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A importância do conceito de mercado relevante na análise antitruste

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01/11/2001 às 01:00

Resumo:

Resumo


  • O documento discute a importância da intervenção estatal na economia para regular o mercado e preservar a livre concorrência, destacando a Lei Antitruste (Lei n.º 8.884/94) que estabelece normas para prevenir abusos e garantir a competição justa.

  • Aborda a definição e relevância do conceito de "mercado relevante" na aplicação da lei antitruste, essencial para entender as dinâmicas de mercado e avaliar práticas anticompetitivas ou fusões empresariais.

  • Explora a aplicação da análise econômica do direito como método para entender e regular as complexidades das estruturas de mercado, especialmente em contextos de concentração empresarial e práticas que podem limitar a concorrência.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

"Os conceitos sem os tipos são vazios.
Os tipos sem conceitos são cegos."

Kant


Sumário: 1. Introdução: Internacionalização e Defesa da Concorrência; 2. Estruturas de mercado; 3. Conceito de mercado relevante na Lei n.º 8.884, de 11 de junho de 1994; 4. Método da análise econômica do direito; 5. Mercado Relevante: Análises Estática contraposta à Análise Dinâmica; 6. Conclusões; Bibliografia


1.Introdução: Internacionalização e Defesa da Concorrência

O fortalecimento do capital e a organização das primeiras indústrias, agrupadas em torno de pequenos grupos detentores de fatores de produção e de meios de financiamento, marca o surgimento do modelo capitalista. Tal concepção se fundava no poder econômico privado, na defesa da propriedade privada, na dominação dos meios de produção por uma minoria e encontrava respaldo na doutrina liberal do laisse faire laissez passez que propugnava a maior liberdade possível para o jogo das forças de mercado, demanda e oferta. Acreditava-se que a intervenção estatal era prejudicial ao perfeito movimento da economia de um país e o ideal seria a livre atuação do mercado, no qual interagiam, de um lado, consumidores afoitos por satisfazer suas necessidades e de outro, os produtores, ofertantes de produtos para aquele mercado de fatores. Os primeiros, pressionando por x quantidades de um determinado bem, forçariam naturalmente os produtores, que face à demanda crescente – e o provável lucro daí advindo - incrementariam em y unidades a produção total. Assim, todos estariam satisfeitos e o mercado estaria "em equilíbrio", na linguagem dos economistas, como se fora guiado por uma "mão invisível", segundo Adam Smith. Os economistas clássicos acreditavam que, se houvesse um mercado descompensado, no caso o mercado de trabalho, em que oferta (de trabalhadores) excedesse a procura (por trabalhadores), o preço em tal mercado cairia causando equilíbrio entre a oferta e procura. No caso do mercado de trabalho, isto implicaria uma queda dos salários nominais. Caindo estes, os empresários aumentariam a demanda por trabalhadores e, consequentemente, a produção. A garantia de que esta produção adicional seria adquirida pelos agentes econômicos era dada pela crença dos economista clássicos no funcionamento da Lei de Say. Esta lei, estatuída em termos simples, dizia que a oferta cria sua própria procura. Ou seja, no caso, os trabalhadores recém-empregados iriam utilizar a renda gerada na produção adicional para comprá-la. Tal concepção, porém, não prevaleceu por muito tempo. A crise na economia mundial detonada pelo crack da Bolsa de Nova York em 1929 veio trazer uma depressão sem precedentes nos Estados Unidos e Europa. Da patente fragilidade das relações de mercado, agregado à sua crescente complexidade, o Estado começou a ser demandado por uma maior presença no mercado, no sentido, de intervir e normatizar as práticas dos agentes econômicos.

A intervenção estatal no mercado não é nova, porém ganha uma concepção moderna. Não se requer mais um Estado liberalizante nem de "Bem Estar Social", muito menos um Estado de economia planificada. Todavia, é crescente a demanda por intervenção com o escopo de garantir a soberania econômica nacional, a propriedade privada e a livre concorrência.

O Brasil não difere neste processo histórico de intervenção no mercado, a exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos e Europa por volta de 1929. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 abre um capítulo especial para nortear os novos valores e princípios gerais econômicos. A Constituição inaugura os fundamentos da participação e da relação dos agentes econômicos no mercado, a chamada Constituição Econômica. Especialmente no artigo 170, enquanto fundadora do próprio Estado, lança o princípio-objetivo da livre concorrência. É dever-poder do Estado criar condições e instrumentos eficientes para materializar a livre concorrência de mercado no Brasil. É neste sentido que surge a Lei 8.884 de 11/06/94, a Lei Antitruste.

Uma vez que o mercado se mostrou ineficiente para ajustar suas distorções, ficou a cargo do Estado disciplinar e limitar a atuação dos agentes econômicos visando a garantir o bem estar social. No Brasil, o principal diploma legal de regulação do mercado é a Lei 8.884/94, a Lei Antitruste. Este documento legal cria o CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica -, a SDE – Secretaria de Direito Econômico -, e institui as normas de infrações de mercado, o processo administrativo, o controle de atos que possam indicar práticas colusivas em detrimento do consumidor e do livre jogo das forças de mercado.

Todavia, o mundo dos fatos, às vezes, é por demais dinâmico e inovador que o ordenamento jurídico. As novas tecnologias, a desregulamentação e o processo de internacionalização exercem influência direta no dinamismo da economia. A globalização é fenômeno irreversível, entretanto carregada de problemas, marcada por volatilidade financeira, recessão, concentração do poder econômico e impasse nas negociações comerciais. "A globalização não é um tufão que não tenha cara ou perfil, mas uma atividade estratégica e neguentrópica de desorganização das economias nacionais, ainda não culturalmente alinhadas, para a conquista de novos mercados em modelos compatíveis com a otimização do Sistema Econômico Mundial (SEM), que tem suas raízes no Sistema Monetário Internacional (SMI), dos países que sustentam as hegemonias do capitalismo mundializador" (LEAL, Rosemiro Pereira). Há um debate na comunidade financeira internacional acerca do enriquecimento gradativo dos países que já são ricos em uma velocidade muito maior do que a melhoria da vida econômica e social dos países pobres, promovendo uma transferência de riquezas e recursos produtivos para as nações desenvolvidas num ritmo muito mais acelerado do que ocorria no passado. O próprio FMI – Fundo Monetário Internacional - órgão especializado da ONU (Organização das Nações Unidas) para supervisionar a política econômica de seus membros, pondo à sua disposição recursos financeiros para ajudar a reequilibrar suas balanças de pagamentos [01] – tem defendido a idéia de que os governos não podem, desprezar o combate à pobreza e que, se a globalização não for humanizada, a concentração do poder econômico em detrimento dos mais pobres só irá acirrar os efeitos perversos e a pauperização dos grupos menos favorecidos. Neste contexto e através do processo de internacionalização, as empresas nacionais se viram obrigadas a concorrerem inclusive em âmbito internacional. A sobrevivência das grandes empresas não mais está no domínio do mercado interno, faz-se necessário também a sua presença em outros países. Entretanto, no Brasil, a maioria das empresas nacionais não possuem capital nem recursos produtivos suficientes para se lançarem em âmbito internacional.

A alternativa encontrada pelos empresários brasileiros foi o processo de fusões e incorporações. Acreditam que somente uma mega-empresa brasileira poderá fazer frente ao capital e à concorrência internacional.

A Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados, prevista no artigo 6 da NOEI – Nova Ordem Econômica Internacional determina que "todo Estado tem a responsabilidade primordial de promover o desenvolvimento econômico, social e cultural de seu povo. Para este efeito, cada Estado tem o direito e a responsabilidade de eleger seus objetivos e meios de desenvolvimento, de mobilizar e utilizar cabalmente seus recursos, de levar a cabo reformas econômicas e sociais progressivas e de assegurar a plena participação de seu povo no processo e nos benefícios do desenvolvimento"(artigo 7º),(grifo nosso) e, no artigo 8º dispõe que os Estados "devem cooperar para facilitar relações econômicas internacionais mais racionais e eqüitativas e para fomentar mudanças estruturais no contexto de uma economia mundial equilibrada, em harmonia com as necessidades e interesses de todos os países, em particular os países em desenvolvimento, e com esse propósito devem adotar medidas adequadas".

As políticas macroeconômicas se situam no campo de força de uma bipolaridade: de um lado, o dever primordial de promover o desenvolvimento econômico, social, cultural de seu povo; de outro, o dever também fundamental de cooperar para facilitar relações econômicas internacionais mais racionais e eqüitativas (FONSECA, João Bosco Leopoldino da). Estas disposições nada mais são do que a globalização, o processo de internacionalização das economias tratados em um plano concreto, corporificadas em um diploma legal que lhes dá respaldo. A implantação de mercados comuns, a criação de mercados cativos, dominados pelo capital internacional que controla os destinos monetários dos dominados completa a inserção de países em desenvolvimento no âmbito da mundialização da economia, inclusive em padrões ideológicos. Discute-se o posicionamento do Estado face à bipolarização citada: ou se prepondera a defesa da vida, saúde, segurança dos cidadãos, protegendo o consumidor ou se busca um mercado comum livre de barreiras.

Transpondo esta discussão para a perspectiva da defesa da concorrência, surge um confronto. Se de um lado o Estado deve preservar a livre concorrência, que no caso brasileiro é protegida pela Lei 8.884/94, a Lei Antitruste, temos também de outro lado, a necessidade de sobrevivência das empresas nacionais e, por conseqüência, a manutenção de milhares de empregos.

O impasse ocorre justamente frente à necessidade do Estado limitar as distorções e abusos de mercado que são consequência do confronto com a exigência das empresas nacionais de concorrerem internacionalmente. No afã de conquistar mercados muitas delas não se intimidam em lançar mão de políticas no sentido de limitar mercados, abaixar os preços aquém dos custos variáveis [02], de modo a reduzir seus lucros temporariamente, eliminando, assim, a concorrência, para depois, detendo quase exclusividade de mercado, voltar a praticar os preços mais altos.

Formas variadas de burlar a livre concorrência podem ser adotadas por grandes firmas dispostas a crescer e a dominar mercados nacionais e internacionais - Dumpings, Joint-ventures, Trade-offs e outras práticas concertadas - e certamente serão implementadas caso não exista uma legislação específica para coibí-las.

No caso brasileiro, o processo de concentração de empresas é regulamentado pela Lei 8.884/94 que tipificou as hipóteses de monopólio que configuram situações de abusividade. É interessante notar que nem todas as concentrações implicarão em práticas abusivas. O art. 54 da Lei Antitruste elenca algumas possibilidades deste tipo e, desde que aumentem a produtividade, melhorem a qualidade de bens ou serviços e propiciem a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico, os atos de concentração poderão ser autorizados pelo CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Para que haja tipificação de monopólio prejudicial à livre concorrência é essencial a caracterização de domínio de posição dominante conjugado com abusividade.

Outro conflito enfrentado pela Lei Antitruste está em duas metas aneladas pelo empresariado nacional, aparentemente contraditórias. Por um lado, a preservação do mercado interno, por outro, a expansão dos negócios para além das fronteiras brasileiras, lançando-se à concorrência internacional, no âmbito do processo de internacionalização. É o confronto do Estado, materializado pela norma positivada, ou seja, a Lei Antitruste, com a exigência de sobrevivência do empresariado. Em última análise é o conflito entre Estado e capital.


2.Estruturas de mercado.

O mercado é o local onde se encontram os vendedores e compradores de determinados bens e serviços. A ciência econômica classifica os mercados em 6 (seis) formas, quais sejam:

1.Concorrência Perfeita;

2.Monopólio;

3.Oligopólio;

4.Monopsônio;

5.Oligopsônio;

6.Concorrência Monopolística.

A primeira delas, o mercado de concorrência perfeita é estudado somente com o intuito de funcionar como paradigma para a análise de outros tipos de mercado. Trata-se de um mercado ideal, um referencial. É caracterizado pela existência de um grande número de pequenos vendedores e compradores (mercado atomizado), de maneira que, individualmente, pouco representam no total do mercado. Além disso, pressupõe-se que é transacionado um produto homogêneo, todas as firmas produzem bens idênticos, sem nenhuma diferenciação e há livre entrada e saída de empresas do mercado. Isto significa que qualquer empresa pode entrar ou sair do mercado quando quiser, sem sofrer restrições das demais concorrentes, tais como práticas desleais de preços e associações de produtores visando impedir a entrada de empresas novas. Existe perfeito conhecimento pelos compradores e vendedores de tudo o que ocorre no mercado, havendo total transparência quanto a inovações tecnológicas.

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A procura e a oferta desempenham papel fundamental para a determinação dos preços e a quantidade dos produtos e serviços que serão oferecidos, que, por sua vez, fornecem informação para que os consumidores façam suas escolhas. Contudo, ao contrário do pensamento neoclássico, já ficou demonstrado o desconhecimento das condições de demanda, pela ignorância das "preferências dos consumidores" e – mais importante – pela impossibilidade de prever com um mínimo de exatidão, quais serão as reações dos concorrentes a uma alteração no preço. Este resultado aponta de maneira eloqüente o papel secundário das condições da demanda na formação de preços em condições aproximadas ao oligopólio. A demanda terá influência sobre o nível de produção escolhido da empresa, mas este não pode reagir instantaneamente, porque as modificações na programação do volume de produção tomam tempo e despesa; assim, as variações nos estoques de produtos e

pedidos acumulados atuam ao mesmo tempo como "amortecedores" dos efeitos dos desajustes da produção à demanda sem afetar a estrutura de preços, e como mecanismo de feedback para orientar o planejamento da produção por intermédio da previsão do comportamento futuro da demanda.

Finalizando, há perfeita mobilidade dos fatores de produção – mão-de-obra, insumos utilizados na produção – que podem ser facilmente deslocados da fabricação de uma mercadoria para outra.

O monopólio, por sua vez, é aquele mercado que se caracteriza pela existência de um único vendedor. Será um monopólio legal quando a primazia no mercado lhe é assegurada por lei. Ocorre o monopólio técnico quando a produção através de única empresa é a forma mais barata de fabricação do produto.

Quando existir um pequeno número de vendedores onde uma parcela restrita destes domina a maior parte do mercado estará configurado um oligopólio, a exemplo da indústria automobilística e a indústria de bebidas. O poder exercido pelas grandes firmas dominantes inibe a entrada de novas empresas no oligopólio.

Uma estrutura de mercado com apenas um comprador caracteriza o monopsônio. É o caso de uma região onde há um número expressivo de pequenos produtores de leite e apenas uma grande usina na qual este leite pode ser pasteurizado. A usina poderá impor preços para a compra do leite.

O oligopsônio será observado sempre que uma pequena parte do número de compradores (não importando o tamanho do grupo) é responsável por uma parcela bastante significativa das compras ocorridas no mercado. A indústria automobilística, constituída por um pequeno número de empresas, exerce um poder oligopsonista em relação à indústria de autopeças.

Finalmente, a concorrência monopolística refere-se a um mercado com grande número de produtores - portanto é um mercado concorrencial -, cada um deles agindo como um monopolista de seu produto, pois há diferenciação. Assim, características tais como qualidade, marca, padrão de acabamento são importantes.


3.Conceito de mercado relevante na Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994.

Definir um conceito em Direito é um problema de natureza teórica, mas também prática. A proposta de um conceito envolve o seu conhecimento, mas este conhecimento tem sempre uma repercussão na própria vida jurídica.

Analisando a Lei 8884/94 constata-se que um dos conceitos mais trabalhados pelo legislador é o de mercado relevante. Todavia, a Lei não traz em seu corpo normativo a definição deste. Trata-se, portanto, de um conceito em aberto que caberá ao aplicador da lei construir. O legislador inaugura um dilema e deixa a pergunta sobre o real sentido de mercado relevante. Caberá aos estudiosos do Direito Econômico esta perquirição para que venham a aplicar a norma. É importante ver todo o texto legal referente à matéria, para que se tenha uma percepção contextual sobre o assunto. Em várias dispositivos a norma faz menção ao conceito, senão vejamos:

Art. 14

. Compete à SDE:

Omissis

II - acompanhar, permanentemente, as atividades e práticas comerciais de pessoas físicas ou jurídicas que detiverem posição dominante em mercado relevante;

Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

Omissis

II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;

Omissis

§ 2º. Ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de empresas controla parcela substancial de mercado relevante como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa.

§ 3º. A posição dominante a que se refere o parágrafo anterior é presumida quando a empresa ou grupo de empresas controla 20% (vinte por cento) de mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo CADE para setores específicos da economia.

Art. 54 - Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do CADE.

§ 1º - O CADE poderá autorizar os atos a que se refere o caput, desde que atenda as seguintes condições:

Omissis

III-não impliquem eliminação da concorrência de parte substancial de mercado relevante de bens e serviços.

O conceito de mercado relevante é uma das peças centrais da moderna teoria de defesa da concorrência. Constitui o ponto de partida da análise das autoridades antitruste no que tange à avaliação do escopo dos problemas concorrenciais no âmbito tanto de atos de concentração como de processos envolvendo abuso de posição dominante.

Como primeira aproximação, descrever o mercado relevante implica responder à seguinte questão: quem são e onde estão localizados os concorrentes que determinado empresário considera quando fixa seus preços. Ou seja, quem são os agentes que determinado empresário observa como seus concorrentes, influenciando ou constrangendo, portanto, sua política de preços [03]. No caso de um ato de concentração, o mercado relevante é próprio apenas àquelas empresas que estão se juntando. No caso de abuso de posição dominante, o mercado relevante é específico àquela empresa na qual recaem as acusações.

Contudo, a Lei nº 8.884/94 não nos explica de maneira clara o que vem a ser "mercado relevante", deixando para o seu aplicador a tarefa de buscar e concretizar o sentido ali contido. Depende, pois, sua exeqüibilidade do complemento de outras normas jurídicas, procedentes de outra instância legislativa. Neste caso, inexiste outro diploma a regular as concentrações que melhor explicite o conceito de "mercado relevante".

No atual estado de direito o paradigma positivista de sujeição à literalidade da lei já não prevalece mais. Existem pluralidade de situações fáticas inseridas em circunstâncias altamente dinâmicas e que precisam ser regulamentadas, a função normativa da lei tem que determinar-se e adequar-se a elas. Assim, a função normativa do direito é regular os comportamentos dos cidadãos, sendo fundamental a compreensão interpretativa da norma.

A teoria hermenêutica jurídica de Gadamer explicita este fenômeno, desenvolvendo a idéia de um processo interpretativo e aplicativo na criação da lei.

Contrapondo-se veementemente à Dogmática Jurídica, Gadamer propõe uma hermenêutica universal, onde a compreensão, a interpretação e a aplicação são indivisíveis. Primeiramente, o operador jurídico irá interpretar a lei para só então aplicar o direito, pois deve em primeiro lugar compreender a norma. Tal compreensão, contudo, precisa ser exercitada em um caso concreto, pois é neste momento que se entende o sentido da norma e se conhece o fundamento de sua validade. Dessa forma, cada situação que se apresenta, está inserida em um determinado contexto histórico, econômico e social, donde se conclui que a aplicação da norma dependerá de uma interpretação à luz de sua historicidade e dos conceitos prevalentes na sociedade deste tempo.

Em sentido contrário, no século XIX, a Escola Dogmática, principalmente a da jurisprudência dos conceitos, trabalhava buscando na norma o seu real significado.

Constata-se, portanto, que a discussão sobre a importância dos conceitos para a aplicação da norma é uma questão presente ao longo da história da Ciência do Direito.

Tércio Sampaio faz alusão a uma exemplo histórico. "Sócrates estava sentado à porta de sua casa. Neste momento, passa um homem correndo e atrás dele vem um grupo de soldados. Um dos soldados então grita: agarre esse sujeito, ele é um ladrão! Ao que responde Sócrates: que você entende por "ladrão"?

Observa-se que há dois enfoques em questão: a "solução" dada e o "questionamento prévio". As duas abordagens estão relacionadas, entretanto as conseqüências são diferentes. No primeiro caso temos um enfoque dogmático, no segundo, uma abordagem zetética. Ambos os prismas não se excluem, mas sua diferença é importante.

O enfoque dogmático tem o escopo de opinar. Já o prisma zetético decompõe as opiniões colocando-as em dúvida. Por isso, o enfoque zetético visa a saber o que é uma coisa, ou seja, o ser. Por outro lado, a dogmática se preocupa em direcionar uma decisão e nortear uma conduta, ou seja, o dever-ser. A investigação zetética é "aberta", porque suas premissas são mais flexíveis. Já a dogmática é "fechada", pois está presa a conceitos fixados, obrigando-se a interpretação capaz de conformar os problemas às premissas. O aplicador do Direito, ao utilizar a zetética jurídica, o faz também com auxílio de outras ciências, por exemplo, a economia. Enquanto dogmaticamente, ater-se-ia somente às disciplinas dogmáticas do Direito, por exemplo, o Direito Econômico.

A perfeita aplicação da norma e dos conceitos nela contidos depende de uma integração das investigações zetéticas e dogmáticas.

Conclui-se, portanto, que a solução para deslindar a questão do conceitualismo de "mercado relevante" está no estudo de estruturas conhecidas da Ciência Econômica, especialmente quando se vale da noção do estático contraposto ao dinâmico, como veremos adiante. Isto ocorre porque a legislação antitruste recebe valores econômicos e disciplina relações complexas que englobam a produção, distribuição e circulação de mercadorias – a razão de ser da Economia -, sujeitando-as às suas próprias estruturas e fins, tornando relações dinâmicas e em constante mutação em relações jurídicas, na medida e enquanto os integra em seu ordenamento jurídico.

Se, por exemplo, tomarmos a relação preço/custo direto unitário no curto prazo, observaremos certos comportamentos no mercado e na produção. Esta é fixa, a princípio, pois não se pode alterar o nível de produção em curto espaço de tempo. Os fatores de produção como a mão-de-obra, matérias-primas, tamanho da fábrica são fixos. Por outro lado, no longo prazo isso será possível porque o empresário poderá planejar o volume de produção que almeja nos próximos anos e seguir alterando suas metas de acordo com a resposta do mercado e com o comportamento de seus concorrentes. Poderá, então, reduzir a planta de sua fábrica e diminuir o contingente de trabalhadores, caso a taxa de lucro não esteja satisfatória ou se o concorrente estiver praticando um preço menor e conquistando parcelas de seu mercado. Algumas vezes poderão surgir estruturas de mercado conhecidas como oligopólios. Eles aparecem quando um pequeno grupo de fortes firmas resolve se unir, fazer "acordos" ou conluios e negociar suas posições a fim de permitir a coexistência pacífica de todas, concordando, talvez, em abrir mão de parte do lucro. Nem sempre estes acordos poderão ser prejudiciais ao consumidor. O CADE poderá autorizar estes atos econômicos desde que tenham por objetivo aumentar a produtividade, melhorar a qualidade de bens ou serviços ou propiciar eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico, distribuindo eqüitativamente os benefícios aos consumidores e não promovendo a eliminação da concorrência (Lei n.º 8.884/94, art. 54 1º -I ).

A autorização do CADE para a realização de atos e contratos que acarretem ou possam acarretar limitação ou prejuízo à concorrência, ou que deles resulte ou possa resultar dominação de mercado relevante de bens ou serviços, poderá ficar condicionada à assinatura de Compromisso de Desempenho como forma de assegurar o cumprimento de eficiências econômicas, aí compreendidas não só as alegadas pelas empresas requerentes, como também aquelas julgadas necessárias pelo órgão público, notadamente no que se refere à sua partilha com a sociedade.

Nesse sentido bem considerou Neide Malard, no seguinte voto: "Ainda que a lei tenha fixado os pressupostos fáticos, não se trata de poder vinculado, posto que o Colegiado não se limita à constatação daqueles para aplicar-lhes a hipótese legal. A atuação do CADE não se dá de forma automática, de vez que o conteúdo dos pressupostos fáticos foi delineado por conceitos imprecisos. Cabe, pois, ao CADE fixar-lhes o sentido no caso concreto: qual o grau de eficiência ou de melhoramento da qualidade de um produto ou de um serviço a justificar a formação de um monopólio; as condições econômicas em que uma certa transação pode ser considerada necessária, por motivos preponderantes para a economia nacional; a parte substancial de cada mercado relevante geográfico ou de produto em que a concorrência não poderia ser eliminada; os limites que seriam estritamente necessários para se atingir os objetivos visados na transação; o que poderia ser considerado beneficio para o consumidor e em que proporções seria ele considerado eqüitativo para o fabricante e para o consumidor."

Por outro lado, o próprio estágio incipiente no qual se encontra a harmonização dessas políticas isoladamente sugere que ainda é prematuro pensar em uma harmonização conjunta das mesmas no âmbito da OMC. De qualquer forma, há um sentimento geral de que o progressivo processo de integração regional, dentro do qual se harmonizam políticas de concorrência e defesa comercial, deve ser complementado também por uma maior sintonia entre as duas, que deverá ocorrer em paralelo. Isso envolve harmonização burocrática e também conceitual, dado que os instrumentos de análise entre os dois tipos de ação de Estado, a despeito das semelhanças, apresentam significativas diferenças, sintetizadas a seguir:

As autoridades de defesa comercial não utilizam o conceito de mercado relevante. A tendência é serem as regras utilizadas na defesa comercial mais restritivas na caracterização de substituibilidade entre bens, tornando os mercados considerados mais estreitos;

O que implica que, mesmo um aumento de preço "pequeno, mas significativo e não transitório" tal como descrito na definição de mercado relevante das Merger Guidelines americanas (1992) não será suficiente para atrair concorrentes de outros países ou do próprio país que constitui o mercado de exportação americano.

A absorção do mercado relevante impõe o exame da existência, em determinada área geográfica, de determinados produtos ou serviços que possam ser substituídos por outros, de sorte a que se atenda integralmente às necessidades a que se dirigem (MALARD, Neide Teresinha. Integração de empresas: concentração, eficiência e controle. Arquivos do Ministério da Justiça. Brasília, v. 48, n. 185, p. 220, jan/ jun 1995).

De acordo com Neide Malard, tais circunstâncias se comprovam tendo em vista os seguintes elementos fáticos: estrutura e desempenho do mercado. A estrutura diria respeito à existência de barreiras à entrada de novos competidores oriundas de vantagens que permitam à empresa dominante fruir de custos de produção ou distribuição menores que os dos demais contendores, facilidades de acesso de capital, vantagens resultantes da diferenciação de produtos, integração vertical da empresa e seu avanço tecnológico. Já o desempenho toca às relações custo/preço, respostas da demanda, introdução de tecnologia, investimentos de indústria. Tais elementos são antecedentes lógicos da verificação da absorção do mercado relevante (Op. cit. p. 216).

Entretanto, a caracterização de uma prática infrativa à legislação supra referida não se dá isoladamente, sendo imprescindível a definição de mercado relevante. Só a partir de sua delimitação, embora virtual, podem ser identificados o objeto e/ou os efeitos dos atos ou fatos e a aptidão dos agentes em produzi-los, o que se constitui em peça-chave não só do controle das estruturas de mercado, como, também, da configuração da (ir)razoabilidade da conduta.

Tem-se, como mercado relevante, o espaço efetivo da concorrência, nas clássicas dimensões geográfica e de produto. [04]

A legislação da Comissão Européia define mercado relevante, nos seus dois aspectos, produto e geográfico, considerando mercado relevante de produto, aquele que abrange todos os produtos tidos como intercambiáveis ou substituíveis pelo consumidor, por suas características próprias, seus preços e o uso pretendido; e, considera mercado relevante geográfico aquela área na qual as empresas interessadas estão atuando na oferta e demanda dos produtos ou serviços, em condições de concorrência suficientemente homogêneas e claramente distinguíveis em suas diferenças das áreas vizinhas.

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Sobre a autora
Juliana Faria Pamplona

advogada e economista em Belo Horizonte (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAMPLONA, Juliana Faria. A importância do conceito de mercado relevante na análise antitruste. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2337. Acesso em: 23 dez. 2024.

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