"E qual país pode preservar suas liberdades, se seus governantes não são avisados de tempos em tempos que o povo preserva o espírito de resistência? A árvore da liberdade deve ser revigorada de tempos em tempos com o sangue de patriotas e tiranos."
Thomas Jefferson, 1787, em carta para William Smith
Resumo: Este ensaio não pretende esgotar o assunto sobre o porte de arma de fogo no Brasil. Apenas tem por objetivo apresentar uma breve e sucinta leitura da evolução histórico-cultural, permitindo analisar todo o arcabouço legal em torno da pertinência temática.
Palavras-chave: Armas – Armas de fogo, porte de arma de fogo. Omissão de cautela.
De início, é bom apresentar um conceito de arma de fogo, fornecido pelo artigo 3º, inciso XIII, do Decreto 3.665/2000, na chamada interpretação autêntica contextual, antes mesmo de uma abordagem puramente de direito.
Assim, arma de fogo é aquela que arremessa projéteis empregando a força expansiva dos gases gerados pela combustão de um propelente confinado em uma câmara que, normalmente, está solidária a um cano que tem a função de propiciar continuidade à combustão do propelente, além de direção e estabilidade ao projétil.
A contrário senso é possível apresentar também um conceito de arma branca, segundo o qual é obtido de maneira excludente. Isto é, considera-se arma branca aquela que não é arma de fogo. Arma branca pode ser própria (produzida para ataque e defesa) ou imprópria (produzida sem finalidade específica de ataque e defesa, como a enxada, por exemplo).
O Decreto nº 3.688/41, derrogado, define conduta contravencional de porte ilegal de arma, em seu artigo 19, com a seguinte formulação típica:
Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade:
Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a três contos de réis, ou ambas cumulativamente.
§ 1º A pena é aumentada de um terço até metade, se o agente já foi condenado, em sentença irrecorrível, por violência contra pessoa.
§ 2º Incorre na pena de prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil réis a um conto de réis, quem, possuindo arma ou munição:
a) deixa de fazer comunicação ou entrega à autoridade, quando a lei o determina;
b) permite que alienado menor de 18 anos ou pessoa inexperiente no manejo de arma a tenha consigo;
c) omite as cautelas necessárias para impedir que dela se apodere facilmente alienado, menor de 18 anos ou pessoa inexperiente em manejá-la.
Percebe-se fácil e visivelmente que até 21 de fevereiro de 1997, o porte ilegal de arma de fogo era conhecido doutrinariamente com o título de crime-anão, portanto, conduta contravencional de reduzida ofensividade.
A Lei nº 9.437/97 (Lei das Armas) inaugurou uma nova fase no direito repressivo pátrio, agora ganhando status de crime propriamente dito, mais especificamente no artigo 10 do comando normativo.
Por fim, seguindo a moderna doutrina de estatuir questões de relevo social, em 22 de dezembro de 2003, a Lei nº 10.826/2003 revoga expressamente a Lei 9.439/97 por meio do seu artigo 36, agravando a pena do mesmo delito, passando-a para uma punição mais rigorosa, ou seja, 02 a 04 anos de reclusão.
O Estatuto do Desarmamento prevê a criação de 07 tipos penais, a saber:
Posse irregular de arma de fogo de uso permitido
Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Omissão de cautela
Art. 13. Deixar de observar as cautelas necessárias para impedir que menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa portadora de deficiência mental se apodere de arma de fogo que esteja sob sua posse ou que seja de sua propriedade:
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrem o proprietário ou diretor responsável de empresa de segurança e transporte de valores que deixarem de registrar ocorrência policial e de comunicar à Polícia Federal perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de arma de fogo, acessório ou munição que estejam sob sua guarda, nas primeiras 24 (vinte quatro) horas depois de ocorrido o fato.
Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido
Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente.
Disparo de arma de fogo
Art. 15. Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável.
Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito
Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:
I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato;
II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz;
III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;
IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado;
V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; e
VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo.
Comércio ilegal de arma de fogo
Art. 17. Adquirir, alugar, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, adulterar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
Parágrafo único. Equipara-se à atividade comercial ou industrial, para efeito deste artigo, qualquer forma de prestação de serviços, fabricação ou comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em residência.
Tráfico internacional de arma de fogo
Art. 18. Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente:
Pena – reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
Importante ressaltar que de todos os delitos elencados, chama-se a atenção dos policiais que detém porte de arma de fogo, aquele previsto no artigo 13, que diz respeito à omissão de cautela.
Art. 13. Deixar de observar as cautelas necessárias para impedir que menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa portadora de deficiência mental se apodere de arma de fogo que esteja sob sua posse ou que seja de sua propriedade:
O professor Guilherme de Souza Nucci, em sua obra Leis Penais e Processuais penais comentadas, Editora Revista dos Tribunais, 3ª Edição, descreve com eficiência acerca do núcleo do tipo, a começar pela análise do verbo composto deixar de observar, como sendo a conduta de não prestar atenção, não examinar as cautelas devidas, que é o dever de cuidado objetivo, imposto a todos os que vivem em sociedade, significado atuar com atenção e zelo, para impedir que menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa portadora de deficiência mental se apodere de arma de fogo que esteja sob sua posse ou que seja de sua propriedade:
Portanto, trata-se de crime próprio, de mera conduta, de forma livre, omissivo, instantâneo, e que possui a culpa como sendo o seu elemento subjetivo do tipo.
Assim, recomenda-se que o policial que tenha arma de fogo em casa ou em qualquer lugar, adote conduta positiva no de sentido de guardar sua arma em lugar seguro, distante de pessoas menores de 18 anos ou portadoras de deficiência mental. Aqui é preciso sempre adotar condutas positivas a fim de prevenir a ocorrência de fatos irreparáveis.
A guarda segura da arma também pode impedir a sua subtração, mormente quando postas no interior de veículos automotores. O furto de uma arma sob custódia do policial pode lhe causar implicações legais previstas do artigo 312, § 2º do Código Penal, que prevê o crime de peculato culposo, além de responder a procedimento administrativo para apurar possível cometimento de transgressão disciplinar, artigo 149 c/c artigo 150, inciso XV, da Lei 5406/69, e respectiva indenização ao erário público, art. 186 da Lei 10.406/2002.
Algumas outras situações devem ser postas ao titular de porte de arma de fogo para defesa pessoal concedido nos termos do art. 10 da Lei nº 10.826, de 2003. Assim, não poderá conduzi-la ostensivamente ou com ela adentrar ou permanecer em locais públicos, tais como igrejas, escolas, estádios desportivos, clubes, agências bancárias ou outros locais onde haja aglomeração de pessoas em virtude de eventos de qualquer natureza, sob pena da cassação do Porte de Arma de Fogo e na apreensão da arma, pela autoridade competente.
Para o policial detentor do porte de arma de fogo, é importante descrever alguns lugares de grande vulnerabilidade quanto ao exercício do porte de arma.
A literatura policial e jornalística têm registrado casos de disparos acidentais de arma de fogo em sala de aula de escolas públicas, particulares e em universidades, com trágicas consequências para a sociedade, não sendo recomendado o seu porte no interior de educandários, e também em campos de futebol. É possível até ventilar a hipótese de omissão juridicamente relevante, a chamada imprópria, art. 13, § 2º, em casos de pessoas atingidas nas escolas, por disparos de arma de fogo efetuados por servidores do sistema de justiça criminal.
Noutra vertente, sabe-se que o Estatuto do Desarmamento foi devidamente regulamento pelo Decreto nº 5.123, de 1º de julho de 2004, trazendo informações importantes sobre o assunto.
O artigo 17 do predito decreto contém norma imperativa determinando que o proprietário de arma de fogo é obrigado a comunicar, imediatamente, à unidade policial local, o extravio, furto ou roubo de arma de fogo ou do Certificado de Registro de Arma de Fogo, bem como a sua recuperação. Por outro lado, a unidade policial deverá, em quarenta e oito horas, remeter as informações coletadas à Polícia Federal, para fins de cadastro no SINARM.
Concluindo, tem-se que a arma de fogo é instrumento importante de defesa pessoal e componente necessário para o bom e seguro desenvolvimento do trabalho policial. Noutro viés deve o policial garantidor de direitos, demolir a conceitos errôneos e engodos de toda a sorte, convivendo exemplarmente numa sociedade de risco, fomentada pelo estado social de direito como garantia do crescimento do povo e garantia das liberdades públicas, sendo certo que a permanente vigilância deve fazer parte do cotidiano policial em especial daqueles servidores que ingressaram recentemente no serviço público, ainda sem a tão necessária experiência, muito embora tenham passado por rigoroso curso de formação, a fim se evitarem acontecimentos circunstanciais.
Referências bibliográficas
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Promulgada em 05 de outubro de 1988. http://www2.planalto.gov.br, acesso em 16/09/2012, às 08h15min;
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BRASIL. Decreto-lei nº 2848, de 07 de dezembro de 1940. Dispõe sobre o Código Penal Brasileiro. http://www2.planalto.gov.br/, acesso em 16/09/2012, às 08h15min;
NUCCI, Guilherme Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. Editora Revista dos Tribunais - 3ª Edição – Revista, atualizada e ampliada.