7.Princípio da economia processual como justificativa para a denunciação da lide
Com a Reforma do Judiciário, operacionalizada por meio da EC nº 45/2004, foi inserido o inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição Federal, dispondo que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
É bem verdade que a “razoável duração do processo” é um conceito por demais fluido e de difícil apreensão, mas que pode ser perfeitamente absorvido pela noção apresentada por Marcelo Lima Guerra (2003), segundo a qual “é razoável toda a duração do processo que seja decorrente do indispensável respeito aos direitos fundamentais em jogo, sobretudo os constitucionais”.
Neste sentido, diz-se que foi alçado ao patamar dos direitos e garantias fundamentais o Princípio da Economia Processual, com o qual se viabiliza o cumprimento do novo mandamento constitucional. De fato, essa nova linha axiológica traduzir-se-ia no ideal de obter-se o maior resultado possível no processo, com o mínimo de esforço. Rui Portanova (2003) assim o conceitua:
A busca de processo e procedimentos tão viáveis quando enxutos, com um mínimo de sacrifício (tempo e dinheiro) e de esforço (para todos os sujeitos processuais), interessa ao processo como um todo e, por isso, compreende o que se convencionou chamar de princípio informativo econômico ou da economia processual.
Perceba-se que o Princípio da Economia Processual engloba uma economia de custo, de tempo e de atos, sempre visando a eficiência na prestação jurisdicional, com uma justiça rápida e de baixo custo, e atendendo o imperativo constitucional de forma concreta, e não apenas formal.
Ressalte-se que, antes mesmo de atingir hierarquia constitucional[13], o princípio da economia processual já se fazia presente em nosso Código de Processo Civil[14], como embasamento jurídico para vários dispositivos, dentre os quais os relativos à denunciação da lide.
Com efeito, a instrução de reunirem-se duas ou mais demandas em um único processo para serem resolvidas conjuntamente atende perfeitamente a todas as vertentes do princípio em questão já mencionadas: economia de custo, de tempo, e de atos. Assim, com a denunciação torna-se possível evitar, além de julgamentos contraditórios, que o judiciário desenvolva por diversas vezes atividades jurisdicionais que poderiam muito bem ser realizadas em uma mesma oportunidade, resolvendo diversas ações. Leonardo José Carneiro da Cunha (2012) assim discorre sobre o assunto:
O fundamento da denunciação da lide é a economia processual, evitando-se que a parte, após o término da demanda originária, na qual resulte derrotada, tenha que ingressar com uma demanda regressiva contra o sujeito que está obrigado a lhe ressarcir regressivamente.
Convém destacar, por fim, que é também por respeito à economia processual que se aponta como adequado o agravo de instrumento nas hipóteses de indeferimento de denunciação da lide não-obrigatória. É que não seria recomendável a anulação de todo o processo no julgamento de uma apelação, considerando que a parte está liberada para ingressar com uma ação autônoma de regresso.
8. A denunciação da lide prevista no inciso III do art. 70 do CPC e a agregação de elemento novo na demanda
No passado houve divergência quanto à abrangência da previsão contida no inciso III do art. 70 do CPC. Com a evolução dos estudos sobre a matéria, passou a prevalecer na doutrina e jurisprudência a necessidade de estrita observância da limitação disposta no texto do artigo: apenas quando houver previsão em lei ou contrato.
Assim, sempre que, por imposição legal ou em decorrência de disposição contratual, alguém tiver a obrigação de ressarcir prejuízo de outrem, pode o titular do suposto direito de regresso deduzi-lo no próprio processo em que figura como autor ou réu, pela via da denunciação da lide.
A questão ainda controversa diz respeito às situações em que a denunciação obrigatoriamente introduzir um elemento novo, estranho às matérias versadas na ação principal.
A posição minoritária é ampliativa, defendendo a possibilidade de denunciação em qualquer hipótese, seja introduzindo ou não um novo elemento na demanda. Argüi-se que se o dispositivo processual não trouxe esta limitação, não caberia ao aplicador do Direito fazê-lo, uma vez que as restrições apresentam-se sempre de forma expressa.
No entanto, predomina na doutrina e jurisprudência a posição mais restritiva, que não admite a denunciação nessas hipóteses, pois estaria em jogo a economia e presteza na prestação jurisdicional referente à demanda originária, cujo desfecho seria retardado por uma questão alheia à relação jurídica existente entre aquelas partes, e em evidente prejuízo ao terceiro.
Julgado exemplar, e que tem sido seguido pelos Tribunais pátrios, foi o relatado pelo em. Ministro César Asfor Rocha, da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (REsp 191.118, RSTJ 160:306, ac. De 07/05/2002):
Não se admite a denunciação da lide pretendida com base no inciso III do art. 70 do Código de Processo Civil se o seu desenvolvimento invocar fato novo ou fato substancial distinto do que foi veiculado na defesa da demanda principal, como no caso, não estando o direito de regresso comprovado de plano, nem dependendo apenas da realização de provas que seriam produzidas em razão da própria necessidade instrutória do feito principal.
Com efeito, se a denunciação provocar uma dilação probatória inteiramente desvinculada da que seria efetuada na ação principal, malferido seria o princípio da Economia Processual, já qualificado no tópico anterior deste estudo como o fundamento da denunciação da lide. Leonardo José Carneiro da Cunha (2012) aduz a esse respeito:
Assim, se a demanda do autor tenha (sic) fundamento de fato ou de direito que prescinde de uma instrução, não será cabível a denunciação da lide, se o fundamento desta gerar a necessidade de uma instrução. É que, não fosse a denunciação da lide, não haveria razão para se proceder com a atividade instrutória. (...) Admitir-se, na espécie, a denunciação da lide seria desprestigiar o princípio da economia processual e da presteza na entrega da prestação jurisdicional, cuja essência serve de fonte inspiradora ao instituto da denunciação da lide.
Apenas a título de observação, deve-se tomar cuidado com a impropriedade do termo “fundamento novo”, utilizado pelo autor do trecho acima transcrito e pela maioria dos aplicadores do direito. Na verdade, em seu sentido mais técnico, o “fundamento” da denunciação nunca será o mesmo do “fundamento” da ação principal. Daí porque se apresenta mais adequada a referência a “elemento novo” ou “matéria nova”, não vinculada diretamente ao objeto da demanda originária.
Com o devido respeito ao entendimento expressado pelos defensores da posição minoritária, apresenta-se mais condizente com a natureza do instituto da denunciação da lide e os princípios que a abalizam, a posição restritiva quanto à introdução de um novo elemento na demanda.
9 .Conclusão
Por todo o exposto, buscou-se neste estudo demonstrar as hipóteses de cabimento de denunciação da lide previstas no Ordenamento pátrio, com enfoque nas posições jurisprudenciais e doutrinárias acerca da matéria.
Sem a pretensão de esgotar o tema, este sintético exame procurou destacar a relevância deste instituto processual, no escopo de tão somente fomentar o debate acadêmico sobre esta importante matéria pelos estudiosos do Direito.
Notas
[1] No decorrer desta exposição serão devidamente apontadas e questionadas as referidas manifestações doutrinárias e jurisprudenciais, em especial as que invocam os princípios da celeridade processual e da efetividade da prestação jurisdicional.
[2] Cf. Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, v. I.
[3] Exceção ao princípio da eventualidade da defesa.
[4] A função referida no texto é a de possibilitar a correção da ilegitimidade passiva ad causam.
[5] Considerando que este dispositivo consiste na principal premissa do presente estudo, foi dedicado a ele um tópico específico no final deste capítulo.
[6] “Art. 456. Para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo.”
[7] “Art. 76. A sentença que julgar procedente a ação declarará, conforme o caso, o direito do evicto, ou a responsabilidade por perdas e danos, valendo como título executivo.”
[8] STJ, REsp 95.590, RSTJ 93/320.
[9] “Art. 287. No seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro.”
[10] Em razão das alterações do instituto do seguro no Novo Código Civil, renomados autores passaram a entender que a espécie de intervenção de terceiros aplicável à hipótese passou a ser o chamamento ao processo.
[11] Daí a importância do tópico 1.1, que tratou da conceituação e fixação das principais particularidades da denunciação da lide.
[12] Os dispositivos citados assim dispõem: “Art. 74. Feita a denunciação pelo autor, o denunciado, comparecendo, assumirá a posição de litisconsorte do denunciante e poderá aditar a petição inicial, procedendo-se em seguida à citação do réu. Art. 75. Feita a denunciação pelo réu: I – se o denunciado a aceitar e contestar o pedido, o processo prosseguirá entre o autor, de um lado, e de outro, como litisconsortes, o denunciante e o denunciado; (...)”.
[13] Fato que apenas reconheceu uma importância há muito observada na seara do direito processual infraconstitucional.
[14] Neste sentido, afirma Humberto Theodoro Júnior (2011): “Como aplicações práticas do princípio da economia processual, podem ser citados os seguintes exemplos: indeferimento, desde logo, da inicial, quando a demanda não reúne os requisitos legais; denegação de provas inúteis; coibição de incidentes irrelevantes para a causa; permissão de acumulação de ações conexas num só processo; fixação de tabela de custas pelo Estado, para evitar abusos dos serventuários da Justiça; possibilidade de antecipar julgamento de mérito, quando não houver necessidade de provas orais em audiência; saneamento do processo antes da instrução, etc.”
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil, vol. 2. 11ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de Terceiros. 19ª edição, São Paulo: Saraiva, 2010.
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 10ª edição, São Paulo: Dialética, 2012.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14ª edição, São Paulo: Malheiros, 2009.
____________ Instituições de Direito Processual Civil, vol. II, 6ª edição, São Paulo: Malheiros, 2009.
FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. 3ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2005.
PORTANOVA, Rui. Princípios de Processo Civil. 5ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de Direito Processual Civil, vol. 2. 2ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
SANTOS, Ernani Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil, vol. 1, 15ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011.
SANTOS, Moacyr Amaral. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1. 20ª edição, São Paulo; Saraiva, 1999.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil vol. I. 52ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2011.