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Princípio protetor:

uma nova leitura diante da flexibilização das normas trabalhistas

01/11/2001 às 01:00
Leia nesta página:

            Sumário: 1. Introdução; 2. O Princípio Protetor e a Flexibilização; 3. As Novas Perspectivas do Direito Laboral diante da Tendência de Flexibilização das Normas Trabalhistas;4. Conclusão; 5. Referências Bibliográficas.


1. Introdução

            Considerado por alguns doutrinadores como o único princípio específico do Direito do Trabalho, o princípio da proteção se caracteriza pela interferência básica do Estado nas relações de trabalho, por meio de normas de ordem pública, com o fim especial de compensar a desigualdade econômica desfavorável ao trabalhador com uma proteção jurídica a ele favorável(1).

            Havendo uma real possibilidade de alteração in pejus das condições de trabalho, a compreensão básica é a de que o princípio protetor, evidentemente, será afetado. A compatibilização da flexibilidade necessária com o princípio de caráter tutelar e a imperatividade das normas laborais, que é a própria razão histórica do Direito do Trabalho, pode ser resolvida através da evolução da atividade interpretativa e da ampliação das categorias jurídicas. De toda a forma, vários fatores têm atuado em concausa, levando esse ramo especializado do Direito e, por conseqüência, a maior e menor intervenção estatal para algumas revisões conceituais, entre as quais se destaca a flexibilização, atingindo de forma peculiar o princípio protetor em seu conceito clássico, daí o interesse do presente estudo.

            Sem dúvida, estamos vivenciando um período de grandes transformações das realidades brasileira e mundial em que, nos âmbitos jurídico e político, um dos assuntos de que muito se ouve falar tem sido a flexibilização das normas que regulam as relações de trabalho. Não pretendemos explicitar a tese da flexibilização idealizada por Hans Kelsen(2), ou seja, de fenômeno contrário à segurança e estabilidade jurídicas de que é objeto a Teoria Pura do Direito, ao vedar o arbítrio do aplicador do direito, no que tange à possibilidade de determinar regras individuais desvinculadas de uma fundamentação de uma regra de caráter geral.

            Nesse passo, o tema sobre o qual vamos tratar — "Princípio Protetor: Uma Nova Leitura diante da Flexibilização das Normas Trabalhistas" — torna-se fascinante para qualquer estudioso do Direito do Trabalho, uma vez que a tese da flexibilização das normas trabalhistas constitui processo relacionado com a adaptação de preceitos que regulamentam as relações laborais, em face das diversificadas transformações ditadas por fatores diversos que afetam a nova realidade do mundo do trabalho.


2. O Principio Protetor e a Flexibilização

            Flexível significa algo que se dobra sem quebrar, o fácil de manejar, o maleável. Flexibilizar as normas trabalhistas quer dizer, a pôr, torná-las o mais ajustável a situações fáticas, menos rígidas. Em princípio, corresponde a troca do preceito de natureza genérica por outro de natureza individualizada. É a predominância da convenção coletiva sobre a lei; da autonomia dos grupos privados sobre o intervencionismo estatal. A ordem pública social estaria presenteada com uma legislação trabalhista mais dispositiva e menos imperativa, consagrando a autonomia da vontade em situações cruciais da relação de emprego. A flexibilização do Direito do Trabalho denota, por fim, um processo de adaptação das normas trabalhistas à realidade latente.

            É importante ressaltar, todavia, que não se deve confundir flexibilização com desregulamentação, interpretação equívoca freqüentemente cometida por alguns autores, ao usarem as duas situações como sinônimo e, portanto, de maneira indiferente. A desregulamentação do Direito do Trabalho retira a proteção social do Estado sobre o trabalhador, permitindo que a autonomia privada, seja ela individual ou coletiva determine as condições de trabalho e os direitos e obrigações provenientes das relações laborais. A flexibilização, por outro lado, pressupõe a intervenção estatal por meio de normas de caráter geral, que consubstanciam em seus preceitos valores, direitos e garantias, sem as quais o trabalhador não poderia viver dignamente(3). O que se observa, na realidade, é que o processo de flexibilização das normas trabalhistas ocorre de forma freqüente, como uma tendência que se avança em diversos países do mundo, inclusive no Brasil e, diminuído ou abstraídos os seus excessos, impõe o estabelecimento de preceitos reguladores de relações laborais aos novos tempos.

            Muito se tem discutido acerca dos reflexos dessa teoria flexibilizadora sobre as normas que regulam as relações de trabalho e, por conseguinte, sobre o princípio protecionista, em seus vários desdobramentos. Não há dúvidas de que o abrandamento necessário das normas rígidas que se mostram incompatíveis com o atual momento histórico do Direito do Trabalho, mediante o denominado processo de flexibilização das mesmas, incidirá e afetará a essência de proteção universalmente consagrada.

            Aqueles que preconizam a flexibilização justificam tal teoria sob fundamentos diversos, sendo os mais indicados os seguintes: a pura necessidade de reformar e rever conceitos que hoje consideram superados; o excessivo "engessamento" das relações de trabalho pela indevida intromissão estatal; o extraordinário avanço da tecnologia, que tornam incompatíveis as modernas formas de produção com os atuais modelos de relação de trabalho; o excesso de proteção, que teria efeitos perversos, resultando em diminuição dos postos de trabalho, aumento do subemprego e do trabalho informal(4).

            Por outro lado, há aqueles que entendem que os impulsos tecnológicos, da automação, somados a tese da flexibilização das normas laborais são elementos indutores de desemprego e precarização do trabalho(5). A flexibilização seria um meio de retrocesso, pondo por fim a tudo que fora arduamente conquistado pelos trabalhadores no decorrer dos séculos de reivindicação.

            A par do que foi exposto, entendemos que a desregulamentação do Direito do Trabalho seria uma forma radical de flexibilização, na medida em que o Estado retira a proteção normativa mínima conferida ao trabalhador. A flexibilização, por sua vez, pressupõe a intervenção básica do Estado, com o intuito de assegurar, mediante normas protecionistas de caráter geral, não apenas uma igualdade formal entre as partes, mas essencialmente, uma igualdade substancial e verdadeira entre elas(6). Afora a flexibilização das leis trabalhistas propostas de forma radical, que só ensejam freqüentes abusos, os instrumentos flexibilizadores são capazes de compatibilizar os interesses das empresas e de seus trabalhadores, de modo a adaptar os preceitos de ordem pública às grandes alterações ditadas pelas crises econômicas e pelo desenvolvimento tecnológico.


3. As Novas Perspectivas do Direito Laboral diante da Tendência de Flexibilização das Normas Trabalhistas

            As normas materiais e processuais do trabalho em nosso país vêm, de há muito, necessitando de reformas de fundo, que impliquem na modernização do sistema, sobre tudo para a rápida e efetiva atividade jurisdicional. De nada valem direitos e garantias insertas em um ordenamento jurídico, prescrevendo a tão consagrada proteção do hipossuficiente, se o órgão competente a dar a efetividade ao sistema não é dotado de condições materiais para tanto e, se não bastasse, ainda se encontra preso a obstáculos de ordem instrumental que impossibilita o seu exercício.

            Sob o fundamento da modernização do direito e das relações laborais, nossa legislação trabalhista começou a ser modificada, permitindo que, mediante negociação coletiva, até os mínimos legais pudessem ser abandonados. Como conseqüência disso, o Estado – que passou a se sentir incomodado ao regular excessivamente as relações de trabalho – diminuiu sua fiscalização quanto ao cumprimento da legislação do trabalho.

            O desregramento da proteção heterônoma do trabalho, para dar lugar à autonomia privada coletiva, como muitos reivindicam como uma tendência e, até mesmo, como uma perspectiva de escala mundial, pressupõe sindicatos de boa representatividade em todas as regiões e de todas as categorias profissionais. Vale ressaltar, entretanto, que essa realidade não se verifica entre nós. Uma tendência natural e necessária passa a ser considerada, pelo menos aqui no Brasil, diante das circunstâncias, como meio de agravamento das desigualdades sociais que esmagam, a cada dia, grande parte de nossa população. Diante desse contexto, caminhamos a passos largos para a concretização de um verdadeiro retrocesso histórico.

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4. Conclusão

            Parece não haver dúvidas no sentido de que o Direito do Trabalho tem se mostrado sensível a diversos fenômenos constatados na atualidade, notadamente alguns que, de forma especial, foram marcados nas três décadas que antecederam a passagem do milênio. É certo que as transformações da economia mundial e dos meios de produção, por si, justificam a flexibilização das normas de proteção ao trabalhador e não, como possível de ocorrer, resultar na desregulamentação do Direito do Trabalho.

            A flexibilização das normas trabalhistas não só é uma tendência, mais uma perspectiva de escala mundial. Os reflexos dos mecanismos flexibilizadores sobre os princípios do Direito do Trabalho, especialmente no princípio protetor, já é um fato. Com efeito, o que se faz mister, é a utilização da flexibilização de normas jurídicas, assistida por entes coletivos devidamente estruturados, mediante o pleno incentivo à autonomia privada coletiva, observados os padrões mínimos de proteção.

            A compatibilização do princípio protetor com a teoria da flexibilização pode ser resolvida através de uma evolução do trabalho interpretativo e da ampliação das categorias jurídicas envolvidas. Vale frisar, como já foi analisado, que a própria manutenção do princípio clássico de proteção se obtém por meios outros que não apenas através de norma de origem estatal. É nesse ponto que os interesses e os direitos dos trabalhadores podem ser defendidos, ampliados e até mesmo restringidos por meio de uma atuação efetiva dos entes coletivos. Uma flexibilização verdadeira, consciente conduziria a privilegiar a liberdade sindical, instrumento capaz de concretizar a perspectiva atual e inevitável que corresponde à autonomia privada coletiva.

            Devemos estar certos de que o Direito do Trabalho reclama por reformas profundas, como meio de remoção dos entraves, de modo a propiciar a sua vocação maior que é a instrumentalidade das formas, sem que se retire o caráter protecionista desse ramo especializado do Direito.


5. Referências Bibliográficas

            Obras Doutrinárias

            1. BELTRAN, Ari Possidonio. Dilemas do Trabalho e do Emprego na Atualidade. São Paulo: LTr, 2001, 264p.

            2. FRANCO FILHO, G. de S. Globalização & Desemprego: Mudanças nas Relações de Trabalho. 1ª ed. São Paulo: LTr, 1998, 205p.

            3. HANS, Kelsen. Teoria Pura do Direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, 427p.

            4. NASCIMENTO, A. M. Curso de Direito do Trabalho. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, 934p.

            5. PLÁ RODRIGUEZ. Américo. Princípios do Direito do Trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2000, 453p.

            6. SÜSSEKIND, Arnaldo e outros. Instituições de Direito do Trabalho. 19ª ed. São Paulo: LTr, vol. 1, 2000, 736p.

            Periódicos

            1. ARAÚJO, Eneida Melo Correia de. Os Princípios do Direito do Trabalho como Justificativa de Manutenção da Justiça do Trabalho. In: Revista da Amatra VI, ano III, nº 7, 1999, p. 29-35.

            2. MELO FILHO, Hugo Cavalcanti. Impulsos Tecnológicos e Precarização do Trabalho. In: Revista da Amatra VI, ano IV, nº 11, p. 05-08, 2000.

            3. PEREIRA, José Luciano de Castilho. Perspectivas do Direito do Trabalho. In: Revista da Amatra VI, ano I, nº 5, p. 5-11, 1998.


Notas

            1.Maria Rita Ferragut, Presunções no Direito Tributário, Dialética, p.45

            2.Teoria Geral do Direito Tributário, Lejus, p. 508

            3.Presunções e Ficções no Direito Tributário, Del Rey, pp. 58/59

            4.Obra citada, p. 59

            5.Presunções no Direito Tributário, Caderno de Pesquisas Tributárias, Resenha Tributária, pp. 210/213

            6.Temas de Direito Público, Belo Horizonte, Del Rey, p. 378

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Sobre a autora
Marsha Almeida de Oliveira

advogada, pós-graduanda em Direito do Trabalho pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pela Escola Superior da Magistratura Trabalhista da 6ª Região

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Marsha Almeida. Princípio protetor:: uma nova leitura diante da flexibilização das normas trabalhistas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2370. Acesso em: 26 dez. 2024.

Mais informações

Tese aprovada no Concurso de Seleção de Teses do Congresso de Direito e Processo do Trabalho realizado em Recife, no auditório do Hotel Recife Palace, nos dias 15 e 16 de setembro de 2001, sob a coordenação geral de Misael Montenegro Filho e coordenação científica de Flávia Reis e Sérgio Torres, tendo sido considerado uma das três melhores teses do Congresso, constando dos anais do evento.

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