Resumo: Este artigo visa a uma incursão científica nos dois tipos de conceitos encontrados na ciência do Direito: os lógico-jurídicos e os jurídico-positivos. Feito isso, a relação dos conceitos lógico-jurídicos e jurídico positivos, respectivamente, com o positivismo e o pós-positivismo será demonstrada, tudo com o fito de analisar a utilidade de cada espécie conceitual na aplicação do Direito.
Palavras-chave: Conceitos. Lógico-jurídicos. Positivismo. Jurídico-positivos. Pós-positivismo.
Sumário: Introdução. 1. Conceitos lógico-jurídicos e jurídico-positivos. 2. Relação dos conceitos jurídicos com o positivismo e o pós-positivismo: uma questão de operabilidade. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Faz tempo que a doutrina identificou a divisão binária dos conceitos jurídicos. Todavia, nada obstante o reconhecimento da separação em lógico-jurídicos e jurídico-positivos, não foi perscrutada a utilidade da referida classificação dicotômica na operacionalização do direito.
Debruça-se o presente ensaio nesse ponto omisso. Com efeito, o intento é delimitar o exato significado de tais conceitos jurídicos para, a partir de uma perspectiva hermenêutico/filosófica baseada nas diferenças entre o positivismo e o pós-positivismo, desvelar a utilidade de cada espécie conceitual, sobretudo naquilo que se refere à efetiva aplicação do direito.
1. CONCEITOS LÓGICO-JURÍDICOS E JURÍDICO-POSITIVOS
Conceito é uma forma de pensamento com a qual se apreende um sentido de determinado dado conteudístico (ÁVILA, p. 176). São elementos essenciais ao direito, porquanto possibilitam a compreensão dos objetos jurídicos cognoscíveis.
Na ciência do Direito os conceitos podem ser: lógico-jurídicos ou jurídico-positivos.
O emprego mais famoso desta classificação foi realizado por Hans Kelsen. O jurista austríaco tratava a constituição em dois planos. Em um estava a norma hipotética, fundamento transcendental de validade de todo o sistema; no outro a constituição positiva, a prevista no ordenamento jurídico. O primeiro plano é o lógico-jurídico; o segundo é o jurídico-positivo (SILVA NETO, 2006, pp. 28/29).
Na doutrina pátria, Borges (1999, pp. 94/95), abordando o tema do lançamento tributário, é quem melhor apresenta o caráter dicotômico dos conceitos. Para ele, jurídico-positivos são conceitos que somente podem ser apreendidos a posteriori, empiricamente, após o conhecimento de um determinado Direito Positivo, aplicáveis, portanto, a um âmbito de validade restrito no espaço e no tempo.
Reputar um conceito como jurídico-positivo, nessa senda, significa ser ele resultado da análise do direito positivo, ou seja, do conjunto de regras e princípios constitucionais e infraconstitucionais aplicáveis em um determinado Estado (GARRIDO, p. 130)
Quanto aos conceitos lógico-jurídicos, segundo Borges (1999, pp. 94/95), "São estes obtidos a priori, com validade constante e permanente, sem vinculação, portanto, com as variações do Direito Positivo. [...] Os conceitos lógico-jurídicos constituem pressupostos fundamentais para a ciência jurídica. [...] Correspondem, pois, à estrutura essencial de toda norma jurídica. Conseqüentemente, não são exclusivas de determinado ordenamento jurídico, mas comum a todos. Não são dados os conceitos lógico-jurídicos empiricamente, porque são alheios a toda experiência. São necessários a toda realidade positiva, efetivamente existente, historicamente localizada ou apenas possível, precisamente porque funcionam como condicionantes de todo pensamento jurídico."
Dedutíveis a partir de uma lógica pura e formal, fundada na razão/pensamento, independem tais conceitos da experiência, nada informando sobre o conteúdo concreto da norma jurídica, o que exatamente os torna universais e absolutos (GARRIDO, pp.131/136).
2 RELAÇÃO DOS CONCEITOS JURÍDICOS COM O POSITIVISMO E O PÓS-POSITIVISMO: UMA QUESTÃO DE OPERABILIDADE
Decerto, as espécies de conceito ora apresentas alinham-se a correntes hermenêuticas/jusfilosóficas bem distintas: os conceitos lógico-jurídicos estão jungidos ao positivismo; enquanto os jurídico-positivos atrelados ao pós-positivismo.
Em breve síntese[1], na linha de intelecção de Dimitri Dimoulis (2006, p.276), positivismo jurídico em sentido estrito é a teoria do direito segundo a qual a validade e a interpretação das normas jurídicas do direito posto independem de valores morais/políticos. Para o aludido paradigma, o objeto de estudo do direito não compreenderia a avaliação moral, não interessando os valores consagrados pelo direito positivo, mas tão somente sua forma (DIMOULIS, 2006, pp. 100/101). Isso porque o conteúdo do direito é infinitamente variado, dada sua capacidade de regular qualquer conduta humana, de modo que não interessaria o que ele estabelece, e sim como ele atua (BOBBIO, 1995, p.145).
Deveras, procedeu a corrente positivista, influenciada pela concepção puramente experimental das ciências naturais, a um verdadeiro recorte metodológico, a fim de reduzir o objeto jurídico à fração possível de ser analisada com neutralidade: o aspecto lógico.
Com isso, depreende-se que os conceitos lógico-jurídicos são obtidos justamente por meio do positivismo metodológico, método de estudo do direito baseado na neutralidade e que emprega critérios avalorativos para descrever o sistema jurídico (DIMOULIS, 2006, p. 100). Bem pensadas as coisas, os conceitos lógico-jurídicos representam o maior refinamento do positivismo, pois, de tão neutros, explicam estruturas lógico-formais presentes em todos os ordenamentos.
Justamente por serem neutros, formais e sem correlação com o conteúdo da norma, não servem os conceitos lógico-jurídicos à aplicação do direito. Como bem lembra Karl Larenz (p. 315), embora a observância das regras lógicas seja uma condição fundamental de todo o pensamento, uma doutrina que se satisfizesse com a explanação das relações lógicas contribuiria para a solução dos problemas jurídicos tanto como nada.
Nesse contexto, o pós-positivismo surgiu como antítese à corrente positivista. Consoante o magistério de Barroso, o pós-positivismo (2006, pp. 27/28) “[...] é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica e a teoria dos direitos fundamentais. [...] Nesse contexto, o póspositivismo não surge com o ímpeto da desconstrução, mas como uma superação do conhecimento convencional. Ele inicia sua trajetória guardando deferência relativa ao ordenamento positivo, mas nele reintroduzindo as idéias de justiça e legitimidade. O constitucionalismo moderno promove, assim, uma volta aos valores, uma reaproximação entre ética e Direito”
Isso significa que o paradigma pós-positivista reaproxima o direito da moral. Passam os valores sociais petrificados nas normas jurídicas a ser o ponto fulcral do problema jurídico. Sai a forma e entra o conteúdo. Busca-se, assim, um ideal de justiça, no qual o ordenamento jurídico é mantido como o ponto de partida para a resolução das controvérsias, afinal nele estão consagrados os valores relevantes de determinada comunidade.
Assume o modelo pós-positivista que o legislador, ao estatuir uma norma, seja uma regra ou um princípio, guia-se por considerações de justiça e oportunidade determinadas, em última instância, por valorações, as quais devem ser desvendadas pelo intérprete para lhe precisar o alcance, uma vez que a teoria e a aplicação do direito compreendem um pensamento orientado a valores (LARENZ, p. 298/299).
A propósito, se no positivismo há um recorte metodológico, no pós-positivismo, ao contrário, há um alargamento do objeto de estudo. Apropriando-se de elementos da teoria tridimensional do direito proposta por Miguel Reale (2002), é lícito asseverar que, com o pós-positivismo, fato, valor e norma passaram a ser o objeto do direito.
Nessa senda, por serem retirados do conteúdo da norma jurídica, isto é, do valor nela impregnado, os conceitos jurídico-positivos, diferentemente dos lógico-jurídicos, prestam-se à resolução dos casos concretos, e não à construção de meros teoremas lógico-formais. Servem, pois, à imediata aplicação do direito, pelo que se aproximam da teoria pós-positivista.
Entretanto, não se quer aqui proscrever a utilidade dos conceitos lógico-jurídicos elaborados sob a égide do positivismo. Além de condicionantes de todo o pensamento jurídico, é preciso ter em vista que não raras vezes o direito positivo alberga tais conceitos nos seus textos legais ou a doutrina os inclui como pressupostos de determinadas normas. Nesses casos, a pré-compreensão dos conceitos lógico-jurídicos é indispensável à extração do correto sentido/valor da norma.
CONCLUSÃO
Existem duas espécies de conceitos no direito: os lógico-jurídicos e os jurídico-positivos. Estes são extraídos de um determinado direito positivo, razão pela qual possuem um âmbito de validade restrito no espaço e no tempo. Aqueles, por seu turno, são pressupostos universais e absolutos da ciência do direito, pois estão presentes em todos os ordenamentos.
O caráter universal/absoluto dos conceitos lógico-jurídicos os aproxima do corrente positivista, na medida em que confere uma abordagem neutra/avalorativa da ciência jurídica. Sendo assim, tais conceitos, apesar de servirem como condicionantes do pensamento jurídico, somente adquirem relevância na aplicação do direito quando o direito positivo alberga tais conceitos nos seus textos legais ou a doutrina os inclui como pressupostos de determinadas normas.
De outro giro, os conceitos jurídico-positivos estão ligados à corrente pós-positivista. É que, por serem retirados do texto positivo, representam axiomas elegidos pelo legislador para a resolução dos conflitos sociais, coadunando-se, dessa feita, com a ideia do pós-positivismo de que as normas estão orientadas por valores. Em síntese: os conceitos jurídico-positivos sempre veiculam um valor orientado à inexorável aplicação do direito.
REFERÊNCIAS
ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro (Pós-modernidade, Teoria Crítica e Pós-Positivismo). In A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Luís Roberto Barroso (organizador). 2ª Edição. Rio de Janeiro : Renovar, 2006, p. 27-28.
BORGES, José Souto Maior. Lançamento Tributário. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 1999.
DIMOULIS, Dimitri. Positivismo Jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico. V. 2. São Paulo: Método, 2006.
GARRIDO, José Antônio. Sobre os conceitos lógico-jurídicos e os conceitos jurídico-positivos. Revista do programa de pós-graduação em direito da UFBA, Salvador: EDUFBA, n. 13, p. 125-138, 2006.
LARENZ, Karl. Metodologia a Ciência do Direito. 3ª Edição. Tradução de José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27 ed. Ajusta ao Novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002.
SILVA NETO, Manoel Jorge. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2006.
Nota
[1] Não se quer aqui esgotar os caracteres e peculiaridades do positivismo e do pós-positivismo. Para os fins desse ensaio é suficiente a diferença mais relevante entre as correntes, qual seja, o distanciamento entre direito e moral no positivismo e sua ulterior reaproximação no paradigma pós-positivista.
Abstract: This article aims at a scientific foray in the two types of concepts found in the science of law: the logical-legal and legal-positive. That done, the relation of logical-legal concepts and legal positives concepts, respectively, with positivism and post-positivism will be demonstrated, all with the aim of analyzing the usefulness of each conceptual species in the application of law.
Keywords: Concepts. Logical-legal. Positivism. Legal-positives. Post-positivism.