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A norma antielisão e seus efeitos.

Art. 116, parágrafo único, do CTN

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01/11/2001 às 01:00
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IV – TEORIAS QUE PERMITEM UM AUMENTO DA ARRECADAÇÃO

IV.1 – A interpretação econômica do direito tributário e o uso da analogia

Teoria divulgada a partir da Alemanha, por Enno Becker, teve sua origem no artigo 4º do Ordenamento Tributário Alemão, de 31.12.1919, que assim fixava: "Artigo 4º - Na interpretação das leis fiscais deve-se levar em conta a sua finalidade, o seu significado econômico e a evolução das circunstância."(43). Denominada, também, de teoria da consideração econômica ou da preponderância do conteúdo econômico dos fatos, tem por finalidade buscar o significado econômico das leis tributárias com base no princípio da igualdade e da capacidade contributiva. Em outras palavras, a interpretação econômica é o instrumento de aplicação do princípio da igualdade, onde situações econômicas iguais devem ser tratadas de forma igual, independente da forma jurídica adotada na operação, visando a uma distribuição uniforme dos encargos sociais(44).

Apoiando-se no artigo 109 do CTN, esta teoria quer autorizar o intérprete a tributar igualmente duas situações jurídicas distintas, que demonstrem o mesmo resultado econômico, mas que somente a primeira tem seu fato gerador expressamente previsto em lei. Vale dizer, se o FATO A (ex.gr., transmissão gratuita de bens ou direitos) previsto em lei como fato gerador de determinado tributo, demonstra capacidade econômica, então o FATO B, não previsto em lei como fato gerador desse tributo, mas que revela igual capacidade econômica deve ser igualmente tributado. A bem da verdade, para essa teoria o que interessa é o substrato econômico do fato e não a forma jurídica adotada (nomen iuris). Essa teoria utiliza como critério de tributação a igualdade de conteúdo econômico demonstrado na operação, não importando qual a forma jurídica usada para realizar o negócio.

Por exemplo. Caso hipotético. O FATO A tem como fato gerador a transmissão gratuita de bens, utilizando o instituto da doação para operacionalizar o negócio. O FATO B exterioriza, também, uma transmissão gratuita de bens, mas não tem expressa previsão legal de seu fato gerador. Os dois fatos apresentam igual capacidade econômica, porém, o último fato se utiliza de instituto diverso para realizar a operação. O FATO A é uma doação e o FATO B é uma renúncia de herança em favor de herdeiro. Pela interpretação econômica, sem lei que permita, o intérprete está autorizado a tributar as duas situações jurídicas, pois o conteúdo econômico da operação é o mesmo, revelando igual capacidade contributiva. Assim, o intérprete estaria dando igual tratamento fiscal a situações de igual conteúdo econômico, sem possuir, no entanto, qualquer lei tributária que o autorizasse. Estaria, na verdade, tributando por analogia(45).

Neste exemplo, a tributação torna-se permitida com a previsão na lei dos efeitos tributários a que faz menção o artigo 109 do CTN. Tais efeitos são descritos na Lei nº 1.427, de 13 de fevereiro de 1989, artigo 1º, § 1º, do Estado do Rio de Janeiro, onde expressamente são previstos(46), convolando o exemplo hipotético numa situação real.

A lei tributária, pois, deve conceder efeitos iguais para diferentes institutos de direito privado que revelem o mesmo conteúdo econômico (exteriorizam a mesma capacidade contributiva) e não o intérprete.

IV.2 – Teoria do abuso de forma

Como desdobramento da interpretação econômica, a teoria do abuso de forma consiste em coibir o uso de uma forma jurídica "atípica" ou "não comum" para um negócio obrigando a utilização da forma "típica" ou "normal" para o mesmo negócio, que permitiria uma maior incidência fiscal (no sentido da arrecadação de receita).

A realização de negócios no mundo moderno, e principalmente globalizado, caracteriza-se fundamentalmente pela dinâmica dos movimentos. O empresário, norteado pela livre iniciativa, busca a todo momento empreender novos negócios. Os meios jurídicos, de que se utiliza o empresário, são os previstos em lei. Os autores tradicionais questionam: até que ponto pode a Administração Tributária considerar abusiva a forma jurídica adotada numa operação, se esse meio utilizado é perfeitamente autorizado em lei? Qual o critério lógico e objetivo para desconsiderar a forma "atípica" ou "não comum" e adotar-se a forma "típica" ou "mais comum" para o negócio?

Essa teoria coloca o direito numa camisa-de-força. O mundo empresarial, e aí insere-se também a Administração Pública, tem na dinâmica sua principal particularidade. Dizer o que é abusivo ou não, investe o intérprete de um subjetivismo sem medidas. Não se pode impor ao empresário a forma da compra e venda para transferir um imóvel à sociedade, incidindo imposto de transmissão, ao invés de fazer uso da incorporação de bens ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, não incidindo o imposto (artigo 156, § 2º, inciso I, da CF 88). Atitudes desse porte levam a um autoritarismo das formas, na medida em que manieta a livre iniciativa, fixando um regramento estanque e uniforme. O Estado Democrático de Direito não comporta teorias dessa magnitude, assim critica em tudo a doutrina clássica.

IV.3 – Teoria do abuso de direito

Outro desdobramento da interpretação econômica é a teoria do abuso de direito. Ela tem a nota de considerar ilícita a conduta do contribuinte que pretende exclusivamente a economia de imposto, fundamentando-se no uso imoral do Direito. O intérprete aplicaria uma regra moral própria, convertendo-a numa regra jurídica a incidir em cada caso. Para cada situação existirá uma regra moral específica. Seu campo de incidência é o plano da moral, o que rejeita o princípio da legalidade e o valor segurança jurídica. Há quem a defenda(47), associando-a ao princípio da solidariedade, onde o Estado tem a prerrogativa de tributar e o indivíduo tem o dever de participar do custeio das despesas públicas.

A corrente doutrinária mais tradicional, jungida ao princípio da tipicidade fechada, não aceita esse argumento. Acredita que compete ao indivíduo, dentre várias alternativas lícitas oferecidas pelo ordenamento, optar qual o caminho lícito a tomar. Não se pode obrigar alguém a pagar mais tributos se há solução lícita dentro do ordenamento que o autorize a pagar menos tributos. O que existe é o dever de pagar tributos, o dever de custear as ações destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, o dever de contribuir para satisfazer as necessidades sociais, mas não o de pagar mais tributos sobre a mesma situação (como no caso da incorporação de bens ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, visto acima).

Essas teorias possuem o mesmo efeito da interpretação econômica, pois elas proporcionam ao intérprete desprezar a forma ou a realidade jurídica para considerar tão somente o conteúdo econômico da operação.


V – SIMULAÇÃO E DISSIMULAÇÃO

São defeitos do negócio jurídico que objetivam burlar a lei ou prejudicar terceiros procurando alguma vantagem econômica. A primeira é a simulação absoluta e a segunda, a simulação relativa. Na verdade só se diferenciam na conceituação, principalmente na semântica, mas nos efeitos não se distinguem. Assim, simulação é uma declaração enganosa da vontade, visando a produzir efeito diverso do ostensivamente indicado(48). Vale dizer, quando há uma intencional divergência entre a vontade real e a vontade declarada (negócio simulado). Simular é fingir o que não é. Fazer de uma não verdade uma verdade. Dissimular é esconder o que é. Fazer de uma verdade uma não verdade.

Exemplificando. A e B desejam realizar a compra e venda de uma propriedade imóvel (esse é o negócio verdadeiro), pagando o mínimo de tributos. Pois bem, decidem constituir uma pessoa jurídica, onde A integraliza suas quotas com a propriedade e B integraliza suas quotas com dinheiro em espécie, correspondente ao valor da propriedade. Após certo tempo, decidem extinguir a pessoa jurídica, acertando-se que A ficará com o dinheiro em espécie e B com a propriedade. A compra e venda da propriedade é o negócio verdadeiro, enquanto a constituição da pessoa jurídica é o negócio simulado. Os efeitos jurídicos (reais) pretendidos pelas partes diferem dos efeitos típicos (aparentes) do negócio jurídico executado. O efeito real desejado é a compra e venda da propriedade e o efeito aparente é a constituição da sociedade. Convém lembrar que o artigo 36, parágrafo único, do CTN proíbe esse tipo de operação. Alguns doutrinadores compreendem esse dispositivo como uma norma antielisiva específica. Na verdade não o é. A hipótese comentada não demonstra uma elisão e sim, uma simulação, espécie ilícita de redução da carga tributária. Outro exemplo que podemos citar é o comodato mascarando uma locação, entre outros.

Para o direito tributário, estas situações são indicativas de capacidade econômica e apresentam vício na manifestação de vontade. Forçoso concluir que essas fórmulas ilícitas de não pagar ou pagar menos tributos já são tipificadas no artigo 149 VII do CTN; assim, o fisco detém autorização para proceder ao lançamento de ofício nos casos de dolo, fraude, simulação ou falsidade, artigo 149, IV, VII e IX, do CTN, devendo, no entanto, fazer a prova da ilicitude.


VI – O DIREITO COMPARADO E SEUS MODELOS DE NORMA ANTIELISÃO(49)

A experiência do direito comparado traz enorme contribuição ao direito brasileiro. Em linhas gerais, a doutrina certifica a existência de duas correntes de pensamento: a anglo-saxônica e a romano-germânica. Desta forma, vale relacionar os modelos mais importantes de tratamento da elisão elaborados pelo direito estrangeiro.

A Alemanha adota a teoria do abuso de forma e prevê o combate à simulação, como se depreende do § 42 e inciso 2 do § 41 do Código Tributário Alemão, respectivamente: " § 42 - A lei tributária não pode ser fraudada através do abuso de formas jurídicas. Sempre que ocorrer o abuso, a pretensão do imposto surgirá, como se para os fenômenos econômicos tivesse sido adotada a forma jurídica adequada; § 41 inciso 2 – Os negócios simulados são irrelevantes para os efeitos da tributação. Se por meio de um negócio simulado se encobre outro negócio jurídico, o negócio jurídico encoberto prevalecerá para efeito da tributação".

A França utiliza a teoria do abuso de direito, conforme o artigo 64 do Livre des Procedures Fiscales, enquanto a Argentina faz uso da interpretação teleológica ou da consideração econômica, como se observa no artigo 12 da Lei Nacional nº 11.683 – " En la interpretación de las disposiciones de esta ley o de las leyes impositivas sujetas a su régimen, se atenderá al fin de las mismas y a su significación económica. Sólo cuando no sea posible fijar por la letra o por su espíritu, el sentido o alcance de las normas, concepto o términos de las disposiciones atendichas, podrá recurrirse a las normas, conceptos y términos del derecho privado".

Já a Espanha prevê extensamente os institutos, tipificando a fraude à lei, a simulação e o abuso de forma nos artigos 24, 25 e 28.2 da Ley General Tributária, valendo a transcrição do artigo 24 – " Para evitar el fraude de ley se estenderá que no existe extensión del hecho imponible cuando se graven hechos, actos o negocios juridicos realizados con el propósito de eludir el pago del tributo, amparándose en texto de normas dictadas con distinta finalidad, siempre que produzcan un resultado que se dé audiencia al interessado. Los hechos, actos o negocios juridicos ejecutados en fraude de ley tributária no impedirán la aplicación de la norma tributária eludida ni darán lugar al nacimiento de las ventajas fiscales que se pretendia obtener mediante ellos. (...) ".

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E por fim, a Itália descreve um elenco de negócios inoponíveis ao fisco, previsto no artigo 37bis do Decreto nº 600 do Presidente da República de 29.09.73, introduzido pelo artigo 7º do Decreto Legislativo nº 358, de 08.10.97, disposizioni antielusive.


VII – O MODELO BRASILEIRO DE ANTIELISÃO – LEI COMPLEMENTAR Nº 104/2001 QUE CRIOU O PARÁGRAFO ÚNICO NO ARTIGO 116 DO CTN

Não obstante a riqueza legislativa das experiências alienígenas, o direito brasileiro, na linha de preocupação do direito comparado, adotou modelo próprio de antielisão, inserindo-o de maneira genérica no CTN e deixando para cada ente federativo a formulação dos procedimentos a serem adotados em cada caso.

A Lei Complementar nº 104/2001 alterou o artigo 116 do CTN, criando, no parágrafo único, a norma antielisiva geral, assim disposta:

" Artigo 116 -

Parágrafo único – A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária."

Nota-se, desde já, a incerteza do significado e alcance desse dispositivo, gerada pela timidez legislativa, deixando à doutrina elaborá-los e à jurisprudência aplicá-los. Todavia, um fato é certo, afigura-se incompossível a retroatividade desta lei visando a alcançar situações jurídicas já consolidadas no tempo. Sua aplicação alcançará negócios jurídicos futuros e sua eficácia ficará condicionada à legislação ordinária de cada ente federativo.

VII.1 – O alcance da norma antielisão discutido pela doutrina brasileira e o critério de interpretação a ser adotado

A doutrina brasileira diverge sobre a que fim se destina a norma antielisiva geral, disposta no Código Tributário Nacional. Esta discordância se deve à falta de clareza do legislador brasileiro. A legislação poderia assentar com maiores detalhes os efeitos desejáveis dessa norma. Mais uma vez pecou o legislador brasileiro. Poderia ter ido além, mas ficou aquém das expectativas.

A primeira corrente atribui ao parágrafo único do artigo 116 do CTN nenhum efeito. Vale dizer, entendem que o dispositivo citado não inovou na Ordem Tributária, já que a hipótese de simulação tem previsão expressa no artigo 149, inciso VII, do CTN. E como a norma antielisão tem como meta proibir a dissimulação, que nada mais é que a simulação relativa, então a nova norma não alcançou o fim a que se destinava (proibir a elisão). Ademais, pela literalidade do texto, constatam que a norma antielisão estaria abraçando as hipóteses ilícitas de redução de impostos. Em outras palavras, não seria caso de elisão e sim de fraude. Concluem nesse sentido, porque dissimular a ocorrência do fato gerador é na verdade ocultar a sua ocorrência. O fato gerador já teria acontecido, mas o contribuinte estaria ocultando, disfarçando, encobrindo a sua ocorrência ao fisco. Assim, teria ultrapassado a linha divisória que separa a elisão da fraude, a ocorrência do fato gerador. A propósito, cabe observar que a simulação já vem sendo combatida pela Administração Fiscal, como se verifica no Acórdão CSRF/02-0.167, em 30.09.85, valendo a transcrição: "IPI. Imposto sobre operações de crédito. Empréstimo ou financiamento para capital de giro mascarado por operação de compra e venda atípica. Simulação. A tributação do ato anulável independe de sua anulabilidade. Recurso Especial provido (grifo nosso)."(50)

A segunda corrente, capitaneada por Ives Gandra da Silva Martins, defende a inconstitucionalidade da LC nº 104/2001, pois considera a norma antielisiva uma violação ao princípio da legalidade estrita, instaurando-se uma completa insegurança nos negócios praticados pelos contribuintes. Ademais, preconiza a tese de que se essa norma for considerada constitucional, ela estaria autorizando a interpretação econômica no direito brasileiro, deferindo ao fisco o dever de tributar duas situações jurídicas distintas, reveladoras de mesmo conteúdo econômico e de igual capacidade contributiva.

Uma terceira linha de pensamento, a qual defendemos, adota posições menos radicais e mais ponderadas, asseverando que o critério de interpretação da norma deve ser orientado pela busca do pluralismo de valores com equilíbrio entre a liberdade, justiça e segurança jurídica(51). Tendo em vista este posicionamento, dois regimes de antielisão podem ser compreendidos no modelo ventilado na LC nº 104/2001. O primeiro consiste na previsão de norma antielisiva geral disposta no CTN associada à legislação ordinária meramente procedimental dos membros da Federação. O segundo dispõe a norma antielisiva de forma genérica no CTN e deixa ao legislador de cada ente federativo para elaborar a norma antielisiva específica que contenha a lista dos negócios inoponíveis ao Fisco. Nesse passo, algumas condições são necessárias à aplicação da norma antielisiva geral. No primeiro regime, considera-se constitucional a norma antielisiva geral desde que, cumulativamente: a) o intérprete faça uso da técnica de ponderação de interesses na solução do conflito, tal como anteriormente colocado; b) a justificativa para a intervenção do fisco seja bem clara e definida, usando de critérios objetivos, à luz da transparência que deve existir nas relações fisco e contribuinte; c) obedeça à lei ordinária de cada ente federativo exigida em seu texto (lei meramente procedimental); d) exista uma ampla defesa, contraditório e controle do ato de desconsideração, sob pena de se atribuir um poder sem sua contrapartida (checks and balance). No segundo regime, desde que a lei ordinária exigida de cada ente federativo contenha a lista de situações antielisivas (lei contendo norma antielisiva específica), acrescentando-se, ainda, as condições de letras a), b) e d) acima citadas.

VII.2 – O ato de desconsideração. Procedimento administrativo e o devido processo legal. Controle do ato – antes ou concomitante ao auto de infração. Competência para julgamento – órgão singular ou colegiado. Efeitos do ato – ex tunc ou ex nunc. Validade do negócio jurídico praticado pelo contribuinte. Artigo 116, parágrafo único – norma dependente de integração – lei de cada ente federativo

Presumida a constitucionalidade da norma antielisiva geral, o fisco poderá desconsiderar os efeitos do negócio praticado pelo contribuinte, dentro dos estreitos limites elencados pela terceira corrente. Cumpre destacar que o modelo de procedimento administrativo discutido adiante aplica-se aos dois regimes antielisivos considerados acima.

Nessa esteira, qual o momento adequado à prática do ato de desconsideração? Antes ou concomitante ao auto de infração?

O ato de desconsideração produzido pelo fisco, antes do auto de infração, levaria à suspensão da fiscalização enquanto não houvesse decisão definitiva do órgão competente acerca da dúvida levantada sobre a licitude da operação. Vale dizer, burocratizaria ainda mais os procedimentos administrativos, gerando insatisfação tanto à Administração Tributária quanto ao contribuinte.

Se a desconsideração for praticada como pressuposto para a lavratura do auto de infração, dele faria parte, provocando o debate de legalidade no bojo do procedimento administrativo instaurado pela autuação fiscal. Portanto, os autos de infração lavrados sobre hipóteses de aplicação da norma antielisiva teriam o mesmo tratamento dos atuais, inclusive a duplicidade de instância. A diferença residiria na celeridade do rito. Formar-se-ia um procedimento administrativo especial, sumário, assegurando-se sempre a ampla defesa e o contraditório, consoante artigo 5º, inciso LV, da CF 88. A propósito, a cláusula do devido processo legal, prevista no artigo 5º, inciso LIV, da CF 88, consagra a obediência ao regular processamento dos atos produzidos pela Administração Pública e seu respectivo controle.

Cumpre observar que o ato de desconsideração atua no plano da eficácia e não da validade. Desconsiderado o negócio, este não gera efeitos à Fazenda Pública, mas continua válido e surtindo seus regulares efeitos a terceiros, como corolário do artigo 118 do CTN.

Levado a efeito este procedimento, o órgão julgador decidirá pela ocorrência ou não da elisão. Esta decisão produzirá efeitos retroativos, pois reporta-se à data da ocorrência do fato gerador. Cabe salientar, no entanto, que afigura-se incompossível a retroatividade desta lei objetivando alcançar situações jurídicas já consolidadas no tempo, em obediência ao artigo 5º, inciso XXXVI, da CF 88, e também, ao artigo 106 do CTN. A fiscalização não poderá autuar a empresa que realizou negócio jurídico anterior à LC nº 104/2001. A sua aplicação atinge negócios futuros, consolidados sob a égide das leis de cada ente federativo, pois só neste momento restará configurada a sua plena eficácia.

Defendemos a tese de que a legislação ordinária de cada membro da federação deveria ser, na verdade, a norma antielisiva específica, nos moldes da legislação italiana(52). Com efeito, cabe ao CTN somente estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, consoante o artigo 146, inciso III, da CF 88, e não descer a minúcias. É uma norma sobre normas. Lex legum. Em face disto, a legislação ordinária federal, estadual e municipal elencará as hipóteses de elisão que devem ser proibidas; assim, de acordo com o artigo 24, inciso I e os artigos 30, inciso II e III e artigo 145 da CF 88, cada ente exercerá a sua competência constitucional em matéria tributária, consolidando a eficácia do novel dispositivo.

Desta sorte, impende-nos concluir que a norma antielisiva geral é carecedora, no plano material, de eficácia das diversas legislações de cada membro federativo, que regulem especificamente os procedimentos a serem adotados em cada hipótese de elisão.

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Sobre o autor
André Luiz Carvalho Estrella

procurador do Estado do Rio de Janeiro, advogado, membro do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESTRELLA, André Luiz Carvalho. A norma antielisão e seus efeitos.: Art. 116, parágrafo único, do CTN. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2317. Acesso em: 26 abr. 2024.

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