Artigo Destaque dos editores

Controle de constitucionalidade: a teoria da transcendência dos motivos determinantes da decisão e a abstrativização do controle concreto

Exibindo página 2 de 3
20/11/2012 às 13:16
Leia nesta página:

DAS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO CONTROLE CONCENTADO DE CONSTITUCIONALIDADE E SEUS EFEITOS

Após a análise dos principais aspectos que envolvem o controle de constitucionalidade, cumpre tratar acerca das decisões proferidas pelo Pretório Excelso em sede de fiscalização constitucional abstrata, dando enfoque, especialmente, ao alcance da decisão e seus efeitos.

Conforme discorre Barroso (2006, p. 170), a decisão a ser proferida na ação direta de inconstitucionalidade e na ação declaratória de constitucionalidade é objeto de tratamento conjunto pela Lei 9.868/99, cuidando o texto de ambas com unidade conceitual, fruto do exercício da jurisdição constitucional por via de ação e em abstrato, com variação apenas do pedido, que em um caso é a proclamação da constitucionalidade e no outro a da inconstitucionalidade da disposição ou da norma impugnada.

Declarada a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo impugnado, a decisão terá efeito para todos, isto é, erga omnes, vinculante – consistente na proibição de outros órgãos estatais de contrariarem a decisão proferida – e, em regra, retroativo (ex tunc), desfazendo, desde sua origem, o ato declarado inconstitucional, por ser considerado nulo (MORAES, 2009, p. 757).

A concessão de efeito vinculante às decisões proferidas pelo Pretório Excelso na fiscalização abstrata da constitucionalidade decorre da sua atribuição de dar a última palavra sobre a constitucionalidade das leis e dos atos do poder público. A eficácia erga omnes significa que a decisão alcança a todos, independentemente de terem sido partes do processo no seio do qual emergiu a decisão, aliás, formalmente falando, nos processos de controle concentrado das leis não há partes e a decisão final a todos aproveita, ou seja, vale indiscriminadamente (TAVARES, 2003, p. 292).

Para Bulos (2007, p. 251), os também denominados efeitos gerais acarretam o alcance a todos da decisão proferida no controle abstrato, que possui efeitos genéricos e automáticos.

A atribuição de efeito vinculante à decisão implica, necessariamente, a observância obrigatória do quanto decidido pela Corte Suprema pelos demais órgãos do Judiciário e pela Administração Pública.

Assim, em sede de controle concentrado, a decisão do Supremo Tribunal Federal que declara a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade da lei ou do ato normativo tem eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública federal, estadual e municipal, conforme preconiza o artigo 102, inciso III, parágrafo 2º, da CF/88, não vinculando, entretanto, o próprio Supremo, haja vista que este, incumbido da tarefa de dar a palavra final na interpretação da Constituição, poderá formar novos entendimentos, principalmente no sentido de adaptar o texto constitucional às novas realidades sociais e políticas, em face da contínua mudança social no decorrer dos tempos.

Impende salientar que o efeito vinculante não implica mitigação alguma à independência dos juízes, que analisam, em cada caso concreto, a existência ou não de elementos suficientes para verificar se haverá a incidência do precedente julgado pelo Supremo Tribunal Federal, sendo que tal detalhamento sobre o exame dos fatos e a aplicação do precedente a julgamentos de casos análogos permite que se concretizem as exigências da própria sociedade brasileira por decisões mais céleres e justas, sem que o Direito deixe de evoluir de modo construtivo (NORTHFLEET, 1996, p. 99).

Além do próprio Supremo, também o Legislativo não é atingido pelo efeito vinculante. Contudo, em que pese o efeito vinculante da decisão não obrigar o Legislativo a observar o quanto decidido em sede de jurisdição constitucional, é certo que a decisão proferida em sede de controle possui o condão de influenciar indiretamente o legislador, que poderá observar o parâmetro traçado quando da elaboração de novas leis. Tal proposição é preconizada por Rothenburg (2007, p. 437):

A influência da decisão judicial, especialmente a decisão em jurisdição constitucional, sobre a atividade legislativa e sobre as demais atividades de poder público, não deve ser enfocada apenas quando houver confronto. A “resposta” judicial é um importante fator de repercussão e retroalimentação para o Legislativo, que pode levar em consideração essa “resposta” na formulação das leis.

Em virtude do efeito vinculante da decisão proferida em sede de controle concentrado, tem-se como possível, no caso de descumprimento do julgado pelos demais órgãos do Judiciário, a provocação do Supremo, pelo prejudicado, por meio de reclamação, a fim de que este garanta a autoridade de sua decisão (CLÈVE, 2000, p. 308).

Martins e Mendes (2001, p. 339) discorrem que, quanto ao limites objetivos do efeito vinculante, estes dizem respeito à parte da decisão que será de observância obrigatória, dividindo-se a doutrina em basicamente duas correntes: uma que defende que o efeito vinculante estaria adstrito apenas à parte dispositiva da decisão e outra que entende a possibilidade de ele se estender também aos chamados fundamentos determinantes.

Sobre a declaração de inconstitucionalidade em sede de controle abstrato incide, também, o efeito repristinatório, que implica a restauração automática de lei que havia sido revogada por outra, declarada inconstitucional. Tal ocorre porque tendo em vista que o vício da inconstitucionalidade constitui causa de nulidade da norma, esta não possui o condão de revogar outras, razão pela qual a decisão do Supremo Tribunal Federal, em sede de fiscalização abstrata, acarreta a repristinação da norma que havia sido revogada por outra, cuja inconstitucionalidade tenha sido declarada.

Como visto, o entendimento predominante tanto da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto da doutrina é de que a decisão sobre a inconstitucionalidade possui natureza declaratória, isto é, apenas declara um vício que invalida a norma desde o seu nascimento, por essa razão, o efeito da declaração de inconstitucionalidade é, como regra, retroativo, pois não se admite que determinada norma, reconhecidamente nula, produza efeitos.

Entretanto, conforme suscitam Dimoulis e Lunardi (2011, p. 198) a regra da nulidade gera problemas no plano fático quando a lei vigorou por longo período, exemplificando tal explanação através de hipótese de declaração de inconstitucionalidade de leis tributárias, previdenciárias ou trabalhistas, cuja retroatividade poderia gerar sérios problemas de cunho financeiro ao erário.

Por isso, visando dirimir possíveis celeumas a serem irrompidos em razão da eficácia retroativa de decisões que declarassem inconstitucionais leis que vigoraram por muitos anos, o legislador previu, no artigo 27 da Lei 9.868/99 e no artigo 11 da Lei 9.882/99, a modulação dos efeitos por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, isto é, a possibilidade de a Corte Excelsa atribuir efeitos não retroativos à declaração de inconstitucionalidade, por voto de dois terços de seus membros, ou seja, pelo voto de pelo menos oito Ministros.

Analisando criticamente a modulação de efeitos, que admite que lei inconstitucional, embora considerada inválida, possa chegar a produzir efeitos que não devem ser ignorados, sob pena de ofensa à segurança jurídica, Ferrari (2004, p. 289) afirma que, não obstante essa ser a solução correta, é ilógica juridicamente, porque é pouco convincente aceitar que o nulo de pleno direito possa gerar algum tipo de efeito.

Infere-se, desta feita, que não obstante o reconhecimento da lei como sendo inconstitucional e, portanto, nula, em determinados casos, principalmente quando tenha ela vigorado por um lapso temporal expressivo, é necessária a flexibilização da regra da retroatividade da decisão que pode, como visto, ter seus efeitos fixados para que comecem a ser produzidos em momento posterior.

Vê-se que a modulação dos efeitos da decisão é, deveras, uma ponderação necessária que respeita o princípio da supremacia da Constituição, haja vista que protege a segurança jurídica e o interesse social, através de um equilíbrio de valores entre o vício da norma inconstitucional e os efeitos que dela advierem.

 


A TEORIA DA TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES E A ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE CONCRETO

Espelhando a tese oriunda do direito alemão, o Supremo Tribunal Federal passou, não raro, a aplicar, em sede de controle abstrato, a teoria da transcendência dos motivos determinantes da decisão, segundo a qual, nas decisões sobre inconstitucionalidade, o efeito vinculante atinge, além do dispositivo, os fundamentos da decisão.

Conforme ensina Cunha Júnior (2011, p. 230), o Supremo já entendeu que a vinculação não alcança apenas o dispositivo da decisão, haja vista que vinha atribuindo, em certos casos, efeito vinculante também aos fundamentos da decisão, com o que consagrou a teoria da transcendência dos motivos determinantes, de modo que estes deveriam ser observados por todos os tribunais e juízes, o que contribuiria para a supremacia e para o desenvolvimento da ordem constitucional.

O efeito transcendente encontra-se intimamente ligado aos limites objetivos do efeito vinculante, pois, se admitido, implica a observância obrigatória dos fundamentos da decisão proferida pelo Pretório Excelso em sede de controle de constitucionalidade, além, é claro, da parte dispositiva.

Mendes e Branco (2011, p. 1401) asseveram que a limitação do efeito vinculante à parte dispositiva da decisão tornaria de todo despiciendo esse instituto, uma vez que ele pouco acrescentaria aos institutos da coisa julgada e da eficácia erga omnes e, ainda, que tal diminuição mitigaria a contribuição do Tribunal para a preservação e para o desenvolvimento da ordem constitucional.

Vê-se, assim, que os militantes da atribuição de efeito transcendente para que os fundamentos da decisão também sejam atingidos pelo efeito vinculante defendem que sem a eficácia irradiante, o próprio efeito vinculante perderia sua razão de ser, pois se sua função fosse apenas a vinculação de alguém específico, este de nada adiantaria, pois a eficácia contra todos já cumpre esse papel e, ainda, se tivesse como limite de alcance unicamente o dispositivo da decisão, se tornaria de pouca serventia, haja vista que, de igual modo, pouco acrescentaria aos institutos da coisa julgada e da força de lei (eficácia erga omnes), sustentando, portanto, que é da essência do instituto ensejar a transcendência da razão da decisão, isto é, da motivação ali lançada, que deverá ser de observância obrigatória.

Sob tal ótica, a coisa julgada ultrapassaria os estritos limites da parte dispositiva, abrangendo também a norma decisória concreta, que seria aquela “ideia jurídica subjacente à formulação contida na parte dispositiva, que, concebida de forma geral, permite não só a decisão do caso concreto, mas também a decisão de casos semelhantes” (VOGEL apud MENDES;BRANCO, 2011, p. 1401).

Leal (2006, p. 119-118) discorre que, de um lado, o efeito vinculante frustra a reiteração de atos e comportamentos julgados inconstitucionais e, de outro, alarga os parâmetros utilizados na análise da constitucionalidade de leis e atos normativos do Poder Público, sendo que as considerações que integram motivação das decisões expendidas no exercício da jurisdição constitucional também passam a obrigar, assumindo, assim, um “status paraconstitucional”.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Desse modo, a atribuição de efeito transcendente à vinculação da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal obriga o Poder Público e o Judiciário a acatarem o quanto decidido pelo STF e também as razões que motivaram a sua decisão.

Discorrendo sobre as consequências práticas da outorga de amplitude transcendente ao efeito vinculante, Mendes e Branco (2011, p. 1403) prelecionam que com ele pretendeu-se conferir eficácia adicional à decisão do STF.

A justificativa da aplicação da teoria da transcendência dos motivos da decisão proferida em controle abstrato no ordenamento jurídico brasileiro, segundo o próprio Supremo Tribunal Federal, é de que ele é o órgão de cúpula do Judiciário, encarregado da guarda e da defesa da Constituição, incumbido de dar a palavra final em sede de exegese constitucional, sendo que o desrespeito, pelos demais tribunais, à sua interpretação, acarretaria o enfraquecimento da força normativa da Constituição.

É o que se infere do seguinte trecho, extraído da Reclamação 2.986 MC/SE, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 11-03-2005:

Essa visão do fenômeno da transcendência parece refletir a preocupação que a doutrina vem externando a propósito dessa específica questão, consistente no reconhecimento de que a eficácia vinculante não só concerne à parte dispositiva, mas refere-se, também, aos próprios fundamentos determinantes do julgado que o Supremo Tribunal Federal venha a proferir em sede de controle abstrato, especialmente quando consubstanciar declaração de inconstitucionalidade [...]

Na realidade, essa preocupação, realçada pelo magistério doutrinário, tem em perspectiva um dado de insuperável relevo político-jurídico, consistente na necessidade de preservar-se, em sua integralidade, a força normativa da Constituição, que resulta da indiscutível supremacia, formal e material, de que se revestem as normas constitucionais, cuja integridade, eficácia e aplicabilidade, por isso mesmo, hão de ser valorizadas, em face de sua precedência, autoridade e grau hierárquico [...].

Cabe destacar, neste ponto, tendo presente o contexto em questão, que assume papel de fundamental importância a interpretação constitucional derivada das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função institucional, de “guarda da Constituição” (CF, art. 102, “caput”), confere-lhe o monopólio da última palavra em tema de exegese das normas positivadas no texto da Lei Fundamental, como tem sido assinalado, com particular ênfase, pela jurisprudência desta Corte Suprema (g.n.).

É certo que também há decisões em que já manifestou o Pretório Excelso que o efeito transcendente não deve ser aplicado, entretanto, conforme preconizado por Dimoulis e Lunardi (2011, p. 184-185), apesar de haver decisões do STF afirmando que os motivos determinantes de suas decisões não vinculam e da presença de votos minoritários sobre o tema, parece que, indiretamente, predomina a tese da vinculação dos motivos determinantes (efeito transcendente); isso porque o STF admite reclamações de terceiros contra decisões judiciais que aplicam leis de teor substancialmente igual ao de outras declaradas inconstitucionais pela Corte, situação em que decide sumariamente sobre a inconstitucionalidade da norma, alegando a necessidade de preservar a autoridade de suas decisões anteriores, o que demonstra que o Supremo realmente admite a teoria do efeito transcendente na prática, mesmo quando isso não é expressamente admitido.

O efeito transcendente à fundamentação da decisão implica maior prestígio aos princípios da segurança jurídica, da isonomia e da celeridade processual, haja vista que uma inconstitucionalidade contida em determinada lei ou ato normativo poderia ser de plano reconhecida pelos abrangidos pelo efeito vinculante, com base em interpretação firmada pelo Supremo Tribunal Federal quando da declaração de inconstitucionalidade de norma de teor substancialmente idêntico, tornando possível se repelir normas manifestamente inconstitucionais sem que um dos legitimados do artigo 103 da Constituição Federal tenha que provocar a jurisdição do Supremo para que este se manifeste sobre questão idêntica a outra já resolvida.

Contudo, apesar de seus aspectos positivos, a aplicação da teoria da transcendência dos motivos determinantes implica engrandecimento dos poderes do Supremo Tribunal Federal, sem qualquer previsão constitucional ou legal sobre isso. Por essa razão e considerando que a vinculação do Executivo e dos demais órgãos do Judiciário também aos fundamentos da decisão proferida pelo Pretório Excelso acarreta limitação à atuação deles, entende-se que para a atribuição de efeito transcendente seria necessária previsão expressa em lei ou na própria Constituição.

Nesse espeque, questão importante e polêmica a ser abordada é a que se refere à abstrativização do controle concreto, hipótese em que entende o Supremo Tribunal Federal que a decisão por ele proferida em sede de controle difuso, pela via concreta, também teria eficácia contra todos e efeito vinculante, ante a mutação constitucional sofrida pelo artigo 52, inciso X, da Constituição Federal, o que proporcionaria a possibilidade de atribuir-se efeito transcendente também a essa decisão.

Melhor explicando, é possível, como já visto, que em sede de controle de constitucionalidade concreto a apreciação da questão chegue ao Supremo Tribunal Federal, pelas vias recursais ou mesmo quando se esteja no âmbito de sua competência originária. Nessa hipótese, caso a Corte decida pela inconstitucionalidade, com observância da cláusula de reserva de plenário, é possível que, em caso de suspensão da execução da lei pelo Senado Federal, segundo previsto no artigo 52, inciso X, da Constituição Federal, tal decisão passe a ter eficácia erga omnes.

No entanto, verifica-se que o Pretório Excelso vem entendendo que é possível atribuir a essa decisão eficácia erga omnes independentemente da atuação do Senado Federal, emergindo, assim, o que seria a abstrativização do controle concreto.

O raciocínio construído sobre a ocorrência de mutação constitucional da regra do artigo 52, inciso X, da Constituição Federal articula que a atuação do Senado serviria apenas para dar publicidade à decisão, que já teria, por si só, eficácia contra todos. É o posicionamento de Mendes e Branco (2011, p. 1168), a seguir exposto: “[...] se o Supremo, em sede de controle incidental, declarar, definitivamente, que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se comunicação àquela Casa legislativa para que publique a decisão no Diário do Congresso”.

Observa-se que a Excelsa Corte vem demonstrando certa inclinação a acatar o entendimento acima exposto, no sentido de aplicar os efeitos do controle concentrado ao controle difuso.

Foi o que ocorreu na oportunidade do julgamento do HC 89.959/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 01-09-2006, ocasião em que a Corte declarou a inconstitucionalidade de dispositivo legal que vedava a progressão do regime de cumprimento da pena aos condenados por crimes hediondos, através de “nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90”, atribuindo a essa decisão eficácia erga omnes.

Outro exemplo é o Recurso Extraordinário 197.917, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 06-06-2002, que trata acerca do número de vereadores do Município de Mira Estrela, em que foi feita a modulação dos efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade, que é regra legalmente prevista para o controle abstrato (artigo 27 da Lei 9.868/99 e no artigo 11 da Lei 9.882/99). Ademais, essa decisão também gerou efeitos transcendentes que alcançaram o Tribunal Superior Eleitoral:

[...] efeito transcendente dos fundamentos determinantes do julgamento do RE 197.917/SP - interpretação do inciso iv do art. 29 da Constituição. - O Tribunal Superior Eleitoral, expondo-se à eficácia irradiante dos motivos determinantes que fundamentaram o julgamento plenário do RE 197.917/SP, submeteu-se, na elaboração da Resolução nº 21.702/2004, ao princípio da força normativa da Constituição, que representa diretriz relevante no processo de interpretação concretizante do texto constitucional

[...] A força normativa da Constituição da república e o monopólio da última palavra, pelo Supremo Tribunal Federal, em matéria de interpretação constitucional. - O exercício da jurisdição constitucional - que tem por objetivo preservar a supremacia da Constituição - põe em evidência a dimensão essencialmente política em que se projeta a atividade institucional do Supremo Tribunal Federal, pois, no processo de indagação constitucional, assenta-se a magna prerrogativa de decidir, em última análise, sobre a própria substância do poder. No poder de interpretar a Lei Fundamental, reside a prerrogativa extraordinária de (re)formulá-la, eis que a interpretação judicial acha-se compreendida entre os processos informais de mutação constitucional, a significar, portanto, que "A Constituição está em elaboração permanente nos Tribunais incumbidos de aplicá-la". Doutrina. Precedentes. A interpretação constitucional derivada das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal - a quem se atribuiu a função eminente de "guarda da Constituição" (CF, art. 102, "caput") - assume papel de essencial importância na organização institucional do Estado brasileiro, a justificar o reconhecimento de que o modelo político- -jurídico vigente em nosso País confere, à Suprema Corte, a singular prerrogativa de dispor do monopólio da última palavra em tema de exegese das normas inscritas no texto da Lei Fundamental (ADI 3.345, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 25-08-2005) (g.n.).

Essa tendência de dar ao controle concreto efeitos próprios do controle abstrato demonstra a clara mudança pela qual vem passando o modelo de jurisdição constitucional no ordenamento jurídico brasileiro, sendo que a possibilidade de se conferir efeito vinculante e transcendente ao quanto decidido em sede de controle abstrato realizado pelo Supremo decorreria, segundo assentado pelo próprio STF, do postulado da força normativa da Constituição e do monopólio que possui em dar a última palavra quanto à interpretação da Lei Maior.

Malgrado a construção exegética da Corte Suprema, reconhece-se, aqui, a verossimilhança da reflexão de Lenza (2008, p. 155) sobre o tema:

[...] muito embora a tese da transcendência decorrente do controle difuso pareça bastante sedutora, relevante e eficaz, inclusive em termos de economia processual, de efetividade do processo, de celeridade processual (art. 5.º, LXXVIII – Reforma do Judiciário) e de implementação do princípio da forma normativa da Constituição (Konrad Hesse), parecem faltar, ao menos em sede de controle difuso, dispositivos e regras, sejam processuais, sejam constitucionais, para a sua implementação.

É que a eficácia erga omnes e o efeito vinculante foram previstos somente para o controle concentrado e para a súmula vinculante, por isso, não obstante os argumentos de que o efeito transcendente no controle difuso contribuiria para a economia e celeridade processuais, fato é que inexiste previsão constitucional ou legal nesse sentido.

Por essa razão, entende-se que até que haja previsão constitucional ou legal sobre a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal estender os efeitos do controle abstrato ao controle difuso, a abstrativização do controle difuso está destoante do texto expresso da Constituição Federal.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENOCCI, Giovana Daré. Controle de constitucionalidade: a teoria da transcendência dos motivos determinantes da decisão e a abstrativização do controle concreto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3429, 20 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23056. Acesso em: 29 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos