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Tóxicos - Classificação prévia e provisória.

Anotações ao art. 37 da Lei nº 6.368/76

01/11/2001 às 01:00
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Não se deve olvidar que " a solução de cada processo deve pedir – se não a falazes e móveis impressões, mas a invariáveis e seguras regras, a idéias gerais bem fixas, " conforme advertido por TALES CASTELO BRANCO, citando Fabreguettes em artigo intitulado " Princípio ativo da Cannabis Sativa L " in RT 523/323.

Ocorre que, no caso dos delitos de Tóxico, mercê dos extraordinários efeitos sobre a liberdade do indivíduo que encontra-se apanhado em flagrante delito, a necessidade de classificação da conduta, notadamente no tangente ao enquadramento no art. 12 ou no art. 16, apresenta-se não apenas por ocasião da prolação da sentença, mas desde o flagrante, e, no mais das vezes num momento de tribulações, amiúde em horários avançados, onde a paz e o descanso para se tomar tão tremenda decisão mostram-se, muitas vezes, ausentes.

Para socorro da Autoridade policial, a servir-lhe de bússola, o artigo 37 da Lei nº 6.368/76.

Trata este artigo de regras para adequação típica prévia e provisória dos crimes definidos na Lei de Tóxicos.

Importante dizer que ao conter regras de hermenêutica, embora esteja dirigido diretamente à Autoridade policial, delas também haverão de se valer o Ministério Público e o Juiz, por ocasião do oferecimento da denúncia e prolação da sentença.

A Lei, nesse particular e já na época de sua edição, trouxe uma inovação, posto que obriga que tal adequação provisória se dê de forma fundamentada, com base em elementos fáticos concretos e hauridos na peça flagrancial ou no inquérito, sob pena de produzir-se decisão administrativa nula e ofensiva à garantia da motivação, por força do albergamento desta para decisões administrativas na " cláusula de escape " prevista no art. 5º § 2º da C.F./88 em somatório com os Tratados dos quais o país é parte, como também, vale ressaltar, garantia textualmente prevista em sede de algumas Constituições Estaduais, por exemplo, art. 4º da Const. Estadual Paulista ou art. 4º, parágrafo 4º da Constituição Estadual Mineira.

Daí, acharmos válido trazer à colação a afirmação de Gaston Jèze, insigne administrativista citado por ADAUTO SUANNES: " Cuando un agente público está obligado, segundo las leyes y reglamentos, a motivar su acto, debe hacerlo, bajo pena de nulidad del acto. La ausencia de motivos es entonces un vicio radical. Esta lacuna hace suponer que el motivo determinante no es un motivo de interese público. " ( Os Fundamentos Éticos do Devido Processo Penal, ed. RT, ano 1999, pág. 202 ).

Para além disso, mercê dos devastadores efeitos processuais sobre a liberdade, insertos na Lei nº 8.072/90, há que se ter redobrada cautela no tangente à caracterização provisória da natureza do fato, sendo que, havendo dúvidas a respeito de tal adequação, a questão deve ser resolvida da forma mais favorável ao agente. Sempre que faltar a luz esclarecedora da prova, o manto invisível do " in dubio pro reo " há de saltar aos olhos.

À derradeira, importa ainda dizer que não existe hierarquia entre os critérios legais, devendo estes serem balanceados, para um juízo de valor, em conjunto. É regra de experiência que grandes traficantes raramente são encontrados com expressiva quantidade de drogas e sabe-se que usuários de algum poder aquisitivo, para não se verem expostos nas idas e vindas pelas " bocas ", adquirem, em papelotes ou prensados, quantidades às vezes significativas de entorpecentes. A conduta pessoal do agente, se tem profissão certa; como deu-se o encontro da droga; as reações iniciais do suspeito, tudo, enfim, há que ser mensurado. Somente um único critério ( quantidade, forma de apresentação, antecedentes, etc ) não pode ter o condão de estabelecer, com real segurança, a diferença entre traficantes e simples viciados.

Como dito já há um bom tempo e com atualíssima validade, " Quando os delitos são mais atrozes, tanto mais plena e clara deve ser a sua prova " ( PEREIRA E SOUZA – Primeiras linhas sobre o processo Criminal, apud Jornal da Associação Juízes para Democracia, nº 16, pág. 05 ).

Tal conceito ou regra de valoração, a nosso ver, vale não só para a sentença, bem como para o oferecimento da denúncia ou a tipificação prévia e provisória nos crimes de tóxico, denotando, a sua aplicação, respeito à construção do Estado Democrático de Direito por estas plagas.

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Sobre o autor
Renato de Oliveira Furtado

Advogado Criminalista, Professor de Direito Processual Penal da Universidade Estadual de Minas Gerais - Campus Frutal, Membro do IBCCRIM

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FURTADO, Renato Oliveira. Tóxicos - Classificação prévia e provisória.: Anotações ao art. 37 da Lei nº 6.368/76. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2294. Acesso em: 10 mai. 2024.

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