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Conceitos lógico-jurídicos e jurídico-positivos: do positivismo ao pós-positivismo

26/02/2013 às 19:46
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O caráter universal/absoluto dos conceitos lógico-jurídicos os aproxima do corrente positivista, na medida em que confere uma abordagem neutra/avalorativa da ciência jurídica.

Resumo: Este artigo visa a uma incursão científica nos dois tipos de conceitos encontrados na ciência do Direito: os lógico-jurídicos e os jurídico-positivos. Feito isso, a relação dos conceitos lógico-jurídicos e jurídico positivos, respectivamente, com o positivismo e o pós-positivismo será demonstrada, tudo com o fito de analisar a utilidade de cada espécie conceitual na aplicação do Direito.

Palavras-chave: Conceitos. Lógico-jurídicos. Positivismo. Jurídico-positivos. Pós-positivismo.

Sumário: Introdução. 1. Conceitos lógico-jurídicos e jurídico-positivos. 2. Relação dos conceitos jurídicos com o positivismo e o pós-positivismo: uma questão de operabilidade. Conclusão. Referências.


INTRODUÇÃO

Faz tempo que a doutrina identificou a divisão binária dos conceitos jurídicos. Todavia, nada obstante o reconhecimento da separação em lógico-jurídicos e jurídico-positivos, não foi perscrutada a utilidade da referida classificação dicotômica na operacionalização do direito.

Debruça-se o presente ensaio nesse ponto omisso. Com efeito, o intento é delimitar o exato significado de tais conceitos jurídicos para, a partir de uma perspectiva hermenêutico/filosófica baseada nas diferenças entre o positivismo e o pós-positivismo, desvelar a utilidade de cada espécie conceitual, sobretudo naquilo que se refere à efetiva aplicação do direito.


1. CONCEITOS LÓGICO-JURÍDICOS E JURÍDICO-POSITIVOS

Conceito é uma forma de pensamento com a qual se apreende um sentido de determinado dado conteudístico (ÁVILA, p. 176). São elementos essenciais ao direito, porquanto possibilitam a compreensão dos objetos jurídicos cognoscíveis.

Na ciência do Direito os conceitos podem ser: lógico-jurídicos ou jurídico-positivos.

O emprego mais famoso desta classificação foi realizado por Hans Kelsen. O jurista austríaco tratava a constituição em dois planos. Em um estava a norma hipotética, fundamento transcendental de validade de todo o sistema; no outro a constituição positiva, a prevista no ordenamento jurídico. O primeiro plano é o lógico-jurídico; o segundo é o jurídico-positivo (SILVA NETO, 2006, pp. 28/29).

Na doutrina pátria, Borges (1999, pp. 94/95), abordando o tema do lançamento tributário, é quem melhor apresenta o caráter dicotômico dos conceitos. Para ele, jurídico-positivos são conceitos que somente podem ser apreendidos a posteriori, empiricamente, após o conhecimento de um determinado Direito Positivo, aplicáveis, portanto, a um âmbito de validade restrito no espaço e no tempo.

Reputar um conceito como jurídico-positivo, nessa senda, significa ser ele resultado da análise do direito positivo, ou seja, do conjunto de regras e princípios constitucionais e infraconstitucionais aplicáveis em um determinado Estado (GARRIDO, p. 130)

Quanto aos conceitos lógico-jurídicos, segundo Borges (1999, pp. 94/95), "São estes obtidos a priori, com validade constante e permanente, sem vinculação, portanto, com as variações do Direito Positivo. [...] Os conceitos lógico-jurídicos constituem pressupostos fundamentais para a ciência jurídica. [...] Correspondem, pois, à estrutura essencial de toda norma jurídica. Conseqüentemente, não são exclusivas de determinado ordenamento jurídico, mas comum a todos. Não são dados os conceitos lógico-jurídicos empiricamente, porque são alheios a toda experiência. São necessários a toda realidade positiva, efetivamente existente, historicamente localizada ou apenas possível, precisamente porque funcionam como condicionantes de todo pensamento jurídico."

Dedutíveis a partir de uma lógica pura e formal, fundada na razão/pensamento, independem tais conceitos da experiência, nada informando sobre o conteúdo concreto da norma jurídica, o que exatamente os torna universais e absolutos (GARRIDO, pp.131/136).


2 RELAÇÃO DOS CONCEITOS JURÍDICOS COM O POSITIVISMO E O PÓS-POSITIVISMO: UMA QUESTÃO DE OPERABILIDADE

Decerto, as espécies de conceito ora apresentas alinham-se a correntes hermenêuticas/jusfilosóficas bem distintas: os conceitos lógico-jurídicos estão jungidos ao positivismo; enquanto os jurídico-positivos atrelados ao pós-positivismo.

Em breve síntese[1], na linha de intelecção de Dimitri Dimoulis (2006, p.276), positivismo jurídico em sentido estrito é a teoria do direito segundo a qual a validade e a interpretação das normas jurídicas do direito posto independem de valores morais/políticos. Para o aludido paradigma, o objeto de estudo do direito não compreenderia a avaliação moral, não interessando os valores consagrados pelo direito positivo, mas tão somente sua forma (DIMOULIS, 2006, pp. 100/101). Isso porque o conteúdo do direito é infinitamente variado, dada sua capacidade de regular qualquer conduta humana, de modo que não interessaria o que ele estabelece, e sim como ele atua (BOBBIO, 1995, p.145).

Deveras, procedeu a corrente positivista, influenciada pela concepção puramente experimental das ciências naturais, a um verdadeiro recorte metodológico, a fim de reduzir o objeto jurídico à fração possível de ser analisada com neutralidade: o aspecto lógico.

Com isso, depreende-se que os conceitos lógico-jurídicos são obtidos justamente por meio do positivismo metodológico, método de estudo do direito baseado na neutralidade e que emprega critérios avalorativos para descrever o sistema jurídico (DIMOULIS, 2006, p. 100). Bem pensadas as coisas, os conceitos lógico-jurídicos representam o maior refinamento do positivismo, pois, de tão neutros, explicam estruturas lógico-formais presentes em todos os ordenamentos.

Justamente por serem neutros, formais e sem correlação com o conteúdo da norma, não servem os conceitos lógico-jurídicos à aplicação do direito. Como bem lembra Karl Larenz (p. 315), embora a observância das regras lógicas seja uma condição fundamental de todo o pensamento, uma doutrina que se satisfizesse com a explanação das relações lógicas contribuiria para a solução dos problemas jurídicos tanto como nada.

Nesse contexto, o pós-positivismo surgiu como antítese à corrente positivista. Consoante o magistério de Barroso, o pós-positivismo (2006, pp. 27/28) “[...] é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica e a teoria dos direitos fundamentais. [...] Nesse contexto, o póspositivismo não surge com o ímpeto da desconstrução, mas como uma superação do conhecimento convencional. Ele inicia sua trajetória guardando deferência relativa ao ordenamento positivo, mas nele reintroduzindo as idéias de justiça e legitimidade. O constitucionalismo moderno promove, assim, uma volta aos valores, uma reaproximação entre ética e Direito”

Isso significa que o paradigma pós-positivista reaproxima o direito da moral. Passam os valores sociais petrificados nas normas jurídicas a ser o ponto fulcral do problema jurídico. Sai a forma e entra o conteúdo. Busca-se, assim, um ideal de justiça, no qual o ordenamento jurídico é mantido como o ponto de partida para a resolução das controvérsias, afinal nele estão consagrados os valores relevantes de determinada comunidade.

Assume o modelo pós-positivista que o legislador, ao estatuir uma norma, seja uma regra ou um princípio, guia-se por considerações de justiça e oportunidade determinadas, em última instância, por valorações, as quais devem ser desvendadas pelo intérprete para lhe precisar o alcance, uma vez que a teoria e a aplicação do direito compreendem um pensamento orientado a valores (LARENZ, p. 298/299).

A propósito, se no positivismo há um recorte metodológico, no pós-positivismo, ao contrário, há um alargamento do objeto de estudo. Apropriando-se de elementos da teoria tridimensional do direito proposta por Miguel Reale (2002), é lícito asseverar que, com o pós-positivismo, fato, valor e norma passaram a ser o objeto do direito.

Nessa senda, por serem retirados do conteúdo da norma jurídica, isto é, do valor nela impregnado, os conceitos jurídico-positivos, diferentemente dos lógico-jurídicos, prestam-se à resolução dos casos concretos, e não à construção de meros teoremas lógico-formais. Servem, pois, à imediata aplicação do direito, pelo que se aproximam da teoria pós-positivista.

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Entretanto, não se quer aqui proscrever a utilidade dos conceitos lógico-jurídicos elaborados sob a égide do positivismo. Além de condicionantes de todo o pensamento jurídico, é preciso ter em vista que não raras vezes o direito positivo alberga tais conceitos nos seus textos legais ou a doutrina os inclui como pressupostos de determinadas normas. Nesses casos, a pré-compreensão dos conceitos lógico-jurídicos é indispensável à extração do correto sentido/valor da norma.


CONCLUSÃO

Existem duas espécies de conceitos no direito: os lógico-jurídicos e os jurídico-positivos. Estes são extraídos de um determinado direito positivo, razão pela qual possuem um âmbito de validade restrito no espaço e no tempo. Aqueles, por seu turno, são pressupostos universais e absolutos da ciência do direito, pois estão presentes em todos os ordenamentos.

O caráter universal/absoluto dos conceitos lógico-jurídicos os aproxima do corrente positivista, na medida em que confere uma abordagem neutra/avalorativa da ciência jurídica. Sendo assim, tais conceitos, apesar de servirem como condicionantes do pensamento jurídico, somente adquirem relevância na aplicação do direito quando o direito positivo alberga tais conceitos nos seus textos legais ou a doutrina os inclui como pressupostos de determinadas normas.

De outro giro, os conceitos jurídico-positivos estão ligados à corrente pós-positivista. É que, por serem retirados do texto positivo, representam axiomas elegidos pelo legislador para a resolução dos conflitos sociais, coadunando-se, dessa feita, com a ideia do pós-positivismo de que as normas estão orientadas por valores. Em síntese: os conceitos jurídico-positivos sempre veiculam um valor orientado à inexorável aplicação do direito.


REFERÊNCIAS

ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro (Pós-modernidade, Teoria Crítica e Pós-Positivismo). In A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Luís Roberto Barroso (organizador). 2ª Edição. Rio de Janeiro : Renovar, 2006, p. 27-28.

BORGES, José Souto Maior. Lançamento Tributário. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

DIMOULIS, Dimitri. Positivismo Jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico. V. 2. São Paulo: Método, 2006.

GARRIDO, José Antônio. Sobre os conceitos lógico-jurídicos e os conceitos jurídico-positivos. Revista do programa de pós-graduação em direito da UFBA, Salvador: EDUFBA, n. 13, p. 125-138, 2006.

LARENZ, Karl. Metodologia a Ciência do Direito. 3ª Edição. Tradução de José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27 ed. Ajusta ao Novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002.

SILVA NETO, Manoel Jorge. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2006.


Nota

[1] Não se quer aqui esgotar os caracteres e peculiaridades do positivismo e do pós-positivismo. Para os fins desse ensaio é suficiente a diferença mais relevante entre as correntes, qual seja, o distanciamento entre direito e moral no positivismo e sua ulterior reaproximação no paradigma pós-positivista.


Abstract: This article aims at a scientific foray in the two types of concepts found in the science of law: the logical-legal and legal-positive. That done, the relation of logical-legal concepts and legal positives concepts, respectively, with positivism and post-positivism will be demonstrated, all with the aim of analyzing the usefulness of each conceptual species in the application of law.

Keywords: Concepts. Logical-legal. Positivism. Legal-positives. Post-positivism.

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Sobre o autor
Iuri de Castro Gomes

Assessor Jurídico da Procuradoria da República na Bahia (MPF). Especialista em Direito do Estado. Graduado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Iuri Castro. Conceitos lógico-jurídicos e jurídico-positivos: do positivismo ao pós-positivismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3527, 26 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23818. Acesso em: 2 nov. 2024.

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