A promulgação da Lei nº 12.441/2011 alterou o Código Civil para fazer incluir o artigo 980-A naquele diploma legislativo, dispositivo que é abaixo transcrito:
“Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.
§ 1º O nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da expressão ‘EIRELI’ após a firma ou a denominação social da empresa individual de responsabilidade limitada.
§ 2º A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade.
§ 3º A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração.
§ 4º (Vetado)
§ 5º Poderá ser atribuída à empresa individual de responsabilidade limitada constituída para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional.
§ 6º Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas.”
Assim, a legislação passou a prever a possibilidade de criação de empresa de responsabilidade limitada com apenas um “sócio”, titular de todo capital social. Esta alteração legislativa foi bastante comemorada no meio jurídico, pois solucionaria, em tese, dois entraves societários no Brasil: (i) criaria a possibilidade de empresa subsidiária integral limitada, assemelhando-se ao que já existe para as sociedades anônimas; e, sobretudo, (ii) eliminaria a praxe de inclusão de pessoa como sócio de capital ínfimo, apenas para atender as exigências antes estabelecidas na norma, qual seja, a de que as sociedades deveriam ter ao menos dois sócios para constituição de sociedade limitada.
Em relação ao entrave (ii) acima descrito, a norma deixa a desejar e, talvez, não alcance eliminar esse problema, em razão do estabelecimento de um valor bastante considerável de capital social mínimo exigido, ao passo que na sociedade limitada “normal” não há esse mínimo de capital, o que pode levar a continuidade da prática acima referida. Como não é esse o ponto que se quer tratar aqui, mas sim a legalidade da decisão do DNRC acerca do item (i), deixa-se aquela discussão para outro artigo e passa-se a tratar da limitação de criação da EIRELI às pessoas jurídicas.
Prontamente após a promulgação da Lei nº 12.441/2011, foi suscitado o debate a respeito da extensão do conceito da “pessoa” descrita na norma constante do caput do acima transcrito artigo 980-A do Código Civil, passando-se a discutir se o mesmo englobaria ou não as pessoas jurídicas.
Nesse ponto, é regra primária de hermenêutica que no âmbito do direito privado as normas são interpretadas de modo extensivo. É a regra do que não está proibido é, portanto, permitido – raciocínio lógico que é invertido nas matérias de direito público.
Logo, se a própria lei não limita a interpretação de “pessoa” na referida norma apenas às pessoas naturais, decorre de lógica hermenêutica a conclusão de que o conceito de pessoa ali inserto abrange todos os sujeitos de direitos, inclusive, portanto, as pessoas jurídicas.
Contudo, a contrário sensu, em 22.11.2011, o DNRC – órgão do Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio e ao qual estão subordinadas todas as Juntas Comerciais do País – editou a Instrução Normativa nº 117, cujo item 1.2.11 proíbe a formalização de sociedade individual de responsabilidade limitada por pessoa jurídica:
“1.2.11 - IMPEDIMENTO PARA SER TITULAR
Não pode ser titular de EIRELI a pessoa jurídica, bem assim a pessoa natural impedida por norma constitucional ou por lei especial.”
Ora, se o Código Civil, conforme alteração trazida pela Lei 12.441/2011, não limita às pessoas naturais a possibilidade de constituição de EIRELI, é de se questionar qual o sentido e se é juridicamente correta a limitação estabelecida pelo DNRC.
Saliente-se que o DNRC é um órgão auxiliar do Poder Executivo Federal, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio, que fornece às Juntas Comerciais diretrizes e orientações de como proceder com os registros de atos societários, inclusive aqueles relacionados ao novo instituto jurídico, e não, ao arrepio de sua competência constitucional e ao princípio da legalidade, instituir limitação que a lei não determina. Atuando nesta senda, o DNRC acaba, por intermédio de criação de entraves nas Juntas Comerciais, criando dificuldades e embaraços na efetivação do instituto.
Com efeito, não há fundamento jurídico que, após o fim do lento e discutido trâmite do processo legislativo para a mencionada modificação do Código Civil, permita ao DNRC editar norma interna direcionada às Justas Comerciais de todo o Brasil com o intuito de obstacular a plena utilização de novo tipo societário, sobretudo quando a referida mudança legislativa visa estimular a atividade econômica como um todo, contribuindo também para o estabelecimento de relações empresariais transparentes, na medida em que evita as composições societárias simuladas; por incentivar a formalização das atividades do mercado empreendedor; e, como conseqüência, aumento na arrecadação de impostos, entre outros benefícios.
De outro lado e como se não bastasse, convém lembrar que a possibilidade legalmente estabelecida de formalização de EIRELI por pessoas jurídicas auxilia sobremaneira a instalação de empresas estrangeiras no País, pois elimina antiga exigência de pluralidade societária para a constituição da sociedade brasileira, o que as obrigava à indicação de pessoa física/natural com participação apenas simbólica no capital social (muitas vezes era necessário nomear pessoas pouco conhecidas da sociedade estrangeira, inclusive), simplesmente para atender ao formalismo anteriormente exigido em lei.
Estabelecida a ilegalidade do entrave criado pelo DNRC, foram suscitadas no Poder Judiciário demandas visando a obtenção de ordens judiciais que autorizem as pessoas jurídicas pleiteantes a constituição de EIRELIs, sendo que recentemente foi reportada pela mídia especializada a concessão de medida liminar por órgão do TJ/RJ nesse sentido. Há a expectativa de incremento no número de processos distribuídos em todo o Brasil sob o mesmo fundamento.
Espera-se, em um futuro próximo e visando conferir maior segurança jurídica às relações comerciais deste tipo, que o DNRC reveja sua posição e revogue a equivocada restrição, o que certamente satisfaria a comunidade jurídica nacional, o empresariado brasileiro e, sobretudo, facilitaria os investimentos estrangeiros. Contudo, enquanto a Instrução Normativa 117 do DNRC permanecer em vigor, a via Judicial parece ser a única alternativa para a constituição de EIRELI pelas pessoas jurídicas.