O Código de Trânsito Brasileiro foi instituído pela Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, com o objetivo de modernizar a legislação de trânsito do Brasil, em razão dos elevados níveis estatísticos de acidentes do país, além da frequentetransgressão das normas de circulação pela sociedade. O Código surgiu, sobretudo,paraaumentar a segurança do trânsito e promover a educação para o trânsito.
Noseu Capítulo XVIII, o Código de Trânsito Brasileiro regulamentou,em poucos artigos,o processo administrativo destinado à imposição da multa de trânsito ao infrator. É de se reconhecer, entretanto, que esse trecho da lei, provavelmente pela falta de clareza da redação de alguns dispositivos legais, tem sido alvo de inúmeras controvérsias entre os operadores do direito. Prova disso são as divergências acerca da interpretação a ser dada ao prazo de 30 (trinta) dias previsto no artigo 281, parágrafo único, inciso II, do diploma legal, cuja transcrição é oportuna. Vejamos:
Art. 281. A autoridade de trânsito, na esfera da competência estabelecida neste Código e dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível.
Parágrafo único.O auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente:
I - se considerado inconsistente ou irregular;
II - se, no prazo máximo de trinta dias, não for expedida a notificação da autuação. (Redação dada pela Lei nº 9.602, de 1998) (grifamos)
De acordo com o dispositivo acima transcrito, o auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente se, no prazo máximo de trinta dias, não for expedida a notificação da autuação. Poroutros termos, a lei instituiu um prazo decadencial de 30 (trinta) dias para a autoridade de trânsito expedir a notificação da autuação ao infrator. Cumpre ressaltar, no entanto, que o Código de Trânsito Brasileiro prevê uma primeira notificação de autuação, para apresentação de defesa (art. 280), e uma segunda notificação, posteriormente, informando do prosseguimento do processo, para que se defenda o apenado da sanção aplicada (art. 281)[1].
Isto é, depois dalavratura do auto de infração, é entregue a primeira notificação ao suposto infrator(pelo agente de trânsito ou mediante comunicação documental), para apresentação de defesa. Ultrapassada essa fase e concluindo-se pela imputação da sanção, nova notificação deve ser expedida para satisfação da contraprestação ao cometimento do ilícito administrativo ou oferecimento de recurso. A primeira notificação (da autuação) deve ser expedida no prazo de 30 (trinta) diasprevisto no artigo 281, parágrafo único, inciso II, do CTB.
O dever de comunicar em tão pouco tempo a instauração do processo administrativo visando à apuração da infração de trânsito,assim como toda regra decadencial,tem como finalidadeprimordial conferir segurança jurídica aos supostos infratores. Com efeito, a demora é fator de insegurança para os indivíduos que, porventura, não tenham transgredido a lei e precisem demonstrá-lo no âmbito do processo administrativo. Quanto mais tempo se passar do dia do cometimento da infração, mais difícil será para o suposto infrator sustentar sua defesa. Nei Pires Mitidiero, ao comentar o art. 281 do Código de Trânsito Brasileiro, leciona:
O prazo de que trata o inciso II do parágrafo único do art. 281, CTB é decadencial, porquanto apanha o direito de notificar da autuação da Administração Pública, com o que, súbito, inviabiliza igualmente o seu direito de punir (uma vez que se inadmite, dentro do ordenamento pátrio, julgar sem prévia oitiva do acusado). De conseguinte, desconhece causas interruptivas e suspensivas e o seu termo final consome o direito, banindo-o do mundo jurídico.[2]
Sobre esse prazo decadencial, a Resolução no 363, de 28 de outubro de 2010, do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, dispõe o seguinte:
Art. 3º À exceção do disposto no § 5º do artigo anterior, após a verificação da regularidade e da consistência do Auto de Infração, a autoridade de trânsito expedirá, no prazo máximo de 30 (trinta) dias contados da data do cometimento da infração, a Notificação da Autuação dirigida ao proprietário do veículo, na qual deverão constar os dados mínimos definidos no art. 280 do CTB e em regulamentação específica.
§ 1º Quando utilizada a remessa postal, a expedição se caracterizará pela entrega da Notificação da Autuação pelo órgão ou entidade de trânsito à empresa responsável por seu envio.
§ 2º A não expedição da Notificação da Autuação no prazo previsto no caput deste artigo ensejará o arquivamento do auto de infração. (grifamos)
Observa-se pela leitura do § 1º da Resolução Contran nº363/2010, que, para o Conselho Nacional de Trânsito, quando for utilizada pelo órgão de trânsito a remessa postal (em regra é o meio empregado), a expediçãoda notificação da autuaçãose concretizará quando o órgão de trânsito entregar a notificação à empresa responsável por seu envio. Ou seja, consoante a regra imposta pela resolução, o órgão de trânsito possui o prazo de 30 (trinta) dias contados da data do cometimento da infração para entregar a notificação da autuação no correio. A ausência da entrega no correiono referido prazo, implicaria na decadência do direito de punir do Estado.
Todavia, não há um consenso entre os estudiosos do direito acerca damelhor interpretação a ser oferecida ao inciso II doparágrafo único do artigo 281 do Código de Trânsito Brasileiro. Há quem entenda que a interpretação mais coerente e justa para a norma seriaa de que a autoridade de trânsito temo prazo de 30 (trinta) dias para a notificação do infrator e não para a entrega da notificação no correio.Afinal, não seria coerente interpretar a norma criadapara beneficiar oacusado de cometer a infração em seu prejuízo.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial nº 1.092.154/RS, submetido aoregime dos recursos repetitivos, concluiu nos seguintes termos:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ N.º 08/2008. AUTO DE INFRAÇÃO. NOTIFICAÇÃO. PRAZO. ART. 281, PARÁGRAFO ÚNICO, II, DO CTB. NULIDADE. RENOVAÇÃO DE PRAZO. IMPOSSIBILIDADE. HONORÁRIOS. SÚMULA 7/STJ. 1. O Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97) prevê uma primeira notificação de autuação, para apresentação de defesa (art. 280), e uma segunda notificação, posteriormente, informando do prosseguimento do processo, para que se defenda o apenado da sanção aplicada (art. 281). 2. A sanção é ilegal, por cerceamento de defesa, quando inobservados os prazos estabelecidos. 3. O art. 281, parágrafo único, II, do CTB prevê que será arquivado o auto de infração e julgado insubsistente o respectivo registro se não for expedida a notificação da autuação dentro de 30 dias. Por isso, não havendo a notificação do infrator para defesa no prazo de trinta dias, opera-se a decadência do direito de punir do Estado, não havendo que se falar em reinício do procedimento administrativo. 4. Descabe a aplicação analógica dos arts. 219 e 220 do CPC para admitir seja renovada a notificação, no prazo de trinta dias do trânsito em julgado da decisão que anulou parcialmente o procedimento administrativo. 5. O exame da alegada violação do art. 20, § 4º, do CPC esbarra no óbice sumular n.º 07/STJ, já que os honorários de R$ 500,00 não se mostram irrisórios para causas dessa natureza, em que se discute multa de trânsito, de modo a não poder ser revisado em recurso especial. Ressaltou o acórdão recorrido esse monante remunera "dignamente os procuradores, tendo em vista a repetividade da matéria debatida e sua pouca complexidade". 6. Recurso especial conhecido em parte e provido. Acórdão sujeito ao art. 543-C do CPC e à Resolução STJ n.º 08/2008. (RESP 200802146804, CASTRO MEIRA, STJ - PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:31/08/2009.) (grifamos)
Pela redação da ementa transcrita, vê-se que o Superior Tribunal de Justiça, concebido para ser o uniformizador da interpretação da legislação federal, enuncia que não sendo notificado o infrator para defesa dentro do prazo de 30 (trinta) dias, previsto no inciso II doparágrafo único do artigo 281 do Código de Trânsito Brasileiro, opera-se a decadência do direito de punir do Estado.Assim, para o STJ, a autoridade de trânsito tem o prazo de 30 (trinta) dias para a notificação do infrator e não para a entrega da notificação na empresa responsável por seu envio.
Convém registrar, entretanto, que o Voto do Relator Ministro Castro Meira abordou apenas de passagem essa controvertida questão, razão pela qual ainda há quem sustente que o STJ incorreu em imprecisão terminológicaao redigir a ementa do referido acórdão.Todavia, o Superior Tribunal de Justiça repete o mesmo posicionamento em diversos outros julgados, conforme se observa, por exemplo, pela ementa do EREspnº 803.487/RS, também da 1ª Seção do STJ. Veja-se:
ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. APLICAÇÃO DE PENALIDADE SEM ANTERIOR NOTIFICAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE DEFESA PRÉVIA. AUTUAÇÃO IN FACIE EQUIVALENTE À NOTIFICAÇÃO DO COMETIMENTO DA INFRAÇÃO. ANULAÇÃO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO A PARTIR DA OCORRÊNCIA DO CERCEAMENTO DE DEFESAE DO AUTO DE INFRAÇÃO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE PUNIR. PRECEDENTES.
1. Embargos de divergência ofertados contra acórdão segundo o qual “não expedida a notificação de autuação no trintídio legal, impõe-se o arquivamento do auto de infração”
2. O Código de Trânsito Brasileiro prevê mais de uma notificação ao infrator: uma quando da lavratura do auto de infração, ocasião em que é disponibilizado prazo para oferecimento de defesa prévia e outra quando da aplicação da penalidade pela autoridade de trânsito.
3. A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica e iterativa no sentido de que é ilegal, como condição para o licenciamento, a exigência do pagamento de multa imposta sem prévia notificação do infrator para defender-se em processo administrativo. É garantido o direito de renovar licenciamento de veículo em débito de multas se não houve a prévia e regular notificação do infrator para exercitar seu direito de defesa.
4. A autuação in facie do infrator torna inexigível posterior notificação, sendo esta equivalente àquela (art. 280,VI, do CTB). A notificação da autuação in facie deve anteceder o lapso de 30 (trinta) dias para que seja enviado o auto de infração para pagamento, em virtude de que este é o prazo mínimo exigido pela legislação para o oferecimento da necessária defesa prévia.
5. O comando constante do art. 281, parágrafo único, II, do CTB, é no sentido de que, uma vez não havendo notificação do infrator para defesa dentro do lapso de trinta dias, opera-se a decadência do direito de punir do Estado.
6. Precedentes desta Corte Superior.
7. Embargos de divergência conhecidos e não-providos.
(EREsp nº 803.487 – RS, José Delgado, STJ – Primeira Seção, DJ DATA:06/11/2006) (grifamos)
De todo modo, ao comparar a ementa dos acórdãos proferidos pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça com o texto da Resolução Contran nº363, de 28 de outubro de 2010, percebe-se uma nítida divergência entre eles. O Contran diz que o órgão ou entidade de trânsito possui o prazo de 30 (trinta) dias para entregar a notificação da autuação à empresa responsável por seu envio, ao passo que o Superior Tribunal de Justiça preceitua que o órgão ou entidade de trânsito possui o prazo de 30 (trinta) dias para entregar a notificação ao infrator.
No âmbito jurisprudencial, portanto, penso que o Superior Tribunal de Justiça já resolveu a questão, ao afirmar expressamente em vários julgados, dentre os quais o referente ao Recurso Especial nº 1.092.154/RS, submetido ao regime dos recursos repetitivos, que a ausência de notificação do infrator no prazo máximo de 30 (trinta) dias da infração, implica na decadência do direito de punir do Estado. Nesse mesmo sentido, o recente aresto do STJ:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AUTO DE INFRAÇÃO. NOTIFICAÇÃO. PRAZO. ART. 281, PARÁGRAFO ÚNICO, II, DO CTB. NULIDADE. RENOVAÇÃO DE PRAZO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. DECADÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. HONORÁRIOS. SÚMULA 7/STJ. RESTITUIÇÃO DE VALORES INDEVIDAMENTE PAGOS. POSSIBILIDADE. 1. O Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97) prevê uma primeira notificação de autuação, para apresentação de defesa (art. 280), e uma segunda notificação, posteriormente, informando do prosseguimento do processo, para que se defenda o apenado da sanção aplicada (art. 281). 2. A sanção é ilegal, por cerceamento de defesa, quando inobservados os prazos estabelecidos. 3. O art. 281, parágrafo único, II, do CTB prevê que será arquivado o auto de infração e julgado insubsistente o respectivo registro se não for expedida a notificação da autuação dentro de 30 dias. Por isso, não havendo a notificação do infrator para defesa no prazo de trinta dias, opera-se a decadência do direito de punir do Estado, não havendo que se falar em reinício do procedimento administrativo.4. Descabe a aplicação analógica dos arts. 219 e 220 do CPC para admitir seja renovada a notificação, no prazo de trinta dias do trânsito em julgado da decisão que anulou parcialmente o procedimento administrativo. 5. A presente controvérsia teve solução quando do julgamento do Recurso Especial 1.092.154/RS, de relatoria do Ministro Castro Meira, submetido ao regime dos recurso repetitivos. 6. O pagamento da multa imposta pela autoridade de trânsito não configura aceitação da penalidade, nem convalida eventual vício existente no ato administrativo, uma vez que o próprio Código de Trânsito Brasileiro exige o seu pagamento para a interposição de recurso administrativo (art. 288) e prevê a devolução do valor no caso de ser julgada improcedente a penalidade (art. 286, § 2º) 7. Esta Corte tem decidido que, uma vez declarada a ilegalidade do procedimento de aplicação da penalidade, devem ser devolvidos os valores pagos, relativamente aos autos de infração emitidos em desacordo com a legislação de regência. Precedentes. 8. Conforme se depreende da análise do julgado (fls. 660/663), assiste razão aos recorrentes em relação aos autos de infração de trânsito lavrados em flagrante (ns. 311534B, 311903B, 214066B2 e 504813), pois não foi respeitado o prazo para a defesa prévia imposto pela norma legal. 9. Recurso especial provido.(RESP 200700680243, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:08/02/2011.) (g.n.)
Desta forma, em que pese entendimentos contrários propugnados pela doutrina, depreende-se que a controvérsia, ao menos em âmbito jurisprudencial, encontra-se dirimida atualmente pelo Tribunal uniformizador da interpretação da legislação federal brasileira, no sentido de que o órgão executivo de trânsito possui o prazo de 30 (trinta) dias contados da data do cometimento da infração para entregar a notificação da autuação ao infratore não para entregá-la na empresa responsável por seu envio.
Contudo, é importante registrar que a Resolução no 363, de 28 de outubro de 2010, do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, emitida com a finalidade de padronizar os procedimentos administrativos utilizados pelos órgãos e entidades de trânsito integrados ao Sistema Nacional de trânsito, está em pleno vigor. Ou seja, para o Conselho Nacional de Trânsito, os órgãos de execução de trânsito possuem o prazo de 30 (trinta) dias para entregar a notificação da autuação à empresa responsável por seu envio. Algo precisa ser mudado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIAS
BRASIL. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9503.htm. Acesso em 15 de dezembro de 2012.
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BRASIL. Recurso Especial nº 1.092.154/RS. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Seção. Relator Ministro Castro Meira. Julgado em 12.8.2009. Publicação: 31.8.2009.
BRASIL. Recurso Especial nº947.223/RS. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. Relator Ministro Mauro Campbell Marques. Julgado em 16.12.2010. Publicação: 8.2.2011.
BRASIL. Resolução Contran nº 363, de 28 de outubro de 2010. Disponível em http://www.denatran.gov.br/download/Resolucoes/RESOLUCAO_CONTRAN_363_10.pdf. Acesso em 15 de dezembro de 2012.
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MITIDIERO, Nei Pires. Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro, 2ª Ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005.
RIBAS, Marcelo Jefferson Godoy. O Código de Trânsito Brasileiro e a polêmica notificação em 30 dias. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/1729>. Acesso em 14 de dezembro de 2012.
Notas
[1]RESP nº 947.223/RS, Mauro Campbell Marques, STJ - Segunda Turma, DJE Data:08/02/2011.
[2]MITIDIERO, Nei Pires. Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro, 2ª Ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005. Pág.1.336.