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Pejotização e a precarização das relações de emprego

31/01/2013 às 13:01

Resumo:


  • A pejotização é a prática de mascarar uma relação de emprego como uma prestação de serviços de pessoa jurídica, visando evitar a aplicação da legislação trabalhista e reduzir custos com direitos e benefícios dos trabalhadores.

  • Essa prática é considerada uma fraude trabalhista e vai contra os princípios fundamentais do Direito do Trabalho, como o da proteção ao trabalhador e da primazia da realidade sobre a forma dos contratos.

  • O combate à pejotização tem sido alvo de ações do Ministério Público do Trabalho e da jurisprudência, que buscam reconhecer a verdadeira natureza da relação de emprego e assegurar os direitos previstos na legislação aos trabalhadores.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Empresas não podem servir para fraudar a legislação trabalhista em vigor, camuflando uma relação de emprego que deve ser calcada nos seus devidos princípios.

Prática que vem se tornando típica dentro do direito trabalhista é a pejotização, isto é, o uso da pessoa jurídica para encobrir uma verdadeira relação de emprego, fazendo transparecer formalmente uma situação jurídica de natureza civil. A denominação é fruto da sigla da pessoa jurídica, isto é, PJ = pejotização, a “transformação” do empregado (sempre pessoa física) em PJ (pessoa jurídica).

Trata-se de um dos tantos reflexos ocasionado pela precarização das relações do trabalho, que demonstra a mitigação dos valores não apenas trabalhistas, mas também conceitos consagrados na Constituição Federal, como o da dignidade da pessoa humana, que permeia todos os demais princípios existentes em nosso ordenamento jurídico.

O ato é adotado em muitos estabelecimentos como obrigação para a admissão do empregado, o qual receberá como prestador de serviços assim regulado pelo Código Civil de 2002, principalmente pelos artigos 593 ao 609, e não regido pela CLT, apesar de estarem presentes todos os aspectos necessários para a constituição da relação emprego, isto é, a onerosidade, a subordinação, a continuidade (não eventualidade), a pessoalidade e ser o trabalho prestado por pessoa física. Assim sendo, a típica relação de emprego será burlada, mascarando-a com a finalidade de não aplicação da legislação trabalhista.

Para a existência de uma verdadeira pessoa jurídica é necessária a livre iniciativa em constituí-la, e não uma obrigação imposta por um terceiro (no caso, seu empregador), e também a vontade assumir o risco econômico em criá-la, os lucros e prejuízos entre os sócios. Para o civilista predomina o principio da autonomia da vontade das partes no ajuste da situação jurídica, algo inconcebível diante do direito laboral. Amauri Mascaro disserta sobre o tema: “... enquanto no direito civil as disposições legais em matéria contratual têm caráter supletivo ou subsidiário, no direito do trabalho têm caráter principal, ao passo que a autonomia da vontade funciona de forma complementar. Invertem-se, portanto, as posições[1]”.

No momento da concretização do instituto, nos aproximamos do direito do trabalho do século XVIII, onde o liberalismo predominava, contudo, esse não é o modelo adotado no nosso sistema atual, porém os empresários agem de forma a ignorar a legislação protetiva do empregado, apesar de tantas lutas e discussões para o alcance de direitos e garantias, agora tratadas como inexistentes.

O Direito do trabalho tutela a pessoa física, não havendo a possibilidade de uma pessoa jurídica ser um empregado. Conforme o conceito de empregado extraído do artigo 3° da CLT, encontramos essa exigência, além do fato do contrato ser intuito personae, isto é, o contrato é personalíssimo, não podendo ser executado por pessoa diversa daquela que o pactuou; no momento em que se vislumbra a presença da pessoa jurídica no pólo que deveria ser do empregado, é configurada uma locação de serviços, ou um contrato de empreitada, temporário, terceirização, trabalhador autônomo, etc. Em suma, a pejorização é um instituto antagônico ao típico empregado do direito laboral.

O fenômeno, a primeira vista, chama a atenção do empregado, pois a pecúnia oferecida pelo empregador é maior, alegando que com a redução com o pagamento de impostos possibilitará o aumento do valor do “salário”, contudo, leva o a acreditar que a oferta é recompensadora, mas na verdade ao empregado não será assegurado pela lei o direito ao décimo terceiro salário, às horas extras, às verbas rescisórias, os direitos previdenciários (e consequentemente à licença maternidade, auxilio reclusão, auxílio doença, etc), ao salário mínimo, ao labor extraordinário, aos intervalos remunerados (descanso semanal remunerado e férias com adicional constitucional de um terço), aos direitos concernentes na ocorrência do acidente de trabalho, entre outros direitos garantidos pela Lei ou em acordos e convenções coletivas, além de trazer muita insegurança ao empregado que labora em tais condições, sem nenhuma garantia. Se não fossem apenas os direitos trabalhistas suprimidos, o empregado ainda terá que arcar com as despesas provenientes de uma pessoa jurídica, como o contador, o pagamento de impostos e contribuições de abertura, manutenção e encerramento da firma, além de assumir os riscos de um negócio que não tem razão de existir.

Por outro lado, o empregador se beneficia pela desoneração de uma séria de responsabilidades como a acima expostas, além da carga tributária reduzida, contando com a prestação de serviços ininterrupto pelos 12 meses do ano (pois a empresa contratada não tem o direito a gozar férias), é liberado do pagamento do INSS de 20% sobre a folha a título de contribuição previdenciária assim como a contribuição para o Sistema “S” sobre esse prestador de serviço, também não precisará pagar a alíquota de 8% referente ao FGTS assim como a indenização de 40% sobre o seu montante, nem tampouco o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço. Um empregador que se dispõe a pejorizar um empregado com o fim de pagar menos encargos sociais, desrespeitando os preceitos laborais, provavelmente também estará disposto a aplicar outras arbitrariedades. Partindo do mesmo raciocínio, o empregador almejando o maior lucro possível, sobrecarrega os empregados e não possui nem o encargo de efetuar o reajuste salarial na data base.

De acordo com o artigo 9° da CLT, o instituto é considerado fraude nas relações trabalhistas: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”, devendo ser considerada nula a prestação de serviços mediante a pejotização.  De certa forma é uma repressão imposta pelos empregadores com o intuito de não aplicar a legislação trabalhista. O empregado acaba cedendo, pois é o seu modo de subsistência e também em razão da dependência econômica face ao empregador.

Também é considerado crime de frustração de direito trabalhista, conforme mencionado no titulo dedicado aos Crimes contra a Organização do Trabalho, disposto no artigo 203 do Código Penal, que assim disciplina: “Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho: Pena: detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência”. Mas para tanto, deverá ser ajuizada uma ação no juízo criminal para a sua configuração.

Na ocorrência do instituto há o nascimento de outro aspecto pouco suscitado, é a questão da dificuldade de sindicalização, e por conseguinte, a formação de acordos ou convenções coletivas para reivindicar direitos e impedir eventuais abusos patronais, sendo de fundamental importância para a categoria, enfraquecendo consideravelmente o setor.

Como a legislação não possui nenhum dispositivo expresso para ser aplicado quanto à matéria, resta utilizar o artigo 8° da CLT[2], permitindo a utilização de princípios para a resolução de controvérsias na ocorrência de falta de disposição legal.

Neste contexto, verifica-se a importância do princípio da primazia da realidade, considerado um dos pilares do ramo laboral, no qual se detém a situação realmente existente à situação acordada pelas partes, disposta formalmente nos documentos. Conforme Mario de La Cueva:

A existência de uma relação de trabalho depende, em conseqüência, não do que as partes tiverem pactuado, mas da situação real em que o trabalhador se ache colocado, porque [...] a aplicação do Direito do Trabalho depende cada vez menos de uma relação jurídica subjetiva do que de uma situação objetiva, cuja existência é independente do ato que condiciona seu nascimento. Donde resulta errôneo pretender julgar a natureza de uma relação de acordo com o que as partes tiverem pactuado, uma vez que, se as estipulações consignadas no contrato não correspondem à realidade, carecerão de qualquer valor.

Em razão do exposto é que o contrato de trabalho foi denominado contrato-realidade, posto que existe não no acordo abstrato de vontades, mas na realidade da prestação do serviço, e que é esta e não aquele acordo o que determina sua existência[3].

Segundo uma decisão narrada por Américo Plá Rodriguez, datando de 28 de dezembro de 1934:

Não é o empregador quem deve atribuir a qualidade de empregado; esta surge da natureza dos fatos da relação jurídica que a configura, independentemente da interpretação mais ou menos tendenciosa dos interessados[4].

A partir do apontado, examinamos que o fato de deturpar a relação de emprego é antigo, mas os juristas desde então a configuram, pois conforme explanado, essa relação é intrínseca a natureza do vínculo.

À natureza jurídica do contrato de emprego é dado o nome de contrato realidade, e as normas trabalhistas, como são de natureza cogente, isto é, vinculada, são de aplicação obrigatória, portanto não cabem às partes do contrato – empregador e empregado – escolher qual será a natureza do contrato celebrado. A pejotização encontra o obstáculo no principio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, os quais foram adquiridos ao longo de anos e não poderão ser suprimidos ou reduzidos por simples vontade dos contratantes; o que poderá ser feito pelas partes é apenas a sua ampliação.

Seguindo o raciocínio, conforme o parágrafo único do artigo 8° da CLT, também podemos aplicar o artigo 166 do Código Civil que considera nulo todo negocio jurídico que: “VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa”; assim como o artigo 167 também do CC, que disciplina: “É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. § 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: [...] II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira”. Por conseguinte, também encontramos respaldo no Código Civil para considerarmos o contrato de emprego (contrato dissumulado) ao contrato pejotizado (contrato simulado).

A jurisprudência tem se calcado nesse argumento para firmar a relação de emprego existente, desde que presentes os pressupostos para tal, conforme trecho do acórdão do TRT da 2ª, 3ª e 17ª Região, respectivamente:

Do vínculo empregatício. Exsurge da prova oral que a depoente, assim como o recorrido, cumpriam jornada fixa e havia controle de horário. O fato do reclamante ter aberto uma empresa, em seu próprio nome, para corretagem de seguros, nada comprova; trata-se de mais um caso incluído no rol da chamada "pejotização", isto é, os trabalhadores tornam-se "pessoas jurídicas", por força da imposição patronal, como garantia da manutenção ou obtenção do emprego. Presentes, os requisitos da pessoalidade, da subordinação jurídica; havia onerosidade, habitualidade e não eventualidade...” (Processo n° 02096-2004-036-02-00-1 RO, Acórdão n° 20090179921. Public 17 março 2009. 10ª Turma, TRT 2ª Região. Desembargadora Relatora Marta Casadei Momezzo)[5].

Fraude trabalhista - prestação de serviço por suposta pessoa jurídica. O conjunto probatório constituído nos autos comprova a fraude à legislação trabalhista, na medida em que o reclamante, através de empresa interposta foi inserido no processo produtivo da atividade econômica da reclamada, desempenhando atividades imprescindíveis à consecução do empreendimento empresarial. A pessoa jurídica constituída pelo trabalhador é típica empresa de fachada, hipótese clara de pejotização, com capital social de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), dividido em 100 cotas, sendo que apenas uma cota pertencia ao outro sócio, com o qual o reclamante possui relação de parentesco”. (Processo n° 01288-2009-100-03-00-8 RO, Public 10 março 2010. 8ª Turma, TRT 3ª Região. Desembargadora Relatora Maria Cristina Diniz Caixeta)[6].

Princípio do Contrato Realidade. Fraude. Vínculo de Emprego Reconhecido. Comprovado que o autor, por todo o período de trabalho, laborou para a reclamada com pessoalidade, onerosidade, não-eventualidade e subordinação jurídica, é imperativo o reconhecimento do vínculo de emprego, reputando-se fraudulenta, nos termos do art. 9º da CLT, a empreitada da reclamada de mascarar a relação de emprego, forçando o empregado a prestar-lhe serviços como se pessoa jurídica fosse”. (Processo n° 00788.2009.001.17.00.4 RO, Public 15 março 2011. 1ª Turma, TRT 17ª Região. Desembargador Relator Gerson Fernando da Sylveira Novais)[7].

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Conforme verificado, resta ao Poder Judiciário reconhecer a situação fática existente, desconsiderando o que se encontra documentalmente exposto, visto que a verdade de fato é mais benéfica ao empregado.

O Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região também se baseou no principio da continuidade da relação de emprego para configurar o liame empregatício:

Verifica-se, pois, que ao contrário do quanto afirmado pelo Recorrente, o Recorrido trabalhou efetivamente como advogado da empresa de dez/83 a dez/86, ocasião em que foi despedido para ser, automaticamente recontratado, prestando os mesmos serviços. A diferença básica entre os dois contratos reside no fato de que antes prestava os serviços como empregado, após a despedida, como autônomo. O fenômeno ocorrido nos presentes autos, embora incipiente em 1986, ganhou depois grande notoriedade o mundo das relações de trabalho e é hoje denominado de "PEJOTIZAÇÃO”. A pejotização é uma forma de terceirização mediante a qual a mesma pessoa, antes empregada, continua a realizar os mesmos serviços com a diferença de que a forma do contrato de trabalho transmuda-se geralmente sob a denominação jurídica de profissional liberal, micro-empresa ou cooperativa. Ora, são princípios basilares do contrato de trabalho o da primazia da realidade e da continuidade da relação de emprego. Este último decorre da presunção de que ao empregado não é vantajoso o término do vínculo empregatício, uma vez que o contrato de trabalho é regido por legislação específica que assegura ao obreiro vantagens que dificilmente encontrará noutras relações de trabalho. Quanto ao princípio da primazia da realidade, é relevante no caso dos autos uma vez que retira o valor probatório do contrato escrito se a relação material com aquele não se coaduna.” (Processo 0049200-11.2004.5.05.0021 RO, DJ 19/11/2009. 5ª Turma TRT 5ª Região. Desembargadora Relatora Maria Adna Aguiar)[8].

Como podemos analisar, o magistrado levou em consideração o fato, em consonância com as demais provas realizadas no processo, que na ocorrência da continuidade da relação de serviços, isto ocorreu através da relação típica de emprego, e não através de um contrato de prestação de serviços.

O Tribunal Superior do Trabalho também se posiciona da mesma maneira, conforme decisão do Agravo de Instrumento que tinha o intuito de dar seguimento ao Recurso de Revista denegado pelo TRT da 1ª Região, tratando do célebre caso envolvendo uma jornalista:

Agravo de Instrumento. Recurso de Revista. Constituição de pessoa jurídica com o intuito de dissimular o contrato de trabalho. Discrepância entre o aspecto formal e a realidade. O acórdão recorrido contém todas as premissas que autorizam o exame do enquadramento jurídico dado pelo TRT aos fatos registrados. Nesse contexto, verifica-se que se tratava de típica fraude ao contrato de trabalho, consubstanciada na imposição feita pelo empregador para que o empregado constituísse pessoa jurídica com o objetivo de burlar a relação de emprego havida entre as partes. Não se constata violação dos artigos 110 e 111 do Código Civil, uma vez que demonstrada a ocorrência de fraude, revelada na discrepância entre o aspecto formal (contratos celebrados) e a realidade. Agravo de instrumento improvido” (AIRR - 1313/2001-051-01-40. 6ª Turma TST. Publicação DEJT 31/10/2008. Ministro Relator Horácio Senna Pires)[9].

Além do mais, corroborando com nossa teoria, o artigo 442 da CLT regulamenta que o “Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”, portanto por mais que o serviço seja prestado por uma pessoa jurídica mediante contrato formalmente escrito com outra denominação, tacitamente a relação de emprego está perfectibilizada.

O magistrado ao reconhecer a questão da fraude trabalhista, decretando a sua nulidade, constituirá a relação de emprego, com a assinatura da carteira de trabalho e previdência social com o direito ao percebimento de todas as verbas trabalhistas advindas.

Muitas empresas justificam a utilização da pessoa jurídica no momento da prestação dos serviços se calcando no artigo 129 da Lei n° 11.196 de 2005, que dispõe:

Artigo 129 Lei n° 11.196/2005. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.

Parágrafo único: VETADO.

Contudo, a interpretação da citada norma, muito criticada por diversos doutrinadores, tem sido equivocada, uma vez que é muito recente. O uso da pessoa jurídica poderá ocorrer no momento de prestações de serviços não habituais e/ou sem subordinação, apenas para suprir alguma demanda específica, isto é, de caráter temporário ou esporádico, assim poderíamos utilizar a sua figura sem burlar a legislação trabalhista, visto que estará configurado um verdadeiro e típico contrato de prestação de serviços. Entretanto será uma situação implausível quando se tratar de atividade corrente do estabelecimento, ou seja, sem eventualidade. Além do mais o próprio parágrafo único do artigo 3° da CLT, que conceitua o termo empregado, disciplina que não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual, portanto, a lei ordinária jamais poderia estabelecer qualquer diferenciação entre essas classes. Se a relação de trabalho encontra-se revestida nas características de uma relação de emprego, qual seja a modalidade adotada (se científica, artística ou cultural) os preceitos empregatícios deverão estar presentes. Destarte, a leitura e aplicação da norma deverão ser minuciosas para evitar interpretações errôneas.

Quanto ao veto do parágrafo único do mesmo artigo, vejamos o que continha: “O disposto neste artigo não se aplica quando configurada relação de emprego entre o prestador de serviço e a pessoa jurídica contratante, em virtude de sentença judicial definitiva decorrente de reclamação trabalhista".

Portanto, o próprio parágrafo único já alertava sobre o fato de caso esteja configurada uma relação de emprego, o disposto no caput não seria aplicado, porém, houve o veto. Todavia, as razões do veto são as seguintes:

O parágrafo único do dispositivo em comento ressalva da regra estabelecida no caput a hipótese de ficar configurada relação de emprego entre o prestador de serviço e a pessoa jurídica contratante, em virtude de sentença judicial definitiva decorrente de reclamação trabalhista. Entretanto, as legislações tributária e previdenciária, para incidirem sobre o fato gerador cominado em lei, independem da existência de relação trabalhista entre o tomador do serviço e o prestador do serviço. Ademais, a condicionante da ocorrência do fato gerador à existência de sentença judicial trabalhista definitiva não atende ao princípio da razoabilidade.

Analisando o veto, verificamos que o legislador apenas considerou a hipótese de incidência do fato gerador para a aplicação da legislação tributária e previdenciária, o achando prescindível diante do caput, no entanto, esqueceu que o parágrafo único vai mais além, regulando também a legislação trabalhista, e não apenas aquelas áreas, ocasionando celeuma do campo laboral. Ocorre que a Lei n° 11.196/2005 foi idealizada para regular o direito tributário, o artigo em questão não deveria ser tratado dentro de uma Lei com o objetivo tão distante do direito trabalhista, e uma vez ocorrido, surge tal situação como a apontada, sem a devida atenção aos princípios justrabalhistas.

Não obstante, caso ainda reste alguma duvida no momento da aplicação do artigo 129 da lei em comento ou a CLT, podemos recorrer mais uma vez aos princípios, nesse caso o princípio da proteção e o princípio da norma mais favorável, que segundo Alice Monteiro de Barros:

O principio da proteção é consubstanciado na norma e na condição mais favorável, cujo fundamento se subsume à essência do Direito do Trabalho. Seu propósito consiste em tentar corrigir desigualdades, criando uma superioridade jurídica em favor do empregado, diante da sua condição de hipossuficiente.

O fundamento do principio da norma mais favorável é a existência de duas ou mais normas, cuja preferência na aplicação é objeto de polemica. Esse princípio autoriza a aplicação da norma mais favorável, independentemente da sua hierarquia[10].

Conforme dados apontados na matéria veiculada por Sandra Turcato e Rosualdo Rodrigues:

De acordo com estudo do IBGE veiculado em 2004, com base no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), havia no país aproximadamente 4,5 milhões de empresas cadastradas naquele ano. Desses, 3,1 milhões (68%) são empresas sem empregados. O próprio IBGE diagnostica que, na maioria desses casos, a empresa é assim constituída com o objetivo de modificar o vínculo do trabalhador com a empresa em que ele realmente trabalha[11].

Conforme relatado, em decorrência de serem empresas sem empregados, apenas de fachada, a pejotização também é comumente e ironicamente chamada da empresa do “eu sozinho”.

Para evitar a ocorrência, campanhas de prevenção devem ser realizadas a fim de aprofundar os direitos que os empregados fazem jus. O Ministério Público do Trabalho está engajado no Combate à Pejoratização com apoio dos Sindicatos representativos das categorias. Foi criada pela Procuradoria Geral do MPT, a Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho – CONAFRET - e por sua vez nas Procuradorias Regionais, as Coordenadorias Regionais de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho, com um dos intuitos de inibir a pejotização.

O assunto tomou proporções ainda maiores nos últimos anos devido à Emenda n° 3 da Lei n° 11.457 em 2007, que alteraria o artigo 6°, § 4° da Lei n° 10.593 de 2002, que trazia o seguinte: “No exercício das atribuições da autoridade fiscal de que trata esta Lei, a desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá sempre ser precedida de decisão judicial”, que após apelos de diversos setores da sociedade, sofreu Veto Presidencial conforme a razão exposta:

As legislações tributária e previdenciária, para incidirem sobre o fato gerador cominado em lei, independem da existência de relação de trabalho entre o tomador do serviço e o prestador do serviço. Condicionar a ocorrência do fato gerador à existência de decisão judicial não atende ao princípio constitucional da separação dos Poderes.

Sem o veto, o artigo estaria por incentivar a pejotização, visto que os fiscais não teriam a prerrogativa de executar o seu poder de oficio que é autuar e fiscalizar atos que atentam contra o direito trabalhista, obrigando o empregado a ajuizar uma reclamação trabalhista perante o poder judiciário pleiteando a sua condição, porém, nem todos sabem que possuem este direito, e até o momento de ingresso na justiça, várias verbas já poderão estar prescritas, ocasionando reflexos ainda mais severos na vida do obreiro. Além do mais, diversos empregados não ajuizariam a ação, pois muitos não gostariam de “manchar” seu currículo profissional com tal informação. O fiscal do trabalho que verificar a situação fraudulenta tem o condão de corrigi-la, transformando a prestação de serviços em um genuíno contrato de empregado, de acordo com a competência disciplinada no artigo 21, XXIV Constituição Federal[12] para tanto.

O mercado de trabalho mostra-se cada dia mais enxuto, crises financeiras globalizadas assustam a sociedade constantemente, e os trabalhadores, por sua vez, veem-se na situação de não ter saída e se rendem a situação tratada. Por fim, o direito do trabalho não serve apenas para regular as relações sociais entre trabalhadores e suas possíveis soluções, também é utilizado para tutelar o empregado, que na maioria das vezes encontra-se na situação de hipossuficiência, acabando por se sujeitar ao poder de comando arbitrário do empregador. Os princípios mostram-se muito importantes nessas ocasiões, visto que no mundo dos fatos os acontecimentos ocorrem mais rapidamente do que no campo do direito positivado, e recorremos a eles para o deslinde da situação, encontrando uma solução justa e equilibrada.

Ademais, também existem movimentos a favor da transformação da pessoa física em pessoa jurídica, complicando o estudo sobre o evento. Gostaríamos que ficasse claro que não se quer evitar a transformação da pessoa física em pessoa jurídica, empresários surgem diariamente, mas com o verdadeiro fim de uma empresa, qual seja administrar uma sociedade empresária. O que não desejamos é que isso encubra uma verdadeira relação de emprego. Empresas devem ser criadas e representam desenvolvimento dentro da sociedade, mas em nenhum momento este desenvolvimento deverá passar por cima dos direitos trabalhistas e muito menos fraudando a legislação em vigor, camuflando uma relação de emprego que deve ser calcada nos seus devidos princípios. Cada instituto deve ser aplicado onde couber, sem romper barreiras existentes entre as suas classificações.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 4ª Ed. São Paulo: LTr, 2008. 1384 p.

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. São Paulo. Disponível em < http://www.trt2.jus.br>. Acesso em 09 jun.2011

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Minas Gerais. Disponível em <http://www.mg.trt.gov.br>. Acesso em 14 jun.2011

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região. Bahia. Disponível em <http://www.trt5.jus.br> Acesso em 20 jun.2011

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região. Espírito Santo. Disponível em <www.trt17.gov.br>. Acesso em 20 jun.2011.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em <http://www.tst.gov.br> Acesso em 14 jun.2011

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho.  23 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 1312 p.

RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. São Paulo:  LTr. 4ª Ed. 1996, 315 p.

TURCATO, Sandra; RODRIGUES, Rosualdo. PJ é artifício para sonegação de direitos. Revista ANAMATRA, Brasil, Ano XVII. n° 55 p. 11-15, 2º semestre de 2008. 64 p.


Notas

[1] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho.  23 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p 383.

[2] Artigo 8º CLT. As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. Parágrafo único: O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.

[3] CUEVA, Mario de La apud RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. São Paulo:  LTr. 4ª Ed. 1996, p 218.

[4] GARICOITS, Farmín apud RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. São Paulo:  LTr. 4ª Ed. 1996, p 239.

[5] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. São Paulo. Disponível em < http://www.trt2.jus.br>. Acesso em 09 jun.2011

[6] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Minas Gerais. Disponível em <http://www.mg.trt.gov.br>. Acesso em 14 jun.2011

[7] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região. Espírito Santo. Disponível em <www.trt17.gov.br>. Acesso em 20 jun.2011.

[8] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região. Bahia. Disponível em <http://www.trt5.jus.br> Acesso em 20 jun.2011

[9] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em <http://www.tst.gov.br> Acesso em 14 jun.2011

[10] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 4ª Ed. São Paulo: LTr, 2008. P 180.

[11] TURCATO, Sandra; RODRIGUES, Rosualdo. PJ é artifício para sonegação de direitos. Revista ANAMATRA, Brasil, Ano XVII. n° 55 p. 11-15, 2º semestre de 2008. 64 p.

[12] Artigo 21 CF. Compete à União: XXIV - organizar, manter e executar a inspeção do trabalho;

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Sobre a autora
Laura Machado de Oliveira

Professora da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Mestra pela UFRGS em Direito do Trabalho. Advogada especialista em Direito e Processo do Trabalho. Autora de diversos artigos trabalhistas. Citada reiteradamente em acórdãos do TST. Autora do livro "O direito do trabalho penitenciário" pela Lumen Juris.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Laura Machado. Pejotização e a precarização das relações de emprego. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3501, 31 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23588. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Artigo publicado na obra Temas de Direito e Processo do Trabalho - Volume I - Relação de Emprego - Estudos em Homenagem a Paulo Orval Particheli Rodrigues, pela Editora Verbo Jurídico, 320 p. 2012.

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