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O princípio constitucional do desenvolvimento sustentável: análise da sua concretização no estado do Rio Grande do Norte

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III - PARTE - A EFETIVAÇÃO DO Princípio constitucional DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

1. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

A atual fase da hermenêutica constitucional é a da juridicidade dos princípios. Na velha hermenêutica, não ocorria um exame teórico da juridicidade dos princípios constitucionais indissociável de uma prévia indagação acerca da eficácia normativa dos princípios gerais de direito cujo ingresso nas Constituições se faz com força positiva incontrastável, perdendo, desde já, grande parte daquela clássica e alegada indeterminação, habitualmente invocada para retirar-Ihes o sentido normativo de cláusulas operacionais. Na realidade, com a inserção constitucional dos princípios, ocorre a superação da fase hermenêutica das chamadas normas programáticas.

Os princípios realizam nos textos constitucionais da segunda metade deste século uma revolução de juridicidade sem igual na história do constitucionalismo. Podemos delimitar perfeitamente três fases da juridicidade dos princípios: a jusnaturalista, a positivista e a pós-positivista.

A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do direito, sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica constitucional, e a teoria dos direitos fundamentais, edificadas sobre o fundamento da dignidade da pessoa humana. A valorização dos princípios, sua incorporação, explícita ou implícita, pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurídica de sua normatividade fazem parte desse ambiente de reaproximação entre direito e ética. [87]

A fase do pós-positivismo corresponde aos grandes momentos constituintes das últimas décadas do século XX, nas quais os novos textos constitucionais promulgados demonstram a hegemonia axiológica dos princípios, convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais. Muito antes das formulações jurisprudenciais contidas em diversos arestos das cortes constitucionais, devemos assinalar que muito importante para o reconhecimento precoce da positividade ou normatividade dos princípios em grau constitucional, ou melhor, juspublicístico, e não me­ramente civilista, é a função renovadora assumida de maneira precoce pelas cortes internacionais de justiça, no que diz respeito aos princípios gerais de direito, mesmo em uma época em que o velho positivismo ortodoxo ou legalista ainda dominava incólume nas regiões da doutrina.

Uma nova fase se afigura neopositivista e precede o positivismo contemporâneo, sobre a natureza, a validade e o conteúdo desses princípios instaurando-se a partir da ocasião em que o art. 38 do estatuto da corte permanente de justiça internacional declarou, em 1920, "os princípios gerais de direito, reco­nhecidos pelas nações civilizadas", como aptos ou idôneos a resolverem controvérsias, ao lado dos tratados e dos costumes internacionais; fór­mula essa consagrada e incorporada literalmente em 1945 pelo art. 38, I, "c", do Estatuto da Corte Internacional de Justiça e, a seguir, com ligeiras variações, pelo art. 215, § 2º, do tratado que instituiu em 1957 a Comunidade Econômica Européia.

A fase jusnaturalista é a mais antiga e tradicional, na qual os princípios habitam ainda esfera por inteiro abstrata e sua nor­matividade, basicamente nula e duvidosa, contrastando com o reconheci­mento de uma dimensão ético-valorativa de idéia que inspira os postulados de justiça. A fase jusnaturalista dominou a dogmática dos princípios por um longo período até o advento da escola histórica do direito.

O jusnaturalismo moderno começa a forma-se a partir do século XVI, procurando superar o dogmatismo medieval e escapar do ambiente teológico em que se desenvolveu. Aproximando a lei da razão, torna-se a partir daí a filosófica natural do direito, associando-se ao iluminismo na crítica à tradição anterior e dando substrato jurídico-filosófico às duas grandes conquistas do mundo moderno: a tolerância religiosa e a limitação ao poder do estado. A crença no direito natural - isto é, na existência de valores e de pretensões humanas legítimas que não decorrem de uma norma emanada do Estado - foi um dos trunfos ideológicos da burguesia e o combustível das revoluções liberais. [88]

Os jusnaturalistas concebem os princípios gerais de di­reito, em forma de axiomas jurídicos ou normas estabelecidas pela reta razão. São, assim, normas universais de bem obrar. São os princípios de justiça, constitutivos de um direito ideal. O ideal de justiça, no entendimento dos autores jusnaturalistas, impregna a essência dos princípios gerais de direito.

Merece destacarmos que o pressuposto do Estado liberal, entendido como Estado limitado em contraposição ao Estado absoluto é a doutrina dos direitos do homem elaborada pela escola do direito natural (ou jusnaturalismo): doutrina segundo a qual o homem, todos os homens, indiscriminadamente, têm por natureza e, portanto, independentemente de sua própria vontade, e menos ainda da vontade de alguns poucos ou de apenas um, certos direitos fundamentais, como o direito à vida, à liberdade, à segurança, à felicidade - direitos esses que o estado, ou mais concretamente aqueles que num determinado momento histórico detêm o poder legítimo de exercer a força para obter a obediência a seus comandos devem respeitar, e portanto não invadir, e ao mesmo tempo proteger contra toda possível invasão por parte dos outros. Podemos definir o jusnaturalismo como a doutrina segundo a qual existem leis não postas pela vontade humana - das quais derivam, como em toda e qualquer lei moral ou jurídica, direitos e deveres que são, pelo próprio fato de serem derivados de uma lei natural, direitos e deveres naturais. [89]

A fase juspositivista vem a ser a segunda fase da teorização dos princípios, com os princípios entrando já nos códigos como fonte normativa subsidiária garantindo o reinado absoluto da lei. Em uma análise temporal, o advento da escola histórica do direito e a elaboração dos códigos precipitaram a decadência do direito natural clássico, fomentando, ao mesmo passo, desde o século XIX até a primeira metade do século XX, a expansão doutrinária do positivismo jurídico. A tese positivista ou histórica defende na sua essência que os princípios gerais de direito devem equivaler aos prin­cípios que informam o direito positivo e lhe servem de fundamento.

O positivismo filosófico foi fruto de uma crença exacerbada no poder do conhecimento científico. Sua importação para o direito resultou no positivismo jurídico, na pretensão de criar-se uma ciência jurídica, com características analogias às ciências exatas e naturais. A busca de objetividade científica, com ênfase na realidade observável e não na especulação filosófica, apartou o direito da moral e dos valores transcendentes. Direito é norma, ato emanado do Estado Com caráter imperativo e força coativa. A ciência do direito como todas as demais, deve ser fundada em juízos de fato, que visam ao conhecimento da realidade, e não em juízos de valor, que representam uma tomada de posição diante da realidade. [90] Ao nosso sentir, não é no âmbito do direito que se deve travar a discussão acerca de questões como legitimidade e justiça. [91]

O positivismo pretendeu ser uma teoria do direito, na qual o estudioso assumisse uma atitude cognoscitiva de conhecimento fundado em juízos de fato. Mas resultou sendo uma ideologia, movida por juízos de valor, por se ter tornado não apenas um modo de entender o direito, como também de querer o direito.[92] O fetiche da lei e o legalismo acrítico, subprodutos do positivismo jurídico, serviram de disfarce para autoritarismos de matizes variados. A idéia de que o debate acerca da justiça se encerrava quando da positivação da norma tinha um caráter legitimador da ordem estabelecida. Qualquer ordem.[93]

A palavra princípio[94], segundo Miguel Reale, possui duas acepções, uma de natureza moral, e outra de ordem lógica. No momento em que mencionamos que um indivíduo é um homem de princípio, na realidade, emprega-se o vocábulo na sua acepção ética, para dizer que se trata de um homem de virtude, de boa formação e que sempre se conduza fundado em razões morais. A palavra princípio tem, porém, um sentido lógico, este sentido é caracterizado pelo que denominados de juízo. Juízo é a ligação lógica de um predicado a algo, com o reconhecimento concomitante de que esta atributividade é necessária implicando sempre uma pretensão de verdade. O juízo, portanto, é a molécula do conhecimento. Com efeito, não podemos conhecer sem formular juízos, assim como também não podemos transmitir conhecimentos sem formular juízos. A expressão verbal, escrita ou oral, de um juízo, denomina-se de proposição. [95]

Por sua vez, Humberto Ávila elabora o conceito para princípio como sendo normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção. [96]

Na ótica de Roque Antônio Carraza, princípio jurídico, segundo lhe parece, é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do direito e, por isso mesmo, vincula de maneira inexorável o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam. Não importa se o princípio é implícito ou explícito, mas, sim, se existe ou não existe. Se existe o princípio, o jurista, com o instrumental teórico que a ciência do direito coloca a sua disposição, tem condição de discerni-lo. Deve ser enfatizado, que o princípio explícito não é necessariamente mais importante que o princípio implícito. Não existe hierarquização, num primeiro momento entre eles. Tudo vai depender do âmbito de abrangência de um e de outro e não do fato de um estar melhor ou pior desvendado no texto jurídico. Aliás, as normas jurídicas não trazem sequer expressa sua condição de princípio ou de regra. É o jurista que, ao se debruçar sobre elas, as identifica e as hierarquiza. [97]

Segundo Arnaldo Sussekind, princípios são enunciados genéricos, explicitados ou deduzidos do ordenamento jurídico pertinente, destinados a iluminar tanto o legislador, ao elaborar as leis dos respectivos sistemas, como o intérprete, ao aplicar as normas ou sanar omissões. [98]

Já Edilson Pereira Nobre Júnior define os princípios jurídicos como as normas que servem de fundamento a determinado ordenamento jurídico, ou a uma parte deste ordenamento, os quais sem adentrar, em seu conteúdo, pelo binômio hipótese-sanção, como acontece com as regras, consagram os valores fundamentais de uma determinada sociedade.[99]

Por outro lado, leciona Amauri Mascaro do Nascimento que os princípios são univalentes quando aplicáveis a todas as ciências (exemplo: princípio da identidade - o ser é, o não ser não é). São princípios plurivalentes aqueles aplicáveis a algumas ciências, como o princípio da causalidade, das ciências físicas e o princípio da imputabilidade, das ciências sociais. Já os princípios monovalentes são os princípios de uma ciência (exemplo: os princípios da ciência jurídica). Por fim, têm-se os princípios setoriais, que são princípios de um ramo da ciência. [100]

Na visão de Celso Antônio Bandeira de Melo, princípio é por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de deus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. [101]

Não se faz ciência sem princípios. Costuma-se definir ciência como conjunto de conhecimentos ordenados coerentemente segundo princípios. No Brasil, assim como na maioria dos países que adotam sistemas jurídicos de origem romanística, os princípios são considerados como fonte do direito. Por isto, no artigo 4° da Lei de Introdução do Código Civil, no art. 8° da Consolidação das Leis Trabalhistas e no art. 126 do Código de Processo Civil os princípios aparecem como uma das formas de colmatação de lacunas. Mas do que isto dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que “os direitos e garantias nela expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados”,§1°, do art. 5° da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. [102]

Pinto Ferreira citado por André Ramos Tavares assevera que a ciência do direito constitucional induz da realidade histórico-social os lineamentos básicos, os grandes princípios constitucionais, que servem de base à estruturação do estado. Os princípios essenciais assim estabelecidos são os summa genera do direito constitucional, fórmulas básicas, os postos-chaves de interpretação e construção teórica do constitucionalismo, e daí se justifica a atenção desenvolvida pelos juristas na sua descoberta e elucidação. [103]

A definição de princípios fundamentais de um ordenamento jurídico de Riccardo Guastini é no sentido de que são os valores ético-políticos que, por um lado, informam todo o ordenamento e por outro dão fundamento e justificação. Neste sentido, o grande jurista italiano, passa a exemplificá-los citando os princípios da igualdade, da soberania popular, da irretroatividade das leis, entre outros fundantes de um ordenamento jurídico. Desta maneira, os princípios fundamentais do ordenamento jurídico são os valores ético-políticos informadores de determinado ordenamento jurídico. Na sua lição, ocorre ainda a diferença entre princípios fundamentais e gerais a qual é baseada na ênfase que se deseja dar ao princípio. Enquanto a utilização do adjetivo geral enfatiza a dimensão de extensão sobre ordem jurídica, a adjetivação do termo princípio em fundamental acentua sua posição (fundante) no ordenamento. Sendo assim, por carregarem carga axiológica de matiz política, os princípios fundamentais ou gerais devem ostentar estatura constitucional, irradiando-se para todas as demais normas de uma dada ordem jurídica. [104]

Quando combinamos juízo entre si segundo um nexo lógico de conseqüência, dizemos que estamos raciocinando. Raciocínio, portanto, é um conjunto ordenado e coerente de juízos. Quando damos uma aula, estamos raciocinando, e ao raciocinar, combinamos juízos, procurando investigar e revelar, de forma congruente, relações entre conceitos. É impossível ocorrer ciência, é claro, sem esta operação elementar de enunciarmos juízos e de combinarmos juízos entre si. A ciência implica sempre uma coerência entre juízos que se enunciam. É necessário que os enunciados, sendo estes a essência do juízo, não se choquem nem se conflitem, muito pelo contrário que se organizem de tal forma que entre eles exista um nexo comum asseguradores da coerência e validez. [105]

Princípios são, pois, verdades e juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade. Muitas vezes, são denominados princípios certas proposições que, apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidos como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos como seus pressupostos necessários. [106]

De maneira que a mais essencial função dos princípios é qualificar a realidade, ou seja, é valorar a realidade, atribuindo-lhe um valor, a indicar ao intérprete ou ao legislador que a realidade deve ser tratada normativamente de acordo com o valor que o princípio lhe confere. Isso significa que as funções dos princípios, em relação às normas jurídicas são uma derivação lógica de sua função essencial de qualificação da realidade. Ou seja, os princípios têm função de fundamentação das normas justamente porque elas não podem contrariar o valor por eles proclamado; têm função de guia interpretativo justamente porque as normas devem ser interpretadas em harmonia com os valores neles consagrados; finalmente, têm função supletiva porque a norma do caso concreto deve ser formulada em atenção aos valores fixados. [107]

Canotilho e Vital Moreira definem com maestria o que seria denominado de princípios constitucionais fundamentais os quais visam essencialmente definir e caracterizar a coletividade política e o Estado e enumerar as principais opções políticos-constitucionais. Demonstram a sua importância capital no contexto da Constituição e observam que os artigos que os consagram constituem por assim dizer a síntese ou matriz de todas as restantes normas constitucionais que àqueles podem ser direta ou indiretamente reconduzidas. [108]

Os princípios compõem o sistema jurídico do direito, os quais podem ser denominados de princípios explícitos recolhidos no texto da Constituição e da Lei, e princípios implícitos, inferidos como resultado da análise de um ou mais preceitos constitucionais ou de uma lei ou conjunto de textos normativos da legislação infraconstitucional. Por fim, princípios gerais do direito também denominados de princípios implícitos, os quais são coletados no direito pressuposto, qual seja o da vedação do enriquecimento sem causa. [109]

Ronald Dworkin elabora com grande maestria uma distinção entre Regras, Princípios e Políticas, quando assevera que princípio é um padrão que deve ser observado, não por que possa promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou eqüidade ou alguma outra dimensão da moralidade. Política, por sua vez, é aquele tipo padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado, em geral uma melhoria em alguns aspectos econômicos, políticos e sociais da comunidade, mesmo que certos objetivos sejam negados pelo fato de estipularem que algum Estado atual deve ser protegido contra mudanças adversas. Por fim, a diferença entre princípios jurídicos e regras jurídicas é de natureza lógica. Com efeito, os dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem. As Regras são aplicáveis à maneira do tudo ou nada, dados os fatos que uma regra estipula então a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão. [110]

Por seu turno, Humberto Ávila assevera[111] a existência de postulados normativos aplicativos que seriam normas estruturantes da aplicação de princípios e regras, também denominadas de normas de segundo grau ou metanormas. A diferença das regras e dos princípios seria quanto ao nível e à função. Enquanto os princípios e as regras são os objetos da aplicação, os postulados estabelecem os critérios de aplicação dos princípios e das regras. E enquanto os princípios e as regras servem de comandos para determinar condutas obrigatórias, permitidas e proibidas, ou condutas cuja adoção seja necessária para atingir fins, os postulados servem como parâmetros para a realização de outras normas. Finalizando, por exemplo, entende o autor que a proporcionalidade não deve ser definida como princípio ou regra, configurando-se um problema de justificação, ocorrendo confusão entre o objeto de aplicação com o critério de aplicação. Metaforicamente, quem define a proporcionalidade como princípio confunde a balança com os objetos que ela pesa. E ao fazê-lo perde de vista que a diferença entre o que deve ser realizado, principalmente, é o que serve de parâmetro para a realização, postulados.

Na visão de Canotilho citado por Eros Roberto Grau, os princípios jurídicos constitucionais são classificados em: a) Princípios jurídicos fundamentais - os princípios historicamente objetivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica geral e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional, como são exemplos o princípio do acesso ao direito e aos tribunais; b) Princípios políticos constitucionalmente conformadores, entendidos como tais os princípios constitucionais que explicitam as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte, princípios da separação e interdependência dos poderes e princípios eleitorais; c) Princípios constitucionais impositivos, entendidos como os princípios constitucionais nos quais subsumem todos os princípios que no âmbito da Constituição dirigente impõem aos órgãos do Estado, sobretudo ao legislador, a realização de fins e a execução de tarefas, muitas vezes designados por preceitos fundamentais ou normas-programáticas, definidoras de fins ou tarefas; d) Princípios-garantias, os quais estão incluídos outros princípios que objetivam instituir direta e indiretamente uma garantia dos cidadãos a eles sendo atribuída a densidade de autêntica norma jurídica e uma força determinante positiva e negativa, por se traduzirem no estabelecimento direto de garantias para os cidadãos, denominados de princípios em formas de norma jurídica, como são exemplos o princípio do juiz natural. [112]

Por fim, na visão do insigne constitucionalista pátrio, José Afonso da Silva, denomina normas constitucionais de princípio aquelas em que se subdividem as normas constitucionais de eficácia limitada: de princípio institutivo e de princípio programático. Ao fazê-lo, contudo, salienta a necessidade de distinguirmos entre normas constitucionais de princípio, normas constitucionais de princípios gerais (normas-princípios) e princípios gerais do direito constitucional. Nas normas constitucionais de princípios o vocábulo, principio aparece na acepção própria de começo ou início. Trata-se de normas que contêm o início ou esquema de determinado órgão, entidade ou instituição, deixando a efetiva criação, estruturação ou formação para a lei complementar ou ordinária. As normas-princípios (normas constitucionais de princípios gerais são verdadeiras normas fundamentais, na medida em que as normas particulares são meros desdobramentos analíticos delas. Outras, embora sejam fundamentais, contêm princípios gerais, e por isso, informam toda a ordem jurídica nacional. O que distingue as normas constitucionais de princípios gerais e as normas-princípios das normas constitucionais de princípios é a circunstância de que estas são de eficácia limitada e aplicabilidade indireta, ou seja, dependem de legislação ou de outra providência, ao passo que as primeiras são de eficácia plena e aplicabilidade imediata. Quanto aos princípios gerais do direito constitucional, observa que, na sua globalidade, formam temas de uma teoria geral do direito constitucional alguns deles, no entanto, e apenas alguns deles, porque traduzidos na realidade histórica de cada povo, compõem-se no direito constitucional de determinado povo. Trata-se, então, não de normas constitucionais de princípio, nem de normas constitucionais de princípios gerais ou de normas-princípio, mas de princípios induzidos de um conjunto de normas. [113]

O insigne mestre, ainda, em obra mais recente, efetua uma distinção entre princípios político-constitucionais, que são normas-princípios, princípios constitucionais fundamentais que expressam as decisões políticas fundamentais - integrados no direito constitucional positivo, arts. 1º. a 4º. da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e princípios jurídico-constitucionais, que são princípios constitucionais gerais, informadores da ordem jurídica nacional. Além deles, permanece a referir os princípios gerais do direito constitucional, que forma temas de uma teoria geral do direito constitucional. Estes se cruzam, segundo sua observação. Com freqüência, com os princípios fundamentais, na medida em que estes possam ser positivação daqueles. [114]

As categorias de princípios, na opinião de Aulis Aarnio[115], podem ser as seguintes:

I) Princípios que constituem os valores ideológicos básicos da ordem jurídica, pois toda ordem jurídica é construída, sobre valores fundamentais, finalidades e princípios, podemos destacar a figura dos estados ocidentais modernos, o predomínio do princípio da legalidade e da suposição do legislador racional. É possível que estes princípios, também, se expressem, nas disposições jurídicas em vigor e nas instituições jurídicas centradas baseadas nelas. Sem embargo, muitas vezes, servem como base para a resolução de conflitos individuais.

II) Princípios Jurídicos Positivos, sendo exemplos:

a) princípios formalmente válidos - são incluídos princípios diretamente expressados no direito público e privado, tais como normas que regulam os direitos políticos e sociais básicos: liberdade de expressão; liberdade de associação; igualdade; proteção dos trabalhadores no direito do trabalho; e princípio da boa-fé no direito contratual dentre outros.

b) generalizações jurídicas - não têm sido incorporados de forma específica ao direito, do mesmo modo que os princípios da categoria anterior. Um princípio mais geral que é sempre expressado em regras concretas se generalizando, por meio de um raciocínio indutivo. A suposição é que este princípio é válido como princípio geral, não estando vinculado às regras jurídicas. São exemplos os princípios do pacta sunt servanda e da boa-fé no direito contratual.

c) Princípio para tomar decisões - tanto na discricionariedade judicial como na decisão de oportunidade de caráter administrativo, a pessoa que decide deve apoiar-se em pautas de discurso que podem caracterizar-se de maneira mais precisa como os princípios jurídicos gerais. São exemplos os princípios da legalidade na seara do direito penal e da proibição de usar analogia.

III) Princípios extrassistêmicos, são somente as regras jurídicas que são formalmente vigentes. Num primeiro momento, o direito e a moralidade são duas coisas distintas. Somente, as regras jurídicas são formalmente vigentes. Os princípios morais podem ter alguma importância para a discricionariedade judicial como base para a tomada de decisões ao eleger entre os diferentes significados alternativos de uma formulação normativa ambígua.

A filosofia moral exige que os princípios básicos sejam gerais e universais, fato incontestável nesta ciência. Princípios são gerais quando é possível formulá-los sem o uso de nomes próprios ou descrições muito particulares. São universais quando podem ser aplicados, sem incoerência invalidantes, a todos os agentes morais, no nosso caso, a todos os cidadãos da sociedade em questão. A justiça como eqüidade exige ademais, e isso é bem menos comum que os princípios básicos da justiça política sejam públicos. Esta é uma condição aplicada a concepções políticas, mas, em geral, não a concepções morais; se ela se aplica ou não às últimas é outra questão. No caso das concepções políticas para a estrutura básica, a condição de publicidade parece apropriada. Significa que ao avaliar princípios, as partes da posição original têm de levar em conta as conseqüências, sociais e psicológicas, do reconhecimento público por parte dos cidadãos de que esses princípios são mutuamente aceitos e que eles efetivamente regulam a estrutura básica. [116]

Os princípios jurídicos são idéias-força que dão base de sustentação às normas jurídicas positivadas. Todos os diferentes campos do direito possuem princípios que são derivados dos princípios fundamentais contidos na Constituição de maneira implícita ou explícita. Os princípios de Direito Ambiental são subprincípios constitucionais e se subordinam àqueles contidos na Lei Fundamental. Assim como os demais princípios jurídicos, eles podem ser implícitos ou explícitos. Explícitos são aqueles que estão claramente escritos nos textos legais e, fundamentalmente, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, implícitos são os princípios que decorrem do sistema constitucional, ainda que não se encontrem escritos. [117]

O Direito Ambiental, por natureza interdisciplinar, está ancorado em alguns princípios gerais da ordem jurídica, que adquirem nele uma coloração especial. Desta maneira, a supremacia do interesse público na proteção do Meio Ambiente determina que prevaleça sempre o bem comunitário sobre o individual, a fruição generosa dos espaços e recursos ambientais em detrimento de sua manipulação egocêntrica. A indisponibilidade do interesse ambiental se traduz no dever de transmissão do patrimônio natural às gerações futuras, insuscetível, pois, de apropriação por uns de bens que se configuram de uso comum do povo, art. 225, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. O princípio da intervenção estatal na defesa do meio ambiente é corolário dos postulados anteriores, na medida em que o ente dotado de poder político não pode omitir-se do dever de orientar as condutas individuais tendo como norte a promoção do bem comum. O princípio do desenvolvimento sustentado determina uma nova forma de progresso material que não descure das condições de sua permanência no tempo, atento à capacidade de as futuras gerações satisfazerem as suas próprias necessidades, o que somente se pode realizar com o manejo adequado dos recursos ambientais. [118]

Com efeito, merece salientarmos, como já visto, que os direitos humanos foram redefinidos a cada momento histórico de acordo com as exigências e crises que passava a sociedade em cada momento histórico determinado. O Direito Ambiental é o novo marco jurídico emancipatório que permitirá a ampliação da cidadania no século XXI, trazendo a tona uma séria de discussões que ultrapassam sua materialidade, não se resolvendo apenas na esfera processualística. Na realidade é um novo marco epistemológico da própria ciência do direito que aponta um novo horizonte de discussão em outra disciplina que por ora poderá ser denominada de ecologia jurídica. A sociedade contemporânea não vive mais o dilema dos anos 50, socialismo ou barbárie, mas sim outro dilema: Sustentabilidade ou Barbárie. [119]

O Estado e toda a sociedade devem ponderar os princípios ambientais com os princípios econômicos para se alcançar o desenvolvimento, capaz de proporcionar um crescimento econômico sem causar a degradação ambiental e conseqüentemente prejudicar a existência digna do homem. Tais princípios devem conciliar a existência digna do homem atualmente e para os que virão com o desenvolvimento econômico, a conciliação desses fatores por meio dos princípios pode-se salvaguardar a vida em todas as suas formas, pois estará ocorrendo o Desenvolvimento Sustentável. [120]

A seguir serão analisados alguns princípios constitucionais, os quais são norteadores do Desenvolvimento Sustentável, objetivando que o desenvolvimento econômico ocorra e exista respeitando os parâmetros essências dos seres humanos.

1.1. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A Carta Magna Brasileira, logo em seu artigo 1º. traz o seguinte principio fundamental constitucional: “art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela União indissolúvel dos estados e municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana“.

A expressão grifada não volta mais a aparecer no texto constitucional como um direito subjetivo expressamente reconhecido. Talvez essa tenha sido uma posição sábia do nosso constituinte, pois a dignidade é multidimensional, estando associada a um grande conjunto de condições ligadas à existência humana, a começar pela própria vida, passando pela integridade física, e psíquica, integridade moral, liberdade, condições materiais de bem-estar dentre outras. Nesse sentido, a realização de outros direitos fundamentais - estes, sim, expressamente consagrados pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. [121]

Por dignidade da pessoa humana, deve-se entender o respeito a seus sentimentos e sua dor. E, ainda, no âmbito deste conceito, a provisão da qualidade moral de sua existência, assegurando ao indivíduo que os seus direitos sejam respeitados, direitos estes que devem garantir sua honra e sua moral. Merece ser destacada a visão de Ana Paula de Barcellos que após se inspirar nas lições de John Rawls postula no sentido de efetivar o princípio da dignidade da pessoa humana para todas as pessoas. Isto, independente de idade, deve o estado, primeiro ofertar um mínimo social existencial, para garantir que todas as pessoas tenham uma existência digna. É necessário um núcleo com um conteúdo básico, nos termos mencionados. [122] Esse núcleo, no tocante aos elementos materiais da dignidade, é composto de um mínimo existencial, que consiste em um conjunto de prestações materiais mínimas sem as quais se poderá afirmar que o indivíduo se encontra em situação de indignidade. [123] Chega à conclusão de que o mínimo existencial para o nosso País deve conter: educação fundamental, saúde básica, acesso à justiça e assistência aos desamparados, este último, englobando alimentação, vestuário e abrigo. [124]

A Lei Fundamental da República Federal da Alemanha foi quem primeiro erigiu a dignidade da pessoa humana em direito fundamental expressamente no seu artigo 1°, n.1, declarando: “A dignidade humana é inviolável. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todos os poderes estatais”. Fundamentou a positivação constitucional desse princípio, de base filosófica, o fato de o Estado nazista ter vulnerado gravemente a dignidade da pessoa humana mediante a prática de horrorosos crimes políticos sob a invocação de razões de Estado e outras razões. Os mesmos motivos históricos justificaram a declaração do art. 1° da Constituição Portuguesa, segundo o qual: “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”; e também a Constituição Espanhola, cujo art. 10, n. 1, estatui: “A dignidade da pessoa, os direitos invioláveis que lhe são inerentes, o livre desenvolvimento da personalidade, o respeito à lei e aos direitos dos demais são fundamentos da ordem política e da paz social”. E assim também, a tortura e toda sorte de desrespeito à pessoa humana praticadas sob o regime militar levaram o constituinte brasileiro a incluir a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, conforme disposto no inciso III do Art. 1° da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.[125]

A partir deste princípio decorre o que doutrinadores denominam de dogmática constitucional emancipatória. Segundo, Clèmerson Merlin Cléve, na moderna concepção do direito constitucional desenvolveu-se esta renovada linha doutrinária, a qual tem por principal vertente, o desiderato de estudar o texto constitucional à luz da idéia de dignidade da pessoa humana. O foco desta dogmática não é o estado, mas, antes, a pessoa humana exigente de bem-estar físico, moral e psíquico. Esta dogmática é diferenciada da primeira, razão do estado, pois não é positivista, muito embora respeite de maneira integral a normatividade constitucional emergindo de um compromisso principialista e personalizador. [126]

1.2. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL ECONÔMICO DA DEFESA DO MEIO AMBIENTE

Ao tratar do meio ambiente ecologicamente equilibrado, como um direito fundamental, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, assevera que todos os destinatários estabelecem a existência de um bem que tem duas características específicas. As quais são ser de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Contudo, formula-se inovação verdadeiramente revolucionária, no sentido de criar um terceiro gênero de bem que, em face de sua natureza jurídica, não se confunde com os bens públicos e muito menos com os bens privados. [127]

As normas de Direito Ambiental possuem nítido caráter econômico, a própria política nacional do meio ambiente ancora-se em uma finalidade econômica, no sentido mais elevado que a expressão comporte. Assim considerada a questão, parece mesmo natural a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê a defesa do meio ambiente no capítulo destinado ao exame dos princípios que regem a atividade econômica, aliás, a conjugação do econômico e do ambiental reconduz de todo modo, ao que se tem entendido por Desenvolvimento Sustentável. [128]

Examinando-se a ordem econômica percebe-se não se amoldar nem ao figurino liberal, menos ainda ao dirigismo estatal, conclusão advinda da análise dos termos previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no artigo 170 e seguintes. De fato, consubstancia um texto moderno, perfeitamente adequado a uma social-democracia, onde uma economia de mercado - adoção de um regime capitalista, com a apropriação privada dos meios de produção e liberdade de iniciativa - é temperada por princípios como o da função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor e respeito ao meio ambiente, afora a busca de uma justiça social, onde a dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades conferem um conteúdo social à mesma economia, por natural vocação, mais orientada pela ótica individualista dos agentes econômicos. [129]

A concepção do desenvolvimento sustentado busca conciliar a conservação dos recursos ambientais e o desenvolvimento econômico. Pretende-se garantir condição de vida mais digna e humana para milhões de pessoas, cujas atuais condições de vida são absolutamente inaceitáveis e, concomitantemente, manter um nível adequado de recursos ambientais relevantes. O princípio da proteção do meio ambiente como princípio econômico implica uma direção constitucional para o exercício da atividade econômica, alterando o conceito de desenvolvimento econômico. [130]

Reforçando o compromisso de dar função social à propriedade, a Constituição da República elege como princípio da ordem econômica, também, a defesa do meio ambiente. Poder-se-ia argumentar que este princípio já está implícito nos outros já acima comentados, contudo acreditamos que este não é o melhor caminho. Ao optar por reforçar o seu compromisso com a preservação ambiental, não quis o constituinte de 1988 simplesmente repetir o que já havia dito em outras passagens da Carta. A intenção do constituinte foi a de atribuir uma responsabilidade bem mais ativa aos envolvidos na atividade econômica, estimulando ações (e não só diretrizes de produção) que visassem, especificamente, a tutela da natureza e da boa qualidade ambiental. Exemplo desse querer do constituinte é o surgimento de fundações, ligadas a grupos empresariais, destinadas ao fomento de pesquisa e à instalação e à preservação de espaços destinados à conservação ambiental. [131]

A importância do meio ambiente nos dias atuais fez com que a nossa Constituição não permanecesse inerte para esta realidade. Com efeito, se antes da Carta Magna atual não havia referência constitucionais ao meio ambiente, esta falha foi sanada, tendo a presente Constituição realizada diversas referências ao longo do seu texto.

1.3. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado deve ser enquadrado como um direito caracterizado por elementos difusos e globais, superando qualquer conceito meramente formal. A proteção ao meio ambiente deve transpor todos os limites da preservação da fauna e da flora, para abranger a efetiva construção de um meio saudável, no qual deve ocorrer educação, cultura e condições higiênicas de vida para a população. [132]

O meio ambiente tornou-se um tema cadente no século XX, assumindo proporções inesperadas, com intenso destaque a partir dos anos 60, bem se compreende que as constituições mais antigas como a norte-americana, a francesa e a italiana, não tenham especificamente do tema. Assim ocorria no Brasil, nos regimes constitucionais anteriores a 1988, mas, ainda, que sem previsão constitucional expressa, os diversos países, inclusive o nosso, promulgaram e promulgam leis e regulamentos de proteção ao meio ambiente. Isto acontecia porque o legislador se baseava no poder geral que lhe cabia para proteger a saúde humana. Esta que foi o primeiro fundamento historicamente para a tutela ambiental, ou seja, saúde humana tendo como pressuposto, explícito ou implícito, à saúde ambiental. Nos regimes constitucionais modernos, como o português, 1976, o espanhol, 1978, e o brasileiro, 1988, a proteção do meio ambientem embora sem perder seus vínculos originais com a saúde humana, ganha identidade própria, porque é mais abrangente e compreensiva. Nessa nova perspectiva, o meio ambiente deixa de ser considerado um bem jurídico per accidens e é elevado à categoria de bem jurídico per se, isto é, com autonomia em relação a outros bens protegidos pela ordem jurídica, como é o caso da saúde humana. [133]

Não obstante a Constituição Americana não trazer normas expressas de proteção ao meio ambiente, as constituição de mais de um terço dos estados americanos, incorporaram normas expressas reconhecendo e protegendo o meio ambiente.

As constituições brasileiras anteriores à de 1988 nada traziam especificamente sobre a proteção do meio ambiente natural. Das mais recentes, desde 1946, apenas se extraía orientação protecionista do preceito sobre a proteção da saúde e sobre a competência da União para legislar sobre água, florestas, caça e pesca. Desta maneira, tornava-se possível a elaboração de leis protetoras como o Código Florestal e os Códigos de Saúde Pública, de água e de Pesca. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foi, portanto, a primeira a tratar deliberadamente da questão ambiental. Pode-se dizer que ela é uma Constituição eminentemente ambientalista. Assumiu o tratamento da matéria em termos amplos e Modernos. Traz um capítulo específico sobre o meio ambiente, inserido no título da Ordem Social, capítulo VI do Título VIII. Mas a questão permeia todo o seu texto, correlacionada com os temas fundamentais da ordem constitucional. [134]

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no que pertine ao meio ambiente e à sua proteção jurídica, trouxe uma imensa novidade em relação àquelas que a antecederam. De fato, as Leis Fundamentais anteriores não se dedicaram ao tema de maneira abrangente e completa, pois as referências aos recursos ambientais eram feitas de forma não sistemática, sendo certo que os mesmos eram considerados, principalmente, como recursos econômicos. [135]

No âmbito do direito interno, o art. 225, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, completou a valorização da temática ambiental, iniciada com a Lei nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981, ao reconhecer o direito a um ambiente de vida ecologicamente equilibrado como direito fundamental da pessoa humana. Este foi um passo importante, que, no plano da dogmática jurídica, colocou o Brasil em uma posição de vanguarda quanto à proteção ambiental. Isto em virtude do fato de diversos países, como Estados Unidos, França, Itália e Alemanha, ainda não disporem de normas constitucionais voltadas para a proteção ambiental, cabendo aos intérpretes extrair de outros princípios ou de outros direitos um princípio de defesa do ambiente.

As vantagens da constitucionalização do meio ambiente são múltiplas, trazendo benefícios de ordem substantiva e formal. Os benefícios substantivos ou materiais são: obrigação genérica de não degradar, fonte do regime de explorabilidade limitada e condicionada dos recursos naturais; ecologiza o direito de propriedade e sua função social; atribui perfil fundamental a direitos e obrigações ambientais; legitima a intervenção estatal em favor da natureza; reduz a discricionariedade administrativa no processo decisório ambiental; amplia a participação pública, em especial, nas esferas administrativas e judiciais. Por sua vez, os benefícios de ordem formal são: agrega preeminência e proeminência à questão e aos conflitos ambientais; robustece a segurança normativa; substitui a ordem pública ambiental legalizada por outra de gênese constitucional; enseja o controle da constitucionalidade da lei sob bases ambientais; e, por fim, reforça a interpretação pró-ambiente das normas e políticas públicas.[136]

A base normativa do princípio constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado encontra-se no art. 225, em diversos parágrafos e incisos, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, compreendendo numa lúcida observação de José Afonso da Silva, como três conjuntos de normas. O primeiro aparece no caput se inscrevendo como a norma-matriz, reveladora do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; o segundo encontra-se no §1º, com diversos incisos, os quais versam sobre os instrumentos de garantia e efetividade do direito enunciado no caput do artigo; o terceiro instrumento de garantia e efetividade do direito enunciado no caput do artigo; o terceiro compreende um conjunto de determinações particulares, em relação a objetos e setores, referidos nos parágrafos 2º. a 6º, notadamente no 4°, que por tratarem de áreas e situações de elevado conteúdo ecológico, mereceram desde logo proteção constitucional. [137]

O estabelecimento do direito ao meio ambiente como um dos direitos fundamentais da pessoa humana é um importante marco na construção de uma sociedade democrática e participativa e socialmente solidária. É importante frisar que o direito ao meio ambiente saudável não se limita aos brasileiros ou aos estrangeiros residentes no País. Longe disto, ele atinge qualquer pessoa que esteja no território nacional, ainda que temporariamente. [138]

O entendimento e a defesa da posição de que o meio ambiente se encontra no rol dos direitos fundamentais, mesmo que fora do catálogo do artigo 5º. da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, decorre da existência de um sistema materialmente aberto dos direitos fundamentais. A norma constitucional prevista no parágrafo 2º, do artigo 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, revela a possibilidade da existência de direitos fundamentais, tanto em sentido formal quanto material, mesmo para além dos previstos no Titulo II de nossa Lei Fundamental. Quando a norma constitucional dispõe que os direitos e garantias de direitos fundamentais fora do catálogo e até mesmo fora do corpo da Constituição formal. A questão ambiental é de relevância tal que insurge a necessidade de integrar a preservação do ambiente no âmbito da proteção subjetiva e, esse fato somente se dará mediante o recurso dos direitos fundamentais. A realidade imposta diante de nós converge para a situação que somente com a consagração de um direito fundamental ao ambiente, expressa ou implicitamente, poder garantir a adequada defesa contra agressões ilegais, proveniente quer de entidades públicas, quer de privadas, na esfera individual protegida pelas normas constitucionais. [139]

O artigo 225, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, é complexo em sua estrutura e, portanto, compõe-se de normas de variado grau de eficácia. No interior do citado artigo, de fato, há normas que explicitam um direito da cidadania ao meio ambiente sadio, art. 225, caput, normas que dizem respeito ao direito do meio ambiente art. 225, §1°, I, e normas que explicitam um direito regulador da atividade econômica em relação ao meio ambiente, art. 225, §1º, V. Estas dificuldades ainda não foram devidamente enfrentadas pela doutrina. Não restam dúvidas em asseverar que as normas que consagram o direito ao meio ambiente sadio são de eficácia plena e não necessitam de qualquer norma subconstitucional para que operem efeitos no mundo jurídico. E que, em razão disso, possam ser utilizadas perante o poder judiciário, mediante todo o rol de ações de natureza constitucional tais como a ação civil pública e a ação popular. [140]

Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 podemos encontrar diversos pontos dedicados ao meio ambiente ou a este de alguma forma vinculado, de maneira direta ou indireta: art. 5°, incisos XXIII, LXXI, LXXIII; art. 20, incisos I, II, III, IV, V, VI, VII, IX, X, XI e §§ 1° e 2°; art. 21, incisos XIX, XX, XXIII, alíneas a, b e c, XXV; art. 22, incisos IV, XII, XXVI; art. 23, incisos I, III, IV, VI, VII, IX, XI, art. 24, incisos VI, VII e VIII; art. 43, §2°, IV, e §3°; art. 49, incisos XIV, XVI; art. 91, §1°, inciso III; art. 129, inciso III, art. 170, inciso VI; art. 174, §§ 3° e 4°; art. 176 e §§; art. 182, e §§; art. 186; art. 220, incisos VII, VIII; art. 216, inciso V e §§ 1°, 3° e 4°; art. 225, e §§; art. 231; art. 232; no ato das disposições constitucionais transitórias, os artigos 43 e 44 e §§.

1.4. PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL

Este princípio tem por desiderato o de assegurar a solidariedade da presente geração em relação às futuras gerações, para que também estas possam usufruir, de maneira sustentável, dos recursos naturais. Desta maneira, de forma sucessiva, enquanto a família humana e o planeta Terra puderem coexistir pacificamente. Entre os ambientalistas e universitários, menciona-se muito a existência de dois tipos de solidariedade: a sincrônica e a diacrônica. A primeira, sincrônica, que significa ao mesmo tempo, incrementa as relações de cooperação com as gerações presentes, nossas contemporâneas. A segunda, a diacrônica, que significa através do tempo, é aquela que se refere às gerações do após, ou seja, as que virão depois de nós, na sucessão do tempo. [141]

Na realidade, estamos na fronteira de um duplo imperativo ético: a solidariedade sincrônica com a geração atual e a solidariedade diacrônica com as gerações futuras. Alguns autores adicionam uma terceira preocupação ética: o respeito pela inviolabilidade da natureza. O respeito à diversidade da natureza e a responsabilidade de conservar essa diversidade definem o Desenvolvimento Sustentável como um ideal ético. A partir da ética do respeito à diversidade do fluxo da natureza, emana o respeito à diversidade do fluxo da natureza, emana o respeito à diversidade de culturas e de sustentação da vida, base não apenas da sustentabilidade, mas também da igualdade e justiça. [142]

Contudo, diante desta divergência prefere-se, muitas vezes, falar em solidariedade intergeracional, já que traduz os vínculos solidários entre as gerações presentes e com as futuras.

Na Declaração de Estocolmo acerca do Meio Ambiente Humano, datada de 1972, ao considerar a finitude dos recursos naturais, previu no seu princípio 2° que estes devem ser preservados em prol das gerações atuais e futuras, por intermédio de um planejamento meticuloso. Do mesmo modo, a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no ano de 1992, enfatizou essa dimensão temporal asseverando, no princípio 3°, que o direito ao desenvolvimento deve ser exercido de maneira a permitir que sejam atendidas de forma eqüitativa as necessidades das gerações atuais e futuras.

Merece destacarmos que o princípio da solidariedade intergeracional demonstra com clareza a incompletude dos doutrinadores que são adeptos do conceito do Desenvolvimento Sustentável, como sendo o caput, do art. 225, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o qual a nosso sentir se coaduna com o princípio ora em comento.

O caput do art. 225, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1998, é um desdobramento do fundamento constitucional inserto no inciso III, do artigo 4°, de nossa Lei Fundamental e deve ser lido sob a influência deste último. Conforme sabemos preceitua o caput do artigo, 225, que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo paras as presentes e futuras gerações”. Merece destacarmos que deste princípio decorrem todos os demais princípios de direito ambiental. O seu reconhecimento internacional está nos princípios 1ºe 2º. da Declaração de Estocolmo, proclamada em 1972 e reafirmada pela Declaração do Rio, proferida na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, ECO - 92. [143]

1.5. PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DA INTERVENÇÃO ESTATAL

Ao princípio da obrigatoriedade da intervenção estatal está ligada a questão da competência em matéria ambiental. Ora, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ao mesmo tempo em que, de maneira elogiável, assegurou o direito fundamental de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impôs, de forma obrigatória, a co-responsabilidade do poder público e da coletividade de protegê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Também é relevante atentarmos para a abrangência da expressão poder público, que alcança a clássica tripartição de poderes (legislativo, executivo e judiciário) e os três níveis da federação brasileira (federal, estadual, distrital e municipal). [144]

Esta previsão é explicita no art. 225, caput, c/c §1°, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, quando estabelece ao poder público o dever de assegurar, mediante instrumentos adequados, a efetividade desse direito intergeracional. Desta maneira, podemos falar em tutela administrativa ambiental, tutela legislativa ambiental e tutela judicial ambiental.

A dimensão ecológica da república justificará a expressa assunção da responsabilidade dos poderes públicos perante as gerações futuras em termos de auto-sustentabilidade ambiental. O ambiente passa a ser, assim, não apenas um momento ético da república (ética político-ambiental), mas também uma dimensão orientadora de comportamentos públicos e privados ambientalmente relevantes. [145]

A vontade popular que é a forma da criação da ordem do Estado (efetividade da democracia em respeito à liberdade e igualdade) acaba sendo a tradução do significado da república que se aplica no texto constitucional, no qual todas as regras e princípios demonstram garantias aos ânimos essenciais adotados pela cidadania. Como corolário desta composição, encontramos a questão ambiental, já que a fundamentação do regime republicano de governo repisa-se, se dá por meio da vontade geral, e ela, pelo seu status, deve ser plasmada em torno de uma adequada qualidade de vida, pois, além da comunidade (expressão da vontade de todos), cabe também ao poder público (Estado soberano), como detentor de um poder outorgado, o dever de defendê-la e mantê-la em ordem para as presentes e futuras gerações.[146]

2. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

2.1. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: NOÇÃO OU PRINCÍPIO?

O Desenvolvimento Sustentável envolve a participação de toda humanidade, ou seja, de cada um de nós, buscando atender às nossas necessidades, sem no entanto, prejudicar as futuras gerações. O Desenvolvimento Sustentável não pode ser entendido, como estado de permanente harmonia, mas um processo de mudança na forma de exploração dos recursos naturais, visando sua preservação, para as gerações atuais e as futuras. Neste sentido parece-nos de pouca valia a atitude de alguns países do primeiro mundo que, visando à resolução do problema ambiental, têm migrado suas indústrias de alto potencial poluidor para os de terceiro mundo, permanecendo em seus países apenas indústrias chamadas limpas, ou de baixo impacto junto ao meio ambiente. A prática do Desenvolvimento Sustentável passa necessariamente pela mudança de atitudes, eis que as conseqüências dos danos ambientais têm ultrapassado as fronteiras dos países, causando impacto longe de lugar em que estes aconteceram. [147]

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Merece citarmos o Princípio da Ubiqüidade Ambiental o qual assevera a característica da onipresença do bem ambiental, pois uma agressão ao meio ambiente em determinada localidade tem a capacidade de trazer reflexos negativos à todo planeta e, conseqüentemente, a todos seres vivos que nele residam.

A consciência do Desenvolvimento Sustentável é tida como marco da conscientização ecocapitalista mascarada em filosofia socioambiental para o mundo ocidental. É considerada como resultado da mobilização dos países chamados ricos em prol da questão da poluição mundial e da ameaça de esgotamento dos recursos não renováveis, para dar suporte a continuidade do procedimento apropriativo de insumos rumo à perpetuação da efetividade máxima de mercado. Em suma, motivação semiológica para a necessidade de afinar a lógica econômica à ecológica para a reprodução de riquezas dos países ricos. [148]

Aplicando-se às regiões desenvolvidas assim como àquelas ainda em desenvolvimento, o Desenvolvimento Sustentável, mas que um conceito, é um princípio do direito internacional contemporâneo. [149]

A idéia do desenvolvimento, na seara econômica é insustentável. Com efeito, a dogmática econômica cujo pensamento predominante assevera que uma economia tem que crescer sempre, por si só é absurda. Nada pode crescer para sempre, notadamente em um espaço limitado. Não existe fórmula mágica para aumentar o território, as florestas, os rios, os lagos, os oceanos e a atmosfera. Os recursos naturais são finitos.

Dennis C. Kinlaw [150] prefere chamar desempenho sustentável à atuação das empresas que estão em sintonia com as modernas preocupações do equacionamento das questões ligadas à produção de bens e serviços com a preservação da qualidade de vida no nosso planeta, em uma análise com enfoque capitalista da expressão Desenvolvimento Sustentável.

Registrando que no mundo inteiro as empresas estão cada vez mais responsáveis pelos seus efeitos ambientais, quer dizer, “estão se tornando verdes”, Kinlaw lembra a fórmula de Maurice Strong, Secretário-Geral da Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - ECO 92, quando assevera que as empresas eficientes estão na dianteira do movimento rumo ao Desenvolvimento Sustentável. As organizações que estão na liderança de uma nova geração de oportunidades criada pela transição rumo ao Desenvolvimento Sustentável serão as mais bem-sucedidas em termos de lucro e interesses de seus acionistas. As organizações defensivas, que continuam enfrentando as batalhas de ontem, ficarão à margem e serão tragadas pela contramaré da onda do futuro. [151]

O Desenvolvimento Sustentável não deve ser encarado apenas como algo que surgiu instantaneamente. Devemos nos voltar para a gênese desse princípio fundamental do direito internacional, nacional e internacional, e compreender todo o processo que antecedeu à sua formação. Sem o entendimento do contexto histórico e político, a implementação de fato do Desenvolvimento Sustentável tende a se tornar pobre e vazia. Faz-se, então, necessária a discussão e reformulação do presente modelo econômico, o qual constantemente subjuga as ações públicas tornando verdadeiro modelo político. [152]

A expressão desenvolvimento, infelizmente, permeia a legislação ambiental desde a Declaração de Estocolmo de 1972, embora devesse ser ela banida dos textos legais por ser ela incompatível com a preservação do ambiente. Para se tentar contornar esta situação ocorreu o acréscimo do adjetivo sustentável, buscando amenizar os efeitos perniciosos, muitas vezes imperdoáveis, produzidos pelo núcleo econômico da idéia desenvolvimentista. A situação do ambiente demanda um repensar do sistema econômico, exigindo uma revalorização da civilização atual em seus múltiplos aspectos, de maneira que sejam presididos por uma ética atenta a um ponto de vista complexo, em conformidade com a complexidade da vida. [153]

Neste contexto, sempre ocorrem dúvidas acerca da existência ou não de um princípio constitucional do Desenvolvimento Sustentável ou se o Desenvolvimento Sustentável seria apenas uma noção, cujo significado é idéia que se tem de uma coisa, face à multiplicidade de abordagens dadas. Na realidade, em diversas searas do conhecimento, surgem conceitos do que venha a ser Desenvolvimento Sustentável, pois muitas vezes, estão em total conflito, ou abordam diversos aspectos diferenciados, com uma maior ênfase, nos aspectos econômicos, ecológicos, jurídicos, de acordo com a elaboração conceitual.

Tradicionalmente, em uma análise sistêmica da Constituição, a abordagem do Princípio do Desenvolvimento Sustentável é uma conjugação de princípios da ordem econômica e do meio ambiente, notadamente com a conjugação do art. 225 e o art. 170, VI, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Contudo, com a devida vênia, esta conceituação do princípio do Desenvolvimento Sustentável é bastante equivocada, pois ela não leva em consideração os demais aspectos das dimensões do Desenvolvimento Humano, como saúde e educação, sendo esta conceituação insuficiente, falha e por demais desarrazoada.

O Desenvolvimento Sustentável deve ser visto como um princípio norteador das diversas políticas públicas estatais, em todas as searas, educação, saúde, desenvolvimento, meio ambiente, em suma, abranger e permear toda a concepção do próprio estado. Nunca deve ocorrer a simples restrição deste princípio aos aspectos econômicos e ambientais.

Não se pode, concretamente, falar em desenvolvimento sustentado sem que o fator humano deste desenvolvimentismo tenha logrado atingir um nível capaz de assegurar o seu florescimento pleno em condições de ampla dignidade. O equilíbrio ecológico não se consegue com uma participação igualitária entre todos os seres vivos na imensa roda que é o desenrolar da vida em todas as formas de sua manifestação. Ao contrário, os papéis são diversificados e, praticamente, impossíveis de serem quantificados. [154]

Ora, o desenvolvimento econômico previsto pela ordem econômica ambiental deve incluir o uso sustentável dos recursos naturais. Este que é corolário do princípio da defesa do meio ambiente, art. 170, inciso VI, assim como dedutível da norma expressa no art. 225, inciso IV. Desta forma, é impossível propugnar-se por uma política unicamente monetária sem colidir-se com os princípios constitucionais, em especial os que regem a ordem econômica e os que dispõem sobre a defesa do meio-ambiente. O desenvolvimento econômico no nosso Estado deve ser subentendido como um aquecimento da atividade econômica dentro de uma política de usos sustentável dos recursos naturais objetivando um aumento de qualidade de vida que não se reduz a um aumento do poder de consumo. [155] Eros Roberto Grau assevera que inexiste proteção constitucional à ordem econômica que sacrifique o meio ambiente. [156]

Neste sentido os princípios jurídicos, princípios de direito, não são resgatados fora do ordenamento jurídico, porém descobertos no seu interior. Merece ser imposto que os princípios que descobrimos no interior do ordenamento jurídico são princípios deste ordenamento jurídico.[157]

O desenvolvimento econômico e o meio ambiente são dois valores aparentemente em conflito que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 alberga e quer que se realizem no interesse do bem-estar e da boa qualidade de vida dos brasileiros. Antes delas, a Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981, arts. 1° e 4°, já havia enfrentado o tema, pondo, corretamente, como principal objetivo a ser conseguido pela Política Nacional do Meio Ambiente: a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico. A conciliação dos dois valores consiste, assim, nos termos deste dispositivo, na promoção do chamado Desenvolvimento Sustentável, que consiste na exploração equilibrada dos recursos naturais, nos limites da satisfação das necessidades e do bem-estar da presente geração, assim como de sua conservação no interesse das gerações futuras. Desta maneira, requer como seu requisito indispensável um crescimento econômico que envolva eqüitativa redistribuição dos resultados do processo produtivo e a erradicação da pobreza, de maneira a reduzir as desigualdades nos padrões de vida e melhor atendimento da maioria da população. Caso o desenvolvimento não elimine a pobreza absoluta, não propicie um nível de vida que satisfaça as necessidades essenciais da população em geral, ele não pode ser qualificado de sustentável. [158]

Esse feliz binômio, Desenvolvimento Sustentável ou desenvolvimento sustentado, parece ser a harmoniosa solução para a permanente tensão entre desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente, representando a busca da efetiva conciliação entre um e outro em prol da qualidade de vida do homem. [159]

O Desenvolvimento Sustentável, que se baseia num princípio ético, isto é, o desenvolvimento atual não deve prejudicar as gerações futuras, consiste no progresso da atividade econômica compatível com a utilização racional dos recursos ambientais. Representa a rejeição do desperdício, da ineficiência e do desprezo por esses recursos. E a ciência tem mostrado, por exemplo, a viabilidade da substituição dos pesticidas (que geram intoxicação humana e poluição de águas superficiais e interiores) pelo controle biológico de pragas nas lavouras; a reciclagem de diversos materiais como metais, vidros, papéis e até plásticos; a substituição de combustíveis fósseis (reconhecidamente limitados e poluidores) por combustíveis renováveis, de fontes infinitas e não-poluentes. [160]

O Desenvolvimento Sustentável não é propriamente um princípio de direito ambiental, como expressão de uma diretriz, um comportamento, como ocorre com o princípio da precaução ou do poluidor-pagador. Merece ser destacado que o Desenvolvimento Sustentável traduz um conjunto de valores ancorados em condutas relacionadas à produção, para que o resultado seja a compatibilização da apropriação dos recursos naturais com sua manutenção e construção de um bem-estar, nos termos da Constituição pátria, da sadia qualidade de vida. Em outros termos, o princípio, para sua realização, necessita da concretização dos valores e diretrizes próprios ao direito ambiental, ao desenvolvimento social e econômico, à eqüidade e ao bem-estar. [161]

A Constituição da República, no seu art. 23, incs. VI e VII, afirma que a proteção do meio ambiente e a preservação das florestas e da flora são da competência comum da união, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. No art. 24, VI, prevê a competência concorrente desses entes públicos, a exceção do município, para legislar sobre florestas. Ao município, nesta matéria, cabe suplementar a legislação federal e estadual no que couber, conforme dispõe o art. 30, II. Em seu artigo 144, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 determina que a segurança pública seja dever do Estado e um direito do cidadão, entendendo como por incolumidade do patrimônio, também, a proteção do patrimônio público ambiental.

Não podemos olvidar de mencionar o socioambientalismo que é um movimento contemporâneo e popular, que trata de uma proposta de sustentabilidade ainda não teoricamente exaurida ou facilmente exaurível de acordo como os cânones ortodoxos da ciência hegemônica. A perspectiva socioambiental é a visão almejada e sempre trabalhada na qual, os humanos entre si e com os ambientes, buscam a convivência com respeito, justiça e paz, admirando, interagindo e promovendo as diferenças, num cenário de emancipação, de superação, onde as dimensões social, cultural, econômica, política e ambiental se conformam como o foco de diferentes lentes, num mosaico das variadas visões. Distante de um messianismo ingênuo, na realidade, busca-se encontrar concretude, positividade, efetividade e realidade as normas constitucionais estruturantes dos direitos que compõem a síntese socioambiental. [162]

Na realidade, o socioambientalismo parece possuir alguma semelhança com a justiça ambiental, environmental justice, um enfoque da ciência jurídica desenvolvida originalmente nos Estados Unidos que se destina a estudar as causas e os efeitos da exclusão social fruto do apartheid ambiental, environmental racism. A justiça ambiental estuda e combate a distribuição assimétrica dos ônus do desenvolvimento predatório que em grande parte recaem sobre a população das periferias, marginalizadas pelos processos de urbanização e industrialização desordenados. [163]

O processo de urbanização, em especial nos países mais desenvolvidos, ocupa-se não mais do arranjo físico territorial das cidades, passa a abranger, quantitativamente, um espaço maior (o território todo, englobando o meio rural e o meio urbano), e, qualitativamente, todos os aspectos relativos à qualidade do meio ambiente, que há de ser o mais saudável possível. Desta forma, é do âmbito da preocupação e de abrangência do direito urbanístico, procurar conciliar o desenvolvimento das cidades, com hábitos saudáveis de vida em ambiente puro e agradável, disciplinando todas as ações humanas de ocupação do solo. [164]

Na realidade, deve ocorrer uma total reformulação da legislação pátria que trata da matéria, pois a própria lei instituidora da Política Nacional do Meio Ambiente é anterior a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, merecendo ser adaptada aos diversos dispositivos constitucionais e internacionais que tratem da matéria. Devemos considerar a existência de diversos sistemas de proteção de recursos naturais. Como são exemplos os de recursos hídricos, fauna e flora, não ocorrendo uma coordenação adequada entre estes sistemas, inclusive quanto à devida estruturação da administração pública federal, estadual e municipal, ocorrendo diversos conflitos de competências e atribuições entre os órgãos responsáveis, principalmente, pelos licenciamentos ambientais.

Portanto, não basta apenas pensar globalmente a agir localmente, para proteger o nosso planeta. Também existem muitos motivos para pensarmos de maneira inversa, ou seja, pensarmos localmente e agirmos globalmente. Se não pensarmos globalmente pode-se ignorar preciosas fontes de conhecimento tradicional ambiental, desvalorizando o local não compreendendo os ecossistemas e problemas ambientais. De posse destas informações se não atuarmos de maneira global, nunca iremos resolver os grandes problemas ambientais mundiais, comum a todos nós: com efeito, a sustentabilidade possui muitas dimensões locais e globais.

2.2. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 225 registra: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” .

A Lei nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981, e alterações posteriores, que trata sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências dispõe em seu art. 3º. o seguinte: I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.

Na Declaração do Rio de Janeiro, Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - ECO-92, no que atine ao princípio da precaução, com o número quinze, encontramos com maestria a sua definição. [165]

Marcelo Abelha Rodrigues esclarece o conteúdo dos princípios da prevenção e da precaução, notadamente quanto aos seus conteúdos, em lição ímpar. O princípio da precaução (Vorsorgeprinzip) recebeu especial atenção na Alemanha, onde foi colocado como ponto direcionador central do direito ambiental, devendo ser visto como um princípio que antecede a prevenção, qual seja, sua preocupação não é evitar o dano ambiental, antes disso, pretende evitar os riscos ambientais. Mais do que um jogo de palavras, a assertiva é norteada por uma política diversa da prevenção, porque privilegia a intenção de não se correr riscos, até porque a precaução é tomada mesmo sem saber se existem os riscos. Se já são conhecidos, trata-se de preveni-los. O postulado da precaução vem sendo utilizado quando se pretende evitar o risco mínimo ao meio ambiente, nos casos de incerteza científica acerca da sua degradação. Em última análise, impede-se que a incerteza científica milite contra o meio ambiente, evitando que no futuro, com o dano ambiental ocorrido, perceba-se e lamente-se que a conduta não deveria ter sido permitida. [166]

No âmbito do direito ambiental, em termos de princípios, não há como escapar do preceito fundamental da prevenção. Esta é e deve ser a palavra de ordem, já que os danos ambientais, tecnicamente falando, são irreversíveis e irreparáveis. Por exemplo, como recuperar uma espécie extinta? Como erradicar os efeitos de Chernobyl? E as gerações futuras que serão afetadas? Ou uma floresta milenar que é devastada e que abriga milhares de ecossistemas diferentes, cada um possuindo o seu essencial papel na natureza? Diante de um sistema impotente, devido à impossibilidade lógico-jurídica de fazer voltar a uma situação igual a que teria sido criada pela própria natureza, é adotado com inteligência e absoluta necessidade, o princípio da prevenção do dano ao meio ambiente. Este que se configura como uma verdadeira chave mestra, pilar e sustentáculo da disciplina ambiental. Mormente, com o objetivo fundamentalmente preventivo do Direito Ambiental [167]. Desde a Conferência de Estocolmo, em 1972, que este princípio vem sendo içado à categoria de megaprincípio do direito ambiental. Assim ocorreu na Conferência de Nairóbi, no Tratado de Roma, no Fórum de Siena e, posteriormente, na Conferência do Rio 92.

Este princípio se insere na maioria dos instrumentos jurídicos internacionais, e com especial atenção foi declarado no primeiro programa de ação comunitária em matéria ambiental, sendo de particular importância o primeiro princípio, assim como igualmente a Recomendação nº. 70 do Plano de Ação adotado pela Conferência de Estocolmo.

O princípio do in dubio pro natura ou do in dubio pro ambiente, segundo o qual deve prevalecer a regra que mais proteja o meio ambiente. Neste diapasão, é preciso destacar que caso duas normas ambientais estejam em conflito prevalecerá a que for mais benéfica em relação à natureza. Trata-se de uma outra manifestação do princípio da precaução que, por defender a importância de impedirmos a ocorrência do dano ambiental, entende que a legislação ambiental mais restritiva deve ser a acolhida porque essa é uma maneira de evitar possíveis degradações. Sendo assim, esta consiste na mais importante regra de hermenêutica jurídica em matéria ambiental.

A preservação do meio ambiente está necessariamente focada no futuro. Uma decisão consciente para evitar o esgotamento dos recursos naturais globais, em vez de nos beneficiarmos o máximo das possibilidades que nos são dadas hoje, envolve necessariamente pensar o futuro. [168]

2.3. PRINCÍPIO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Conforme já citado, a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o conceito do Desenvolvimento Sustentável, ganha força, de acordo com a previsão contida no caput, do art. 225, ao prever que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. No parágrafo primeiro, inciso VI, do artigo citado, existe a previsão de determinar ao poder público a promoção da Educação Ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente.

Nesta perspectiva a Educação Ambiental tem um fundamental papel, consubstanciando-se em uma necessidade do mundo moderno, existindo cada vez mais o desafio, enquanto prática dialógica, no sentido de serem criadas condições para a participação dos diferentes segmentos sociais. Esta sendo uma das vertentes do controle social, tanto na formulação de políticas para o meio ambiente, quanto na concepção e aplicação de decisões que afetam a qualidade do meio natural, social e cultural. A prática educativa deve partir de uma premissa de que a sociedade é um lugar em constante conflito e confrontos, não existindo harmonia, nas esferas políticas, econômicas, das relações sociais, e dos valores, possibilitando que os diferentes segmentos da sociedade, possam ter condições de intervirem no processo de gestão ambiental.

A temática educação deve ser abordada sob a perspectiva do desenvolvimento e vice-versa. Faz-se necessário, hodiernamente, o início de visita ao processo de criação de outro termo, tendo em vista, que paradoxalmente, educação e desenvolvimento são termos concebidos usualmente como distintos, mas sempre apresentados juntos. Na realidade, consubstancia-se em fenômenos ou processos sociais articulados, interligados. Entretanto, não possuem as próprias identidades, pois ambos nascem ou são criados, no interior do que denominamos de modernidade.

Com um país equilibrado ambientalmente, todos os recursos naturais passam a estar disponíveis, contribuindo para o progresso econômico. Por meio da consciência e ética ambiental, implementadas mediante a Educação Ambiental, o desenvolvimento será pautado em um acesso adequado aos recursos naturais, em que a razoabilidade de sua utilização irá determinar uma sadia qualidade de vida paras as presentes e futuras gerações. Com efeito, para estas últimas somente estarão garantidas caso a Educação Ambiental continue a persistir, mantendo a consciência e a ética ambiental em comento. Desta maneira, é criado um ciclo eficaz em que a Educação Ambiental permite o surgimento da consciência e da ética ambiental, estes por sua vez, instauram um acesso adequado à sadia qualidade de vida para as presentes e futuras gerações permitindo a utilização razoável como fator determinante para o Desenvolvimento Sustentável, condicionado, porém, a manutenção desta sustentabilidade dependendo da presença e eficácia constantes da Educação Ambiental. [169]

Educação Ambiental é uma operação na qual tudo pode ser utilizado para esta finalidade. A Educação Ambiental é uma abordagem holística ao processo de aprendizagem, onde indivíduos e comunidade adquirem o conhecimento, atitudes, capacidades, valores e motivação visando melhorar a qualidade de ambiente e conseguir um futuro ecologicamente e social sustentável. A Educação Ambiental deve pautar-se em três objetivos: a educação para um futuro sustentável, uma educação para o ambiente e uma educação para sustentabilidade.[170]

A educação, tal como a conhecemos hoje, e o desenvolvimento, tal como o concebemos hodiernamente, são frutos da sociedade moderna. Em sociedades pretéritas estes dois termos não representavam temas ou problemas. Enfim, não eram objetos de discussão. Simplesmente não existiam enquanto questões, menos ainda de forma relacionada. Podemos contra-argumentar que os gregos antigos pensaram a relação. Um grande equívoco, pois os termos eram outros. A educação tinha uma concepção diferenciada, assim como a história. A educação, mesmo sendo concebida de maneira global, trata-se de uma questão de poucos: varões, livres e citadinos. E a noção de desenvolvimento, tal como a utilizamos hoje, era inexistente no pensamento e no dicionário dos gregos antigos. [171]

3. A CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS PREVISTOS NOS TRATADOS INTERNACIONAIS

Os direitos fundamentais são direitos positivados na Constituição dos estados, incorporando direitos naturais do indivíduo no ordenamento jurídico pátrio. Importante que sua positivação ocorra no texto constitucional para que tenha uma eficácia de teor constitucional e que não seja mera proposição de idéias para os indivíduos. Além da positivação na Constituição dos direitos fundamentais, tais normas vêm se tornando constitucionais e de elevado grau de rigidez, devendo também existir a inclusão de valores e princípios a essas normas na sua aplicação, demonstrando um perfil de Estado que as consagra, existindo uma especificação dos direitos fundamentais em cada estado. [172]

Na esfera da teoria dos direitos fundamentais, alguns temas apresentam tormentosos e desafiantes para o jurista. Nenhum deles, contudo, se iguala à efetividade dos direitos sociais, econômicos e culturais, em especial àqueles que, possuindo apenas uma demanda objetiva, se aplicam progressivamente e não dispensam a prévia disponibilidade de um serviço, de recursos orçamentários, enfim, da implementação gradativa de políticas públicas. Há pouco tempo, os direitos que demandam políticas públicas eram considerados a escória do direito. Ora, se deles não decorrem direitos subjetivos individuais e se, em sua maioria, não se incorporam no conceito de mínimo existencial, pouco ou nada lhes restava em níveis de efetivação. [173]

Tais direitos devem ser vistos como direitos excepcionalmente relativizados devendo somente ser ponderado a partir de outro direito fundamental condizente à situação estudada. Não podemos nos restringir, a situação dos direitos fundamentais serem tão somente os positivados na Constituição. O pensamento de que para serem eles efetivados pelo estado, deve ocorrer a positivação constitucional, deve ser superado. Pois desta maneira, estamos aderindo a uma característica exclusivamente formal dos direitos fundamentais, pois existem normas materialmente fundamentais que independem de positivação pela Constituição, tendo em vista que o seu desenvolvimento e sua universalização. Desta forma, os direitos fundamentais são declarados para todos os homens, independente do país em que vivem. Os direitos fundamentais são essenciais à existência do homem de maneira digna, sendo estes consagrados universalmente ou identificados como direitos particulares de determinado estado, podendo os primeiros ser positivados na Constituição ou não para sua eficácia e devendo o segundo ser positivado para que tenham eficácia diante do Estado que reconheceu.[174]

A temática dos direitos fundamentais emergiu a partir das Constituições promulgadas com menos de cinqüenta anos. Na realidade, quando analisamos as anteriores a este período, observamos que elas enfatizavam a organização do estado, aos seus poderes e respectivas autoridades, todos estes assuntos tratados num primeiro plano.

As novas constituições, a partir de então, passaram a perfilhar em seus corpos, em posição de destaque todos os direitos dos cidadãos, e entre estes os que interessariam diretamente à efetiva existência de um Estado Democrático de Direito, ou seja, os denominados direitos fundamentais. Com efeito, o sentido semântico de fundamentalidade é a qualidade que torna algo essencial à existência de alguma coisa. Podemos exemplificar com um sistema político ou econômico, uma maneira de viver, valores morais e sociais, até mesmo valores de crença religiosa, e diversos aspectos da vida em sociedade.

Os direitos da pessoa humana constituem uma formidável criação da modernidade, que está diretamente associada ao sentimento de que as pessoas não podem abrir mão de uma esfera de proteção que lhes assegurem valores ou interesses fundamentais. No instante em que associamos os termos humanos, fundamentais ou a expressão da pessoa humana à idéia de direitos, a presunção de superioridade inerente aos direitos em geral torna-se ainda mais peremptória. Isto ocorre em virtude desses direitos buscarem proteger valores e interesses indispensáveis à realização da condição de humanidade de todas as pessoas. Agrega-se, aqui, valoração moral e ética de direitos passando estes direitos a servir de veículos aos princípios de justiça de uma determinada sociedade. Numa definição preliminar, os direitos da pessoa humana poderiam ser compreendidos como razões peremptórias, pois eticamente fundadas, para que outras pessoas ou instituições estejam obrigadas a terem deveres em relação àquelas pessoas que reivindicam a proteção ou modificação de valores, interesses e necessidades essenciais à realização da dignidade. A qual é reconhecida como direito da pessoa humana. Alguns destes valores, interesses e necessidade tutelados como direitos da pessoa humana são tão relevantes que não seria incorreto afirmar que se sobrepõem às demais ordens de valores, interesses e necessidade. [175]

Há grande confusão em torno do que sejam direitos humanos, direitos individuais, e direitos fundamentais, mas é certo que todos eles só podem ser considerados a partir da sua essencialidade fundamentalidade em relação ao que possam proteger. Os denominados direitos humanos decorrem da simples condição de pessoa humana, e destinam-se a assegurar as conseqüências dessa condição; interessam, portanto, a todos os indivíduos, independentemente de quaisquer circunstâncias: há conteúdo moral, ético, físico, humanitário, e outros, na consideração da pessoa humana.

Os direitos individuais dizem respeito à cidadania, à participação na vida em sociedade, dos pontos de vista político, econômico, e social em geral. Voltam-se a proteger os que exercem efetivamente a cidadania. Interessam, portanto, ao cidadão. A propósito, com extrema acuidade a Revolução Francesa emitiu a sua “Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão”, estabelecendo clara distinção entre a simples condição de pessoa humana e a do cidadão. Os denominados direitos fundamentais dirigem-se a preservar os fundamentos de uma organização estatal. As organizações estatais revestem-se das mais variadas formas e valores, de acordo com a cultura de cada sociedade, e essa questão dos valores não permite que o cultor do direito proclame, drasticamente, que só a democracia - tal como entendida na generalidade do Ocidente - possa ser considerada como organização estatal: é necessário reconhecer as diversidades políticas e sociais inerentes a cada povo, e somente assim lobrigar o que são direitos fundamentais em cada sociedade. Entretanto, em termos de Brasil, devemo-nos cingir ao Estado Democrático de Direito, proclamado na Constituição. Nesse prisma, devemos analisar quais direitos são pilares na defesa do Estado Democrático de Direito. Reitere-se a esse respeito, que é imprescindível separar os conceitos: direitos humanos referem-se à simples condição de pessoa humana; direitos individuais, os que interessam ao cidadão; e direitos fundamentais, os que interessam à manutenção e efetividade do Estado Democrático de Direito. É claro que na idéia de Estado Democrático de Direito, está subjacente a proteção aos direitos humanos e aos direitos individuais dos cidadãos; mas isso apenas indireta ou implicitamente. Para manutenção e efetividade de tal organização estatal e do seu conteúdo, para a sua existência, enfim, há que discernir entre esses direitos e os que a esta interessam precipuamente, no sentido de a invalidarem se não forem considerados como fundamentais. [176]

Conforme citado alhures, na doutrina pátria, os constitucionalistas costumam classificar os direitos fundamentais em primeira, segunda e terceira gerações, fundamentados na ordem histórica cronológica em que passaram a ser reconhecidos constitucionalmente.

Celso de Mello citado por Alexandre de Moraes assevera que no instante em que os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) - que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais - realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) - que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas - acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade. [177]

Contudo, esta atomização dos direitos humanos ou fundamentais em uma sucessão generacional é infeliz, bastante equivocada sob todos os aspectos, inclusive histórico. Ora, enquanto no direito interno (constitucional), o reconhecimento dos direitos sociais foi em geral em muitos países subseqüente, aos civis e políticos. Este mesmo fato não aconteceu no plano internacional, conforme exemplificado pelas diversas e sucessivas convenções internacionais do trabalho, muitas das quais anteriores a adoção de convenções internacionais mais recentes sobre os direitos civis e políticos. Faz-se necessário reduzirmos e eliminarmos a distância que parece persistir ente as visões constitucionalista e internacionalista da matéria. Os direitos humanos são essencialmente complementares, indivisíveis e interagem uns com os outros, não se substituem ou se sucedem. [178]

Em 10 de dezembro de 1948, com a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, como marco maior do processo de reconstrução dos direitos humanos. É introduzida a concepção atual de direitos humanos, caracterizada pela universalidade e indivisibilidade destes direitos. Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição de pessoa humana é o requisito único para a titularidade de direitos, considerando o ser humano como um ser essencialmente moral, dotado de unicidade existencial e dignidade. Indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição para que sejam observados os direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais e vice-versa. Quando um deles é violado, os demais também o são. Os direitos humanos compõem, assim, uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, capaz de conjugar o catálogo de direitos civis e políticos ao catálogo de direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais. Consagra-se, deste modo, a visão integral dos direitos humanos. [179]

Ao analisar a indivisibilidade e a interdependência dos direitos humanos, leciona Hector Gros Espiell que, somente se reconhecermos integralmente todos estes direitos, poderemos assegurar a existência real de cada um deles, já que sem a efetividade de gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos se reduzem a simples categorias formais. A contrario sensu, sem a plenitude de realização dos direitos civis e políticos, sem a efetividade da liberdade entendida em seu mais amplo sentido, os direitos econômicos, sociais e culturais carecem, por sua vez, de verdadeira significação. Esta idéia da necessária integralidade, interdependência e indivisibilidade quanto ao conceito e à realidade do conteúdo dos direitos humanos, que de certa forma está implícita na Carta das Nações Unidas, compilando-se, ampliando-se e sistematizando-se em 1948, na Declaração Universal de Direitos Humanos, e se reafirma definitivamente nos Pactos Universais de Direitos Humanos, aprovados pela Assembléia Geral em 1966, e em vigência desde 1976, na Proclamação de Teerã de 1968 e na Resolução da Assembléia Geral, adotada em 16 de dezembro de 1977, sobre os critérios e meios para melhorar o gozo efetivo dos direitos e das liberdades fundamentais (Resolução n. 32/130). [180]

Ademais, é prudente que a tentativa de tornar absolutos e incontrastáveis alguns direitos e valores constitucionais, mediante o escalonamento rígido de normas da Carta Magna, acoberta em diversas vezes, propósitos bem definidos. A história revela que um dos maiores empecilhos à concretização dos direitos sociais foi uma concepção absoluta e radical de certos direitos individuais, tais como a propriedade e liberdade contratual.

A jurisprudência americana fornece diversos exemplos, como no final da década de 30, quando julgou, sistematicamente, inconstitucionais, praticamente, toda a legislação social e econômica editada pelo governo norte-americano, elevando à estatura constitucional os dogmas políticos e econômicos do liberalismo clássico. Esta orientação da Suprema Corte americana marcou um período denominado de Lochner Era, que só veio a ser ultrapassada após 1937, após tremendas pressões políticas exercidas pelo Presidente Roosevelt contra a Suprema Corte, para que esta não inviabilizasse a implementação do New Deal.

Devemos salientar que é princípio da República Federativa do Brasil a prevalência dos direitos humanos, a outro entendimento não se pode chegar, senão o de que todo tratado internacional de direitos humanos terá prevalência, no que for mais benéfico, às normas constitucionais em vigor. Quando a Constituição dispõe em seu art. 4º, II, que a República Federativa do Brasil rege-se, nas suas relações internacionais, dentre outros, pelo princípio da prevalência dos direitos humanos, está, ela própria, a autorizar a incorporação do produto normativo convencional mais benéfico, pela porta de entrada do seu art. 5º, §2°, que, como já visto, tem o caráter de cláusula aberta à inclusão de novos direitos e garantias individuais provenientes de tratados. [181]

O novel §3°, art. 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, não prejudica o status constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos já em vigor no nosso país, pois tem de acordo com o §2° desse mesmo artigo, também sequer prejudica a aplicabilidade imediata dos tratados de direitos humanos já devidamente ratificados ou que vierem a ser ratificados pelo nosso país no futuro, de acordo com o mandamento do parágrafo 1º. do mesmo art. 5º. [182] Estes dispositivos enumeram o que denominamos de princípio da fungibilidade das fontes, ou seja, independentemente da origem da fonte normativa, deverá prevalecer a norma que melhor proteja a pessoa humana.

Um dos principais aspectos a serem enaltecidos com a criação do §3°, art. 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, é vedação de denúncias de tratados e convenções internacionais por parte do presidente da república, como ocorreu com a convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho.  Com efeito, todos os tratados anteriores a criação deste parágrafo, estão sob a égide do fenômeno da recepção.

Na esfera da jurisprudência internacional, o Caso GABCIKOVO-NAGYMAROS é o mais importante julgamento em que a Corte Internacional de Justiça pronunciou-se sobre o direito ambiental. Nessa disputa, sobre um tratado acerca da construção de uma série de usinas hidrelétricas no Rio Danúbio, a Hungria alega que a Eslováquia, ao implementar o projeto, não levou em consideração as questões ecológicas tampouco realizou um estudo sobre o impacto ambiental. A Corte entendeu que as partes estavam obrigadas a aplicar as normas do direito internacional do meio ambiente, não apenas visando às atividades futuras, mas também às ações já empreendidas. A Corte fez referência ao conceito de Desenvolvimento Sustentável e propugnou que as partes negociem em boa-fé, harmonizando os objetivos do tratado celebrado com os princípios do direito internacional do meio ambiente e do direito dos cursos de água internacionais. A CIJ requisitou que as partes cooperem para a administração conjunta do projeto e para a instituição de um processo contínuo de monitoramento e proteção ambiental. [183]

Neste Caso GABCIKOVO-NAGYMAROS (HUNGRIA VS. ESLOVÁQUIA), no plano internacional, ocorreu a demonstração do status jurídico do Desenvolvimento Sustentável, considerado muito mais do que um conceito, e, sim, um princípio do direito internacional, quando o Juiz parte do pressuposto de que as bases jurídicas do Desenvolvimento Sustentável são o direito ao desenvolvimento e o direito ao meio ambiente saudável. Não reconhecer o princípio do Desenvolvimento Sustentável significa admitir que esses direitos fundamentais entrem e permaneçam em conflito. [184]

Outro caso, na esfera do Sistema Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos, que serve de paradigma de meio ambiente como direito à vida, é o da Comunidade Indígena MAYAGNA (SUMO) AWAS TINGINI VS. NICARÁGUA. A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos - CIDH, em sentença proferida em 31 de agosto de 2001, é considerada inédita, pois pela primeira vez o meio ambiente de um povo indígena foi considerado como fonte de sua vida garantindo-lhe o direito de propriedade das suas terras.

Nesta decisão, trecho marcante é o que assevera que a propriedade indígena deve ser compreendida como um todo inseparável, sendo evidente que no local onde vive a Comunidade estão suas crenças religiosas, seus cemitérios sagrados e a natureza em si considerada que faz parte da vida da Comunidade MAYAGNA de onde retiram sua sobrevivência, tanto material como espiritual. Para as comunidades indígenas, a relação com a terra não é meramente uma questão de posse ou propriedades, mas sim de elementos materiais e espirituais que constituem um legado cultural o qual deve ser preservado para as presentes e futuras gerações. [185]

4. RELAÇÃO ENTRE NORMAS CONSTITUCIONAIS, RESERVA DO POSSÍVEL E MÍNIMO EXISTENCIAL

4.1. NORMAS CONSTITUCIONAIS

Existem, atualmente, diversas classificações as quais podem ser distinguidas de forma útil, segundo o tipo de fontes onde emanam. Por exemplo, podemos dizer que são direitos constitucionais aqueles conferidos pela Constituição, bem como são direitos legais aqueles conferidos pela lei.

Muitas vezes, os direitos constitucionais são conferidos a todos os indivíduos diante do estado, ou melhor, contra o estado, e neste sentido podem ser denominados de direitos subjetivos públicos. Merece destacarmos, também, que os direitos contratuais são direitos conferidos a um indivíduo diante de outro indivíduo privado e, neste sentido, podemos denominá-los de direitos subjetivos privados.

Sob outra ótica, o direito no seu aspecto subjetivo pode significar uma faculdade de agir, ou seja, um poder de exigir comportamento determinado de outrem, poder que é devidamente conferido pela norma jurídica. Desta maneira, o direito subjetivo consubstancia-se no lado ativo de uma relação jurídica, cujo lado passivo é a obrigação.

José Afonso da Silva conceitua normas gerais como sendo normas de leis, ordinárias ou complementares, produzidas pelo legislador federal nas hipóteses previstas na Constituição, que estabelecem princípios e diretrizes da ação legislativa da união, dos estados e dos municípios. A Constituição atribuiu à união a competência para o estabelecimento destas normas, as quais devem ser observadas obrigatoriamente por todas as entidades públicas da federação. Desta maneira, elas se consubstanciam como mecanismos limitadores da autonomia dos estados e municípios, razão pela qual deve ser interpretada em sentido estrito. [186]

O tratamento interpretativo dos princípios jurídicos deve ser diferenciado em relação às regras jurídicas, não obstante possuírem ambos o caráter de normas constitucionais, de acordo com o caso concreto.

Não é nova a discussão acerca da existência de diferenças entre normas e princípios. Duas são as principais correntes neste sentido.

A primeira aduz que a diferença entre regras e princípios é qualitativa, pertencentes a diferentes categorias, sendo Ronald Dworkin um dos representantes desta tese e uma figura importante neste sentido. Esta tese é a forte demarcação, na qual o autor de maneira metafórica a compara as linhas de um trem, que podem ser seguidas ou não. Isto se aplica as todas as regras e também as regras jurídicas. Na hipótese de existência de conflitos umas com as outras, pode ocorrer, por exemplo, a decisão pela aplicação da máxima lex posterior. A segunda tese é a da demarcação débil devidamente conectada a tradição dos pensamentos de Wittgenstein, sendo que as regras e os princípios possuem uma relação parecida com a familiar. Há uma diferença de grau, não qualitativa, entre elas. Ora, de acordo com esta tese, as regras e os princípios são pertencentes a uma categoria de normas e chegam a um papel similar ou análogo, a uma discrição judicial. Os princípios possuem uma maior generalidade que as regras, entretanto de outra maneira, não existem caracteres especiais permitindo uma distinção das regras. Os princípios expressam valores, de acordo com os familiares, as regras e os princípios se parecem, sendo completamente idênticos. [187]

Exemplo bastante elucidativo neste sentido é sobre a existência do princípio do Desenvolvimento Sustentável, o qual não é previsto de forma expressa na Constituição, mas sim da conjugação dos princípios insertos nos artigos 1°, III, 3°, II, 170 e 225, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Ora, muito embora existam vozes na doutrina clamando em sentido contrário, entendemos que apenas o caput, do art. 225, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, é insuficiente para dar o real alcance do princípio do Desenvolvimento Sustentável, devendo ocorrer uma conjugação dos princípios do desenvolvimento, da dignidade da pessoa humana, do meio ambiente ecologicamente equilibrado, dentre outros, para obtermos uma concretização jurídica do Desenvolvimento Sustentável.

Desta forma, reafirmamos que o tratamento interpretativo dos Princípios Jurídicos deve ser diferenciado em relação às regras jurídicas, não obstante possuírem ambos o caráter de normas constitucionais, de acordo com o caso concreto e com a seara do direito a ser aplicada.

Ora, a Constituição, em sentido formal, é um conjunto de normas e princípios contidos num documento solene estabelecido pelo poder constituinte, o qual somente pode ser modificável por processos especiais previstos no seu próprio texto. Com efeito, esta definição está em consonância com a Constituição legislada, escrita e rígida. Por outro lado, esta conceituação, não é excludente do reconhecimento de normas constitucionais materiais, dentro como fora do documento supremo. Em sentido material, em doutrina, podemos identificar a Constituição material, como sendo uma organização do estado, com regime político, significando uma situação total da unidade e ordenação política. Nas palavras de Heller fala-se em Constituição não normada, equivalendo a dizer Constituição material, ou Constituição real e efetiva, na terminologia de Lassale.

Com efeito, a discussão acerca da concretização ou não dos dispositivos constitucionais, são inúmeras, desde a clássica discussão entre Hesse e Lassalle, buscando aquele ocupar-se na demonstração de que nem sempre nos conflitos entre os fatores reais de Poder e a Constituição implicam na derrota desta. Ora, Lassalle aduzia que as questões constitucionais não podem ser vistas pelo aspecto jurídico, mas, apenas pelo aspecto político, no qual todos os fatores reais do poder formarão a Constituição do País. Desta forma, a Constituição jurídica, na ampla visão social de Lassalle, seria um mero pedaço de papel, pensamento que permanece arraigado até os dias atuais.

Existe no nosso ordenamento jurídico, notadamente na nossa Corte Suprema Constitucional, e nos tribunais inferiores, a predominância da classificação no que diz respeito à aplicabilidade das normas constitucionais do escólio do iminente doutrinador pátrio, José Afonso da Silva, a partir da qual sempre surgiram variantes terminológicas, sem maiores conseqüências práticas. As normas constitucionais podem ser divididas, em três categorias, quanto à eficácia e aplicabilidade: I - normas constitucionais de eficácia plena, de aplicabilidade direta, imediata e integral; II - normas constitucionais de eficácia contida, de aplicabilidade direta, imediata, mas não integral; III - normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida, cuja aplicabilidade é indireta, mediata e reduzida. [188]

Nas normas da primeira categoria são incluídas todas as normas que, desde a entrada em vigor da Constituição produzem todos os seus efeitos essenciais, ou têm a possibilidade de produzi-los, todos os objetivos visados pelo legislador constituinte, porque este criou, desde logo uma normatividade para isso suficiente, incidindo direta e imediatamente sobre a matéria que lhes constitui o objeto. [189]

As normas constitucionais de eficácia contida, também, se constituem de normas que incidem imediatamente e produzem, ou podem produzir todos os efeitos queridos, mas prevêem meios ou conceitos que permitem manter sua eficácia contida em determinados limites, dadas certas circunstâncias. [190]

Por fim, as normas de eficácia limitada são todas as que não produzem os seus efeitos essenciais, já que o legislador constituinte, por qualquer motivo, não estabeleceu, acerca da matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou outro órgão do estado. [191]

As normas de eficácia limitada são divididas em dois grupos, as normas constitucionais de princípio institutivo e as normas constitucionais de princípio programático.

As normas constitucionais de princípio institutivo são aquelas mediante as quais o legislador constituinte traça esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos, entidades ou institutos, para que o legislador ordinário os estruture em definitivo, mediante lei. Sendo assim, o legislador constituinte reconhece a conveniência de disciplinar determinada matéria relativamente à organização de instituições constitucionais, mas, ao mesmo tempo, por razões várias, e até de pressão limita-se a traçar esquemas gerais, princípios, como começo, sobre o assunto, incumbindo ao legislador ordinário a complementação do que foi iniciado, segundo a forma, ou critérios, os requisitos, as condições e as circunstâncias previstas na norma mesma. [192]

Por outro lado, as normas constitucionais de princípio programática são aquelas normas constitucionais mediante as quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativo, executivo, jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do estado. A relevância atual do estudo da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais manifesta-se de maneira mais acentuada na sua consideração em relação às chamadas normas programáticas. Basicamente, por três razões, a primeira é que ainda se ouve em relação à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que ela está repleta de normas de intenção, como se jurídicas e imperativas não fossem. Outra é que estas normas traduzem os elementos sócio-ideológicos da Constituição, onde se acham os direitos sociais, tomada, aqui, a expressão direitos sociais num sentido abrangente também dos econômicos e culturais. Uma terceira razão, talvez de maior importância, é que indica os fins e objetivos do estado, o que importa definir o sentido geral da ordem jurídica. [193]

Merece trazermos a lição de Jaqueline Michels Bilhalva sobre as suas principais conclusões sobre eficácia e aplicabilidade. Em termos conceituais, a ciência jurídica reclama por um reforço dos principais aspectos da eficácia e da aplicabilidade das normas: i) no sentido amplo, eficácia consiste na aptidão para a produção de efeitos, quaisquer efeitos; ii) eficácia direta, consistente na aptidão para a produção de efeitos imediatos no que diz respeito ao objeto imediato da norma; iii) aplicabilidade: consistente na aptidão para a produção de efeitos essenciais, em situações e relações da vida real, isto é concreto, sendo que: a) na aplicabilidade direta a norma tem aptidão para a produção de feitos essenciais; b) na aplicabilidade indireta a norma não tem aptidão para produzir, por si só, efeitos essenciais (depende de lei), mas tem aptidão para produzir, por si só, efeitos não essenciais; c) na aplicabilidade imediata a norma tem aptidão para a produção de feitos essenciais de forma imediata; d) na aplicabilidade mediata a norma não tem aptidão para produzir efeitos essenciais de forma imediata (depende de lei); e) na aplicabilidade integral a norma tem aptidão para a produção de efeitos essenciais que não poderão ser objeto de restrição infraconstitucional; f) na aplicabilidade integral, mas restringível a norma tem aptidão para a produção de efeitos essenciais que não poderão ser objeto de restrição infraconstitucional; g) na aplicabilidade reduzida a norma não tem aptidão para, por si só, produzir de efeitos essenciais, salvo por intermédio de norma infraconstitucional. [194]

Com efeito, todas as normas jurídicas que são proposições prescritivas, têm sua valência própria. Não se pode dizer que sejam verdadeiras ou falsas, uma vez que são valores imanentes, às proposições descritivas da ciência do direito, mas as normas jurídicas serão sempre válidas ou inválidas, referenciando-se a um determinado sistema “S”. A norma válida significa pode ser mantida relação de pertinencialidade com o sistema “S”, ou que nele será posta por órgão legitimado a produzi-la, de acordo com procedimento estabelecido para esse fim. Na realidade, a validade não é atributo que qualifica a norma jurídica, vez que tem status de relação, sendo o vínculo que se estabelece entre a proposição normativa e o sistema de direito posto, de tal maneira, que ao dizermos que uma norma “N” é válida, estaremos expressando que ela pertence ao sistema “S”. [195]

De forma intuitiva, devemos crer que a validade confunde-se com a existência de tal maneira, que ao afirmarmos que uma norma existe, implica reconhecermos sua validade, de acordo com o sistema jurídico. Assim podemos inferir que ou a norma existe, estando no sistema e é, portanto válida, ou não existe como norma jurídica. Ora sempre que o juiz deixa de aplicar uma norma, após entendê-la inconstitucional, opinando por outra para ele mais adequada às diretrizes do ordenamento, nem por isso a regra preterida passa a inexistir, permanecendo válida e pronta para ser aplicada em outra oportunidade. [196]

Por sua vez, a eficácia deve ser estudada sob três ângulos, que denominamos eficácia jurídica, eficácia técnica e eficácia social.

Denominamos eficácia jurídica um mecanismo lógico da incidência, no processo pelo qual, efetiva-se o fato previsto no antecedente, projetando todos os efeitos prescritos no conseqüente. Assim, temos a chamada causalidade jurídica, ou seja, vínculo de implicação segundo o qual, ocorre o fato jurídico, relato do evento no antecedente da norma, instalando-se uma relação jurídica. A eficácia jurídica também é uma propriedade de que está investido o fato jurídico de provocar a irradiação dos efeitos que lhe são próprios, ou seja, a relação de causalidade jurídica, no estilo de Lourival Vilanova, deste modo não seria atributo da norma, mas sim do fato nela previsto. [197]

 Por outro lado, denominamos eficácia técnica a condição que a regra de direito ostenta, no sentido de descrever acontecimentos que, uma vez ocorrido no plano do real-social, tenham o condão de irradiar efeitos jurídicos, já removidos os obstáculos de ordem material que impediam esta propagação. Diremos ausente a eficácia técnica de uma norma, ineficácia técnico-sintática, quando o preceito normativo não puder juridicizar o evento, inibindo-se o desencadeamento de seus efeitos, tudo pela falta de outras regras de igual ou inferior hierarquia, de acordo com a sua escala hierárquica, ou, (b) pelo contrário, na hipótese de existir no ordenamento outra norma inibidora de sua incidência. Ora, a ineficácia técnica será de caráter semântico quando dificuldades de ordem material impeçam, de forma interativa, uma configuração em linguagem competente assim do evento previsto, vez que os efeitos para ela estipulados. Ora, em ambos os casos, ineficácia técnico-sintática ou técnico-semântica, são normas jurídicas vigentes, os sucessos do mundo social nelas descritos realizam-se, porém, não ocorrerá o fenômeno da juridicização do acontecimento, bem como a propagação dos efeitos que lhe são peculiares. [198]

A eficácia social ou efetividade menciona todos os padrões de acatamento com que a comunidade responde aos mandamentos de uma ordem jurídica historicamente dada. Podemos indicar como eficaz toda aquela norma cuja disciplina foi concretamente seguida pelos destinatários, satisfazendo aos anseios e as expectativas do legislador, da mesma forma que inculcaremos de ineficaz aquela outra cujos preceitos não foram cumpridos pelos sujeitos envolvidos na situação tipificada. [199]

Todas as vezes que a conduta estipulada pela norma for reiteradamente descumprida, as expectativas serão devidamente frustradas, por inexistir eficácia social. Com efeito, após introduzirmos esses esclarecimentos acerca da eficácia jurídica, técnica e social das regras do direito é conveniente salientarmos que os dois primeiros casos de eficácia expressam conceitos jurídicos, que muito interessam à Dogmática, ao passo que o último pertence aos domínios das indagações sociológicas, mais precisamente, da Sociologia Jurídica. [200]

Na doutrina alemã existe um importante segmento, no qual autores da estirpe de Joseph Isensse, Stefan Octer, Klaus Stern e Claus-Wilhel Canaris, vem defendendo a tese de que a doutrina dos deveres de proteção do Estado em relação aos direitos fundamentais constitui a forma mais exata para solucionar a questão da projeção destes direitos no âmbito das relações privadas. De acordo com essa teoria, o Estado tem a obrigação não apenas de abster-se de violar os direitos fundamentais, mas também de protegê-los diante de lesões e ameaças provenientes de terceiros, inclusive particulares. [201]

Dentro da ótica da análise das normas constitucionais até o momento realizada, merece destacarmos a vedação do retrocesso que é uma das expressões da eficácia das normas constitucionais programáticas ou de eficácia limitada das quais constituem exemplo a maior parte das normas constitucionais de direitos fundamentais, que não criam direitos que possam impor ações ao Legislador ou ao Poder Executivo, mas que têm a força de impedir a edição de normas ou comportamentos que lhes sejam contrárias se a Constituição determina programaticamente dado tipo de prestações e o estado, após implantá-la, resolve abandoná-la, estaria, nesse segundo momento, violando aquela norma constitucional. A vedação do retrocesso não pode, todavia, levar a um congelamento de todas as regras infraconstitucionais que possam ser consideradas densificações, legais ou regulamentares, de direitos fundamentais. Em uma sociedade complexa e dinâmica como a nossa, e com um déficit público crescente, a vedação do retrocesso na prestação de serviços públicos implementadores de direitos fundamentais não pode ser considerada em termos absolutos, salvo no que se destina à preservação dos respectivos núcleos essenciais. [202]

Com efeito, a eficácia negativa autoriza que sejam declaradas inválidas todas as normas ou atos que contravenham os efeitos pretendidos pela norma. É claro que para identificar se uma norma ou ato viola ou contraria os efeitos pretendidos pelo princípio constitucional é preciso saber que efeitos são esses. Como já referido, os efeitos pretendidos pelos princípios podem ser relativamente indeterminados a partir de um certo núcleo; é a existência desse núcleo, entretanto, que torna plenamente viável a modalidade de eficácia jurídica negativa. Imagine-se um exemplo. Uma determinada empresa rural prevê, no contrato de trabalho de seus empregados, penas corporais no caso de descumprimento de determinadas regras. Ou sanções como provação de alimentos ou proibições de avistar-se com seus familiares. Afora outras especulações, inclusive de natureza constitucional, não há duvidas de que a eficácia negativa do princípio da dignidade da pessoa humana conduziria esta norma à invalidade. É que nada obstante a relativa indeterminação do conceito de dignidade humana há consenso de que em seu núcleo central deverão estar a rejeição às penas corporais, à fome compulsória e ao afastamento arbitrário da família. [203]

A vedação do retrocesso, por fim, é uma derivação da eficácia negativa, particularmente ligada aos princípios que envolvem os direitos fundamentais. Ela pressupõe que esses princípios sejam, concretizados mediante normas infraconstitucionais, isto é, freqüentemente, os efeitos que pretendem produzir são especificados por meio da legislação ordinária, e que, com base no direito constitucional em vigor, um dos efeitos gerais pretendidos por tais princípios é a progressiva ampliação dos direitos fundamentais. Partindo desses pressupostos é a invalidade da revogação de normas que, regulamentando o princípio, concedam ou ampliem direitos fundamentais, sem que a revogação em questão seja acompanhada de uma política substitutiva ou equivalente. Isto é: a invalidade por inconstitucionalidade ocorre quando se revoga uma norma infraconstitucional concessiva de um direito, deixando um vazio em seu lugar. Não se trata, é bom observar, da substituição de uma forma de atingir o fim constitucional por outra, que se entenda mais apropriada. A questão que se põe é a da revogação pura e simples da norma infraconstitucional, exatamente como se dispusesse contra ele diretamente. [204]

A título exemplificativo, o direito à educação é norma constitucional auto-executável, auto-aplicável podendo ser denominada como sendo aquela em que revestida de plena eficácia jurídica, por regular diretamente as matérias, situações ou comportamentos de que cogitam. [205]

4.2. RESERVA DO POSSÍVEL E MÍNIMO EXISTENCIAL

Numa perspectiva de ecocidadania por mínimo existencial se pode atribuir à concreção das condições de efetivação da dignidade humana. O mínimo existencial (ecológico), nesta relação cidadã, deve ser encontrado, também, no que Max Neff, denominou de desenvolvimento em escala humana, ou seja, que todos estejam atendidos em suas necessidades básicas. Contudo, isto somente será possível no instante em que se conseguir equalizar os procedimentos globais como procedimentos locais, tarefa máxima para a política, o direito e a economia, desde uma razão que atenda aos interesses da sociedade civil em consonância com as atividades idelegáveis do estado. Max Neff assevera que para obter este objetivo precisamos resgatar o conceito de democracia da continuidade (conjunto de ações realizadas em um corpo social, todos os dias, de maneira sucessiva e contínua, caracterizando o redobro da máxima vantagem social, vale dizer a reduplicação de efeitos expressivos da vida comum havida num Estado Socioambiental e Democrático de Direito), pois é nela que encontramos o que ele denomina de dimensão molecular do social, vale dizer espaços locais ordenados em escala humana. Obviamente para esta função necessitamos de um Estado forte, um Estado que não se recuse a desvelar todo o marginal em que se encontram estratos imensos da população, suas misérias, em grande parte, geradas pelo próprio sistema. [206]

Com efeito, a Constituição da República de Weimar de 1919 serviu de modelo para as constituições contemporâneas, não ocorrendo limitações como as liberais do século XIX, que permitissem a garantia de posições jurídicas aos particulares contra agressões dos poderes públicos. Contudo, a Constituição Mexicana de 1917 foi a primeira a prever a qualidade de direitos funcamentais, aos direitos trabalhistas, juntamente com as liberdades individuais e os direitos políticos, nos arts. 5º e 123, tendo influenciado a Constituição da República de Weimar, em 1919.

Ocorreu na realidade uma fuga ao modelo “garantista”, tributário do status quo, cuja maior pretensão era coadunar amplos aspectos da vida social, notadamente sob dois aspectos: por meio da formulação de fins e programas para os poderes públicos; assim como pela constitucionalização de direitos a prestações estatais que, para sua efetivação, exigissem uma postura ativa por parte do estado.

Os limites do controle judicial dependem em verdade da solução da “questão interpretativa”, o que não se obtém mediante renúncia do controle. Não se trata de dividir entre tribunais e Legislativo a função de concretização das normas constitucionais, mas verificar o que estas exigem para ser concretizadas, o que se faz mediante interpretação.

Na atualidade, quando se fala em atuação do Poder Judiciário como legislador positivo, este assunto é estigmatizado, ocorrendo, na prática uma verdadeira vedação impedindo a concretização judicial de normas constitucionais classificadas como de aplicação mediata ou imediata. Esta proibição é maléfica, pois impede uma criação de jurisprudência em relação ao princípio isonômico, impedindo a reparação de violações da Constituição, em quaisquer casos denominados incompatíveis com o princípio da isonomia.

A Carta Constitucional permite que os juízes exerçam uma função de controle da atividade legiferante, pois de forma implícita poderá atribuir aos poderes necessários para o reparo, pois o que, no caso de omissão, poderá implicar na concretização judicial da norma constitucional, no caso concreto, independentemente de qualquer atividade legislativa. Na lição de Ronald Dworkin, a decisão judicial constitucional não é meramente uma nomeação de direitos, mas assegurá-los, fazendo isto com o maior interesse dos que têm tais direitos [207]

Não há como encontrarmos um embasamento racional proibitivo da intervenção do Poder Judiciário como legislador positivo, tendo em vista a decorrência de comando constitucional expresso. Com efeito, se por intermédio de uma construção jurisprudencial, poderemos admitir contra o princípio da supremacia da Constituição e o princípio da efetividade deste decorrente, consubstanciada em uma abdicação indevida do Judiciário da função de controle atribuída pela Constituição.

Faz-se necessário alertarmos que não se quer dar amplos poderes ao Judiciário, transformando-o em um super-poder, que tudo vê tudo pode, em termos de concretização das normas constitucionais. [208]

O limite da reserva de consistência impedirá, é certo, o Judiciário de concretizar normas fundamentais que demandam a adoção de políticas públicas de certa complexidade. Faltaria ao Judiciário, por exemplo, capacitação para elaboração de política habitacional caso entendesse que a Constituição contempla direito à moradia. Não obstante, a extensão desse impedimento depende da prática judiciária. A criatividade poderá contribuir para o alargamento do controle judicial e o avanço na concretização da Constituição. [209]

Entretanto, questões como saúde, educação e cultura, no nosso entender não estariam, sob a égide da reserva do possível, mormente quando se trata de direitos relativos à Criança e Adolescentes, os quais possuem prioridade absoluta, de acordo com o art. 227, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, determinando ser dever da família, da sociedade e do estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, o qual é reiterado em todos os seus termos no art. 4° do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990.[210]

A nossa problemática é a de procurarmos justificarmos o direito de todos a um meio ambiente saudável, à educação e à saúde, em suma, ao Desenvolvimento Sustentável. Para respondermos esta questão de maneira satisfatória, sob ótica da hermenêutica constitucional, somente com a aplicação do princípio do mínimo existencial ou mínimo social, cujo principal defensor é John Rawls. Na visão deste renomado jurista deve ser formulado um procedimento eqüitativo de oportunidades, conduzidoras, nos termos das suas afirmações, a resultados justos ou menos injustos, o qual garantiria para cada homem, um conjunto mínimo de condições materiais para sua existência, vez que é diferente a situação sócio-econômica de cada cidadão. [211]

Merece destacarmos a questão da prevalência da norma de direito humano fundamental como critério de solução de colidência. O reconhecimento do caráter humanitário fundamental do direito à sadia qualidade de vida leva à prevalência da norma que mais favoreça o direito fundamental ao meio ambiente em caso eventual colisão entre regras e princípios de tratados ou convenções internacionais relativas ao meio ambiente e normas de direito interno relativas ao tema, como corolário da própria natureza jurídica dos direitos humanos. [212]

A preferência é da norma mais favorável às vitimas, seja ela norma de direito internacional ou de direito interno. Este e aquele aqui devem interagir em prol dos seres protegidos. É a solução mais adequada devidamente expressa em diversos tratados de direito humanos, de maior relevância por suas implicações práticas.

Este autor influenciou, sobremaneira, a doutrina pátria, não encontrando, ainda, respaldo jurisprudencial, em virtude da prevalência da doutrina da reserva do possível, conforme demonstrado alhures. Podemos citar novamente o escólio de Ana Paula de Barcellos que, inspirada nas lições de John Rawls, pugna pela efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana para todas as pessoas, independente de idade, cabendo ao estado, num primeiro momento, ofertar um mínimo social existencial, garantidor de uma existência digna, consubstanciado em um núcleo com um conteúdo básico. “Esse núcleo, no tocante aos elementos materiais da dignidade, é composto de um mínimo existencial, que consiste em um conjunto de prestações materiais mínimas sem as quais se poderá afirmar que o indivíduo se encontra em situação de indignidade”. A renomada autora chega à conclusão de que o mínimo existencial para o nosso País deve conter: educação fundamental, saúde básica, acesso à justiça e assistência aos desamparados, este último, englobando alimentação, vestuário e abrigo. [213]

Existe, no nosso ordenamento jurídico, inclusive, previsão normativa sobre o mínimo existencial. Nesse sentido, vale mencionar o art. 1º. da Lei n º. 8.742 de 7 de dezembro de 1993 que trata da assistência social: “A assistência social, direito do cidadão e dever do estado, é política de seguridade social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.” [214]

Quando falamos da Teoria do Mínimo Existencial, podemos delimitar claramente duas vertentes, uma garantística e outra prestacional. Com efeito, o aspecto garantístico impede qualquer agressão do direito, pois, requer que sejam cedidos outros direitos ou deveres, como o pagamento de tributos, para que ocorra a garantia de meios possíveis de satisfazes condições mínimas de vivência digna da pessoa ou da sua família. Neste sentido, o mínimo existencial faz com que o Estado esteja vinculado ao particular.

Por outro lado, a feição prestacional possui o caráter de direito social, exigível diante do estado. Em tais situações, não podemos quantificar o quantum dos direitos sociais é suficiente para cumprir os desideratos do Estado Democrático de Direito, em consonância com uma igualdade substantiva, consubstanciada no desenvolvimento de condições dignas de vida e pela sua progressiva e almejada melhoria.

A questão do mínimo existencial suscita diversas controvérsias como, por exemplo, a conceituação, a identificação de quais prestações são indispensáveis para a manutenção de uma vida digna, a função do Estado na promoção e proteção do mínimo existencial, dentre outros. Esta problemática tem como desiderato principal o papel do direito diante da falta de recursos trazendo à tona indagações se a escassez de bens ou a necessidade, sem a devida satisfação das carências de diversas pessoas, podem resolver com a intervenção do direito na forma de direitos fundamentais ou não?

A cada dia por intermédio do exercício do direito de cidadania, o Poder Judiciário é acionado cada vez mais devido à necessidade de decidir sobre questões envolvendo os direitos sociais. Não existe jurisprudência sedimentada acerca do mínimo existencial no aspecto prestacional. Merece relevo a decisão proferida pelo relator Ministro Celso Mello em sede da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 45 MC/DF, promovida contra o veto presidencial sobre o § 2º. do art. 55 (renumerado para art. 59), de proposição legislativa que se converteu na Lei n º. 10.707, de 30 de julho de 2003 (LDO), destinada a fixar as diretrizes pertinentes à elaboração da lei orçamentária anual de 2004. Embora a ação tenha sido julgada prejudicada em virtude da perda superveniente do objeto devido à edição da Lei mencionada, o relator posiciona-se em relação à idoneidade da mesma para viabilizar a concretização de políticas públicas, quando, previstas no texto constitucional (no caso EC nº. 29/00) venham a ser descumpridas, total ou parcialmente, pelas instâncias governamentais destinatárias do comando. Invoca inclusive a importância do papel conferido ao Supremo Tribunal Federal no exercício da jurisdição constitucional de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais. Assim, mesmo com as limitações em torno da cláusula da reserva do possível, existe a necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo essencial que constitui o mínimo vital. [215]

Portanto, dentro desta mesma ótica de pensamento, o direito ao meio ambiente sadio é um direito fundamental, assim como o direito ao Desenvolvimento Sustentável, não estando sob a égide da reserva do possível, a teor do artigo 5º, parágrafo 2º, combinado com o artigo 225, caput, ambos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, consistindo o núcleo denominado “mínimo existencial”, por ser inserido dentro do conceito fundamental da dignidade da pessoa humana, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, artigo 1º, inciso III.

5.  COLISÃO DE DIREITOS E PONDERAÇÕES DE BENS

Existem, em termos de Constituição, princípios que se colidem. Ou seja, em determinados casos concretos, é comum, que mais de um princípio possa ser aplicado, e que os princípios aplicados sejam contrários.  A solução para essa situação é por intermédio da aplicação do denominado princípio da proporcionalidade, com a prevalência do princípio que regerá o caso concreto. Merece ser ressaltado que não existe hierarquia normativa entre princípios. Poder-se-ia verificar uma distinção valorativa, axiológica, mas não uma hierarquização normativa, isso se levarmos em consideração que todas as normas constitucionais se encontram no mesmo patamar, e não se pode pretender atribuir a um princípio superioridade apriorística, em relação a outro princípio, por força de algum valor relevante que no primeiro se vislumbre. [216]

No casso difíceis utilizamos uma técnica de decisão jurídica, denominada de ponderação de valores, interesse, bens ou normas, que envolve a aplicação de princípios (ou, excepcionalmente, de regras) que se encontram em linha de colisão, apontando soluções, diversas e contraditórias para a questão. O raciocínio ponderativo, que ainda busca parâmetros de maior objetividade, inclui a seleção das normas e dos fatos relevantes, com a atribuição de pesos aos diversos elementos em disputa, em um mecanismo de concessões recíprocas que procura preservar, na maior intensidade possível, os valores contrapostos. [217]

A jurisprudência produzida a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 tem progressivamente se servido da teoria dos princípios, da ponderação de valores e da argumentação. Começa a ganhar densidade jurídica e a servir de fundamento para decisões judiciais o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Ao lado dele, o princípio instrumental da razoabilidade funciona como a justa medida de aplicação de qualquer norma, tanto na ponderação feita entre princípios quando na dosagem dos efeitos das regras. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 tem sido valiosa aliada do processo histórico de superação da ilegitimidade renitente do poder político, da atávica falta de efetividade das normas constitucionais e da crônica instabilidade institucional brasileira. Sua interpretação criativa, mas comprometida com a boa Dogmática Jurídica, tem-se beneficiado de uma teoria constitucional de qualidade e progressista. No Brasil o discurso jurídico, para desfrutar da legitimidade histórica, precisa ter compromisso com a transformação das estruturas, a emancipação das pessoas, a tolerância política e o avanço social. [218]

O insigne mestre Robert Alexy, em análise fundamentada dos diversos princípios insertos no texto constitucional pátrio, denominou de colisão de direitos, a situações práticas porventura existentes, quando ao aplicarmos determinado direito fundamental, na sua forma positiva, gera uma negativa a outros titulares de direitos fundamentais[219]. Ora, Robert Alexy solucionou esta questão, por intermédio da sua Teoria dos Direitos Fundamentais, passando a considerar os princípios como ‘mandados de otimização’, os quais podem ser cumpridos em diferentes graus, de acordo com as possibilidades reais e jurídicas sendo, portanto, possível existir uma ponderação entre princípios, onde um princípio poderá ser aplicado em menor grau do que outro princípio. [220]

Ainda sobre a ponderação, asseverava Robert Alexy que ela deve ocorrer em três momentos: “Na primeira fase deve ser determinada à intensidade da intervenção. Na segunda fase se trata, então, da importância das razões que justificam a intervenção. Somente na terceira fase sucede, então, a ponderação no sentido estrito e próprio”. [221]

O Tribunal Constitucional Federal Alemão há muito tempo faz uso da técnica da ponderação com o desiderato de solucionar casos de embate entre direitos fundamentais, cujo exemplo bastante elucidativo é o “caso Lebach”, que foi objeto de comentário por Robert Alexy. A litigância dizia respeito ao desejo de uma emissora de televisão de exibir um filme-documentário sobre o assassinato de soldados em Lebach, crime que assumira trágicas proporções e repercussão no país e que consubstanciara na morte de quatro soldados do Exército Federal, que prestavam serviço em um depósito de munições próximo a Lebach. [222]

A prática do crime ocorreu enquanto as vítimas dormiam e visava à subtração de armas do local, as quais seriam utilizadas para a prática de outros crimes. Um dos cúmplices do crime, que havia sido condenado e estava prestes a deixar a prisão, considerou que a exibição do documentário, no qual era nominalmente identificado e tinha sua fotografia exibida, violaria seus direitos à honra e à privacidade, além de em muito dificultar a sua ressocialização. Nas instâncias inferiores a sua pretensão foi negada, com fundamento nos direitos à informação e à liberdade de imprensa, denegando a pretensão de que fosse proibida a divulgação do filme, tendo sido apresentado recurso à Corte Constitucional. Após a realização de ampla instrução, na qual foram inquiridos diversos especialistas em criminologia, comunicação social e psicologia, o Tribunal Constitucional, ao apreciar a questão, equacionou o litígio em três vertentes. [223]

Na primeira, visualizou o conflito existente entre a proteção da personalidade e o direito à informação, ambas amparadas pela Lei Fundamental. Enquanto o primeiro princípio, por si só, conduziria à vedação da transmissão, o segundo permitiria. Entretanto, como os dois princípios tinham mesmo valor, nenhum dos dois princípios prevaleceu sobre o outro, não sendo possível declarar a invalidez de qualquer deles, a identificação do interesse que deveria prevalecer seria realizada a partir da ponderação das circunstâncias do caso concreto. Após a identificação da colisão de princípios, o Tribunal, em uma segunda etapa, concluiu pela precedência geral da liberdade de imprensa quanto à informação sobre fatos criminosos contemporâneos à sua veiculação. Essa prevalência geral, no entanto, não é intangível, pois nem todas as informações atuais poderão ser livremente expostas, sendo admitidas exceções, de acordo com a situação concreta. A Corte Constitucional, ao final, decidiu que a repetição de informações sobre um crime há muito cometido, e que já não correspondia aos interesses atuais de informação, comprometia a ressocialização do autor, o que fez com que a proteção da personalidade, no caso, tivesse precedência sobre a liberdade de imprensa. [224]

Em outra oportunidade, observou Alexy que essa estrutura elementar mostra o que céticos, acerca da ponderação, radicais como, por exemplo, Schlink, devem contestar, quando asseveram que nos exames da proporcionalidade em sentido estrito somente a subjetividade do examinador teria efeito e que as operações de valoração e ponderação do exame da proporcionalidade em sentido estrito deveriam ser efetuadas somente por decisão não-fundamentada. Na visão de Alexy, eles devem contestar que sentenças racionais sobre intensidades de intervenção e graus de importância são possíveis. Pois bem, mas facilmente se deixam encontrar exemplos, nos quais tais sentenças sem mais podem ser tomadas. Assim, é dever dos produtores de artigos de tabacaria colocar em seus produtos menção a perigos à saúde - uma intervenção relativamente leve na liberdade de profissão. Uma intervenção grave seria, pelo contrário, uma vedação integral de todos os produtos de tabacaria. No meio disso deixam-se classificar casos de intensidade de intervenção mediana. Dessa forma, nasce uma escala com os graus leve, médio e grave. O exemplo mostra que associações válidas a esses graus são possíveis. O mesmo vale para as razões em sentido contrário. Os perigos à saúde unidos ao fumo são altos. As razões de intervenção pesam, por conseguinte, gravemente. Se, desse modo, está determinada a intensidade da intervenção como leve e o grau de importância da razão de intervenção como alto, então o resultado da ponderação, como o tribunal constitucional federal observa em sua decisão sobre alusão à advertência, é 'manifesto' (BverfGE 95, 173, 187). A razão de intervenção grave justifica a intervenção leve. [225]

Contudo, não é suficiente no processo de hermenêutica constitucional aplicar, unicamente, as teorias dos direitos fundamentais e da ponderação de princípios, por serem elas incapazes de responderem de maneira satisfatória, a ponderação de princípios de mesmo conteúdo com destinação específica à proteção ao meio ambiente e ao desenvolvimento nas suas diversas acepções, pois não obstante a grande proteção constitucional do meio ambiente, muitas vezes na prática prevalece o desenvolvimento, no seu viés, mais prejudicial ao meio ambiente, que é o econômico, em detrimento do desenvolvimento sustentável, o qual inclui o aspecto ambiental, humano e social. Devemos partir do pressuposto na aplicação destas teorias que o meio ambiente está sob a égide de proteção do mínimo existencial, não da reserva do possível.

Este equívoco na aplicação destas teorias no caso concreto, ocorre devido à valoração por parte dos julgadores, de maneira errônea, dos diferentes graus de intervenção, o que faz com que a aplicação milimétrica da técnica da colisão e ponderação de princípios, seja errada, prejudicando bens que deveriam ser protegidos.

Diante deste quadro, merece destacarmos que as decisões judiciais nas searas ambientais, devem ser precedidas de instrução diferenciada[226], com a realização de amplo debate da sociedade sobre o caso, por meio de audiências públicas, com a oitiva de técnicos especializados nas diversas searas, para poder subsidiar o processo de auferição dos graus de intervenção e prevalência dos princípios, no caso concreto. [227]

6.O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL             

O Postulado Constitucional do Desenvolvimento Sustentável é previsto na ADI-MC 3540/DF, medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade, cujo relator é o Ministro Celso de Melo, com julgamento no dia 1º. de setembro de 2005. [228]

O princípio constitucional do Desenvolvimento Sustentável tem por conteúdo a manutenção das bases vitais da produção e produção do homem e de suas atividades, garantindo igualmente uma relação satisfatória entre os homens e destes com seu ambiente, para que futuras gerações também tenham a oportunidade de desfrutar os mesmos recursos que temos hoje à nossa disposição. Vale dizer, o princípio do Desenvolvimento Sustentável visa compartilhar a atuação da economia com a preservação do meio ambiente. [229] Este princípio sintetiza um dos mais importantes pilares da temática jus-ambiental, compondo o núcleo essencial de todos os esforços empreendidos na construção de um quadro de desenvolvimento social menos adverso e de um cenário de distribuição de riquezas mais equânime. Numa visão eco-integradora, trata-se de estabelecer um liame entre o direito ao desenvolvimento, em todas as suas dimensões (humana, física, econômica, política, cultural, social) e o direito a um ambiente sadio, edificando condições para que a humanidade possa projetar o seu amanhã. [230]

O princípio constitucional do Desenvolvimento Sustentável vem da fusão de dois grandes princípios jurídicos: o do direito ao desenvolvimento e o da preservação do meio ambiente. [231] O Desenvolvimento Sustentável deve ser visto como um princípio norteador das diversas políticas públicas estatais, em todas as searas, educação, saúde, desenvolvimento, meio ambiente, em suma, abranger e permear toda a concepção do próprio estado. Nunca deve ocorrer a simples restrição deste princípio aos aspectos econômicos e ambientais.

Com efeito, podemos asseverar que no nosso País, inexiste enunciado normativo que cristalize com perfeição o Desenvolvimento Sustentável. Este deve ser compreendido e efetivado pela atividade interpretativa das normas postas no ordenamento jurídico pátrio e internacional, pois podemos afirmar que o Desenvolvimento Sustentável é um direito fundamental internacional de amplitude universal. Desta maneira, todo o ordenamento jurídico deve ser interpretado na defesa do Desenvolvimento Sustentável e qualquer interpretação ou enunciado contrário a sustentabilidade deve ser peremptoriamente expulso do ordenamento jurídico por inequívoca inconstitucionalidade.

O Desenvolvimento Sustentável exige da sociedade que suas necessidades sejam satisfeitas pelo aumento da produtividade e pela criação de oportunidades políticas, econômicas e sociais iguais para todos. Ele não deve por em risco a atmosfera, a água, o solo e os ecossistemas, fundamentais à vida na Terra. O Desenvolvimento Sustentável é um processo de mudança no qual o uso dos recursos naturais, as políticas econômicas, a dinâmica populacional e as estruturas institucionais estão em harmonia e reforçam o potencial atual e futuro para o progresso humano. Apesar de reconhecer que as atividades econômicas devem caber à iniciativa privada, a busca do Desenvolvimento Sustentável exigirá, sempre que necessário, a intervenção dos governos nos campos social, ambiental, econômico, de justiça e de ordem pública, de maneira a garantir democraticamente um mínimo de qualidade de vida. [232]

O Desenvolvimento Sustentável está intimamente ligado à teoria dos direitos fundamentais, vez que o crescimento econômico é fundamental para a existência digna do homem da mesma forma que a proteção e preservação dos recursos ambientais. Sendo contrário ao homem qualquer crescimento desvinculado da manutenção ambiental, devendo o desenvolvimento ser pautado por valores e princípios alicerçados nos elementos essenciais para a sobrevivência digna do homem. [233]

Estudiosos chegaram à conclusão de que o conceito de Desenvolvimento Sustentável dado pela comissão Brundttland no ano de 1987, precisava de mais elementos, pois era incompleto, devendo ser acrescentado neste conceito o seguinte [234]: definir com mais precisão sustentabilidade ecológica; alargar o leque de conceitos-chave que necessitam de acordo para a ecologia sustentável seja alcançada; continuar a explorar formas de desenvolver mais solidariamente valores éticos e ambientais; gerar modelos que prevêem a sustentabilidade para traduzir caminhos em ações efetivas; explorar rotas alternativas para a sustentabilidade.

Ignacy Sachs citado por Luiz Henrique Lima aponta cinco dimensões de sustentabilidade do ecodesenvolvimento: social, econômica, ecológica, espacial e cultural. Numa conceituação simplificada, o ecodesenvolvimento pode ser entendido como a transformação do desenvolvimento numa soma positiva com a natureza, baseando-se no tripé: justiça social, eficiência econômica e prudência ecológica. Por este entendimento, a qualidade social é medida pela melhoria do bem estar das populações despossuídas, e a qualidade ecológica pela solidariedade com as gerações futuras. [235]

A sustentabilidade social é entendida como um processo de desenvolvimento orientado pelo objetivo de construir outro tipo de sociedade, reduzindo as desigualdades sociais e abrangendo as necessidades materiais e não-materiais. [236]

A dimensão econômica da sustentabilidade é viabilizada por alocação e uma gestão mais eficiente dos recursos e está condicionada à superação de situações negativas hoje existentes, como a desigualdade nas relações econômicas entre os Hemisférios norte e o sul, afastadas pelo serviço da dúvida, relações de troca adversas protecionistas e barreiras tecnológicas. [237]

A sustentabilidade ecológica para ser alcançada deve abranger: a) a intensificação do uso de recursos potenciais dos vários ecossistemas para propósitos socialmente válidos; b) limitação do uso de combustíveis fósseis e outros facilmente esgotáveis ou prejudiciais ao meio ambiente e sua substituição por recursos renováveis ou abundantes e inofensivos ambientalmente; c) redução do volume de resíduos e de poluição, por meio de políticas de conservação e reciclagem; d) auto-limitação do consumo material pelos países ricos e pelas camadas sociais privilegiadas em todo o mundo; e) intensificação da pesquisa tecnológica limpa; f) definição das regras para uma adequada proteção ambiental, concepção dos aparelhos institucionais e escolha de instrumentos econômicos legais e administrativos necessários para seu cumprimento. [238]

A sustentabilidade espacial está associada ao equilíbrio na distribuição de atividades econômicas e assentamentos humanos no âmbito rural e urbano, de maneira a evitar concentração nas áreas metropolitanas, descentralizando a industrialização com ênfase em novas tecnologias - particularmente relacionadas à biomassa - e impedindo a destruição de ecossistemas frágeis, com promoção de projetos de agricultura regenerativa operados por pequenos produtores e estabelecimento de uma rede de reservas naturais e da biosfera, para proteger a biodiversidade. [239]

Por fim, a sustentabilidade cultural envolve o respeito às especificidades de cada ecossistema, cultural, local. Assim, os processos de mudança ocorrem no contexto de uma continuidade cultural e se traduzem numa pluralidade de soluções particulares. [240]

A sustentabilidade é um macro objetivo do Direito Ambiental a qual se propõe uma administração racional dos sistemas naturais, de modo que a base de apoio da vida seja repassada em condições iguais ou melhores às gerações futuras. Todos os julgamentos de valor que fundamenta a sustentabilidade incluem a prevenção de riscos, a eficiência e a eqüidade intergeracional, com o claro objetivo de assegurar uma produção sustentável, vale dizer, não-decrescente. Em síntese, na definição universalmente citada da World Commission on Environment and Development (“Comissão Brundland”), está inserida no relatório “O Nosso Futuro Comum” (our common future), Desenvolvimento Sustentável é aquele que satisfaz as necessidades do presente sem pôr em risco a capacidade das gerações futuras de terem suas próprias necessidades satisfeitas. Portanto o Desenvolvimento Sustentável é intrinsecamente, um problema intergeracional, pois, mais que referir-se à atual geração, justifica-se pelo anseio de garantir os interesses das gerações futuras. O direito ambiental, num primeiro afastamento do sistema jurídico tradicional, aceita que a tutela do meio ambiente não se faz em favor de um ou de poucos indivíduos, mas opera em benefício de todos eles; segundo, infringindo mais ainda os alicerces do paradigma clássico, reconhecer que a salvaguarda, coletiva e não individual, é supraindividual não só na perspectiva desta como também na das gerações futuras; é coletiva intergeracional. [241]

Compõe o cerne do conceito de Desenvolvimento Sustentável a idéia de que as presentes gerações não podem deixar para as futuras gerações uma herança de déficits ambientais ou do estoque de recursos e benefícios inferiores aos que receberam das gerações passadas. Para que tenhamos um desenvolvimento sustentável, é necessário que o dano ao meio ambiente seja compensado por medidas e projetos que agreguem algo em troca da natureza, de maneira que as gerações próximas encontrem um estoque de recursos pelo menos equivalente ao encontrado pelos atuais habitantes da Terra. A eqüidade intergeracional baseia-se, ainda, num modelo de confiança ou fidúcia. Como parceiras da Terra, cada geração tema responsabilildade de preservar os recursos naturais e a herança humana pelo menos no patamar que recebeu dos seus antepassados. [242]

7.  O PODER JUDICIÁRIO E A CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS                                         

Diversos direitos fundamentais exigem ações estatais que se projetam no tempo, não sendo suficientes meras abstenções do ente estatal. Isto ocorre com certeza com boa parte dos direitos sociais, econômicos e culturais, dos quais estão incluídos, por exemplo, as prestações de saúde, educação, habitação e as necessárias à garantia de acessibilidade urbana para as pessoas com dificuldade de locomoção. Nesta seara, as constituições hodiernas assumem um compromisso para o futuro, vinculando os poderes políticos, pois indicam pelo menos as metas e as diretrizes programáticas que devem ser obedecidas, se utilizando, contudo, de normas com alto grau de abstração, que não se detalham as condições de tempo, modo e lugar para a efetivação desses direitos, normas programáticas, deixando uma boa liberdade de conformação aos poderes políticos. [243]

Neste contexto, podemos asseverar que as policies podem ser entendidas como uma técnica de concretização particular de direitos fundamentais, que sequer se aplicam em escala progressiva de não existir a definição e a regular execução de programas estatais que, em muitos casos, são limitados constitucionalmente. Sendo assim, podemos chegar a uma primeira conclusão: a efetividade de diversos direitos fundamentais supõe o desenvolvimento de políticas públicas em consonância com as metas, objetivos e diretrizes constitucionais, que possuam caráter vinculante em relação aos poderes políticos, de modo que não podem passar despercebidos ao Direito. Devemos acrescer, ainda, que em tempos de neoconstitucionalismo, todos os direitos fundamentais exigem concretização, mesmo os que demandam gradual implementação das policies, o que não é incomum em matéria de direitos fundamentais. [244]

Por este motivo, tem-se que os estudos das políticas públicas são fortemente influenciados pelas premissas do neoconstitucionalismo, dentre elas: a) a supremacia e a força normativa da Constituição; b) a presença marcante da garantia jurisdicional; c) os traços da normatividade, superioridade e centralidade da Constituição; d) a incorporação de valores e opções políticas ligados aos direitos fundamentais, notadamente no que diz respeito à promoção da dignidade humana; e) a expansão dos conflitos constitucionais específicos e gerais entre as opções normativas e filosóficas existentes dentro do próprio sistema constitucional. Tudo isso sob a ótica de uma hermenêutica concretizante dos direitos fundamentais e das modificações recentes na teoria constitucional. [245]

A particularidade do neoconstitucionalismo consiste em que, consolidadas essas premissas na esfera teórica, cabe agora concretizá-las, mediante a elaboração de técnicas jurídicas que possam ser utilizadas no dia-a-dia da aplicação do direito. O neoconstitucionalismo vive essa passagem do teórico ao concreto, de feérica, instável e em muitos momentos inacabada construção de instrumentos por meio dos quais se poderão transformar os ideais da normatividade, superioridade e centralidade da Constituição em técnica dogmaticamente consistente e utilizável na prática jurídica. Diante deste contexto se inserem, por exemplo, as discussões sobre a eficácia jurídica dos princípios constitucionais, as possibilidade de controle das omissões inconstitucionais e os diversos estudos que procuram compreender e interpretar a legislação ordinária a partir do texto constitucional, como acontece de maneira especialmente marcante com o direito civil, o direito penal e o direito processual. [246]

Merece ser destacado que além dos conflitos específicos, o neoconstitucionalismo convive, ainda, com um conflito de caráter geral, que diz respeito ao próprio papel da Constituição. Trata-se da oposição entre duas idéias diversas acerca desse ponto. A primeira dela sustenta que cabe à Constituição impor ao cenário político um conjunto de decisões valorativas que se consideram essenciais e consensuais. Essa primeira concepção pode ser descrita, por simplicidade, como substancialista. Um grupo importante de autores, no entanto, sustenta que apenas cabe à Constituição garantir o funcionamento adequado do sistema de participação democrático, ficando a cargo da maioria, em cada momento histórico, a definição de seus valores e de suas opções políticas. Nenhuma geração poderia impor à seguinte suas próprias convicções materiais. Esta segunda forma de visualizar a Constituição pode ser designada de procedimentalismo. [247]

É bem de ver que o conflito substancialismo versus procedimentalismo não opõe realmente duas idéias antagônicas ou totalmente inconciliáveis. O procedimentalismo, em suas diferentes vertentes, reconhece que o funcionamento do sistema de deliberações democráticas exige a observância de determinadas condições, que podem ser descritas como opções materiais e se reconduzem a opções valorativas ou políticas. Com efeito, não haverá deliberação majoritária minimamente consciente e consistente sem respeito aos direitos fundamentais dos participantes do processo deliberativo, o que inclui a garantia das liberdades individuais e de determinadas condições materiais indispensáveis ao exercício da cidadania. Em outras palavras, o sistema de diálogo democrático não tem como funcionar de maneira minimamente adequada se as pessoas não tiveram condições de dignidade ou se seus direitos, ao menos em patamares mínimos não forem respeitados. Esse conflito, longe de ser apenas um debate de interesse acadêmico, afeta a concepção do aplicador do direito acerca do sentido e da extensão do texto constitucional que lhe cabe interpretar e, a fortiori, repercute sobre a interpretação jurídica como um todo. É fácil perceber que uma visão fortemente substancialista tenderá a justificar um controle de constitucionalidade mais rigoroso e abrangente dos atos e normas produzidos no âmbito do estado, ao passo que uma percepção procedimentalista conduz a uma postura mais deferente acerca das decisões dos Poderes Públicos. [248]

Assim, para a compreensão das políticas públicas é essencial compreender-se o regime das finanças públicas. E para compreender estas últimas, é preciso inseri-las nos princípios constitucionais que estão além dos limites do poder de tributar. Elas precisam estar inseridas no direito que o Estado recebeu de planejar não apenas suas contas, mas de planejar o desenvolvimento nacional, que incluiu e exige a efetivação de condições de exercício dos direitos sociais pelos cidadãos brasileiros. Sendo assim, o Estado não somente deve planejar seu orçamento atual, mas também suas despesas de capital e programa de duração continuada. As políticas públicas são um conjunto heterogêneo de medidas do ponto de vista jurídico, como já mencionado. Envolvem elaboração de leis programáticas, portanto, de orçamentos de despesas e receitas públicas. Para além disso existem os atos concretos de execução destas políticas, normalmente exercidos por órgãos administrativos centralizados e descentralizados (autarquias e empresas públicas), sem contar o poder de polícia, exercido por antecipação (na forma de autorizações e licenças) ou posteriormente (na forma de fiscalização). [249]

Como é amplamente corrente, a promoção e a proteção dos direitos fundamentais exigem omissões e ações estatais. A liberdade de expressão será substancialmente protegida na medida em que o poder público não procure cerceá-los ou submetê-la de alguma maneira. A omissão, nesse caso, será fundamental. Quando se trate de direitos relacionados, com a aquisição de educação formal, prestações de saúde ou condições habitacionais, a situação é bastante diversa, já que a promoção de tais direitos depende de ações por parte do poder público. O ponto é demasiado conhecido e não há necessidade de discorrer sobre ele, salvo por um aspecto fundamental: as ações estatais capazes de realizar os direitos fundamentais em questão envolvem, em última análise, decisões acerca do dispêndio de recursos públicos. [250]

As atividades legislativas e jurisdicionais envolvem, por natural, a aplicação da Constituição e o cumprimento de suas normas. O legislador cuida de disciplinar os temas mais variados de acordo com os princípios constitucionais. O magistrado, por seu turno, estará, sempre aplicando a Constituição, direta ou indiretamente, já que a incidência de qualquer norma jurídica será precedida do exame de sua própria constitucionalidade e deve se dar da maneira que melhor realize os fins constitucionais. Ocorre que as decisões judiciais produzem como regra, efeitos apenas pontuais, entre as partes, e a legislação depende de atos de execução para tornar-se realidade. [251]

É primordial para a firmação de um liame entre o fato concreto e a norma quase abstrata, a sensibilidade do exegeta. Com efeito, a norma jurídica é um ser lógico, traçando a pauta comportamental dos súditos do Estado ou da entidade que a proclama, sempre dotada de coercibilidade, quiçá de coercitividade. Por fim, a norma jurídica de caráter constitucional, mercê de arcabouçar o Estado, liga este ao Cidadão, servindo ainda de lastro e referencial ao ordenamento jurídico infraconstitucional.[252]

Diante desta conjuntura, compete à Administração Pública efetivar os comandos gerais contidos na ordem jurídica e, para isso, cabe-lhe implementar ações e programas dos mais diferentes tipos, garantir a prestação de determinados serviços etc. esse conjunto de atividades pode ser identificado como políticas públicas. É fácil perceber que apenas por meio das políticas públicas o Estado poderá, de maneira sistemática e abrangente, realizar os fins previstos na Constituição (e muitas vezes detalhados pelo legislador) sobretudo no que diz respeito aos direitos fundamentais que dependam de ações para sua promoção. [253]

As políticas públicas envolvem gastos. Como não há recursos ilimitados, será preciso priorizar e escolher em que o dinheiro público disponível será investido. Essas escolhas, portanto, recebem a influência direta das opções constitucionais sobre os objetivos que devem ser alcançados em caráter prioritário. Ou seja, as escolhas em matéria de gastos públicos não constituem um tema integralmente reservado à deliberação política, ao contrário, o ponto recebe importante incidência de normas jurídicas constitucionais. Na realidade, o conjunto de gastos do Estado é exatamente o momento no qual a realização dos fins constitucionais poderá e deverá ocorrer. Dependendo das escolhas formuladas em concreto pelo poder público, a cada ano, esses fins poderão ser mais ou menos atingidos, de forma mais ou menos eficiente, ou poderão mesmo não chegar sequer a avançar minimante. [254]

A construção do controle das políticas públicas depende do desenvolvimento teórico de três temas: i) a identificação dos parâmetros de controle; ii) a garantia de acesso à informação; e iii) a elaboração dos instrumentos de controle. Assim, em primeiro lugar, é necessário definir, a partir das disposições constitucionais, que tratam da dignidade humana e dos direitos fundamentais, o que o poder público está efetiva e especificamente obrigado a fazer em caráter prioritário; isto é, trata-se de construir parâmetros constitucionais que viabilizem o controle. O segundo tema diz respeito à obtenção de informações sobre os recursos públicos disponíveis, da previsão orçamentária e da execução orçamentária. O terceiro tema, por sua vez, envolve o desenvolvimento de conseqüências jurídicas a serem aplicadas na hipótese de violação dos parâmetros construídos, seja para impor sua observância, para punir o infrator ou para impedir que atos praticados em violação dos parâmetros produzam efeitos. [255]

As sentenças aditivas, ou adjuntivas, são as utilizadas quando uma disposição tem uma carga normativa inferior àquela que, constitucionalmente, deveria possuir. A corte constitucional intervém nestes casos declarando inconstitucional a disposição na parte na qual não prevê algo, pretendendo que este conteúdo normativo ulterior seja introduzido no ordenamento, não obstante em presença de um texto que mesmo depois da sentença da corte não é de per si idôneo a exprimi-lo. [256]

No que concerne aos empecilhos apostos às decisões aditivas, ressalte-se que o principal deles pode ser sintetizado por meio de uma inadmissível invasão do campo destinado ao atuar do legislador. Em suma, não parece possível sair deste dilema: se a norma está presente no sistema, compete aos juízes (todos os juízes) extraí-la; caso não exista, compete ao legislador (somente ao legislador) estabelecê-la. Intervindo, ao invés, a corte constitucional, no primeiro caso, viola a esfera de competência dos juízes; no segundo caso, a do legislador. [257]

A partir da consideração da Constituição como autêntica norma jurídica, em vez de mero compromisso ocasional de grupos políticos, não se pode negar a justiça constitucional como formidável instrumento de integração política e social da coletividade, atuando para que aquela constitua uma ordem a serviço da justiça e da dignidade dos homens. Sustendo seus argumentos, afirma que foi justamente o labor criativo e adaptador, suficientemente expressivo nos Estados Unidos, o traço a afiançar a sobrevivência da Constituição de 1787 por mais de dois séculos (ou, como poderíamos agregar, para uma maior ênfase, da luz de vela à sociedade da informática), enquanto a hostilidade francesa à jurisdição constitucional acarretou o contraste da promulgação de quinze constituições no mesmo período de tempo. Por isso, a justiça constitucional é o instrumento através do qual o fundamental law, o pacto social constitucional retém e atualiza toda sua virtualidade e eficácia. [258]

Devemos salientar que, a técnica das sentenças aditivas a qual é usada no instante em que existe uma lacuna legislativa, obriga ao juiz o dever de oferecer a única solução constitucionalmente aceita não devendo ser confundida com as sentenças substitutivas ou manipuladoras. Deve ser salientado que a sentença aditiva, no bojo da interpretação conforme a Constituição e do princípio da conservação dos atos jurídicos, vai além da mera interpretação de cunho declarativo, para aduzir um conteúdo integrativo com a finalidade de colmatar o texto legal validado. [259] Por outro lado, as sentenças substitutivas introduzem componente normativo vital para a preservação da norma impugnada com a Constituição, a partir de declaração de inconstitucionalidade. [260]

Na lição de Lourival Vilanova onde existe uma relação social, por mínima e estável que seja surgem regras. O normativo permeia todo o tecido social. Existem relações de poder na família primitiva, regrada, normativamente por modos de manifestação sacral, mítica, de usos e costumes. O grau de politização de uma sociedade corresponde ao grau de juridicização. Com efeito, um fenômeno geral no processo de poder é sua tendência intrínseca para se desprender da pessoa que o exerce. Podemos asseverar que política e poder se implicam como se implicam política e direito. A política é a objetivação impersonalizada, em algum grau do poder. É uma formação específica; por isso todo poder, que é relação social, é político. Há o poder sacral, poder econômico, o poder militar, poder de grupos não-políticos.[261]

A prática jurídica é um exercício de interpretação, não apenas quando os juristas interpretam documentos ou leis específicas, mas de modo geral. O direito, assim concebido, é profunda e inteiramente político, juristas e juízes não podem evitar a política no sentido amplo da teoria política. Mas o direito não é uma questão de política pessoal ou partidária, e uma crítica do direito que não compreenda essa diferença fornecerá uma compreensão pobre e uma orientação, mais pobre ainda. Pode ocorrer a melhora da nossa compreensão do direito comparando a interpretação jurídica com a interpretação em outros campos do conhecimento, especialmente a literatura. Com efeito, o direito, sendo mais bem compreendido, propiciará um entendimento melhor do que a interpretação em geral. [262]

Nada obstante o fato da atual Carta Magna não ter recepcionado, em toda a sua pureza, o princípio montesquiano da divisão de poderes, vez que os Poderes Constitucionais exercem não só suas atribuições específicas e primordiais, mas, subsidiariamente, atribuições privativas de outros Poderes, como nos casos das CPI (em relação ao Poder Judiciário) e medidas provisórias (em relação ao Poder Legislativo), sempre quando se promove uma ação civil pública cujo objeto é uma obrigação de fazer ou não fazer, surge a polêmica sobre a ingerência indevida na Administração Pública por ato judicial.

De fato, assim como a ação civil pública não pode ser o remédio para todos os males na Administração Pública reclamados pela coletividade, o juiz não pode ilegalmente interferir na gestão do Órgão Estatal, sob pena de ferir o princípio da separação de poderes insculpido no art. 2° da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Entretanto, não se pode olvidar que com o surgimento do Estado social e dos direitos a ele inerentes, surge também um processo de garantia desse direito, com a criação de mecanismos judiciais para seu efetivo exercício. Esse processo, denominado de politização do judiciário, transformou a tutela jurisdicional de interesses privados, que ocorria na maior parte dos casos, para uma tutela de revalidação, legitimação ou de instância recursal das decisões políticas, em que o Juiz agora também é chamado para preencher o conteúdo das normas constitucionais, como a do art. 150, caput da Constituição Estadual, no qual prevê que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo, e de harmonizá-lo, racionalmente, com as necessidades do desenvolvimento sócio-econômico, para as presentes e futuras gerações”.

Conforme lição de Ruy Rosado de Aguiar Júnior, o juiz não é servo da lei, nem escravo de sua vontade, mas submetido ao ordenamento jurídico vigente, sendo este um sistema aberto afeiçoado aos fins e valores que a sociedade quer atingir e preservar, no pressuposto indeclinável de que essa ordem aspira a justiça. E mais, o interprete não é ser solto no espaço, liberto de todas as peias, capaz de pôr a ordem jurídica entre parênteses. Sua atuação funda-se nesta, fazendo-a viva no caso concreto. Inserido no ambiente social onde vive tem o dever de perceber e preservar os valores sociais imanentes dessa comunidade, tratando de realizá-los. [263]

O Poder Judiciário, assim, passou a ser uma verdadeira válvula de escape para o autoritarismo legislativo e administrativo, em desrespeito aos ditames constitucionais e, em especial, aos direitos fundamentais do cidadão. Não se trata, portanto, de substituição do Poder Legislativo ou executivo pelo Poder Judiciário e Ministério Público, nas palavras de Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, mas sim, de cumprimento da Constituição e de interpretação de suas normas, contornando os limites do poder normativo e discricionariedades a eles inerentes. [264]

Na seara ambiental, observamos que os textos da Constituição Federal e Estaduais brasileiras apontam claramente na direção da progressiva proteção ambiental, o judiciário, em princípio, deve ter a maior cautela em anular atos administrativos ou contrariar os efeitos de medidas que se dirigem contra degradações e poluição do meio ambiente. Isto significa também que, caso o órgão administrativo ambiental já tenha enquadrado uma atividade como poluidora ou lesiva ao meio ambiente, o Judiciário deve reformar tal decisão somente quando ela seja manifestamente insustentável. [265]

Na área ambiental existe previsão constitucional, art. 225, caput, clara no sentido de determinar que o poder público tenha o poder-dever de defender o meio ambiente, incluindo-se, no §1º. do citado artigo, diversas incumbências ao poder público para a efetividade desse direito. O Poder Judiciário, portanto, deve controlar a atuação da administração pública na área ambiental, inclusive quando o administrador alega como motivo para a sua não atuação, a discricionariedade administrativa. É bastante natural uma ampliação do papel do Poder Judiciário enquanto realizador do direito. [266]

Continuando, ainda, seu escólio Andreas J. Krell assevera que a justificada cobrança de um controle mais efetivo dos atos administrativos, a ser exercido pelos tribunais em defesa dos direitos e garantias fundamentais, não deve chegar ao ponto de se atribuir todo o poder aos juízes, sendo ingênuo pensar que as relações de poder econômico e político estratificadas numa sociedade, ainda periférica e a falta de qualificação profissional não se reproduziriam também no âmbito do Terceiro Poder. Na seara ambiental, caracterizada por alta sensibilidade política e econômica, faz-se necessário um ajustamento específico da intensidade do controle jurisdicional dos atos administrativos. As normas legais de defesa ecológica normalmente empregam conceitos indeterminados que exigem, para a sua aplicação, juízes técnicos especializados, valorativos e de prognose. [267]

Na realidade, o Estado constitucional exige uma redefinição do papel do poder judiciário, porquanto, com a evolução do Estado das leis para o Estado das políticas públicas, resta ao Judiciário a função de assegurar a implementação dos direitos fundamentais e a progressiva marcha da sociedade para um ideal de justiça substancial. A judicialização das políticas públicas encontra seu fundamento na supremacia da Constituição, norma de caráter fundamental e superior a todos os poderes estatais. Ao efetuar o juízo de constitucionalidade de políticas públicas, o Judiciário acaba por desempenhar sua função precípua, qual seja garantir a prevalência da constituição.

 Luiza Cristina Fonseca Frischeisen lembra, ainda, os apontamentos de Sergio de Andréa Ferreira, no sentido de que por mais abstrato ou subjetivo que possa parecer um determinado padrão jurídico, cabe ao juiz dar-lhe sentido no caso concreto e, através disso, controlar a legitimidade do ato, a discricionariedade lesiva, a omissão, a ameaça, tudo isso traduzindo uma imensa ampliação dos poderes jurisdicionais em relação aos Poderes Públicos. É certo que o juiz não vai substituir ao legislador, ao administrador, no núcleo do poder discricionário. Mas não o estará fazendo se verificar que, diante de uma aparente legalidade extrínseca, na verdade esteja em face de uma grande injustiça, de um procedimento administrativo desarrazoado, ilógico, contrário à técnica, à economicidade, à logicidade, que são os parâmetros do controle jurisdicional, neste campo específico da chamada legitimidade.[268]

A distinção entre o controle de legitimidade do ato e substituição do Poder Executivo pelo Poder Judiciário é bastante sutil. Sendo assim, veda-se ao juiz a estipulação de obrigações de conteúdo genérico, mais apropriadas para as atividades políticas e atuações discricionárias.

Neste sentido, conforme nos aponta José dos Santos Carvalho Filho, é juridicamente possível quando estiver preordenada à determinada situação completa, comissiva ou omissiva, causada pelo estado, da qual se origine a violação aos interesses coletivos ou difusos. Em contraposição, não se pode considerar possível juridicamente o objeto da ação se o autor postula que a decisão judicial, acolhendo a sua pretensão, condene ao cumprimento, de forma genérica, abstrata, inespecífica e indiscriminada, de obrigação de fazer ou não fazer. Assim, é possível, juridicamente, que o autor da ação civil pública pleiteie seja o município obrigado a efetuar reparos em certa sala de aula, em virtude de situação degenerativa que venha provocando ameaça à integridade física ou mesmo vida dos alunos que diuturnamente nela permaneçam. Já não teria possibilidade jurídica o objeto que pretendesse que o Estado fosse condenado a cumprir, genérica e indiscriminadamente, a obrigação de dar segurança pública a todos os cidadãos. Na primeira hipótese, o objeto é concreto e o interesse sob tutela é plenamente definido, ainda que não possamos identificar com precisão todos os seus titulares. Na última, ao contrário, a sentença, se acolhesse o pedido, estaria obviamente invadindo o poder de gestão da Administração, sabido que os serviços públicos coletivos reclamam vários requisitos, como recursos orçamentários, atendimentos aos planos de prioridade administrativa, criação de cargos públicos, realização de concursos, etc. A decisão, neste caso, estaria enveredando nas linhas de gestão própria dos Órgãos Administrativos. [269]

De fato, se um dano concreto estivesse praticado pelo Estado e o juiz não pudesse intervir, determinando sua correção e punindo os responsáveis, seria a negação do princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, expresso no inciso XXXV do art. 5° da Carta Magna: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

Concluindo, a escassez natural de recursos públicos não inibe a intervenção do Poder Judiciário sob o argumento da “reserva do possível” [270]. É que a situação de ameaça à vida e saúde dos interessados, enquadra-se no parâmetro existencial mínimo, permitindo a tutela imediata do juiz que poderá reconhecer, acaso devidamente demonstrado, que o critério adotado pela administração pode ser topicamente superado, em face da comprovada urgência de atendimento das políticas públicas nesta ação pleiteada, mesmo em detrimento de outras. Ao juiz incumbe a tarefa de efetivação dos direitos fundamentais, ainda que não seja exclusiva, preservando sempre os princípios da unidade da Constituição, sob o postulado da proporcionalidade. Àqueles que argumentam no sentido em que em tempos de crise até mesmo a garantia de direitos sociais mínimos poderia colocar em risco a necessária estabilidade econômica, impondo-se amarras ao Poder Judiciário, importa salientar, que justamente em tais circunstâncias uma proteção de posições jurídicas fundamentais na esfera social, por menor que seja, revela-se indispensável. [271]

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Sobre o autor
Ivanaldo Soares da Silva Júnior

Graduado em direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2001). Graduado em administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1995). Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2009). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas-RJ. Especialista em Direitos Fundamentais e Tutela Coletiva pela FESMP/RN e UNP. Especializando em Gestão Ambiental pelo Instituto Federal de Educação do RIo Grande do Norte. Atualmente é 1º Promotor de Justiça de terceira entrância do Ministério Público Estadual do Rio Grande do Norte da Comarca de Ceará-Mirim.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA JÚNIOR, Ivanaldo Soares. O princípio constitucional do desenvolvimento sustentável: análise da sua concretização no estado do Rio Grande do Norte. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3468, 29 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23345. Acesso em: 28 mar. 2024.

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