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O controle de constitucionalidade e o plano fático

24/11/2012 às 15:16

Resumo:


  • O controle de constitucionalidade é essencial para assegurar que os atos normativos estejam em conformidade com a Constituição, servindo como um mecanismo de verificação da adequação das leis e atos normativos à Lei Maior.

  • A inconstitucionalidade pode ocorrer tanto no plano normativo quanto no fático, sendo influenciada por circunstâncias reais que podem alterar a interpretação e aplicação das normas, conforme as teorias de Hans Kelsen sobre o "ser" e o "dever ser".

  • O Supremo Tribunal Federal brasileiro utiliza técnicas como a "lei ainda constitucional" e a "inconstitucionalidade circunstancial" para lidar com situações em que as circunstâncias fáticas afetam a constitucionalidade de uma norma, mostrando que a realidade pode e deve ser considerada no julgamento da conformidade das leis com a Constituição.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Dentre as diversas técnicas de controle de constitucionalidade, há duas técnicas que podem ser consideradas especialmente relacionadas ao plano fático, quais sejam: a da “lei ainda constitucional” e a da “inconstitucionalidade circunstancial”.

Como a Constituição Federal é a Lei Maior do sistema normativo brasileiro, o estudo do Controle de Constitucionalidade mostra-se de fundamental importância para a compreensão do Direito Constitucional e representa o conjunto de mecanismos por meio dos quais se verifica a adequação dos atos normativos à Constituição. Neste sentido, observe-se a doutrina de Pedro Lenza:

A ideia de controle, então, emanada da rigidez, pressupõe a noção de um escalonamento normativo, ocupando a Constituição o grau máximo na aludida relação hierárquica, caracterizando-se como norma de validade para os demais atos normativos do sistema (2012:239).

É interessante notar que a inconstitucionalidade pode não estar apenas no plano normativo, mas também no plano fático. Hans Kelsen ao tratar de tais planos, refere-se a eles como “ser” e “dever ser”. Neste sentido:

(...) Com o termo “norma” se quer significar que algo deve ser ou acontecer, especialmente que um homem se deve conduzir de determinada maneira. (...) Desta forma o verbo “dever” é aqui empregado com uma significação mais ampla que a usual. No uso corrente da linguagem apenas ao ordenar corresponde um “dever”, correspondendo ao autorizar um “estar autorizado a” e ao conferir competência um “poder”. Aqui, porém, emprega-se o verbo “dever” para significar um ato intencional dirigido à conduta de outrem. Neste “dever” vão incluídos o “ter permissão” e o “poder” (ter competência). (...), a norma é um dever ser e o ato de vontade de que ela constitui o sentido é um ser. Por isso, a situação fática perante a qual nos encontramos na hipótese de tal ato tem de ser descrita pelo enunciado seguinte: um indivíduo quer que o outro se conduza de determinada maneira. A primeira parte refere-se a um ser, o ser fático do ato de vontade; a segunda parte refere-se a um dever ser, a uma norma como sentido do ato (KELSEN, 1999:4) (grifos nossos).

É bem verdade que a maior parte do estudo relacionado ao Controle de Constitucionalidade tem por objeto o plano do dever ser e as análises fáticas são vistas como excepcionais, porém não se pode, de forma alguma, desprezá-las.

Dentre as diversas técnicas de Controle de Constitucionalidade, há duas técnicas que podem ser consideradas especialmente relacionadas ao plano fático, quais sejam: a da “lei ainda constitucional” e a da “inconstitucionalidade circunstancial”. 

A técnica da lei “ainda constitucional” é também chamada na doutrina de técnica da “Inconstitucionalidade Progressiva” ou “Declaração de Constitucionalidade de Norma em Trânsito para a Inconstitucionalidade” (LENZA, 2012:309). A técnica representa o reconhecimento de que situações fáticas podem influenciar a esfera jurídica (dever ser), ou seja, a norma é constitucional, mas somente até que uma determinada situação temporal ou local permaneça.

Com o uso da técnica se reconhece que o preceito legal está em situação transitória ou temporária que dependerá da eficácia de uma norma constitucional ou de circunstâncias materiais ainda não efetivamente existentes. Deste modo, com o uso da referida técnica pode-se considerar uma norma inconstitucional para o um determinado Estado da Federação e constitucional para outro, por exemplo.

O Supremo Tribunal Federal já utilizou algumas vezes esta técnica e o comentário sobre alguns destes julgados poderá tornar a compreensão do tema mais facilitada.

Inicialmente, cite-se o julgado proferido no Habeas Corpus nº 70.514 em 23/03/1994:

Direito Constitucional e Processual Penal. Defensores Públicos: prazo em dobro para interposição de recursos (§ 5 do art. 1 da Lei n 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei n 7.871, de 08.11.1989). Constitucionalidade. "Habeas Corpus". Nulidades. Intimação pessoal dos Defensores Públicos e prazo em dobro para interposição de recursos. 1. Não é de ser reconhecida a inconstitucionalidade do § 5 do art. 1 da Lei n 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei n 7.871, de 08.11.1989, no ponto em que confere prazo em dobro, para recurso, às Defensorias Públicas, ao menos até que sua organização, nos Estados, alcance o nível de organização do respectivo Ministério Público, que é a parte adversa, como órgão de acusação, no processo da ação penal pública. (STF, HC 70.514 / RS - RIO GRANDE DO SUL; Relator(a):  Min. SYDNEY SANCHES; Julgamento:  23/03/1994; Órgão Julgador:  Tribunal Pleno; Publicação: DJ 27-06-1997 PP-30225  EMENT VOL-01875-03 PP-00450) (grifos nossos).

Vê-se que o ponto polêmico refere-se à aplicabilidade ou não da contagem dos prazos em dobro para os membros da Defensoria Pública. Neste sentido, seguem trechos da Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, e da Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994:   

 Art. 5º. O juiz, se não tiver fundadas razões para indeferir o pedido, deverá julgá-lo de plano, motivando ou não o deferimento dentro do prazo de setenta e duas horas. (...) § 5° Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as Instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos (grifos nossos).

Art. 44. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública da União: I – receber, inclusive quando necessário, mediante entrega dos autos com vista, intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição ou instância administrativa, contando-se-lhes em dobro todos os prazos (grifos nossos).

No âmbito do Processo Civil não há polêmica, uma vez que há garantia semelhante pra a Fazenda Pública e para o Ministério Público por força do artigo 188 do Código de Processo Civil (“Art. 188. Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público.”). Ocorre que no âmbito do processo penal, como o Ministério Público não possui também tal prerrogativa, a legislação foi questionada por violação ao princípio da isonomia e do devido processo legal.

Na análise da questão, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a norma está em trânsito para a inconstitucionalidade, porém não poderia ser considerada imediatamente inconstitucional diante do fato de que a Defensoria Pública ainda estava em fase de efetiva instalação. Uma vez que a Defensoria Pública seja efetivamente instalada a norma será considerada inconstitucional.

Vê-se que foram buscados elementos fáticos (mundo do ser) e não jurídicos (dever ser) para fundamentar a constitucionalidade da legislação. Neste sentido, diante da realidade da instalação incipiente das Defensorias Públicas a norma é considerada constitucional. Interessante notar ainda que é a própria evolução da situação fática que levará a norma para a inconstitucionalidade.  

Verifica-se que a aplicação da técnica da norma ainda constitucional busca congregar as determinações constitucionais com a realidade fática do objeto da norma. Gilmar Mendes, quando da análise do julgado acima citado, destaca passagem do voto do Min. Sepúlveda Pertence para ressaltar justamente a possibilidade de que com a alteração da situação fática, a norma seria declarada inconstitucional. Neste sentido:

Ressalvou-se, portanto, de forma expressa, a possibilidade de que o Tribunal possa vir a declarar a inconstitucionalidade da disposição em apreço, uma vez que a afirmação sobre a legitimidade da norma assentava-se em uma circunstância de fato que se modifica no tempo (MENDES, 2010:1436). 

Com o julgado acima ficam claras as duas facetas da técnica da inconstitucionalidade progressiva, quais sejam: tempo e espaço, uma vez que a norma pode ser inconstitucional para o estado de São Paulo e constitucional para o estado do Acre, por exemplo. Da mesma forma, será constitucional somente até a data da efetiva implantação e aparelhamento da defensoria.

Outro julgado relevante para a análise do tema é o Recurso Extraordinário nº 135328-SP de 29/06/1994:

LEGITIMIDADE - AÇÃO "EX DELICTO" - MINISTÉRIO PÚBLICO - DEFENSORIA PÚBLICA - ARTIGO 68 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CARTA DA REPÚBLICA DE 1988. A teor do disposto no artigo 134 da Constituição Federal, cabe à Defensoria Pública, instituição essencial à função jurisdicional do Estado, a orientação e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV, da Carta, estando restrita a atuação do Ministério Público, no campo dos interesses sociais e individuais, àqueles indisponíveis (parte final do artigo 127 da Constituição Federal). INCONSTITUCIONALIDADE PROGRESSIVA - VIABILIZAÇÃO DO EXERCÍCIO DE DIREITO ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE - ASSISTÊNCIA JURÍDICA E JUDICIÁRIA DOS NECESSITADOS - SUBSISTÊNCIA TEMPORÁRIA DA LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Ao Estado, no que assegurado constitucionalmente certo direito, cumpre viabilizar o respectivo exercício. Enquanto não criada por lei, organizada - e, portanto, preenchidos os cargos próprios, na unidade da Federação - a Defensoria Pública, permanece em vigor o artigo 68 do Código de Processo Penal, estando o Ministério Público legitimado para a ação de ressarcimento nele prevista. Irrelevância de a assistência vir sendo prestada por órgão da Procuradoria Geral do Estado, em face de não lhe competir, constitucionalmente, a defesa daqueles que não possam demandar, contratando diretamente profissional da advocacia, sem prejuízo do próprio sustento (STF, RE 135328 - SP - SÃO PAULO; RECURSO EXTRAORDINÁRIO; Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO; Julgamento:  29/06/1994; Órgão Julgador:  Tribunal Pleno; Publicação: DJ 20-04-2001 PP-00137; EMENT VOL-02027-06 PP-01164) (grifos nossos).

Vê-se que o julgado acima também trata do mesmo tema de maneira eficaz, porém a passagem mais relevante e que esclarece e resume com perfeição o tema aqui discutido está no inteiro teor do voto do Ministro Sepúlveda Pertence, in verbis:

(...) a implementação de uma nova ordem constitucional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual a possibilidade da realização da norma da Constituição – ainda quando teoricamente não se cuide de um preceito de eficácia limitada -, subordina-se muitas vezes a alterações da realidade fáctica que a viabilizem.

Também ligado à defensoria pública, este segundo julgado tem a mesma base fática, mas agora o fundamento jurídico é o artigo 68 do Código de Processo Penal. Trata-se da chamada ação civil “ex delicto”, cuja competência, desde a Constituição Federal de 1988, deveria ser da Defensoria Pública e não do Ministério Público. Numa análise meramente legalista, chegar-se-ia a conclusão de que o referido artigo deveria ter sido revogado, por não recepção, porém, como visto, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a norma seria ainda constitucional.

Em recente julgado do segundo semestre de 2011, o Supremo Tribunal Federal voltou a aplicar a técnica no caso dos serviços notoriais e de registro. Neste sentido:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PROVIMENTOS N. 747/2000 E 750/2001, DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE SÃO PAULO, QUE REORGANIZARAM OS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO, MEDIANTE ACUMULAÇÃO, DESACUMULAÇÃO, EXTINÇÃO E CRIAÇÃO DE UNIDADES. (...) 2. CRIAÇÃO E EXTINÇÃO DE SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. As serventias extrajudiciais se compõem de um feixe de competências públicas, embora exercidas em regime de delegação a pessoa privada. Competências que fazem de tais serventias uma instância de formalização de atos de criação, preservação, modificação, transformação e extinção de direitos e obrigações. Se esse feixe de competências públicas investe as serventias extrajudiciais em parcela do poder estatal idônea à colocação de terceiros numa condição de servil acatamento, a modificação dessas competências estatais (criação, extinção, acumulação e desacumulação de unidades) somente é de ser realizada por meio de lei em sentido formal, segundo a regra de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Precedentes. 3. PROCESSO DE INCONSTITUCIONALIZAÇÃO. NORMAS “AINDA CONSTITUCIONAIS”. Tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal indeferiu o pedido de medida liminar há mais de dez anos e que, nesse período, mais de setecentas pessoas foram aprovadas em concurso público e receberam, de boa-fé, as delegações do serviço extrajudicial, a desconstituição dos efeitos concretos emanados dos Provimentos n. 747/2000 e 750/2001 causaria desmesurados prejuízos ao interesse social. Adoção da tese da norma jurídica “ainda constitucional”. Preservação: a) da validade dos atos notariais praticados no Estado de São Paulo, à luz dos provimentos impugnados; b) das outorgas regularmente concedidas a delegatários concursados (eventuais vícios na investidura do delegatário, máxime a ausência de aprovação em concurso público, não se encontram a salvo de posterior declaração de nulidade); c) do curso normal do processo seletivo para o recrutamento de novos delegatários. 4. Ação direta julgada improcedente. (STF, ADI 2415 / SP - SÃO PAULO; AYRES BRITTO; Julgamento:  22/09/2011; Tribunal Pleno) (grifos nossos).

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Em linhas gerais, tratava-se de uma ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil (ANOREG) que impugnava provimentos do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, sob o argumento de que para tratar da criação, extinção, anexação e desacumulação de serventias notariais e de registro seria necessária aprovação de lei formal, não sendo cabível provimento do Poder Judiciário.

Fundamental destacar alguns trechos do voto do Ministro Ayres Britto:

(...) serviços notariais e de registro são típicas atividades estatais, mas não são  serviços  públicos,  propriamente. (...) é do meu pensar que as serventias extrajudiciais só podem ser criadas ou extintas por meio de lei. Lei em sentido formal, agregue-se. Explico. (...)É dizer: para que atos de criação, preservação, modificação, transferência e extinção de direitos e obrigações possam colocar terceiros numa condição de reverente passividade, é preciso que a instituição das serventias extrajudiciais — que são unidades de competências investidas em parcela do poder estatal, remarque-se — seja precedida de lei em sentido formal (grifos nossos).

Vê-se que a tese defendida pela ANOREG foi confirmada do ponto de vista jurídico. Ocorre que em virtude da análise da situação fática a decisão teve que tomar outro caminho:

Em tese, não haveria como escapar da declaração de inconstitucionalidade aqui pleiteada. O caso dos autos, porém, tem peculiaridades que conduzem ao reconhecimento daquilo que, em José Joaquim Gomes Canotilho, assume a compostura de gradativo processo de inconstitucionalização (grifos nossos).

Ora, o fato de que uma série de pessoas já haviam sido aprovadas em concurso público e receberam, de boa-fé, as delegações do serviço modificaram o rumo da decisão. Neste sentido, os provimentos do Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo foram considerados “ainda constitucionais” até o momento da decisão e daquele momento para frente seriam considerados inconstitucionais. Vê-se que, mais uma vez, a realidade fática alterou o conteúdo jurídico e a constitucionalidade da norma.

Cabe agora tecer alguns comentários sobre a técnica da “Inconstitucionalidade Circunstancial”. Sobre o tema Pedro Lenza assim se manifesta:

Busca-se, diante de uma lei formalmente constitucional, identificar que, circunstancialmente, a sua aplicação caracterizaria uma inconstitucionalidade, que poderíamos até chamar de axiológica (2012:311).

Pedro Lenza cita ainda Ana Paula de Barcellos para trazer esclarecedora definição:

(...) trata-se da declaração de inconstitucionalidade da norma produzida pela incidência da regra sobre uma determinada situação específica... É possível cogitar de situações nas quais um enunciado normativo, válido em tese e na maior parte de suas incidências, ao ser confrontado com determinadas circunstâncias concretas, produz uma norma inconstitucional (...) (2012:311) (grifos nossos).

Vê-se que a inconstitucionalidade não seria patente ou clara na norma, mas sim excepcional, e somente se mostraria de forma explícita se presentes determinadas circunstâncias fáticas. Ou seja, na maior parte das hipóteses de incidência a norma é válida e constitucional, porém, se aplicada diante de específicas circunstâncias, seria considerada inconstitucional.

Um exemplo bastante citado é o caso da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 4 de 1997. Nos termos do Informativo º 522 do Supremo Tribunal Federal do período de 29 de setembro a 3 de outubro de 2008, tem-se o seguinte:

Em conclusão, o Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação declaratória de constitucionalidade, proposta pelo Presidente da República e pelas Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, para declarar a constitucionalidade do art. 1º da Lei 9.494/97 ("Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei 8.437, de 30 de junho de 1992.") ? v. Informativo 167. Entendeu-se, tendo em vista a jurisprudência do STF no sentido da admissibilidade de leis restritivas ao poder geral de cautela do juiz, desde que fundadas no critério da razoabilidade, que a referida norma não viola o princípio do livre acesso ao Judiciário (CF, art. 5º, XXXV) (2008) (grifos nossos).

Ocorre que em decisões posteriores, o Supremo Tribunal Federal vem restringindo a interpretação do dispositivo para, diante de determinadas circunstâncias, permitir a utilização de decisões antecipatórias ou liminares.

Por fim, cabe citar também o caso da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 4.068, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil cujo pedido é expresso em citar a existência de “inconstitucionalidade circunstancial” do §1º do artigo 16 da Lei nº 11.457/07, que estende a competência da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para a inscrição e cobrança de toda a dívida ativa da União, inclusive as contribuições devidas ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS e ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE (artigos 2º e 3º da mesma lei).  

Neste caso, seguindo a linha argumentativa aqui apresentada, a Ordem dos Advogados do Brasil pede que a inconstitucionalidade seja reconhecida até que até sejam realizadas todas as ações necessárias para que seja viabilizada a transferência total à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional das atribuições que naquele momento eram de competência da Procuradoria-Geral Federal. O fundamento fático era a ausência de condições de trabalho suficientes para o recebimento de nova e volumosa demanda.  A ação ainda está pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal e o mais provável é que, ao menos neste ponto, perca o objeto uma vez que a situação fática já se concretizou.

Vê-se que, seja por meio da técnica da “lei ainda constitucional”, seja por meio da técnica da “inconstitucionalidade circunstancial”, a análise da constitucionalidade não pode ser realizada apenas sob o aspecto puramente normativo. As circunstâncias fáticas podem e devem sim ser levados em consideração no julgamento, fazendo prevalecer o senso de justiça.

Por fim, cabe concluir com uma citação de Goethe, realizada pelo Ministro Ayres Britto quando do julgamento da ADI 2.415, acima destacada, que bem resume o sentido do presente artigo, qual seja: “Poderosa é a lei, porém, mais poderosa é a realidade”.


Referências Bibliográficas

KELSEN, Hans. (1999), Teoria Pura do Direito. 6ª ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes.

LENZA, Pedro. (2012), Direito Constitucional Esquematizado. 16ª. ed. São Paulo: Saraiva. 

MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. (2010), Curso de Direito Constitucional. 5ª. ed. São Paulo: Saraiva.

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Sobre o autor
Rafael Gomes de Santana

Pós-Graduado em Direito Processual Civil, Direito Constitucional e Direito Administrativo. Ex-Coordenador de Defesa do Patrimônio Público e Recuperação de Créditos da Procuradoria Regional Federal da 1ª Região. Ex-Chefe de Divisão da Coordenação-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos da Procuradoria-Geral Federal. Subprocurador-chefe da Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Bacharel em Direito pela UFPE. Procurador Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA, Rafael Gomes. O controle de constitucionalidade e o plano fático. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3433, 24 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23090. Acesso em: 22 dez. 2024.

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