Artigo Destaque dos editores

Da regra-matriz de incidência do IPVA

Exibindo página 2 de 3
08/12/2012 às 13:01
Leia nesta página:

4. Dos critérios do consequente da regra-matriz

Com o relato, no antecedente de norma individual e concreta, de evento que se subsome a fato descrito na hipótese da regra-matriz de incidência tributária, instala-se, automática e infalivelmente, relação jurídica que se conforma ao desenho previsto no consequente da regra-matriz.

O critério pessoal do consequente da regra-matriz é formado por um sujeito ativo e por um sujeito passivo. Credor da relação jurídica tributária é o próprio sujeito ativo do critério pessoal do consequente. Devedor dessa relação é determinado a partir do critério pessoal do consequente. O objeto da prestação (que, por sua vez, é objeto da obrigação) é dar quantia em dinheiro igual ao produto de uma base calculada por uma alíquota. Base calculada e alíquota aplicada ao caso concreto são determinadas a partir da base de cálculo e da alíquota previstas no critério quantitativo do consequente da regra-matriz.

4.1. Do critério pessoal

A relação jurídica de natureza obrigacional prescrita no consequente da regra-matriz de incidência tributária é entre um sujeito ativo (credor) e um sujeito passivo (devedor).

4.1.1. Do sujeito ativo

“Sujeito ativo é o credor da obrigação tributária. É a pessoa a quem a lei atribui a exigibilidade do tributo” (ATALIBA, 2008, p. 83).

A lei que contém a hipótese tributária só pode ser editada por pessoa política (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) que retira sua competência da Constituição. Ela tem competência para legislar (ATALIBA, 2008, p. 83).

Se lei editada por pessoa política competente cria um tributo e não explicita quem será o sujeito ativo das relações obrigacionais concretas que irão nascer, ele será a própria pessoa política competente. Essa é a regra geral (ATALIBA, 2008, p. 83-84). O sujeito ativo está implícito na lei que instituiu o tributo, cujos enunciados prescritivos compõem a regra-matriz de incidência tributária.

No entanto, pode a lei atribuir a titularidade de tributo a pessoa diversa da que tem competência para instituí-lo. Essa pessoa (diversa) terá capacidade de ser sujeito ativo de obrigações tributárias, que não se confunde com a competência para legislar. “Na maioria das vezes, assim se configura a parafiscalidade” (ATALIBA, 2008, p. 83-84).

Nos tributos não vinculados (impostos), “presume-se sujeito ativo (quando não explicitamente designado pela lei) a pessoa competente para instituí-los” (ATALIBA, 2008, p. 84). Em face da autorização constitucional dada a Estados e ao Distrito Federal para instituírem o IPVA, o sujeito ativo será o Estado ou o Distrito Federal, que editou a lei aplicável à relação de propriedade.

4.1.2. Do sujeito passivo

Sujeito passivo, em regra, é “uma pessoa que está em conexão íntima (relação de fato) com o núcleo (aspecto material) da hipótese de incidência” (ATALIBA, 2008, p. 86).

Do critério material da hipótese de incidência do IPVA (“ser proprietário de veículo automotor”) infere-se: sujeito passivo é o proprietário do veículo. Ao sujeito passivo identificado diretamente no texto constitucional, Ataliba denomina de “’destinatário da carga tributária’ (ou destinatário legal tributário, na feliz construção de Hector Villegas, cf. artigo in RDP 30/242)” (2008, p. 87). Becho denomina-o de sujeito passivo constitucional (2000, p. 85).

O conteúdo positivo do direito de propriedade é constituído por direitos elementares: de usar, de gozar e de dispor do bem. A propriedade é plena, quando todos os seus direitos elementares estão reunidos no direito do proprietário; limitada, quando tem ônus real ou é resolúvel.

Na propriedade plena, o proprietário tem os direitos constitutivos da propriedade: de usar, de gozar e de dispor do veículo. É ele, portanto, o ‘destinatário da carga tributária’ ou o ‘sujeito passivo constitucional’ do IPVA.

Na propriedade limitada, pelo menos um dos três direitos constitutivos da propriedade do bem não é parte do conjunto de direitos de uma só pessoa. Na vigência de contrato de alienação fiduciária em garantia, o devedor fiduciante fica com a posse direta do veículo. Tem apenas o direito de usá-lo. Na vigência de contrato de arrendamento mercantil, o arrendatário fica com a posse direta do veículo. Tem o direito de usá-lo, se pessoa natural; tem o direito de usar o veículo e o de dele fruir, se pessoa jurídica (como ocorre com o veículo arrendado por empresa locadora de veículos). Durante o usufruto, o usufrutuário fica com a posse do veículo. Tem o direito de usar o veículo e o de dele fruir. Em todos os casos supracitados, o possuidor direto não tem o direito de dispor do veículo.

O inc. XI do art. 6º da Lei 13.296/2008, combinado com o § 2º do artigo, coloca o possuidor a qualquer título, do veículo, como responsável solidário pelo pagamento do imposto e acréscimos legais. Ora, como o possuidor do veículo está vinculado ao fato gerador da obrigação de pagar o IPVA, a disposição supracitada retira seu fundamento de validade da regra do art. 128 do CTN[12].

4.2. Do critério quantitativo

Critério quantitativo do consequente da regra-matriz é o conjunto de informações “que o intérprete obtém da leitura atenta dos textos legais, e que lhe faz possível precisar, com segurança, a exata quantia devida a título de tributo”. “Há de vir sempre explícito pela conjugação de duas entidades: base de cálculo e alíquota, ...” (CARVALHO, 2008b, p. 356).

4.2.1. Da base de cálculo

Base de cálculo é a grandeza que se destina a dimensionar a intensidade do comportamento inserto no núcleo do fato jurídico. Combinada à alíquota, determina o valor da prestação pecuniária.

O binômio critério material da hipótese da regra-matriz de incidência e a base de cálculo identificam o tipo de tributo. Não obstante a disposição do caput do art. 4º do CTN[13], a assertiva anterior é confirmada pelo inc. I do art. 154 da CF, que dispõe sobre a competência residual da União[14].

A base de cálculo tem as funções de: a) medir as proporções reais do fato; b) compor a específica determinação da dívida; c) confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério material da descrição contida no antecedente da norma (CARVALHO, 2008b, p. 360-363).

No IPVA, a base de cálculo:

a)      serve para medir as proporções reais do fato (propriedade de veículo automotor), ora sendo o valor de aquisição do veículo novo, o valor de mercado do veículo usado, o valor do documento de importação acrescido dos tributos devidos em razão da importação de veículo, o valor da arrematação de veículo novo adquirido em leilão etc.;

b)      compõe a específica determinação da dívida, pois, escolhida como perspectiva dimensível do fato, torna-se necessário indicar a parcela da base de cálculo que o sujeito ativo poderá exigir do sujeito passivo; o fator representativo dessa parcela é a alíquota; da multiplicação da base de cálculo pela alíquota obtém-se o quantum debeatur;

c)      confirma o critério material da hipótese tributária (ser proprietário de veículo automotor), pois é perfeita a sintonia entre o padrão de medida escolhido pelo legislador e o núcleo do fato dimensionado (propriedade de veículo automotor)[15].

A base de cálculo do imposto:

a) é o valor de mercado do veículo, constante da tabela de que trata o § 1º do art. 7º, nos casos de: veículo usado; cessação de preenchimento de condição que deu causa à imunidade, isenção ou dispensa de pagamento do IPVA; veículo procedente de outra unidade federada; veículo usado, de propriedade de empresa locadora, já inscrito no Cadastro de Contribuintes do IPVA do Estado de São Paulo ou registrado anteriormente em outro Estado mas locado ou colocado à disposição para locação no território do Estado de São Paulo (inc. I do art. 7º da Lei 13.296/2008);

b) é o valor total constante do documento fiscal de aquisição, nos casos de veículo novo: adquirido pela primeira vez por consumidor; adquirido por empresa locadora para integrar frota destinada à locação no Estado de São Paulo (inc. II do art. 7º);

c) é o valor constante do documento de importação, acrescido dos valores dos tributos devidos em razão da importação, ainda que não recolhidos pelo importador, no caso de veículo importado diretamente do exterior pelo consumidor (inc. III do art. 7º);

d) do veículo novo incorporado ao ativo permanente do:

d.1)  fabricante: é o valor médio das operações com veículos do mesmo tipo que tenha comercializado no mês anterior ao da ocorrência do fato gerador (al. “a” do inc. IV do art. 7º);

d.2)  revendedor: é o valor da operação de aquisição do veículo, constante do documento fiscal de aquisição (al. “b” do inc. IV do art. 7º);

d.3)  importador: é o valor constante do documento de importação, acrescido dos valores dos tributos devidos em razão da importação, ainda que não recolhidos pelo importador (al. “c” do inc. IV do art. 7º).

e)      é o valor da arrematação, acrescido das despesas cobradas ou debitadas do arrematante e dos valores dos tributos incidentes sobre a operação, ainda que não recolhidos, no caso de veículo novo adquirido em leilão (inc. V do art. 7º);

f)        é a soma dos valores atualizados de aquisição de partes e peças do veículo, e outras despesas, também atualizadas, que incorrerem na sua montagem, no caso de veículo não fabricado em série ou a cujo chassi foi acoplada carroceria (inc. VI do art. 7º).

O § 1º do art. 7º prescreve ao Poder Executivo o dever de divulgar o valor de mercado por meio de tabela, considerando na sua elaboração a marca, o modelo, a espécie e o ano de fabricação. O § 2º do art. 7º determina que, na fixação dos valores da tabela, sejam observados os preços médios de mercado vigentes no mês setembro, para vigorar no exercício seguinte. A tabela é divulgada por meio de Resolução do Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo (Resolução SF). Por exemplo, a tabela de valores de mercado de veículos usados para o exercício de 2012 foi divulgada pela Resolução SF 75, de 18/11/2011.

O § 6º do art. 7º da Lei dispõe ser irrelevante o estado de conservação do veículo, para a determinação da base de cálculo do imposto. O preço do veículo usado varia de acordo com seu estado de conservação. No entanto, marca, modelo, espécie e ano de fabricação do veículo são as variáveis que mais influem na determinação do preço médio de mercado do veículo usado[16]. Elas permitem à Fazenda do Estado de São Paulo realizar anualmente avaliação objetiva de uma frota de veículos usados sujeitos ao recolhimento do IPVA. Em novembro de 2011, esses veículos eram 14,87 milhões, de uma frota de 19,60 milhões de veículos[17].

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

4.2.1.1.      Da base calculada

A base de cálculo é um “critério para medir” o fato jurídico tributário. Da aplicação do critério a fato jurídico tributário resulta a base calculada: a dimensão do fato adotada para cálculo do tributo devido. Assim, se o fato jurídico tributário for a propriedade de determinado veículo usado, a base calculada será o valor de mercado atribuído à classe de veículos com a mesma marca, o mesmo modelo, a mesma espécie e o mesmo ano de fabricação do indigitado veículo usado.

4.2.2.      Da alíquota

Toda vez que a base de cálculo do tributo for representada por valor monetário, a alíquota será fração ou percentual desse valor que o sujeito passivo deve entregar ao Estado.

Como a base de cálculo do IPVA é representada por um valor monetário, a alíquota é um percentual ou uma proporção desse valor. Adotando denominação utilizada por Carvalho (2008b, p. 371), podemos afirmar que a alíquota do IPVA é proporcional invariável. Proporcional, porque aparece em forma de fração, percentual ou proporção (p. ex., a alíquota do IPVA de automóveis flex ou com motor especificado para funcionar exclusivamente com gasolina é de 4% – quatro por cento). Invariável, porque a alíquota é a mesma para qualquer valor da base de cálculo. Assim, ao lado do sujeito ativo, que vem sempre estipulado, expressa ou implicitamente, a alíquota do IPVA é conhecida desde o plano da norma geral e abstrata, de modo que a singela leitura do texto legal será suficiente para precisá-la na aplicação dessa norma ao caso concreto (CARVALHO, 2008a, p. 213).

A alíquota do IPVA no Estado de São Paulo é de:

a)      1,5% (um inteiro e cinquenta centésimos por cento) para veículos de carga, tipo caminhão (inc. I do art. 9º da Lei 13.296/2008);

b)      2% (dois por cento) para:

b.1) ônibus e microônibus (alínea “a” do inc. II do art. 9º);

b.2)  caminhonetes cabine simples (alínea “b”);

b.3) motocicletas, ciclomotores, motonetas, triciclos e quadriciclos (alínea “c”);

b.4)    máquinas de terraplenagem, empilhadeiras, guindastes, locomotivas, tratores e similares (alínea “d”);

c)   3% (três por cento) para veículos que utilizarem motor especificado para funcionar, exclusivamente, com os seguintes combustíveis[18]: álcool, gás natural veicular ou eletricidade[19], ainda que combinados entre si (inc. III)[20];

d)  4% (quatro por cento) para qualquer veículo não incluído nas letras anteriores (inc. IV).

Com o fim de incentivar empresas locadoras a registrarem no DETRAN do Estado de São Paulo veículos de que são proprietárias ou possuidoras em razão de contratos de arrendamento e por elas utilizados exclusiva ou predominantemente nesse Estado, o legislador paulista concedeu redução de 50% (cinquenta por cento) na alíquota dos veículos automotores a que se refere o inc. IV do art. 9º (§ 1º do art. 9º)[21]. O § 2º do art. 9º restringiu o conceito de empresa locadora de veículos à “pessoa jurídica cuja atividade de locação de veículos represente no mínimo 50% (cinquenta por cento) de sua receita bruta, mediante reconhecimento, segundo disciplina estabelecida pela Secretaria da Fazenda”.

4.2.3.Do cálculo do imposto

Excluído o caso de veículo usado (inc. I do art. 3º da Lei), o fato jurídico tributário dificilmente ocorre em primeiro de janeiro do exercício. Nessas situações, o valor do imposto, dado pela multiplicação da alíquota pela base de cálculo, é calculado de forma proporcional ao número de meses restantes do ano civil, incluído nesse número o mês da ocorrência do fato jurídico tributário (art. 11 da Lei). A aplicação dessa norma confirma: o “estado de fato” descrito na hipótese da regra-matriz do IPVA deve ser considerado sob o enfoque de sua “duração continuada”.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Wagner Pechi

Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo aposentado. Ex-Delegado Tributário de Julgamento de São Paulo. Ex-integrante do Tribunal de Impostos e Taxas. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PECHI, Wagner. Da regra-matriz de incidência do IPVA. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3447, 8 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23198. Acesso em: 19 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos