreto n. 7.830/2012 não conceituou o termo “agrossilvipastoril”, assim como também não o fez a Lei. Contudo, o Decreto conceituou o termo “agroflorestal”, que muito se aproxima do primeiro, com a seguinte descrição:

“Art. 2o  Para os efeitos deste Decreto entende-se por:

...

XVI - sistema agroflorestal - sistema de uso e ocupação do solo em que plantas lenhosas perenes são manejadas em associação com plantas herbáceas, arbustivas, arbóreas, culturas agrícolas, forrageiras em uma mesma unidade de manejo, de acordo com arranjo espacial e temporal, com alta diversidade de espécies e interações entre estes componentes;”

Portanto, é de se reconhecer a similitude destes termos e entender que, aqueles proprietários que não utilizavam este tipo de cultura anteriormente a 22 de julho de 2008, não estão abrangidos pela norma de transição elencada neste capítulo.

De igual maneira, também não o poderão permanecer aquelas situações comuns de ranchos de pesca e lazer, uma vez que ao tratar de “ecoturismo” e “turismo rural” está se tratando da atividade econômica ali desenvolvida, e não a simples ocupação para o deleite de alguns proprietários de áreas particulares não exploradas economicamente.

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Ainda tratando desta questão da ocupação das áreas de preservação permanentes em áreas consolidadas, necessário registrar que tais situações somente podem ser admitidas em áreas inferiores a 15 metros, naqueles casos de rios não navegáveis.

Ocorre que, nos casos em que os rios são navegáveis, as áreas às suas margens são de propriedade pública, e portanto não podem ser ocupadas por particulares.

Esta situação é decorrente do artigo 14 do Código de Águas, com o seguinte teor:

“Art. 14. Os terrenos reservados são os que, banhados pelas correntes navegáveis, fora do alcance das marés, vão até a distância de 15 metros para a parte de terra, contados desde o ponto médio das enchentes ordinárias.”

Para que não haja dúvida da titularidade pública destas áreas, observe-se a Súmula 479, do STF:

Súmula nº 479: "As margens dos rios navegáveis são de domínio público, insuscetíveis de expropriação e, por isso mesmo, excluídas de indenização"

Nestes termos, sendo o rio navegável, é indiscutível que a ocupação não poderá permanecer em área inferior a 15 metros, sob pena de usurpação de bem público.

Por tais motivos, o parágrafo 12 que em uma primeira leitura dá a entender ser possível a permanência de residências e infraestruturas, inclusive, em área inferior ao estabelecido no caput, deve ser interpretado com base nesta limitação de 15 metros para os rios navegáveis.

Além disto, independentemente, tal interpretação deve ser feita em conjunto também com o artigo 65, § 2º, que estabelece faixa não edificável de 15 metros às margens dos cursos d´água.

Ora, é evidente que se na área urbana esta margem deve ser respeitada, tal situação também se aplica à área rural, que por ser menos habitada tem muito mais espaço para sua implantação. Não haveria razoabilidade nenhuma na interpretação dissociada deste dispositivo ao ponto de chegar-se ao absurdo de permitir-se uma faixa edificável até às margens do curso d água para a área rural e, na área urbana, onde há maiores conflitos de ocupação, aceitar-se que tal faixa não pode aproximar-se a 15 metros do curso d´água.

Por fim, no que diz respeito às áreas de reserva legais consolidadas, especialmente com a exceção estabelecida no artigo 67 em que estabeleceu que as propriedades rurais com área inferior a quatro módulos rurais terão constituídas sua reserva legal com a vegetação existente em 22 de julho de 2008, aplicam-se todos os argumentos acima esposados no que diz respeito ao ônus da prova de que foram exploradas até aquela data, isto caso venha a ser superada a evidente inconstitucionalidade do dispositivo já sustentada em outro estudo.

Ademais, há que se verificar que tais proprietários não estão desobrigados ao procedimento da Reserva Legal, ao contrário, com muito mais razão deverão proceder esta regularização, já que será durante este procedimento administrativo junto ao órgão ambiental competente que deverá ficar muito bem comprovada que a inexistência do percentual mínimo é anterior à data mencionada, restando claro que, deverá ser reconhecida como reserva legal – e portanto  deverá ser demarcada e preservada, inclusive com inscrição no CAR e averbação na matrícula – a vegetação existente que exceda as áreas de preservação permanente.

Também é de se registrar que o regime diferenciado previsto para as propriedades rurais inferiores a 4 módulos fiscais deve ser aferido com base na situação de fato, sendo que nas hipóteses de haver mais de uma matrícula para imóveis contíguos que, somadas, ultrapassem este montante, não será aplicável tal regime, sob pena de desobedecer-se a finalidade legal de proteção ao pequeno proprietário.

Esta deve ser a situação, uma vez que o tamanho da propriedade deverá ser feito com base na situação real, de forma que, havendo mais de uma matrícula, mas, de fato, sendo uma só propriedade (fazenda), deve-se estabelecer o regime da propriedade segundo o somatório delas e, sendo superior a soma das áreas das matrículas a quatro módulos, não poderá ser beneficiada a propriedade das exceções estabelecidas nesta Lei, já que a intenção legislativa foi proteger o pequeno proprietário, naqueles moldes.

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Sobre o autor
Luciano Furtado Loubet

Pós-Graduado em Direito Ambiental pela UNIDERP – Universidade para o Desenvolvimento da Região do Pantanal. Promotor de Justiça no Estado de Mato Grosso do Sul. Ex-Juiz de Direito no Estado do Acre. Especialista em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOUBET, Luciano Furtado. Breves anotações pontuais sobre a Lei nº 12.651/2012 (Novo Código Florestal). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3406, 28 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22898. Acesso em: 5 nov. 2024.

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