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A justiça do trabalho e o estagiário de direito

01/11/2001 às 01:00
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O tema em questão pode a primeira vista, tratar-se de assunto pacífico em nosso Direito. Entretanto, ainda pode-se observar o contrário. Muitos operadores do Direito, principalmente operadores do Direito do Trabalho, não estão a par com a real situação jurídica a que o Direito pátrio disciplina a figura do estagiário de Direito. É este, então, o propósito do presente trabalho, lançar apenas questionamentos sobre quais são os direitos e deveres do acadêmico inscrito na Ordem dos Advogados, levando em consideração a Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB) e os ditames do Processo Trabalhista.

Inicialmente, é conveniente esclarecermos o que vem a ser a figura do estagiário. Estágio é a atividade de aprendizado que proporciona ao estudante vivenciar situações reais de trabalho e de convivência com o meio e junto a um profissional de mesma área, que será responsável por seus atos. Visa, portanto, apresentar situações reais para eu o estudante complemente seus aprendizado. Podemos, com isso, deduzir que é requisito para ser estagiário o fato do estudante encontrar-se freqüentando algum curso vinculado ao ensino público ou particular.

Segundo o mestre Maurício Godinho Delgado:

"Os requisitos materiais do estágio visam assegurar (...) a realização, pelo estudante, de atividades de efetiva aprendizagem social, profissional e cultural, proporcionadas pela participação do estagiário em situações reais de vida e trabalho de seu meio"[1].

Contudo, no caso do acadêmico de Direito, há mais um requisito a ser observado, que é a inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na categoria relativa aos estagiários. Esta inscrição se fará na conformidade do artigo 9º do Estatuto da OAB (Lei 8.906/94).

A idéia principal do estágio

"é permitir que o estudante conheça a dinâmica do Direito, percebendo como que, na prática, desenvolvem-se as atividades jurídicas cotidianas (...). Portanto, sua atuação e´, ainda, de aprendiz (...). Possui conhecimentos específicos que o qualificam a compreender a mecânica dos trabalhos onde se inserirá, mas carece justamente do contato com esses trabalhos para dinamizar os conhecimentos estáticos que possui. Ou seja, por um lado, não está habilitado para uma caminhada solitária, enquanto, por outro, não constitui trabalhador sem formação"[2].

Sobre esta "caminhada solitária" nos cumpre esclarecer que se trata do dispositivo do Estatuto da OAB que expressamente proíbe o estagiário que atuar sozinho, isto é, desacompanhado por um profissional legalmente habilitado. Este último, nada mais é que um advogado regularmente inscrito na OAB, que por ato de vontade acolhe o estagiário como responsável por seus atos e incumbe-se de passar ao mesmo, parte da experiência prática da rotina de um profissional.

Esta é a expressa e evidente regra contida na Lei 89.06/94:

Art. 3 - O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil - OAB.

§ 2º - O estagiário de advocacia, regularmente inscrito, pode praticar os atos previstos no artigo primeiro, na forma do Regulamento Geral, em conjunto com advogado e sob responsabilidade deste (grifos nossos).

Logo, é evidente a necessidade da presença de um advogado para auxiliar a prática dos atos do estagiário acadêmico. Entretanto, há exceções, que lembramos estarem taxativamente expressas.

"Recorrendo ao Regulamento Geral, pode o estagiário inscrito na OAB praticar, isoladamente os atos listados em seu art. 29, § 1º, quais sejam: (I) retirar e devolver autos em cartório, assinando a respectiva carga; (II) obter certidões de peças ou autos de processos em curso ou findos; (III) assinar petições de juntada de documentos a processos judiciais ou administrativos. (...).

Afora tais possibilidades, os atos praticados pelo advogado seguem a regra do art. 4º do EOAB, vale dizer, são nulos. É o que afirma, inclusive, a jurisprudência brasileira"[3] (grifos nossos).

Podemos observar que a o Estatuto da OAB é, antes de tudo, a Lei 8.906/94. Isto significa que se trata de uma Lei Federal, e como toda lei federal, tem aplicabilidade em todo o território nacional. Por isso, suas normas têm eficácia e devem ser respeitadas em qualquer órgão do Poder Judiciário, uma vez que a Carta Magna reconhece a indispensabilidade da advocacia e elege o mistério privado do advogado como uma função social.

Posto tudo isso, entramos, então, no tema que nos propusemos a debater. Conforme argumentos anteriormente apresentados, a Lei 8.906/94 é uma lei federal, e por isso, de vigência em todo o nosso território. Sendo que esta mesma lei determina a impossibilidade do estagiário de Direito praticar os atos privativos de advogado desacompanhado.

A Doutrina e a Jurisprudência caminham juntas quando observadas a tese acima em se tratando da chamada "Justiça Comum", conforme decisão abaixo transcrita:

Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP

INTIMAÇÃO - Publicação em nome de estagiário de direito - Inadmissibilidade - Faculdade para prática de atos somente se acompanhado por advogado e sob sua responsabilidade - Impossibilidade do Exercício de ato equivalente ao do profissional habilitado.

O Novo Estatuto faculta ao estagiário exercer todos os atos, desde que acompanhado necessariamente por advogado, e sob a responsabilidade deste. Não é mais possível que o estagiário exerça os atos isoladamente, por mais simples que sejam, sem autorização expressa do advogado. Recurso provido.

(TJSP - AI nº 244.306-1 - SP - 1ª Câm. - Rel. Des. Álvaro Lazzarini - J. 18.04.95 - v.u.).

Mas o assunto ainda causa estranheza e posições divergentes quando apresentado na Justiça do Trabalho.

A Justiça do Trabalho é uma Justiça Federal especializada, criada com a finalidade principal de dirimir conflitos que versem sobre a relação de emprego. Tendo então a prestação jurisdicional origem no Poder Judiciário Federal, há de se convir que uma anomalia a hipótese de não incidência de uma lei federal (Lei 8.906/94).

Mas os defensores da tese contrária se embasam no argumento de que esta Justiça, a Justiça do Trabalho, possui a particularidade de dar a própria parte o ius postulandi, ou seja, o direito postulatório, que é, em regra, privativo de advogado, é entregue as partes do processo trabalhista (reclamante e reclamado). As partes praticam, então, os atos privativos de advogado (art. 791 da CLT).

Com base neste fato, argumentam os defensores da possibilidade de atuação do estagiário em atos privativos de advogado, mas sem a assistência do mesmo, como válida, que podendo as partes postular pessoalmente perante a Justiça do Trabalho, não haveria impedimento do estagiário acadêmico fazer o mesmo em nome das partes. Seria o princípio do "quem pode o mais", que no caso é atuar sozinho em um processo, "pode o menos", que é atuar através de uma pessoa que apresente mais conhecimentos técnicos que a parte.

Entretanto, a simples leitura da Lei 8.906/94 bastaria para estancar qualquer dúvida. O estagiário não pode substituir a parte nas ações do processo, e com isso assumir a autoria dos atos processuais. O máximo que lhe seria aceitável é atuar como consultor da parte, orientando-na a uma decisão mais benéfica. Mas fazer às vezes de parte, utilizando em seu nome a capacidade postulatória que é da parte (ou de um advogado) e apresentar, por exemplo, uma contestação em audiência assinada de próprio punho; ou interpor um recurso ordinário também assinado somente por um acadêmico; ou mesmo fazer uma sustentação oral perante o Tribunal, mancharia o ato com a marca da nulidade processual. Nulidade esta, que esclarecemos tratar-se de uma nulidade absoluta.

Reforçando tal entendimento podemos notar o entendimento dos próprios Tribunais Trabalhistas:

REPRESENTAÇÃO - Recurso - Agravo regimental subscrito tão-somente por estagiário - Irregularidade de representação.

Os estagiários de direito, por força da Lei nº 8.906/94 (EOAB), apenas estão autorizados a praticarem atos privativos do advogado, como a assinatura de recurso, desde que atuem em conjunto com o profissional habilitado e sob a responsabilidade deste. Agravo Regimental não conhecido, por irregularidade de representação.

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(TST - AR-E-RR nº 283.901 - Ac. SBDI1 195/97 - Rel. Min. Wagner Pimenta - DJU 21.02.97) (grifos nossos).

ESTAGIÁRIO - REPRESENTAÇÃO - LEGITIMIDADE.

Estagiário não tem autorização legal para atuar legitimamente na advocacia, visto que este só pode subscrever a revista assistido por um advogado devidamente habilitado. Para que a subscritora do Apelo pudesse assinar o Recurso sozinha como advogada, seria necessária a concessão de novo instrumento habilitando-a para tanto, quando da interposição do Recurso de Revista. Recurso de Revista não conhecido.

(TST – RR nº 547387/1999 – 3ª T – Rel. Ministro Carlos Alberto Reis de Paula) (grifos nossos).

ADVOGADO - Estagiário de advocacia-atividade - Lei nº 8.906/94 (EOAB).

Nos termos do parágrafo segundo do artigo 3º da Lei nº 8.906/94, o estagiário, regularmente inscrito na OAB, pode praticar os atos previstos no artigo 1º da Lei, acima citada, na forma do Regulamento Geral em conjunto com advogado e sob responsabilidade deste.

(TRT 2ª R - RO nº 219.095 - Guarulhos - Rel. Juiz Ildeu Lara de Albuquerque) (grifos nossos).

Afinado ao entendimento dos Tribunais justrabalhistas está também a Doutrina. Valentin Carrion é um dos defensores:

"Os estagiários, pelo antigo Estatuto, (...) somente poderiam receber procuração em conjunto com advogado e para atuar no Estado ou circunscrição da Faculdade onde matriculados. O estagiário não poderia participar da audiência desacompanhado de advogado, posto que os atos praticados em audiência (...) eram privativos de daquele. Assim, continua impossibilitado de participar de audiência ou postular desacompanhado do advogado"[4].

Finalmente, a atuação de estagiário de Direito desacompanhado, desvirtua a finalidade matriz da figura do estágio, uma vez que priva o acadêmico da oportunidade de compartilhar da experiência do profissional, impedindo seu processo de aprendizado. Mais grave ainda, impõe a sua pessoa uma responsabilidade que nitidamente não está preparado para assumir, uma vez que a responsabilidade por ato do estagiário é do advogado que o assiste.

Diante dos argumentos expostos e explicados, temos por bem sustentar a tese jurídica de que não é possível a atuação do estagiário de Direito como detentor da capacidade postulatória, praticando assim, os atos que a Lei considera como privativos de advogado, como se este o fosse.


NOTAS

1.DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1999. p. 288.

2.MAMADE, Gladston. A Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. Porto Alegra: Síntese, 1999. p. 97-98.

3._________. p. 60-61.

4.CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação Das Leis do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2001. 26ª ed. p. 580-581.

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Sobre o autor
Flávio Quinaud Pedron

Mestre e Doutor em Direito pela UFMG. Professor do Mestrado da Faculdade Guanambi (Bahia). Professor Adjunto no curso de Direito do IBMEC/MG. Professor Adjunto da PUC-Minas (graduação e pós-graduação). Advogado em Belo Horizonte (MG).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEDRON, Flávio Quinaud. A justiça do trabalho e o estagiário de direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2376. Acesso em: 28 mar. 2024.

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