Vigente desde 13.01.2000, a Lei 9.957, que instituiu, na Justiça do Trabalho, o "Procedimento Sumaríssimo", começa a consolidar suas conseqüências práticas, as quais, além de demonstrarem, sob alguns aspectos, o acerto do legislador, também evidenciam circunstâncias fáticas sobremaneira contrárias ao escopo fundamental da inovação processual, para as quais se faz imperiosa redobrada atenção dos profissionais do Direito.
Como é cediço, constituiu elemento orientador para a criação do Procedimento Sumaríssimo a extensão do princípio norteador do Direito do Trabalho de "Proteção ao Hipossuficiente Economicamente", para que se pudesse viabilizar ao empregado a obtenção da prestação jurisdicional do Estado de modo mais célere, sobretudo naquelas demandas de menor complexidade, responsáveis, sem dúvida, pela grande maioria das reclamações que assolam o Judiciário Trabalhista.
Justamente para alcançar tal finalidade, o legislador, qualificando legalmente as demandas consideradas como de menor complexidade - aquelas cujo valor não ultrapassa quarenta salários mínimos - , determinou que, em casos tais, o processo tenha uma tramitação rápida, mormente em decorrência da imposição, por regra, de solução da demanda em audiência única (artigo 852-H), na qual se hão de produzir "todas as provas", "ainda que não requeridas previamente".
Também por determinação do mesmo dispositivo legal acima invocado, impõe-se às partes se manifestar imediatamente sobre os documentos produzidos pela parte contrária, sem a interrupção da audiência, salvo por absoluta impossibilidade, a critério do Juiz - § 1º.
Pois bem. Embora se saiba que a realização de audiência una e contínua já constituísse regra teórica geral do diploma celetário, a prática forense trabalhista com isto não comungava, haja vista que, costumeiramente, se faziam realizar, ao menos, duas sessões de audiência em cada processo. Na primeira delas, a parte acionada, caso não alcançada a conciliação, apresentava defesa às pretensões postuladas pela parte autora, sendo, então, concedido prazo (no mínimo de cinco dias) para que esta se manifestasse acerca dos documentos a tal peça acostados, designando-se o prosseguimento da audiência para data posterior, quando se encerrava a colheita das provas.
A parte autora, portanto, dispunha, ao menos, do prazo de cinco dias para se manifestar acerca dos documentos trazidos aos autos pela reclamada, durante o qual, por óbvio, também tomava ciência das teses por esta suscitadas e, em face destas, poderia delimitar com precisão a necessidade de produção de provas na vindoura fase de instrução do processo. Ou seja, em verdade, a parte autora tinha a possibilidade de "se preparar" para a instrução processual, ciente da matéria fática controvertida, com antecedência mínima de cinco dias.
Ocorre que, com a criação do Procedimento Sumaríssimo, esta faculdade da parte autora, nos processos a este sujeitos, simplesmente desapareceu, porquanto, sob o pretexto de emprestar maior celeridade ao andamento processual e, em tese, ver sua pretensão satisfeita de forma mais rápida, passou a ver-se compelida a se manifestar quanto aos documentos acostados à defesa de imediato, no mesmo instante em que toma ciência das teses suscitadas em contestação.
Caso a norma jurídica se pudesse bastar em sede teórica, dissociada da realidade fática, esta inovação não representaria qualquer prejuízo aos reclamantes, já que o fito precípuo do Poder Judiciário reside na apuração da verdade, e esta sempre viria à tona, bastando que o autor, ciente da regra insculpida no artigo 818 da CLT, trouxesse a Juízo, initio litis, a prova cabal de suas alegações.
Todavia, como não vivemos numa realidade tão utópica - até mesmo, bem longe disso - , a imposição à parte autora de se manifestar, já na primeira assentada, quanto aos documentos apresentados pela defesa reforçou sobejamente a possibilidade de se engendrar manobra fraudulenta para escusar-se, o empregador, ao pagamento dos créditos do empregado, qual seja a falsa alegação de despedida por justa causa.
Isto porque, apenas tomando, o reclamante, ciência das teses da defesa na audiência e, ato contínuo, tendo de se manifestar quanto aos documentos com ela apresentados, produzindo, também já em seguida, "todas as provas" relativas ao feito, poderá se ver fatalmente (em termos processuais, é claro) surpreendido com a alegação de despedida por justa causa, sem que esta disponha de qualquer substrato fático e, portanto, possa ser, sequer ao longe, prevista, especialmente para a produção de contra-prova.
Bastará, pois, que a reclamada suscite ter despedido o reclamante por justa causa, ainda que isto jamais se tenha verificado, e apresente prova testemunhal nesse sentido, mesmo que absolutamente forjada, que o reclamante se verá, porque surpreendido, incapacitado de elidir as alegações do empregador. Afinal, se não tinha qualquer conhecimento do que seria alegado, como poderia reunir comprovação ao seu respeito?
Para maior clareza do quanto ora se aventa, imaginemos o seguinte exemplo prático:
- Um empregado é desligado da empresa, por iniciativa injustificada desta, mediante comunicação verbal, e não recebe o pagamento de qualquer parcela rescisória. Em face disso, busca a Justiça do Trabalho e apresenta reclamação trabalhista, pleiteando o pagamento das verbas decorrentes da rescisão. Como este é o único pleito formulado, e como compete ao empregador comprovar sua quitação, mediante prova documental, o empregado não necessita produzir qualquer prova testemunhal e, assim, vai à audiência sozinho, acompanhado apenas, se for o caso, de seu advogado.
Ao contestar o feito, a reclamada, de modo fraudulento, alega que o empregado foi despedido por justa causa, apresentando uma testemunha, também fraudulenta, que assevera o cometimento de falta grave.
Como tal fato simplesmente jamais existiu, não poderia ser previsível ao empregado e, portanto, não estará ele munido de qualquer comprovação contrária às alegações da reclamada. Porém, estando obrigado a se manifestar ‘incontinenti’ à apresentação da defesa, a ele se faz quase impossível derrogar as alegações desta, as quais, formalmente comprovadas, serão acolhidas, chancelando-se uma situação fática inexistente, em total prejuízo do empregado.
Situação totalmente diversa ocorreria na hipótese de tomar o reclamante prévia ciência da tese suscitada pela defesa, para a posterior produção de provas acerca desta, tal como ocorre no que agora se denomina "procedimento ordinário". Neste caso, alegada falsamente a despedida por justa causa, o empregado disporia de amplos meios de comprovar, sobretudo de forma testemunhal, que os fatos alegados em defesa jamais existiram e, assim, elidir por completo a falsa alegação de motivação da despedida por justa causa.
O empregador, desse modo, não poderia se valer da surpresa do empregado na construção de sua tese de contestação, tornando mais efetivo o exercício dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Como se infere, ao menos na hipótese de alegação de despedida por justa causa, a obrigatoriedade, no Procedimento Sumaríssimo, de manifestação do autor imediatamente após a apresentação da defesa, em detrimento da fixação de prazo para tanto, representa-lhe manifesto prejuízo, o que contraria o escopo basilar da própria criação deste regramento processual, que, ao menos em tese, visa facilitar a prestação jurisdicional ao empregado.
Observe-se, ainda, que o prejuízo que ora se suscita restringe-se, apenas, ao reclamante, posto que permanece em vigor a exigência de notificação da reclamada com antecedência mínima de cinco dias (artigo 841 - CLT), interregno no qual, como se viu, poderá, em situação vantajosa em relação ao reclamante, preparar minuciosamente sua defesa, inclusive delimitando e reunindo as provas que pretende produzir.
Assim, temos, com a introdução do Procedimento Sumaríssimo, a sui generis e contraditória realidade fática de, pretendendo favorecer o reclamante, conceder-se à reclamada o prazo mínimo de cinco dias para a elaboração da defesa e a este apenas alguns parcos minutos para desta tomar ciência e se manifestar (!)
Sem pretender fazer as vezes do legislador, tal circunstância se poderia contornar mediante a criação de hipótese excepcional à exigência de audiência única no Procedimento Sumaríssimo, talvez pela inclusão de um §8º, no artigo 852-H da CLT, com redação similar à seguinte - o que, com a máxima vênia, registra-se em sede sugestiva:
"constituindo tese de defesa a alegação de despedida decorrente de falta grave, na forma do artigo 482 da CLT, a audiência poderá ser interrompida, a requerimento da parte autora, determinando-se seu prosseguimento após o interregno mínimo de cinco dias, quando serão observadas as disposições do parágrafo primeiro."
Até que o legislador atente para a situação desigualitária originada pelo atual regramento do Procedimento Sumaríssimo e a corrija, caberá aos causídicos, enquanto no patrocínio dos interesses de reclamantes, em demandas sujeitas ao Procedimento Sumaríssimo, tentar prever, ao máximo, as teses que se podem levantar pelas reclamadas, especialmente quando possa sobrevir dúvida quanto ao real ensejo para a rescisão do contrato de trabalho, hipótese em que se poderá fazer necessária a efetiva comprovação da despedida sem justa causa.
Já aos Magistrados, impõe-se o exercício ainda maior do bom-senso jurídico, resguardando ao máximo o contraditório e a ampla defesa, até mesmo para que possam enquadrar tais casos especiais na exceção já abrigada pela última parte do parágrafo primeiro, do artigo 852-H da CLT, ou seja, como hipótese de "absoluta impossibilidade" de realização de audiência única, sob pena de prejuízo do empregado e violação ao princípio do tratamento isonômico das partes.