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Da regra-matriz de incidência do IPVA

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08/12/2012 às 13:01
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Após analisar a estrutura sintática da regra-matriz de incidência do IPVA, com enunciados da Lei paulista 13.296/2008, construiremos a regra-matriz para subclasse de fatos típicos que inclui o relato de evento tributário determinado.

Resumo: A regra-matriz de incidência de tributo não se encontra pronta no ordenamento jurídico. O operador do direito deve compor hipótese e consequente da regra-matriz com enunciados prescritivos que constrói a partir de textos da lei que instituiu o tributo. A hipótese descreve classe de fatos típicos. O consequente prescreve vínculo jurídico obrigacional entre dois sujeitos. A hipótese implica o consequente, ou seja: o relato de evento que está incluído naquela classe de fatos, no antecedente de norma individual e concreta, instaura automaticamente relação jurídica tributária que se conforma àquele vínculo obrigacional. Após analisar a estrutura sintática da regra-matriz de incidência do IPVA, com enunciados da Lei paulista 13.296/2008 construiremos a regra-matriz para subclasse de fatos típicos que inclui o relato de evento tributário determinado.

Palavras-chave: IPVA; regra-matriz de incidência tributária: critérios da hipótese: material, temporal e espacial; critérios do consequente: pessoal e quantitativo; elementos do antecedente de norma individual e concreta: material, temporal e espacial; sujeitos da relação jurídica tributária: ativo e passivo; prestação pecuniária; base de cálculo; alíquota; base calculada.


1. Da regra-matriz de incidência tributária

Regra-matriz de incidência tributária, “norma-padrão de incidência” ou “norma tributária em sentido estrito” é aquela que assinala o núcleo da percussão jurídica do tributo (CARVALHO, 2008a, p. 93-94)[1]. Construída por obra do intérprete, é norma geral e abstrata formada por uma hipótese e por um consequente. A hipótese implica o consequente. No plano de aplicação da norma geral e abstrata, isso significa que, com o relato, no antecedente de norma individual e concreta, de evento do mundo real-social que se subsome ao fato descrito na hipótese, instala-se, automática e infalivelmente, relação jurídica tributária que se conforma ao desenho previsto no consequente da regra-matriz.

A hipótese descreve fato típico de conteúdo econômico, de possível ocorrência no mundo real-social. Nela “haverá um critério material (comportamento de alguma pessoa), condicionado no tempo (critério temporal) e no espaço (critério espacial)” (CARVALHO, 2008a, p. 95). “O consequente estatui um vínculo obrigacional entre o Estado, ou quem lhe faça as vezes, na condição de sujeito ativo, e uma pessoa física ou jurídica, particular ou pública, como sujeito passivo”, de sorte que: o primeiro ficará investido do direito subjetivo público de exigir da segunda o pagamento de determinada quantia em dinheiro, igual ao produto de uma base de cálculo por uma alíquota; à segunda será cometido o dever jurídico (ou dever subjetivo) de pagar ao primeiro aquela quantia (CARVALHO, 2008a, p. 94).  Haverá, portanto, um critério pessoal (sujeito ativo e sujeito passivo) e um critério quantitativo (base de cálculo e alíquota) (CARVALHO, 2008a, p. 95).

A norma é geral porque se dirige a um conjunto de sujeitos indeterminados quanto ao número; é abstrata porque o fato descrito na hipótese resulta da tipificação de um conjunto de fatos (CARVALHO, 2008a, p. 35).

Para ressaltar a diferença entre os componentes de linguagem do “fato jurídico tributário” (relatado no antecedente de norma individual e concreta) e os componentes de linguagem da hipótese da “regra-matriz de incidência tributária” (norma geral e abstrata), Carvalho (2008a, p. 140) denomina os primeiros de elemento material, elemento espacial e elemento temporal, que correspondem respectivamente aos critérios material, espacial e temporal, da hipótese da regra-matriz de incidência.

Não haverá regra-matriz de incidência tributária se faltar algum critério da hipótese ou do consequente. Com efeito, na falta de critério da hipótese, a classe de fatos típicos não estará delimitada, de modo que não se pode assegurar que o relato de determinado evento está incluído em classe de fatos típicos. Se na lei tributária faltar o critério pessoal (do consequente), desconhecido será o sujeito passivo do vínculo obrigacional. Se faltar a base de cálculo ou a alíquota (partes do critério quantitativo do consequente), indeterminado será o valor da prestação pecuniária (quantum debeatur). Exemplo dessa última situação ocorreu com a Lei 440/1974, em que o legislador paulista deixou de definir a base de cálculo do ICM no “fornecimento de alimentação, bebidas ou outras mercadorias em restaurantes, bares, cafés e estabelecimentos similares” (critério material da hipótese, então previsto no inc. III do art. 1º da Lei). Somente com a promulgação da Lei 5.886/1987 é que a lacuna foi suprida, mediante a inclusão da expressão “fornecimento da mercadoria” na parte final do inc. I do art. 19 da Lei 440/1974, e mediante o acréscimo do inc. VI ao artigo, para fixar como base de cálculo no aludido fornecimento “o valor total cobrado do adquirente” (CAMPOS, 2009).


2. Da construção da regra-matriz de incidência tributária

O texto jurídico-positivo é formado por enunciados. Nesse sentido, enunciado é o que está gravado no documento normativo, o produto da atividade psicofísica da enunciação. “Assim, os enunciados pertencem à plataforma da literalidade textual, suporte físico de significações, ...” (CARVALHO, 2008b, p. 117 e 119).

No percurso da construção de sentido, o primeiro contato do intérprete é com a literalidade textual do documento normativo (CARVALHO, 2008b, p. 115), suporte físico das significações jurídicas (plano S1). Nesse plano, a interpretação do texto normativo suscita questões gramaticais atinentes à morfologia das palavras e à sintaxe das frases[2], das orações[3] e dos períodos[4] por estas formados. A divisão da construção de sentido em planos é para fim didático, pois, ao travarmos contato com o texto, “já se desencadeiam os processos de elaboração de sentido, invadindo o plano do conteúdo” (CARVALHO, 2008b, p. 116).

Na etapa seguinte (plano S2), deve o intérprete “atribuir valores unitários aos vários signos que encontrou justapostos, selecionando significações e compondo segmentos portadores de sentido”. “Os enunciados haverão de ser compreendidos isoladamente, no primeiro ímpeto, para depois serem confrontados com outros enunciados, de superior e do mesmo status, buscando o exegeta sua integração na totalidade do conjunto”. Nessa etapa, o termo enunciado está sendo utilizado na sua proporção de sentido, enquanto proposição (CARVALHO, 2008b, p. 119). Trabalha o intérprete “com o significado dos signos jurídicos, associando-os e comparando-os, para estruturar, não simplesmente significações de enunciados, mas significações de cunho jurídico, que transmitam algo peculiar ao universo das regulações das condutas intersubjetivas” (CARVALHO, 2008b, p.119).

Note-se que os enunciados prescritivos – unidades do subsistema S2 – “encontram-se soltos, derramados por todo o conjunto, nas mais variadas estruturas frásicas”. Não reproduzem o real-social, descrevendo lhe os aspectos. “O vetor semântico que os liga ao ‘mundo da vida’ contém, invariavelmente, um dever-ser”, sem modalização, ou que opera por meio dos functores obrigatório, proibido, ou permitido, “com o que se exaure o campo material das possíveis condutas interpessoais” (CARVALHO, 2008b, p. 120). A significação do enunciado, expressa no texto ou construída pelo intérprete, é do tipo: se ocorrer o fato previsto na proposição-hipótese, então deve ser a proposição-tese.

No âmbito desse subdomínio, não se deve falar ainda em normas jurídicas, “dado o arcabouço lógico peculiar a tais entidades”, mas “em significações que se erguem a partir de frases prescritivas, de enunciados ditados por órgãos competentes e que integram o corpo legislado” (CARVALHO, 2008b, p. 120).

Na etapa seguinte (plano S3), o intérprete trabalha com o conjunto articulado das significações normativas – o sistema de normas jurídicas “stricto sensu”. Deve “promover a contextualização dos conteúdos obtidos no curso do processo gerativo, com a finalidade de produzir unidades completas de sentido para as mensagens deônticas” (CARVALHO, 2008b, p. 123-124). A unidade (construção de sentido da norma) é dita completa porque não suscita indagação quanto à conduta jurídica prescrita em seu consequente. A norma jurídica assim construída apresenta estrutura hipotético-condicional, pois liga o fato descrito na hipótese à relação jurídica prescrita em seu consequente, por força da imputação deôntica. Segundo Carvalho (2008b, p. 125), nesse esforço de contextualização, deve-se ainda confrontar as unidades obtidas com o inteiro teor de certas orações portadoras de forte cunho axiológico, situadas nos escalões mais elevados do sistema jurídico, para penetrar, de modo decisivo, cada uma das estruturas mínimas e irredutíveis de significação deôntica, outorgando unidade ideológica à conjunção de regras destinadas a organizar os setores mais variados da convivência social.

Finalmente, no plano S4, o mais elevado, o intérprete “organiza as normas numa estrutura escalonada, presentes laços de coordenação e de subordinação entre as unidades construídas” (CARVALHO, 2008b, p. 126). Essas unidades “não podem permanecer soltas, como se não pertencessem à totalidade sistêmica” (CARVALHO, 2008b, p. 132). “Em S4 teremos o arranjo final que dá status de conjunto montado na ordem superior de sistema”. O trabalho de composição hierárquica é regulado por um conjunto de normas, denominadas de “normas de estrutura”, da mesma espécie daquelas produzidas no plano S3. “É a ‘Gramática jurídica’, subconjunto de regras que estabelecem como outras regras devem ser postas, modificadas ou extintas, no interior de certo sistema” (CARVALHO, 2008b, p. 126).


3. Dos critérios da hipótese da regra-matriz

3.1. Do critério material

Do inc. III do art. 155 da Constituição Federal (CF) pode-se inferir o critério material da hipótese da regra-matriz de incidência do IPVA. De fato, porque o imposto é sobre a propriedade de veículos automotores, o critério material – formado por um verbo e por seu complemento, segundo lição de Carvalho (2008b, p. 286-287) –, é “ser proprietário de veículo automotor”.

O critério material está implícito no texto do art. 2º da Lei 13.296/2008[5]: “o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA, devido anualmente, tem como fato gerador a propriedade de veículo automotor”.

A nova Lei do IPVA refere-se a “veículo automotor”, e não a “veículo automotor de qualquer espécie”, como fazia o caput do art. 1º da anterior (Lei 6.606/1989[6]), o que revela ter o legislador renunciado tacitamente em tributar embarcações e aeronaves. Isso se deve certamente à decisão do Supremo Tribunal Federal prolatada no RE 255.111-2/SP, em que foi declarada a inconstitucionalidade da norma do inc. III do art. 6º da Lei 6.606/1989. A renúncia é confirmada porque a Lei 13.296/2008 não definiu base de cálculo e alíquota de embarcações e aeronaves, como fazia a Lei 6.606/1989, nos incisos II e III do art. 6º e no inc. I do art. 7º, respectivamente.

O critério material da hipótese de incidência do IPVA é estado do sujeito passivo (“ser proprietário de veículo automotor”) e não ação por ele executada (como, p. ex., “vender mercadorias”, “industrializar produtos”). “Ser proprietário de veículo automotor” é “estado de fato”, ou seja, “fato (estrito senso) que aconteceu e permanece e que, por isto, pode ser contemplado: ou no momento em que aconteceu (portanto, como fato estrito senso) ou sob ângulo de sua duração continuada (portanto, como estado de fato)” (BECKER, 1998, p. 323).

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Seguindo lição de Alfredo Augusto Becker, mas com a linguagem utilizada por Paulo de Barros Carvalho, podemos afirmar que, no exercício a que se refere a exigência do IPVA, o contribuinte ou o agente fiscal interpreta a amplitude do preceito geral da regra-matriz, fazendo-o incidir no caso particular (“estado de fato” ou relação de propriedade) e sacando, assim, a norma individual e concreta[7] (CARVALHO, 2008b, p. 90). Enquanto durar a relação de propriedade do veículo automotor, a regra-matriz deverá ser incidida uma única vez em cada exercício.

“Ser proprietário de veículo automotor” é também “situação jurídica” (a que se refere o inc. II do art. 116 do CTN), que é definitivamente constituída no momento em que se dá a tradição do veículo (vide caput do art. 1.267 do Código Civil – CC). Relatada no antecedente de norma individual e concreta de lançamento, a relação de propriedade do veículo transforma-se em fato jurídico tributário.

3.2. Do critério temporal

Relação de propriedade de veículo automotor existe em todo o exercício ou em parte dele. No entanto, “desponta a natural necessidade de que a norma tributária revele o marco de tempo em que se dá por ocorrido o fato, abrindo-se aos sujeitos da relação o exato conhecimento da existência de seus direitos e de suas obrigações” (CARVALHO, 2008b, p. 292). Daí a necessidade do critério temporal. Em geral, para classe de fatos típicos, o legislador escolhe como critério temporal do IPVA a data em que se instaura a relação de propriedade do veículo ou primeiro de janeiro do exercício, se nessa data a relação de propriedade já estava instaurada.

O § 1º do art. 179 do Código Tributário Nacional (CTN) refere-se a tributo lançado por período certo de tempo, gênero de que o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) e o IPVA são espécies[8].

Nos termos do disposto no caput do art. 5º da Lei, “contribuinte do imposto é o proprietário do veículo”. Mas quem responde como contribuinte se, no período a que se refere a exação, houve mais de 1 (um) proprietário? Responde aquele que era o proprietário do veículo na data que o legislador escolheu como critério temporal da hipótese da regra-matriz. Por exemplo: se A era proprietário do veículo usado X em 01/01/2011, mas vendeu-o a B em 05/01/2011, que o vendeu a C em 30/04/2011, A é o contribuinte do IPVA de 2011, apesar de B ter sido o proprietário do veículo na data de vencimento do IPVA e de C ter sido, dos três, quem teve a propriedade do veículo por mais tempo durante o exercício.

Isso ocorre porque o fato jurídico tributário é constituído por meio de relato de evento pretérito, devidamente caracterizado no tempo e no espaço. O enunciado “declara ter ocorrido uma alteração no plano físico-social” (CARVALHO, 2008b, p. 439). Quando esse relato (no caso, a relação de propriedade do veículo usado X, em 01/01/2011, por A, pessoa natural ou jurídica com domicílio no Município Y, no Estado de São Paulo):

i) se subsome a fato descrito na hipótese de regra-matriz de incidência (no caso, a relação de propriedade de veículo usado genérico, em primeiro de janeiro do exercício, por pessoa natural ou jurídica com domicílio em município do Estado de São Paulo);

ii)  e é efetuado no antecedente de norma individual e concreta de lançamento;

instaura-se automaticamente relação jurídica tributária entre o Estado e pessoa determinada (no caso, entre o Estado de São Paulo e A), que se conforma ao desenho previsto no consequente da regra-matriz.

Diferentemente do fato, em que a autoridade administrativa recua no tempo para relatar o evento conforme as circunstâncias em que ocorreu, a relação jurídica de cunho patrimonial que o relato institui, perfeitamente individualizada (sujeitos ativo e passivo e prestação), volta-se para o futuro (CARVALHO, 2008b, p. 439).

Como em 01/01/2011 A ainda era proprietário do veículo X, deve recolher integralmente o IPVA, mesmo tendo vendido o veículo antes da data de vencimento do imposto e dele tendo sido proprietário por poucos dias de 2011.

Nos incisos do art. 3º da Lei estão definidos critérios temporais da hipótese da regra-matriz de incidência do IPVA, para diferentes situações relativas ao veículo.

Para veículo usado, o critério temporal da hipótese tributária é o dia 1º de janeiro de cada ano (inc. I do art. 3º).

No caso de veículo novo adquirido pelo consumidor, o critério temporal da hipótese tributária é a data da aquisição (inc. II do art. 3º).

No caso de veículo importado diretamente do exterior por consumidor, o critério temporal é a data do desembaraço aduaneiro do veículo (inc. III do art. 3º).

O IPVA é imposto que incide sobre a riqueza. Alcança, portanto, apenas o veículo que foi incorporado ao ativo permanente de pessoa jurídica. Não deve incidir sobre veículos novos que ainda estão em fase de comercialização, já que a relação de propriedade é efêmera. É o que ocorre com veículo automotor novo, produzido por fabricante, adquirido por revendedor ou que será revendido por importador de veículos. No entanto, na data em que veículo automotor novo que se destinava à mercancia é incorporado ao ativo permanente do fabricante, do revendedor ou do importador, a relação de propriedade torna-se mais duradoura, razão por que o legislador escolheu referida data como critério temporal da hipótese tributária (inc. IV do art. 3º).

A data em que deixa de ser preenchida condição para a mantença de imunidade, isenção ou dispensa de pagamento do IPVA é o critério temporal previsto no inc. V do art. 3º. Nesse dispositivo, o legislador usou o termo “requisito”, em vez de “condição”, como seria mais adequado. Note-se que o caput do art. 176 CTN fala em condições e requisitos especificados em lei, para a concessão de isenção. O caput do art. 179 do CTN refere-se a prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei.

Como a lei não contém palavras inúteis, no que concerne à concessão de isenção, entendemos: “condições” são situações de fato ou de direito previstas na lei de isenção, que devem estar materializadas (preenchimento das condições) antes de ocorrer o fato jurídico tributário; “requisitos” são exigências de interesse da Administração que o sujeito passivo deve cumprir para obter a isenção.

Deixa-se de preencher condição para a continuidade de:

a) imunidade, quando, p. ex., veículo de propriedade de ordem religiosa (templo de qualquer culto), com imunidade em razão de condição pessoal de seu proprietário (imunidade subjetiva), é alienado a um particular;

b) isenção, quando, p. ex., veículo utilizado no transporte público de passageiros na categoria aluguel (táxi), de propriedade de motorista profissional autônomo, com isenção em razão de condição pessoal do proprietário do veículo e da destinação a este dada (isenção mista), é alienado a um particular;

c) dispensa de pagamento do IPVA, quando, p. ex., veículo furtado ou roubado, com dispensa de pagamento do IPVA em razão do disposto no caput do art. 14 ou no § 2º do artigo, é recuperado pela autoridade policial e devolvido a seu proprietário.

A data de arrematação de veículo novo em leilão é critério temporal da hipótese tributária (inc. VI do art. 3º). Isso não significa que não se pode exigir o IPVA de veículo usado no exercício em que é arrematado em leilão. É que, nesse caso, deixa de ser preenchida condição que dava causa à dispensa de pagamento do IPVA, de modo que o critério temporal aplicável é o do inc. V do art. 3º da Lei.

Para veículo não fabricado em série, o critério temporal da hipótese tributária é a data em que estiver autorizada sua utilização (inc. VII do art. 3º).

A data de saída constante da Nota Fiscal de venda da carroceria é o critério temporal da hipótese tributária do veículo que foi encarroçado por empresa especializada (inc. VIII do art. 3º).

Embora o chassi tenha mecanismo de propulsão própria, não se pode dizer ainda que é um veículo automotor, visto que não se presta à destinação almejada por seu adquirente e proprietário. Com efeito, somente depois de encarroçado é que o veículo servirá para o transporte de pessoas ou coisas.

Se o veículo for procedente de outro Estado ou do Distrito Federal e o proprietário ou responsável pelo pagamento do imposto deixar de fornecer os dados necessários à inscrição no Cadastro de Contribuintes do IPVA do Estado de São Paulo, o critério temporal da hipótese tributária será a data em que o proprietário ou responsável deveria ter fornecido aqueles dados (inc. IX do art. 3º).

A regra supracitada está em consonância com as:

a) do caput do art. 26 da Lei, segundo a qual “não se exigirá, nos casos de inscrição no Cadastro de Contribuintes do IPVA, novo pagamento do imposto já solvido em outra unidade da federação, observado sempre o respectivo exercício fiscal, ressalvadas ...”;

b) do § 2º do art. 26, que estatui: “se não comprovar o pagamento do imposto a outra unidade federada, o proprietário deverá, para proceder à transferência, recolher o imposto proporcionalmente ao número de meses restantes do exercício fiscal, calculado a partir do mês em deveria ter se inscrito no Cadastro de Contribuintes do IPVA deste Estado, ...”;

c) e do inc. II do art. 32 da Lei, pela qual “fica obrigado a fornecer os dados necessários à inscrição no Cadastro de Contribuintes do IPVA o proprietário de veiculo registrado anteriormente em outro Estado, quando adquiri-lo ou transferir o seu domicílio ou residência para este Estado”.

Por outro lado, dispõe o art. 3º das Disposições Transitórias da Lei 13.296/2008: “enquanto não for instituído o Cadastro de Contribuintes do IPVA a que se referem os arts. 30 e 31 desta lei, serão utilizadas as informações constantes do cadastro de veículos do Departamento Estadual de Trânsito – DETRAN”. Ora, como o Cadastro de Contribuintes do IPVA ainda não foi implantado, a inscrição a que se referem as três regras do parágrafo anterior fica substituída pelo registro no DETRAN do Estado de São Paulo.

O proprietário deverá solicitar a expedição de novo Certificado de Registro de Veículo (CRV): no prazo de trinta dias, na transferência de propriedade do veículo; imediatamente, na mudança do Município de domicílio ou residência (incisos I e II do art. 123[9] do Código de Trânsito Brasileiro – CTB, combinado com o seu § 1º).

Ante o exposto, ainda que no exercício da transferência do veículo o IPVA já tenha sido pago ao Estado de origem, haverá novo fato jurídico tributário se o proprietário com domicílio ou residência no Estado de São Paulo não tomar providências para a expedição de novo CRV:

a)  no prazo de trinta dias contados da aquisição de veículo procedente de outro Estado;

b) imediatamente após a mudança de endereço de domicílio ou residência de outro Estado para o de São Paulo.

Para veículo usado, de propriedade de empresa locadora, já inscrito no Cadastro de Contribuintes do IPVA do Estado de São Paulo, o critério temporal é o dia 1º de janeiro de cada ano (al. “a” do inc. X).

Se veículo usado já estava registrado em outro Estado, o critério temporal é a data em que vier a ser locado ou colocado à disposição para locação no território do Estado de São Paulo (al. “b” do inc. X).

Se veículo novo foi adquirido para integrar frota destinada à locação neste Estado, o critério temporal é a data de sua aquisição (al. “c” do inc. X). Em vez de adquirir, empresas optam por alugar veículos, por várias razões: não imobilizar capital de giro; poder deduzir despesas com locação na apuração do lucro líquido; deixar para a empresa locadora a manutenção e a administração da frota, o custeio e a administração de seguros, e a assessoria jurídica para sinistros.

3.3. Do critério espacial

A hipótese de incidência “só qualifica um fato, como hábil a determinar o nascimento de uma obrigação, quando este fato se dê (se realize, ocorra) no âmbito territorial de validade da lei, isto é, na área espacial a que se estende a competência do legislador tributário” (ATALIBA, 2008, p. 104).

Para não confundir o núcleo da hipótese tributária com a própria hipótese, deve-se “enxergar o critério material liberado das coordenadas de espaço e de tempo, como se fora possível um comportamento de uma pessoa desvinculado daqueles condicionantes”. Esse mesmo processo pode ser utilizado para tratar do critério espacial e do critério temporal da hipótese tributária (CARVALHO, 2008b, p. 285).

“Dados relativos ao lugar estão estreitamente ligados à competência do ente impositivo, ao compasso em que os integrantes do critério temporal determinam o exato minuto ao qual se reportam os efeitos da obrigação tributária” (CARVALHO, 2008b, p. 288).

Em razão da natureza do critério material da hipótese da regra-matriz do IPVA (ser proprietário de veículo automotor, que é bem móvel), o critério espacial da hipótese é o que mais exige cuidado na análise, o que mais provoca discussões jurídicas e o que enseja o aparecimento de conflito de competências entre sujeitos ativos. Por tais razões, é sobre ele que mais nos deteremos.

“As coordenadas de lugar podem condicionar que o núcleo e elementos adjetivos devam acontecer no mesmo lugar ou cada um em distintos lugares (exemplo: imposto de venda de mercadoria fabricada em Estado diverso daquele onde foi celebrado o contrato)” (BECKER, 1998, p. 333). Considere-se o seguinte exemplo: mercadoria fabricada por indústria localizada no Estado A, adquirida por consumidor final, não-contribuinte do ICMS, com estabelecimento ou domicílio no Estado B, em razão de contrato de compra e venda celebrado em feira industrial realizada no Estado C, sendo que a mercadoria saiu de armazém geral situado no Estado D. A que Estado(s) é devido o ICMS incidente sobre a operação? Em face da regra da alínea “b” do inc. VII do § 2º do art. 155 da CF, o ICMS é devido integralmente ao Estado A. Nesse caso, o critério espacial da hipótese da regra-matriz do ICMS aplicável ao evento tributado é, portanto, o lugar onde ocorre a saída “ficta” da mercadoria, apesar de a saída “física” ocorrer no Estado D, a entrada “física” no estabelecimento ou domicílio do adquirente ocorrer no Estado B e o negócio jurídico ser celebrado no Estado C.

No IPVA, atos que denotam o exercício do direito de propriedade do veículo automotor podem ocorrer em diferentes lugares durante o exercício. Podem também ser diferentes o lugar que o legislador escolheu por critério espacial da hipótese tributária do IPVA e o lugar onde o veículo se encontrava na data por ele escolhida como critério temporal de referida hipótese.

O fato descrito na hipótese tributária do IPVA (relação de propriedade de veículo) – ou hipótese de incidência (h.i.), na denominação de Ataliba – é “estado de fato”. Assim, na definição do critério espacial da hipótese tributária, é natural escolher lugar (no caso, o Estado) onde devem ocorrer, com maior frequência no exercício, eventos que denotam a relação de propriedade do veículo, em vez de lugar onde evento que denota essa relação ocorre em data determinada do exercício.

Conforme afirmamos, o critério material da hipótese de incidência do IPVA (“ser proprietário de veículo automotor”) é “estado de fato”, que pode ser contemplado no momento em que aconteceu (portanto, como fato estrito senso) ou sob ângulo de sua duração continuada (portanto, como estado de fato). Vimos que o legislador escolhe como critério temporal da hipótese tributária o termo inicial desse estado de fato (quando se instaura a relação de propriedade do veículo) ou data próxima dele (de aquisição de veículo novo pelo consumidor, de desembaraço aduaneiro de veículo importado diretamente do exterior pelo consumidor, de arrematação de veículo novo em leilão, em que for autorizada a utilização de veículo não fabricado em série etc.) ou primeiro de janeiro do exercício, em caso de veículo usado.

No entanto, o lugar em que o direito de propriedade do veículo é exercido na data em que se considera ocorrido o fato jurídico tributário não é adequado para definir o critério espacial da hipótese tributária. Isso porque, na citada data, a propriedade do veículo pode ser exercida em Estado diverso daquele em que deverá sê-lo na maior parte do exercício a que se refere o IPVA.

Como o critério espacial da hipótese tributária do IPVA identifica o sujeito ativo da relação jurídica tributária[10] (Estado ou Distrito Federal), o simples fato de o veículo ter sido usado em outro Estado na data em que se considera ocorrido o fato jurídico tributário alteraria indevidamente o sujeito ativo da relação jurídica tributária. Por exemplo, pessoa natural domiciliada no Estado de São Paulo foi com sua família assistir ao espetáculo pirotécnico na praia de Copacabana, para lá viajando com veículo de sua propriedade. Apesar de, em primeiro de janeiro do ano seguinte, o veículo ter sido usado no Estado do Rio de Janeiro, o IPVA desse exercício é devido ao Estado de São Paulo, pois é no DETRAN deste Estado que o veículo deve ter sido registrado e é nesse Estado que o direito de propriedade deverá se manifestar durante a maior parte do ano.

Em face do exposto no parágrafo anterior, no que concerne ao critério espacial da hipótese tributária do IPVA, o “estado de fato” (relação de propriedade do veículo automotor) deve ser analisado sob o ângulo de sua “duração continuada”. Daí porque domicílio do sujeito passivo do IPVA é o instituto jurídico que mais se afeiçoa a referida análise. Com efeito: domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo (art. 70 do Código Civil – CC); domicílio tributário é o local em que o contribuinte manterá suas relações com o fisco (MACHADO, 2009, p. 149). É o lugar onde a Fazenda Pública espera encontrar o sujeito passivo, a fim de enviar-lhe comunicações, intimações e notificações, para a satisfação dos mútuos interesses (CARVALHO, 2008b, p. 334-335). Conforme se vê, as definições anteriores realçam a estabilidade, ao longo do tempo, do domicílio civil ou tributário, predicado que se compatibiliza com a análise daquele “estado de fato”, sob o enfoque de sua “duração continuada”.

Nas leis do IPVA do Estado de São Paulo, optou-se por fixar critério espacial que privilegiasse a “duração” da relação de propriedade, em vez de determinado momento dessa relação.

De acordo com o art. 1º da primeira Lei do IPVA do Estado de São Paulo (Lei 4.955, de 27/12/85), o IPVA tinha como fato gerador a propriedade do veículo, registrado e licenciado no Estado. De acordo com o caput do art. 108 do Regulamento do Código Nacional de Trânsito[11] (Decreto 62.127, de 16/01/1968), então vigente, todo veículo automotor, reboque ou semi-reboque, para transitar nas vias terrestres abertas à circulação pública, deveria estar registrado na repartição de trânsito, com jurisdição sobre o município de domicílio ou residência do seu proprietário. Logo, critério espacial da hipótese tributária era o município de domicílio ou de residência do proprietário do veículo. Como o veículo devia ser registrado e licenciado no DETRAN do Estado de que o município fosse parte, esse Estado era o sujeito ativo da relação jurídica tributária.

E se o proprietário do veículo tivesse residências ou estabelecimentos em municípios situados em mais de um Estado? Entendemos que o domicílio deveria ser escolhido de acordo com regra sobre domicílio tributário do art. 127 do CTN; na falta dessa regra, deveria ser escolhido com regra sobre domicílio tributário da lei que instituiu o IPVA em um daqueles Estados; na falta das duas regras anteriores, com regra sobre domicílio do direito civil. Somente na falta das três regras, é que o proprietário poderia registrar e licenciar o veículo no DETRAN de Estado em que se situava qualquer de suas residências ou estabelecimentos.

No caput do art. 2º da segunda Lei do IPVA do Estado de São Paulo (Lei 6.606, de 20/12/1989), o legislador referiu-se ao local onde o imposto seria devido. O caput do artigo dispunha: “o imposto será devido no local onde o veículo deva ser registrado e licenciado, ...”. Conforme se vê, embora a disposição remetesse diretamente a regra de trânsito (na data de edição da Lei, essa regra ainda era a do caput do art. 108 do Regulamento do Código Nacional de Trânsito), o legislador referiu-se ao sujeito ativo da relação jurídica (“o imposto será devido no local ...”, ou seja, ao Estado a que pertence esse local), em vez de ao critério espacial da hipótese tributária.

O Código de Trânsito Brasileiro (CTB – Lei 9.503, de 23/09/1997, publicado em 24/09/1997 e que entrou em vigor cento e vinte dias após esta data), revogou o Código Nacional de Trânsito, mas não alterou o local onde o veículo devia ser registrado. De fato, o caput do art. 120 do CTB dispõe: “todo veículo automotor, elétrico, articulado, reboque ou semi-reboque, deve ser registrado perante o órgão executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal, no Município de domicílio ou residência de seu proprietário, na forma da lei”.

A atual Lei do IPVA (Lei 13.296, de 23/12/2008, deixou de se referir à lei de trânsito, ao dispor, no caput do art. 4º, que “o imposto será devido no local do domicílio ou da residência do proprietário do veículo neste Estado”. Os sete parágrafos desse artigo contêm regras para identificar o domicílio da pessoa natural ou jurídica de direito privado ou público, com especial destaque para casos em que a pessoa jurídica de direito privado tem estabelecimentos no Estado de São Paulo e em outro(s) Estado(s), como ocorre com empresas locadoras de veículos, empresas transportadoras.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4376, ora pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo questiona a constitucionalidade das regras das alíneas “a”, “b” e “c” do item 2 do § 1º do art. 4º da Lei 13.296/2008, bem como das regras dos §§ 6º e 7º do artigo. Analisamos essas regras no artigo “IPVA: do domicílio tributário do sujeito passivo”, publicado em 05/03/2012 no sítio da Revista Jus Navigandi, para o qual remetemos o leitor interessado (Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/21219/ipva-do-domicilio-tributario-do-sujeito-passivo  Acesso em 21/05/2012).

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Sobre o autor
Wagner Pechi

Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo aposentado. Ex-Delegado Tributário de Julgamento de São Paulo. Ex-integrante do Tribunal de Impostos e Taxas. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PECHI, Wagner. Da regra-matriz de incidência do IPVA. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3447, 8 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23198. Acesso em: 28 mar. 2024.

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