INTRODUÇÃO
O governo Federal anunciou no dia 29/06/2001 uma minirreforma tributária, apresentando dois projetos de Emenda Constitucional. O primeiro projeto vem com o objetivo de perpetuar a já perpetuada CPMF, que teve início com o nome de IPMF há cerca de 8 anos; esta será prolongada até o final do ano de 2004 - somando assim mais de onze anos do caráter provisório dessa exação; no mesmo projeto, surge a figura inédita, denominada incidente de constitucionalidade, que permitirá ao Supremo Tribunal Federal através do pedido de pessoas ou entidades legítimas "conforme disposição Constitucional" suspender processos perante qualquer juízo ou tribunal, até que o STF julgue o caso.
A segunda proposta de Emenda Constitucional tem como pretensão uniformizar o ICMS através da federalização da legislação do aludido imposto, determinando a instituição de alíquotas uniformes em todos os Estados da Federação, fazendo o mesmo com o ISS, sendo que para este serão criadas alíquotas mínimas que deverão ser cobradas por todos os mais de cinco mil e quinhentos municípios brasileiros, proibindo Estados e Municípios de concederem isenções ou qualquer mecanismo de benefícios fiscais, o que seria o fim da chamada guerra fiscal.
Para completar o "embrulhinho fiscal - ou se preferirem - pacotinho fiscal" (porque essas medidas - na verdade - de reforma - não têm nada) o governo também cria novos mecanismos de "incentivos" (1) para a exportação através de Medidas Provisórias, créditos presumidos de ressarcimento do Pis e da Cofins e também altera o relativamente a normas do regime de entreposto aduaneiro.
CONSIDERAÇÕES PROPEDÊUTICAS
O objetivo dessas reflexões só se estenderá aos projetos de Emenda Constitucional, não será objeto deste artigo analisar as alterações infraconstitucionais.
Antes de ingressarmos nas considerações principais - se faz mister ressaltar - e todos sabem - que a CPMF, originariamente chamada de IPMF, surgiu da idéia do Imposto Único (2).
Desse modo, essa contribuição permanece em nosso ordenamento, há cerca de oito anos e surgiu com a nomenclatura - IPMF - através da Emenda Constitucional nº3/93.
Naquela época fora introduzido como contribuição provisória para fomentar a Saúde. Mas ocorreram dois fatos frustrantes: o primeiro foi que a referida contribuição foi desviada da Saúde (3); e o segundo, que a provisoriedade veio se alargando e, com base no projeto de Emenda Constitucional do Poder Executivo, estender-se-á até 2004. Na verdade, a provisoriedade que teve início em 1993 caminha para 2004. Serão mais de onze anos... E alguém duvida de que essa imposição terá fim em 2004? É pagar para ver.
O presidente do Banco Central, Armínio Fraga, anunciou que o Mercado de Capitais poderá ficar isento da CPMF. Na Emenda não se tem essa previsão; contudo nada impedirá que a isenção venha através de Lei Ordinária, ou da forma preferida pelo presidente Fernando Henrique Cardoso: a Medida Provisória.
Nesse mesmo projeto de Emenda Constitucional - foi introduzida a seguinte redação:
"Art. 1º São acrescentados o § 5º ao art. 103 e o inciso VIII e os §§ 6º e 7º ao art. 153 da Constituição, com a seguinte redação:
Art.103(...)
§ 5º O Supremo Tribunal Federal, acolhendo incidente de constitucionalidade proposto por pessoas ou entidades referidas no caput, poderá, em casos de reconhecida relevância, determinar a suspensão de todos os processos em curso perante qualquer juízo ou tribunal, para proferir decisão, com eficácia e efeito previstos no § 2º do artigo anterior, que verse exclusivamente sobre matéria constitucional suscitada."
A análise do texto evidencia que será criado um mecanismo inédito em nosso Direito, o incidente de constitucionalidade, que permitirá ao STF, através do pedido de pessoas ou entidades legitimas, suspender processos perante qualquer juízo ou tribunal, até que essa corte julgue o caso. Essa medida tem como objetivo cassar os efeitos de medidas liminares obtidas de forma lícita por contribuinte não conformado com as inconstitucionalidades praticadas pelo Poder Executivo, e, muitas vezes, com a averbação do Poder Legislativo.
Destarte, esse novo mecanismo, data venia, deveria ser discutido na reforma do Judiciário em debates com os Magistrados, OAB, entre outros.
A segunda proposta de Emenda Constitucional, projeto que visa a alterar a sistemática do ICMS e do ISS, deve ser objeto de uma análise acurada da exposição de motivos dissertada pelo Ministro Pedro Malan. Destarte, vimo-lo falar da Reforma Tributária que o Brasil aprovou no final dos anos sessenta, ressaltando que, para aquela época, foi uma reforma ousada e moderna. De toda forma, ele lembra que mais de cem países no mundo tributam em regime de valor agregado e que, nesse contexto, o Brasil é o único que concedeu a titularidade aos Estados, pois, nos demais países, a tributação é essencialmente exercida pela entidade federal - ou seja - quem tem o poder impositivo é o governo central. Nessa mesma exposição, Pedro Malan reconheceu que no Brasil foi criado um federalismo fiscal, tendo como base a tributação de consumo marcantemente estadual, e que é impraticável a mudança desse modelo. Sendo assim, sua intenção é apenas e somente corrigir as "imperfeições do ICMS". Impõe-nos então questioná-lo: "E por que não, Ministro, do ISS?"
A proposta de Emenda Constitucional pode ser condensada nos itens seguintes:
1 - estabelecimento de alíquotas uniformes por classes de produtos ou serviços;
2 - limitação do número de alíquotas até no máximo de cinco classes;
3 - fixação de alíquotas por classe, pelo Senado Federal, em projeto de resolução de iniciativa do Presidente da República, de um terço dos Senadores ou de um terço dos Governadores dos Estados e do Distrito Federal;
4 - vedação de isenção, redução de base de cálculo ou quaisquer outras formas de benefícios fiscais;
5 - disciplinamento do imposto segundo lei complementar da União e obrigatoriedade de regulamento único, aprovado pelo órgão integrado por representantes dos Estados e do Distrito Federal, vedada a adoção de norma autônoma.
6 - adoção de normas visando a coibir a guerra fiscal do ISS, criando alíquotas por serviços ou classes de serviços, vedando benefícios fiscais a qualquer título e estabelecendo prazos uniformes de recolhimento.
Desse modo, além das já apresentadas alterações, faz-se necessário demonstrar outras inovações. Vejamos - caso o projeto de Emenda seja aprovado - como ficará o art.150, § 2º, V e VI da Constituição Federal:
"Art.150 - §2º".
V - cabe à lei complementar:
a) definir fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes do imposto;
b) dispor sobre substituição tributária, base de cálculo a ela aplicável e critérios para sua fixação;
c) disciplinar o regime de compensação do imposto;
d) fixar, para efeito de sua cobrança e definição do estabelecimento responsável, o local das operações relativas à circulação de mercadorias e das prestações de serviços;
e) prever regimes especiais ou simplificados de tributação;
f) definir as classes de alíquotas a que se refere a alínea a do inciso seguinte;
g) dispor sobre o funcionamento de órgão colegiado integrado por representante de cada Estado e do Distrito Federal, responsável pela aprovação do regulamento único do imposto;
VI - compete ao Senado Federal, mediante resolução aprovada pela maioria absoluta de seus membros, de iniciativa do Presidente da República, de um terço dos senadores ou de um terço dos Governadores dos Estados e do Distrito Federal:
a) estabelecer alíquotas aplicáveis a operações e prestações internas, uniformes por mercadoria ou serviço, em todo o território nacional, e estruturadas em no máximo cinco classes de alíquotas;
b) fixar as alíquotas aplicáveis às operações e prestações interestaduais e de exportação;
E a mesma proposta de Emenda Constitucional determina que o atual inciso XII do §2º e o §3º do art.155 da Constituição Federal serão revogados;
De toda forma, entre todas as inovações, merece a nossa disciplinada análise a nova proposta de redação do art.150, §7º, da Constituição Federal, que já fora introduzida no sistema através da EC nº 3/93; faz-se mister observar a atual redação:
"Art.150...".
§7º - A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de impostos ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada à imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido. (redação introduzida pela EC nº 3/93) - (Grifos Nossos).
Apesar de esse artigo ser repudiável pela maioria dos doutrinadores - pois cria uma imposição através de fatos geradores presumidos, conduta proibida na Constituição Federal, há um ponto de "conforto" (4) na última parte do referido dispositivo Constitucional, (redação introduzida pela EC nº 3/93); a Emenda determina expressamente que é assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido. Destarte, em nosso entender, essa redação veio apenas confirmar o óbvio, ou seja, é cristalino que, se o fato gerador não vier a se consumir, o valor cobrado presumidamente deverá ser devolvido ao contribuinte.
Contudo, veja-se o que o Poder Executivo sugere para alterar as "imperfeições" ditas nas exposições de motivos:
"§ 7º A lei poderá, observada base de cálculo presumida, atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento definitivo de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente.".
Analisando a nova redação idealizada pelo Executivo percebemos que a inconstitucionalidade continua - e pior - eles retiraram a redação: assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido, ou seja, a que afirmava aquilo que já era óbvio: "devolver o dinheiro recolhido a título de imposto ou contribuição, caso o fato gerador não venha a ocorrer".
Cabe então perguntar: qual será o projeto do Poder Executivo? Será que sua intenção é continuar a criar tributo de forma presumida? E, mesmo que o fato gerador não ocorra, será que devolverão o dinheiro para os contribuintes? Parece que não; pois qual outro motivo o Executivo teria em alterar esse artigo, repetindo a redação anterior e cortando apenas essa parte da restituição?
De toda sorte, para que o contribuinte tenha o direito à repetição dos valores pagos, antes mesmo da ocorrência do fato gerador, com imposição presumida, basta a evidência de que o fato presumido não tenha ocorrido; pois, independentemente do que preceitua a atual redação do art. 150, § 7º, mesmo que este dispositivo Constitucional não existisse, o contribuinte já teria o direito incontestável da repetição do indébito, e ou compensação. De qualquer forma, é bom que se mantenha essa atual redação Constitucionalizada para evitar discussão, pois as autoridades fiscais, como está claro no projeto, poderiam não reconhecer o referido direito, obrigando os contribuintes a ingressarem com o pedido na esfera judicial, (e ainda dizem que no Brasil existe uma" indústria de liminares"! Assim é mais do que pertinente inquirir: alguém já viu indústria sem matéria - prima?).
A intenção do Poder Executivo nos parece clara: cobrar tributo de forma presumida, e, mesmo que a presunção não ocorra (fato que é comum), dito em outras palavras significa concluir: não será devolvido o dinheiro!
Apenas para ilustrar um exemplo de cobrança de tributo de forma presumida, o que já ocorre com o ICMS, IPI, PIS e a COFINS, (na chamada Substituição Tributária) em alguns segmentos específicos da economia, vejamos:
O cidadão aposta na loteria esportiva, e antes mesmo de sair o resultado do jogo, a prefeitura presume que este cidadão irá ganhar e, comprará um imóvel em sua cidade no valor de R$100.000,00; de antemão a municipalidade local efetua o lançamento do suposto IPTU devido pelo cidadão; este mesmo paga o referido tributo - só que, na conferência do jogo, percebe que não ganhou. O cidadão, entristecido e cabisbaixo, segue até Prefeitura e demonstra que não ganhou na loteria e exige seu dinheiro de volta - pois o fato gerador presumido pela municipalidade não ocorreu.
Por "força" (5) do atual artigo 150, §7, da Constituição Federal, aquilo que nos parece óbvio - mas que está normatizado - para não causar "dúvidas" para as autoridades fiscais - garante a este contribuinte a imediata restituição do valor pago.
Contudo, se o projeto de Emenda for aprovado, a nova redação permitirá que esse direito possa ser questionado pelas autoridades fiscais. (esse exemplo é apenas ilustrativo, claro que isso não ocorre na prática - mas daqui a algum tempo; quem sabe?)
Diante do exposto, não é necessário maior esforço retórico para concluirmos que tal conduta não passa de confisco, vedado pela Carta Magna, e nos mostra mais uma vez que a DESONESTIDADE do governo brasileiro em matéria tributária não tem limite.
Com relação ao Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza - ISS, é fundamental verificarmos a proposta de redação do art.156:
"Art. 156... ".
§ 3º O imposto previsto no inciso III:
I - não incidirá sobre serviços prestados a destinatário no exterior;
II - incidirá na importação de serviço cuja prestação tenha se iniciado no exterior;
III - terá alíquota mínima para serviços ou classes de serviços e prazo de recolhimento uniforme, em conformidade com o disposto em lei complementar;
IV - não será objeto de isenção, redução de base de cálculo ou qualquer outro benefício ou incentivo fiscal."
Assim raciocinando e, já partindo para conclusões, cumpre notar que o inciso I acaba com a discussão doutrinária sobre a incidência ou não do ISS na exportação de serviço. Fica claro que, na exportação de serviços, em geral, não haverá incidência do aludido imposto (6). Em contrapartida, o inciso II introduz a imposição do ISS na importação de serviços cuja prestação tenha iniciado no exterior (7).
CONCLUSÃO
Após as reflexões apresentadas neste texto, conclui-se que a uniformização da legislação do ICMS em todo País - com suas respectivas alíquotas unificadas - e a criação de alíquotas mínimas do ISS para todos os mais de cinco mil e quinhentos municípios da Federação, com a vedação desses entes políticos em concederem isenção ou qualquer outra forma de beneficio fiscal, retiram, objetivamente falando, mecanismos importantes dos entes menos desenvolvidos - em trazer novos investimentos para suas regiões. Apesar de não ser favorável à guerra fiscal existente hoje no país, estou convencido de que o governo deverá criar formas objetivas de compensação para que regiões menos favorecidas possam se desenvolver.
Destarte, não podemos deixar de ressaltar que tais medidas (principalmente todas as relativas ao ICMS e, às alíquotas mínimas para o ISS) são politicamente difíceis de serem aprovadas no Congresso Nacional, pois cada deputado federal é um potencial prefeito de sua cidade; o mesmo raciocínio serve para os Senadores, sendo que esses são potenciais governadores de seus Estados representados e não irão querer diminuir seus próprios "futuros poderes impositivos", jamais irão alegar sua própria torpeza. E mesmo que o governo consiga aprovar essas medidas no Congresso Nacional, pergunto: como ficarão as isenções já concedidas?
Contudo, esse "pacotinho fiscal", na verdade, não traz maiores novidades e, muito menos, benefícios para os contribuintes; traz, sim, com a proposta de nova redação do art.150, § 7º Constituição Federal a demonstração incontestável - de que o Governo Brasileiro é DESONESTO - quando o assunto é cobrar tributo e, data venia, não possui ética na elaboração de normas impositivas.
Citações no texto
(1) Incentivos entre aspas, porque o verdadeiro incentivo para a exportação seria simplesmente a concessão de isenção objetiva do Pis e Cofins para as empresas que passam pela cadeia produtiva, cujo produto final seja exportado e não a criação de fórmula complexa de crédito presumido que na maioria das vezes nem é utilizado pelo contribuinte, devido à burocracia e o terrorismo fiscal provocado pela Secretaria da Receita Federal.
(2) Todos nós - principalmente Contadores e Advogados - sabemos que a tributação universal se divide em: Consumo, Renda e Patrimônio - e que a criação de imposto único é de fato delírio de pessoas não conhecedoras, ou até das conhecedoras do assunto, que usam do Discurso Intelectual Estelionatário para obter vantagens eleitorais.
(3) Muita gente não mais se lembra, mas o então Ministro da Saúde da época - que tanto brigou pela aprovação da contribuição no Congresso Nacional - Dr. Jatene - pediu demissão do ministério porque a referida contribuição estava sendo desviada para outros fins - e uns dois ou três anos atrás - o atual ministro José Serra também quase saiu do ministério pelo mesmo motivo.
(4) Conforto entre aspas, pois juridicamente falando o dispositivo apenas previu o óbvio...
(5) Por "força", como já nos manifestamos, o direito independe da atual redação do Art.150, §7º, da Constituição Federal.
(6) Essa desoneração é bastante positiva, pois é uma contradição tributar diretamente receitas de exportação.
(7) O gravame de ISS na importação de serviço, a priori nos parece lógico, pois, na compra de bens, ativos, e mercadorias em geral - ocorre a tributação do ICMS, IPI e II. Mas há de se ter cuidado na efetiva aplicação deste dispositivo, caso a Emenda seja aprovada, pois essa nova exação poderá encarecer a importação de serviços (que nos trazem, em contrapartida, o know how) para a elaboração de novas tecnologias.