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Antecipação de Tutela: reflexo da evolução do Processo Civil no Brasil

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5.Diferenças entre Tutela Cautelar e Tutela Antecipada

A instituição da tutela antecipada como simples capítulo da ação de conhecimento, nos moldes do atual art. 273 do CPC, não eliminou o poder de cautela do juiz, nem tampouco esvaziou o processo cautelar de seu natural e importante conteúdo.

A tutela antecipatória é satisfativa, parcial ou totalmente, da própria tutela postulada na ação de conhecimento. A satisfação se dá através do adiantamento dos efeitos, no todo ou em parte, do provimento postulado. Já na tutela cautelar, segundo a doutrina dominante, há apenas a concessão de medidas cautelares que, diante da situação objetiva de perigo, procuram preservar as provas ou assegurar a frutuosidade do provimento da ação principal. Não é dotado, assim, de caráter satisfativo.

A tutela cautelar tem por fim assegurar a viabilidade da realização de um direito, não podendo realizá-lo. A tutela que satisfaz um direito, ainda que fundado em juízo de aparência, é "satisfativa sumária". A prestação jurisdicional satisfativa sumária, pois, nada tem haver com a cautelar. A tutela que satisfaz, por estar além do assegurar, realiza missão completamente distinta da cautelar. Na tutela cautelar há sempre referibilidade a um direito acautelado. O direito referido que é assegurado cautelarmente. Se inexiste referibilidade, ou referência a direito, não há direito acautelado.

À falta de um regime adequado para a antecipação de tutela, muitas vezes os juízes, antes da Lei nº 8.952/95, lançavam mão do poder cautelar para cumprir função satisfatória que não lhe era própria. Com a nova sistemática do art. 273 criou-se um divisor de águas, a separar, com técnica e adequação, as duas funções distintas que tocam aos institutos da tutela cautelar e da tutela antecipada. Conforme se constata em decisão do Exmo. Sr. Juiz do Trabalho Alexandre Nery Rodrigues de Oliveira:

PROCESSO CAUTELAR. FINALIDADE. PROCESSO PRINCIPAL E ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. A reforma empreendida no Processo Civil, com repercussões no Processo do Trabalho pela subsidiariedade imposta pelo artigo 769/CLT, denota que se o processo cautelar contém pretensão de natureza idêntica à do processo principal, apenas evidenciando o caráter de antecipação da tutela, inominada ou específica, cabe à parte a via da antecipação de tutela na sede do próprio processo principal, conforme artigos 273 e 461 do CPC, e não a via cautelar, que apenas visa resguardar a integridade da prestação jurisdicional esperada no processo principal, sem adentrar nas postulações deduzidas no mesmo. Evolução jurisprudencial a partir da alteração legislativa ocorrida em decorrência da doutrina das cautelares satisfativas irregulares. Com a reforma, a satisfatividade passou a ser aceita em sede de antecipação de tutela, sempre que possível a reversibilidade do provimento antecipado, ainda que por via equivalente, o que resta campo do processo cautelar, onde apenas o direito adjetivo inadmissível ser preservado para permitir o exame do direito material controverso no cabe. Processo cautelar extinto sem julgamento de mérito.

Não se poderá ver nisso apenas uma diversidade de rotina procedimental, porque, na realidade, há uma nítida diferença de regime, especialmente, no tocante aos pressupostos de cada uma dessas funções jurisdicionais.

A tutela antecipada tem semelhança com a medida cautelar. A diferença é que a tutela versa sobre o adiantamento do que foi pedido na inicial, ao passo que a cautelar versa destina-se a solução de aspectos acessórios; como a manutenção de certas situações até o advento da sentença.

A tutela cautelar não pode antecipar a tutela de conhecimento. Pois, uma das formas de distorção do uso da tutela cautelar verifica-se sempre que se dá ao resultado de uma prestação de tutela jurisdicional cautelar de satisfatividade que não pode Ter.

Na tutela cautelar, de fato há sempre referibilidade a um direito acautelado. A falta desta, como se vê, é evidência da inexistência de cautelaridade. Na tutela satisfativa inexiste a referibilidade a um direito acautelado. É o caso das provisionais. Aí não há referibilidade porque nada é assegurado. A pretensão é satisfeita.

A referibilidade, em suma, é indicativa da cautelaridade, enquanto que a não-referibilidade aponta para a satisfatividade e, destarte, para a tutela sumária satisfativa.

Embora, a antecipação seja "desburocratizada", porque pleiteável por meio de simples petição no bojo da ação de conhecimento, o certo é que os requisitos a serem atendidos pela parte são mais numerosos e mais rígidos do que as medidas cautelares. Assim, por exemplo, a tutela cautelar contenta-se com o fumus boni iuris, enquanto, a tutela antecipada somente pode apoiar-se em prova inequívoca.

Em princípio, pois, não se pode formular pretensão de antecipar efeitos do julgamento de mérito, em sede de ação cautelar, porquanto isto ensejaria à parte obter a tutela excepcional do art. 273 do CPC, sem submeter-se às suas exigências e condicionamentos típicos.

Existirão, contudo, sempre situações de fronteira, que ensejarão dificuldades de ordem prática para joeirar com precisão uma e outra espécie de tutela. Não deve o juiz, na dúvida, adotar posição de intransigência. Ao contrário, deverá agir sempre com maior flexibilidade, dando maior atenção à função máxima do processo, a qual se liga à meta da instrumentabilidade e da maior e mais ampla efetividade da tutela jurisdicional. É preferível transigir com a pureza dos institutos do que sonegar a prestação justa a que o Estado se obrigou perante todos aqueles que dependem do Poder Judiciário para defender seus direitos e interesses envolvidos em litígio. Eis a orientação merecedora de aplausos, sempre que o juiz se deparar com algum desvio procedimental no conflito entre tutela cautelar e tutela antecipatória.

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6. Conclusão

O legislador é bastante censurado por muitos pelo fato de ter ampliado os poderes do juiz até o ponto de permitir-lhe a antecipação da tutela de mérito, pelo medo de que tais faculdades venham a gerar abusos e arbitrariedades.

Na verdade, porém, considera-se que houve uma evolução nas leis processuais civis, na direção de agilizar a prestação jurisdicional e de contornar as crises dos procedimentos clássicos.

Nosso ordenamento se enriqueceu com a possibilidade de antecipação de tutela, pretendida por parte daquele que recorre à imparcialidade do Estado, como forma de ver um direito previamente assegurado, escapando de manobras dilatórias meramente procrastinatórias.

O legislador tomou consciência, em nosso entender, da realidade de que o processo, tal como foi concebido, em seu rito comum ou ordinário, não estava suficientemente aparelhado para enfrentar os problemas de emergência.

Na tutela jurisdicional há, portanto, o processo normal, naturalmente lento e demorado; e há o processo de emergência, para as situações de urgência. Nos casos de risco de dano iminente e grave, o processo normal se apresenta como inútil, sendo necessário que sejam utilizados recursos emergenciais, como a antecipação de tutela, para que o provimento final não se torne inócuo para uma das partes.

Conforme sabemos, lamentavelmente, o provimento jurisdicional não pode ser ministrado instantaneamente, automaticamente. Deve obedecer a trâmites prefixados, ao devido processo legal, segundo os princípios fundamentais do contraditório e da ampla defesa. Há apenas um aparente antagonismo entre a garantia do devido processo legal e a necessidade de celeridade e eficácia na prestação jurisdicional. Encontramos na antecipação de tutela exatamente o meio ideal para minimizar esse antagonismo.

Verificamos, portanto, ao longo desse estudo, a relevante importância do instituto da tutela antecipada. É o reflexo de uma exigência, uma necessidade social, a fim de que se garantisse maior efetividade ao processo. Mister é, por outro lado, ressaltarmos que o instituto que ora analisamos deve ser utilizado com bastante cautela, de modo que não se sobreponha às garantias do devido processo legal.


7. Notas

(1) THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 21. Ed., 1998. p. 361.

(2) MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da Tutela. São Paulo: Malheiros Editores, 4. Ed., 1998. p. 86.

(3) DELGADO, José Augusto. Reflexões sobre os Efeitos da Tutela Antecipada. www.jus.com.br, 02 de janeiro de 2000.

(4) FALCÃO, Ismael Marinho. Distinção entre os casos de Tutela Cautelar e os de Antecipação de Tutela. www.jus.com.br, 02 de janeiro de 2000.

(5) THEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela Antecipada. www.jus.com.br, 02 de janeiro de 2000.

(6) MARINONI, Luiz Guilherme. Ob. Cit. p. 220.


8. Bibliografia

ALVIN, J.E. Carreira. Tutela Antecipada na Reforma Processual. Rio de Janeiro: Ed. Destaque, 1996.

CALMON DE PASSOS, J.J. Da antecipação da tutela in Reforma do Código de Processo Civil(coordenação de Sálvio de Figueiredo Teixeira). São Paulo: Saraiva, 1996.

CELSO NETO, João. Processo Cautelar e Antecipação da Tutela. www.jus.com.br, 29 de dezembro de 1999.

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DINAMARCO, Cândido Rangel. As inovações no processo civil. São Paulo: Malheiros Editores, 1995.

FALCÃO, Ismael Marinho. Distinção entre os casos de Tutela Cautelar e os de Antecipação de Tutela. www.jus.com.br, 02 de janeiro de 2000.

MARINONI, Luiz Guilherme. A Antecipação da Tutela. São Paulo: Malheiros Editores, 1998.

NERY JÚNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante em vigor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2. Ed., 1996.

________________________. Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992.

SANTOS, Maria Lourido dos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: âmbitos e diferenças dos institutos. www.jus.com.br, 28 de dezembro de 1999.

SILVA, Rosana Ribeiro da. Análise do Instituto da Tutela Antecipada e da Ação Monitória face aos Princípios Fundamentais e Princípios Informativos do Direito Processual Civil. www.jus.com.br, 02 de janeiro de 2000.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

___________________________. Tutela Antecipada. www.jus.com.br/doutrina, 02 de janeiro de 2000.

www.stf.gov.br, 31 de dezembro de 1999.

www.stj.gov.br, 31 de dezembro de 1999.

www.trf5.gov.br, 30 de dezembro de 1999.

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Sobre o autor
Marco Aurélio Ventura Peixoto

Advogado da União, Mestre em Direito Público pela UFPE e Professor Universitário em Recife/PE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEIXOTO, Marco Aurélio Ventura. Antecipação de Tutela: reflexo da evolução do Processo Civil no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2343. Acesso em: 6 mai. 2024.

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