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Sobre a ilegitimidade da cobrança de multa por atraso na entrega da declaração de ajuste anual do imposto sobre a renda da pessoa física com base em percentual do imposto devido

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22/11/2012 às 14:17
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6.ALTERNATIVA PROPOSTA POR MEIO DO PROJETO DE LEI Nº 2.282/1996

Diante do cenário apresentado, o Projeto de Lei nº 2.282/1996 [25], embora não faça prevalecer a autonomia da obrigação acessória em matéria tributária, propõe uma solução que nos parece bastante adequada à problemática. De acordo com o projeto, a base de cálculo para a multa deve ser, se houver, o imposto devido por ocasião da declaração de ajuste. Dessa forma, os contribuintes que recolheram tempestivamente o IRPF estariam sujeitos somente a uma multa mínima, de valor fixo.

O Deputado Lima Netto, autor do Projeto de Lei, analisa - à luz dos interesses contrapostos - o critério que deveria ser adotado pelo Fisco. Ele conclui pela improcedência da cobrança de multa caso o contribuinte já tenha regularmente efetuado o recolhimento do imposto devido:

"O imposto de renda é um tributo declaratório e sua administração depende de que a obrigação de declarar seja satisfatoriamente cumprida pelos contribuintes.

Por sua vez, a obrigação de declarar só será cumprida em níveis satisfatórios, em outras palavras, a norma só será efetiva, se a sanção correspondente estiver bem formulada, for suficientemente dissuasiva para inibir a omissão ou o atraso e se universo contributivo potencial for competentemente fiscalizado.

Em princípio, a penalidade por omissão ou atraso na entrega da declaração de rendimentos deveria ser um valor certo e fixo, independentemente do nível de renda do declarante; esta ideia parece fácil de admitir, já que a infração específica de omitir ou atrasar a prestação de informações ao Fisco é a mesma infração e não se torna maior ou menor se o declarante for mais ou menos rico.

Focalizando, do outro lado, o interesse do Fisco, é compreensível que o dano causado ao Fisco, o prejuízo infligido à administração do imposto por esse tipo de infração, será tanto maior quanto maior a densidade das informações omitidas ou retardadas; na ausência de uma medida simples e precisa da importância das informações faltantes, seria razoável admitir que a importância das informações tende a guardar relação com a capacidade contributiva do declarante; quanto maior a capacidade contributiva, mais numerosos e significativos serão os pagamentos e recebimentos a informar e a cruzar; desse ponto de vista, é compreensível que se queira graduar a penalidade segundo a capacidade contributiva do infrator e é razoável que se utilize como parâmetro da capacidade a grandeza 'imposto devido'.

O raciocínio precedente exprimiria presumivelmente a lógica inerente ao dispositivo tributário-penal que pretendemos modificar; entendemos que, a rigor, a penalidade deveria ser fixa; concedendo, no entanto, que graduá-la não deixa de ser defensável, caso contrário seu efeito inibidor desapareceria para os contribuintes mais ricos e para as pessoas jurídicas, não obstante é forçoso reconhecer que repugna ao senso comum, agride a sensibilidade do contribuinte, a ideia de pagar uma multa sobre um valor de imposto já pago, já antecipado ou já retido anteriormente na fonte.

Por isso, embora não seja ilógico graduar a penalidade segundo a capacidade contributiva do declarante, medida pelo imposto devido, entendemos que a multa deveria incidir apenas sobre a parcela do imposto devido que ainda não se encontra nos cofres do Tesouro, que ainda não foi antecipada ou retida, ou seja, apenas sobre a parcela do imposto devido que se conceitua como saldo de imposto a pagar." (Destaques nossos) [26]

Em nosso entendimento, caso prevaleça o interesse do Fisco, fazendo com que a multa pelo atraso na entrega da DIRPF continue a ser calculada com base em percentual do imposto devido, a base de cálculo da multa deve ser o imposto apurado na declaração de ajuste, conforme proposta do Deputado Lima Netto. Esta sistemática de cálculo, ainda que não contemple a autonomia da obrigação acessória, é a que está mais próxima de uma punição proporcional e razoável pela inobservância do prazo para a entrega da DIRPF, legitimando assim o lançamento da multa.


7.CONCLUSÃO

Verificamos, ao longo de nossa análise, que os contribuintes do IRPF que entregam a DIRPF após o prazo fixado pela legislação tributária estão sujeitos à aplicação de multa. Esta multa, todavia, é calculada com base no imposto devido, ainda que integralmente pago, o que por vezes resulta num valor abusivo, que não está de acordo com os princípios aplicáveis ao Direito Tributário.

No entanto, a DIRPF, embora de importância imensurável para a arrecadação tributária, tem natureza jurídica de obrigação autônoma, apesar de a legislação ter atribuído a ela o nomem juris de obrigação acessória.

Por conta disso, entendemos que, sendo a obrigação dita acessória uma obrigação autônoma, não é legítima a cobrança da multa por atraso na entrega da DIRPF com base em percentual do imposto devido, eis que violaria sua autonomia, e, por vezes, os princípios que regem o Direito Tributário.

Deste modo, somos forçados a concluir que a sistemática de cálculo atualmente aplicada pelo Fisco é ilegítima. A nosso ver, a penalidade mais adequada ao atraso na entrega da DIRPF seria a aplicação de uma multa de valor fixo. Dessa forma, seria contemplada a autonomia da obrigação acessória, sem risco de violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.


8.REFERÊNCIAS

AMARO. Luciano. Direito Tributário Brasileiro – 9ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2003.

DALLA. Multas Tributárias – Natureza Jurídica, Sistematização e Princípios Aplicáveis. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

JUDICE. Mônica Pimenta. A inconstitucionalidade do diferencial de alíquota e a ilegalidade da obrigação acessória. In: Revista de Direito Tributário nº 104. São Paulo: Malheiros, 2009.

LESSA. Donovan Mazza. A multa por atraso na entrega de declaração fiscal (DCTF) em face do princípio da proporcionalidade. In: Revista Dialética de Direito Tributário nº 175. São Paulo: Dialética, 2010.

MACHADO. Hugo de Brito. Obrigação Acessória e os Princípios da Legalidade e da Razoabilidade. In: Grandes questões atuais do Direito Tributário – 8º Volume. São Paulo: Dialética, 2004.

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MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2005.

PEREIRA. Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. II - Teoria Geral das Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

SCHOUERI. Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011.


9.NOTAS

[1] As normas que definem o enquadramento dos obrigados à entrega da DIRPF são anualmente definidas pela própria RFB. Em 2012, por exemplo, os critérios e condições de obrigatoriedade foram os seguintes:

Critérios

Condições

Renda

- recebeu rendimentos tributáveis, sujeitos ao ajuste na declaração, cuja soma anual foi superior a R$ 23.499,15;- recebeu rendimentos isentos, não-tributáveis ou tributados exclusivamente na fonte, cuja soma foi superior a R$ 40.000,00.

Ganho de capital e operações em bolsa de valores

- obteve, em qualquer mês, ganho de capital na alienação de bens ou direitos, sujeito à incidência do imposto, ou realizou operações em bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas;- optou pela isenção do imposto sobre a renda incidente sobre o ganho de capital auferido na venda de imóveis residenciais, cujo produto da venda seja destinado à aplicação na aquisição de imóveis residenciais localizados no País, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados da celebração do contrato de venda, nos termos do art. 39 da Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005.

Atividade rural

- relativamente à atividade rural:

a) obteve receita bruta anual em valor superior a R$ 117.495,75;b) pretenda compensar, no ano-calendário de 2011 ou posteriores, prejuízos de anos-calendário anteriores ou do próprio ano-calendário de 2011.

Bens e direitos

- teve a posse ou a propriedade, em 31 de dezembro de 2011, de bens ou direitos, inclusive terra nua, de valor total superior a R$ 300.000,00.

Condição de residente no Brasil

- passou à condição de residente no Brasil em qualquer mês e nessa condição se encontrava em 31 de dezembro de 2011.

[2] Artigo 7º, caput, da Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995.

[3] Artigo 88, I, da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995.

[4] Artigo 88, I, da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, combinado com o artigo 27, caput, da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997.

[5] Artigo 88, § 3º, da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995.

[6] PEREIRA. Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. II - Teoria Geral das Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 120.

[7] PEREIRA. Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. II - Teoria Geral das Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 122.

[8] Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916.

[9] SCHOUERI. Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 415.

[10] CF, art. 150, VI - Papel

[11] AMARO. Luciano. Direito Tributário Brasileiro - 9ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2003.  p. 243.

[12] Superior Tribunal de Justiça, Primeira Turma.  Recurso Especial nº 396.698. Relator: Luiz Fux.

[13] Superior Tribunal de Justiça (STJ), Primeira Turma.  Agravo Regimental no Agravo de Instrumento no Recurso Especial nº 507.467. Relator: Luiz Fux.

[14] Superior Tribunal de Justiça (STJ), Segunda Turma.  Recurso Especial nº 331.849. Relator: João Otávio de Noronha.

[15] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 135.

[16] DALLA. Multas Tributárias – Natureza Jurídica, Sistematização e Princípios Aplicáveis. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 123.

[17] Câmara Superior de Recursos Fiscais, 1ª Turma, Acórdão nº 01-03.875, julgado em 16/04/2002.

[18] Câmara Superior de Recursos Fiscais, 4ª Turma, Acórdão nº 04-00.149, julgado em 13/12/2005.

[19] 1º Conselho de Contribuintes, 2ª Câmara, Acórdão nº 102-47.478, julgado em 23/03/2006.

[20] 1º Conselho de Contribuintes, 2ª Câmara, Acórdão nº 102-47.392, julgado em 22/02/2006.

[21] 1º Conselho de Contribuintes, 4ª Câmara, Acórdão nº 104-20.598, julgado em 14/04/2005.

[22] 1º Conselho de Contribuintes, 4ª Câmara, Acórdão nº 104-21.075, julgado em 20/10/2005.

[23] STJ. REsp nº 728.999. Ministro Relator Luiz Fux, DJ 26/10/2006.

[24] STF, ADI 551/RJ. Ministro Relator Ilmar Galvão, publicado em 14/02/2003.

[25] Projeto de Lei nº 2.282, de 1996, de autoria do Sr. Deputado Lima Netto, publicado no Diário da Câmara dos Deputados em 29 de agosto de 1996.

[26] Trecho extraído da "Justificativa" do Projeto de Lei nº 2.282/1996.    

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Sobre o autor
Marcelo Rocha dos Santos

Membro do Demarest e Almeida Advogados. Estudou Direito na Univesidade Presbiteriana Mackenzie.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Marcelo Rocha. Sobre a ilegitimidade da cobrança de multa por atraso na entrega da declaração de ajuste anual do imposto sobre a renda da pessoa física com base em percentual do imposto devido. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3431, 22 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23071. Acesso em: 25 abr. 2024.

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