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Da regra-matriz de incidência do IPVA

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08/12/2012 às 13:01
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5.  Construção da regra-matriz para uma subclasse de fatos típicos

Considere-se o veículo de placa X, de passeio, flex, fabricado em 2010, cuja propriedade em 01/01/2012 era de A, pessoa natural domiciliada no Município Y, no Estado de São Paulo. Passemos a construir a regra-matriz de incidência do IPVA para subclasse de fatos típicos que inclui a indigitada relação de propriedade.

A partir de textos da Lei 13.296/2008 (plano S1) construímos os seguintes enunciados prescritivos (plano S2):

a)      se houver propriedade de veículo automotor[22], então o IPVA será devido anualmente (art. 2º)[23]: define o critério material da hipótese da regra-matriz do IPVA;

b)      se houver propriedade de veículo automotor usado em 1º de janeiro do ano[24], então o IPVA do veículo nesse ano será devido a partir dessa data (inc. I do art. 3º)[25]: define o critério temporal da hipótese da regra-matriz do IPVA;

c)      se o proprietário do veículo for pessoa natural, então domicílio será a sua residência habitual (alínea “a” do item 1 do § 1º do art. 4º)[26]: define o domicílio do proprietário, que é o critério espacial da hipótese da regra-matriz do IPVA;

d)      se alguém for proprietário de veículo automotor, então será contribuinte do IPVA (caput do art. 5º)[27]: define o sujeito passivo, parte do critério pessoal do consequente da regra-matriz do IPVA;

e)      se o veículo for usado, então a base de cálculo do imposto será o valor de mercado do veículo (inc. I do art. 7º)[28], que será apurado de acordo com o procedimento previsto nos §§ 1º e 2º do art. 7º da Lei: define a base de cálculo do imposto, parte do critério quantitativo do consequente da regra-matriz do IPVA;

f)        se o veículo não estiver incluído nas hipóteses dos incisos I a III do art. 9º da Lei[29], então a alíquota do imposto será de 4% – quatro por cento – (inc. IV do art. 9º): define a alíquota, parte do critério quantitativo do consequente da regra-matriz do IPVA;

g)      se o local do domicílio do proprietário do veículo for no Estado de São Paulo, então o IPVA será devido a esse Estado (caput do art. 4º)[30]: define o sujeito ativo, parte do critério pessoal do consequente da regra-matriz do IPVA[31].

Os enunciados prescritivos foram construídos a partir de textos da Lei 13.296/2008, editada pelo Estado de São Paulo. Observados, portanto, o princípio da estrita legalidade (inc. I do art. 150 da CF) e a competência outorgada aos Estados e ao Distrito Federal para instituir o IPVA (inc. III do art. 155 da CF).

Com o conjunto articulado das significações dos 7 (sete) enunciados prescritivos, construímos, no plano S3, a regra-matriz do IPVA aplicável àquela relação de propriedade:

Se, em 1º de janeiro de determinado exercício, pessoa natural domiciliada no Estado de São Paulo for proprietária de veículo de passeio flex usado, então ela deverá pagar a esse Estado, naquele exercício, IPVA igual ao produto do valor de mercado do veículo, apurado de acordo com o procedimento previsto nos §§ 1º e 2º do art. 7º da Lei 13.296/2008, pela alíquota de 4% (quatro por cento)”.

Como a Lei 13.296[32], de 23/12/2008, foi decretada pela Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e promulgada pelo Governador do Estado, presume-se tenha sido produzida segundo o procedimento previsto no sistema do direito positivo[33]. Assim, no plano S4, fica caracterizada a pertinência da regra-matriz do IPVA ora construída ao sistema do direito positivo.


Conclusão

Analisamos os critérios da hipótese e do consequente da regra-matriz do IPVA. Da Lei paulista 13.296/2008, identificamos e comentamos as regras que dispõem sobre referidos critérios. A seguir, para determinada relação de propriedade de veículo automotor, a partir de textos da Lei paulista elaboramos enunciados prescritivos correspondentes aos aludidos critérios. Da reunião desses enunciados prescritivos em uma só norma com estrutura hipotético-condicional, construímos regra-matriz do IPVA para subclasse de fatos típicos que inclui a indigitada relação de propriedade. O extenso trabalho analítico que realizamos para a final construir a regra-matriz do IPVA foi para fins didáticos, já que o operador do direito experiente e que conhece a lei tributária constrói mentalmente a regra-matriz que deve aplicar a evento tributário determinado.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.

BECHO, Renato Lopes. Sujeição Passiva e Responsabilidade Tributária. São Paulo: Dialética, 2000.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Lejus, 1998.

CAMPOS, Antonio Carlos de Moura. O fornecimento de refeições e a desidratação da base de cálculo do ICMS. São Paulo: Associação Brasileira de Automação Comercial, 2009 (Disponível em:

<http://www.afrac.org.br/afrac/index.php/salaimprensa/noticias/269-artigo-o-fornecimento-de-refeicoes-e-a-desidratacao-da-base-de-calculo-do-icms>  Acesso em 06/08/2012).

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário – Fundamentos Jurídicos da Incidência. São Paulo: Saraiva, 2008a.

________________________. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2008b.

GARCIA, Othon Moacir. Comunicação em Prosa Moderna, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1982.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009.

MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2006.


NOTAS

[1] A todas as demais normas (“que fixam outras providências administrativas para a operatividade do tributo, tais como as de lançamento, recolhimento, configuração de deveres instrumentais e as relativas à fiscalização”), Carvalho (2008a, p. 93-94) denomina de “normas tributárias em sentido amplo”.

[2] “Frase é todo enunciado suficiente por si mesmo para estabelecer comunicação. Pode expressar um juízo, indicar uma ação, estado ou fenômeno, transmitir um apelo, uma ordem ou exteriorizar emoções” (GARCIA, 1982, p. 6).

[3] “Oração, às vezes, é sinônimo de frase ou de período (simples) quando encerra um pensamento completo e vem limitada por ponto-final, ponto-de-interrogação, de-exclamação e, em certos casos, por reticências”. “Mas nem sempre oração (diz-se também proposição) é frase. Em ‘convém que te apresses’ há duas orações mas uma só frase, pois somente o conjunto das duas é que traduz um pensamento completo; isoladas, constituem simples fragmentos de frase” (GARCIA, 1982, p. 6-7).

[4] “O período que contém mais de uma oração é composto” (GARCIA, 1982, p. 6).

[5] Disponível em: <http://www.pfe.fazenda.sp.gov.br/> / Legislação / Tributária / Atalhos IPVA / Lei 13.296/08    Acesso em 31/01/2012.

[6] Disponível em: <http://www.pfe.fazenda.sp.gov.br/> / Legislação / Tributária / Atos anteriores a 2002 / Ato: “Leis”, Ano: “1989” / 6.606, de 20-12    Acesso em 31/01/2012.

[7] Ao recolher espontaneamente o IPVA, o contribuinte põe no ordenamento norma individual e concreta que formaliza e, ao mesmo tempo, extingue o crédito tributário. A linguagem competente (assim entendida a exigida pelo direito posto), utilizada para relatar o evento tributado e a relação jurídica tributária, está expressa na guia de recolhimento com a autenticação do pagamento ou no comprovante de pagamento emitido pelo terminal bancário.

[8] Há uma proposta de se classificar fatos geradores de tributos em instantâneos, continuados e complexivos. Por essa classificação, o IPTU, o ITR e o IPVA teriam fatos geradores continuados. A classificação é criticada por Carvalho (2008a, p. 147), para quem todo o fato, por se constituir no momento em que é enunciado, é necessariamente instantâneo. Segundo o autor, a classificação imite-se na contextura real do evento sujeito à tributação.

[9] “Art. 123. Será obrigatória a expedição de novo Certificado de Registro de Veículo quando:

I - for transferida a propriedade;

II - o proprietário mudar o Município de domicílio ou residência;

( . . . )

§ 1º No caso de transferência de propriedade, o prazo para o proprietário adotar as providências necessárias à efetivação da expedição do novo Certificado de Registro de Veículo é de trinta dias, sendo que nos demais casos as providências deverão ser imediatas.

§ 2º No caso de transferência de domicílio ou residência no mesmo Município, o proprietário comunicará o novo endereço num prazo de trinta dias e aguardará o novo licenciamento para alterar o Certificado de Licenciamento Anual.

       . . .”.

[10] Dino Jarach, apud Ataliba (2008, p. 106), “adverte que, algumas vezes, sob a aparência de designação de condições de lugar, o que está efetivamente fazendo a lei é indicando o sujeito ativo do tributo. Estar-se-ia, então, diante do aspecto pessoal e não espacial da h.i.”.

[11] O Código Nacional de Trânsito foi instituído pela Lei 5.108, de 21/09/1966, alterada pelo Decreto-lei 237, de 28/02/1967.

[12] “Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação” (grifamos).

[13] “Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la:

I - a denominação e demais características formais adotadas pela lei;

   II - a destinação legal do produto da sua arrecadação”.

[14] “Art. 154. A União poderá instituir:

I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;

  . . . ”.

[15] A base de cálculo infirma o critério material da descrição contida no antecedente da norma, “quando for manifesta a incompatibilidade entre a grandeza eleita e o acontecimento que o legislador declara como a medula da previsão fáctica”. A base de cálculo afirma o critério material, “na eventualidade de ser obscura a formulação legal, prevalecendo, então, como critério material da hipótese, a ação-tipo que está sendo avaliada” (CARVALHO, 2008b, p. 363-364).

[16] “Um estado de fato pode ter diversos atributos dimensíveis; a base imponível estabelecida pelo legislador pode considerar somente um, ou alguns – e não necessariamente todos” (ATALIBA, 2008, p. 111).

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[17] Em novembro de 2011, 4,57 milhões de veículos estavam isentos por terem mais de 20 anos de fabricação e 160 mil contavam com reconhecimento de imunidade, concessão de isenção ou dispensa de pagamento do imposto. (Disponível em <http://www.fazenda.sp.gov.br/publicacao/noticia.aspx?id=1428>  Acesso em 17/07/2012)

[18] Note-se a falta de precisão na redação do inciso. “Eletricidade” não é combustível, mas sim “termo geral que abrange uma variedade de fenômenos resultantes da presença e do fluxo de carga elétrica” (Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Eletricidade>  Acesso em 21/07/2012).

[19] Ao adotar alíquota de 3% (três por cento), o legislador quis incentivar o uso de veículos automotores com fontes de energia menos poluentes. Combinou política fiscal (tributação voltada para a arrecadação) com a extrafiscal (tributação com o fim de estimular ou desestimular determinados comportamentos).

[20] O texto “ainda que combinados entre si” parece estar em contradição com o advérbio “exclusivamente”. Não haverá contradição, porém, se o uso do advérbio foi para que o intérprete não estenda a alíquota de 3% (três por cento) a veículo que também funcione com fonte de energia diversa das três citadas no inciso. Logo, é de 4% (quatro por cento) a alíquota do IPVA do veículo flex ou bicombustível e do movido à gasolina com adaptação para também funcionar com gás natural veicular (kit gás). Para o veículo movido à gasolina com kit gás, a alíquota de 4% (quatro por cento) é confirmada pela exceção prevista no § 3º do art. 9º da Lei.

[21] A redução de alíquota, portanto, aplica-se somente a veículos flex ou com motor especificado para funcionar exclusivamente com gasolina.

[22] Essa oração equivale a dizer: “se alguém for proprietário de veículo automotor”. Fica delineado, portanto, o critério material da hipótese da regra-matriz do tributo, formado por um verbo e por seu complemento.

[23] “Art. 2º - O Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA, devido anualmente, tem como fato gerador a propriedade de veículo automotor”.

[24] Essa oração equivale a dizer: “se alguém for proprietário de veículo automotor usado em 1º de janeiro do ano”.

[25] “Art. 3º - Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto:

I - no dia 1º de janeiro de cada ano, em se tratando de veículo usado;

     . . . ”.

[26] “Art. 4º - O imposto será devido no local do domicílio ou da residência do proprietário do veículo neste Estado.

§ 1º - Para os efeitos desta lei, considerar-se-á domicílio:

1 - se o proprietário for pessoa natural:

a) a sua residência habitual;

      . . . ”.

[27] “Art. 5º - Contribuinte do imposto é o proprietário do veículo.

         . . . ”.

[28] “Art. 7º - A base de cálculo do imposto é:

I - na hipótese dos incisos I, V, IX e X, alíneas “a” e “b”, do artigo 3º desta lei, o valor de mercado do veículo usado constante da tabela de que trata o § 1º deste artigo;

( . . . )

§ 1º - Para efeito do disposto no inciso I deste artigo, o Poder Executivo divulgará o valor de mercado por meio de tabela, considerando na sua elaboração a marca, o modelo, a espécie e o ano de fabricação.

§ 2º - A tabela a que se refere o § 1º deste artigo, deverá ser divulgada para vigorar no exercício seguinte, e na fixação dos valores serão observados os preços médios de mercado vigentes no mês de setembro.

     . . . ”.

[29] “Art. 9º - A alíquota do imposto, aplicada sobre a base de cálculo atribuída ao veículo, será de:

( . . . )

IV - 4% (quatro por cento) para qualquer veículo automotor não incluído nos incisos I a III deste artigo.

      . . . ”.

[30] “Art. 4º - O imposto será devido no local do domicílio ou da residência do proprietário do veículo neste Estado.

      . . . ”.

[31] Nesse caso, a lei deixa explícito o sujeito ativo da relação jurídica tributária. Isso não ocorria com a primeira lei do IPVA do Estado de São Paulo (Lei 4.955, de 27/12/85). Quando os enunciados prescritivos que compõem a regra-matriz de incidência tributária são construídos a partir de textos da lei que instituiu o tributo, está implícito que a pessoa constitucional titular da competência tributária e que editou a lei é o sujeito ativo.

[32] A lei é espécie de norma geral e concreta. Geral, porque, no seu consequente, estabelece uma relação jurídica que obriga todos a observarem seus dispositivos. Concreta, porque seu antecedente contém um fato jurídico (agente competente e procedimento) ocorrido em determinado dia e local, resultante da aplicação de norma sobre produção jurídica (MOUSSALLEM, 2006, p. 127-128). Paulo de Barros Carvalho (2008b, p. 58) denomina a lei tributária de instrumento primário de introdução de normas no direito brasileiro. Primário, porque é veículo credenciado a promover o ingresso de regras inaugurais no universo jurídico brasileiro.

[33] A competência para instituição de tributos estaduais está no inc. I do art. 19 da Constituição do Estado de São Paulo (texto promulgado em 05/10/1989). O procedimento para produção de lei ordinária está no inc. III do art. 21, no caput do art. 24, no art. 26 e no art. 28 da Constituição paulista.

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Sobre o autor
Wagner Pechi

Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo aposentado. Ex-Delegado Tributário de Julgamento de São Paulo. Ex-integrante do Tribunal de Impostos e Taxas. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PECHI, Wagner. Da regra-matriz de incidência do IPVA. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3447, 8 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23198. Acesso em: 26 abr. 2024.

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