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Implicações Jurídicas Da Globalização Econômica

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01/11/2001 às 01:00
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DIMENSIONANDO A REFLEXÃO (I)

"É consolador... e motivo de profundo alívio pensar que o homem constitui apenas uma invenção recente, uma figura que ainda não tem dois séculos de idade, uma novidade em nosso conhecimento, e que ele voltará a desaparecer logo que o conhecimento descobrir uma nova forma" (Foucault, Michel, "The Order of Things. Na archaelogy of the Human Sciences. Londres: Tavistock Publications)

A concepção científica pós-moderna da racionalidade social humana e formas de desenvolvimento no tempo e espaço – em todas as suas intrínsecas vertentes do "monde vécu", na terminologia de Habermas – são instiladas por práticas discursivas simbólicas oriundas das relações econômicas e seus marcos de ajustes sociais às disfunções reais sistêmicas próprias, não somente sob o assento de mera interação das relações de produção a implicar determinada forma de estrutura e matéria social, mas sobremaneira sob o fator inédito da sobrepujança semiótica-ideológica da sistemática econômica pós-fordista (especialização flexível) à soberania estatal e jurídica clássicas.

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Edifica-se em definitivo a era das rupturas epistemológicas do projeto moderno, denominada pós-modernidade, em meados dos anos sessenta e início dos setenta com o advento do mito da globalização sócio-econômica. Este, símbolo da hegemonia econômica planetária, se rutila soberana à pretensa centralidade de um poderio estatal que, sustentado por uma linguagem jurídica tacanha, procura diante da inevitável expansão e sedimentação daquela, subterfúgios de cooptação nos diversos segmentos sociais em ascensão, com o animus de minimizar ou mesmo curar a sua paulatina perda de centralidade e exclusividade, na rota de uma sociedade complexa e segmentada – crise de governabilidade.

Singular, a soberania da produção global cimentada em gênese da próspera união entre os sistemas financeiros produtivos e a disseminação da tecnologia informacional, inaugurou o período que então seria denominado pós-fordista (relações de produção), pós-taylorista (relações de divisão do trabalho), pós-modernista (ruptura epistemológica e filosófica com o projeto modernista sócio-cultural– reflexões ideológicas). Este ínterim germina a expansão telemática sem fronteiras de uma economia-mundo como solução imediata a estagnação das relações de produção capitalista monopolista (fordista) que, pela ameaça de uma escassez energética, a par de duas sucessivas crises de petróleo e de um contexto fiscal inflacionado nas localidades, requerem novas alternativas para a sua auto-sobrevivência e reprodução no social, sem abalar o arauto da produtividade do sempre menos custoso para o mais eficiente.

"... premissa básica é que o conhecimento e informação estão se tornando os recursos estratégicos e os agentes transformadores da sociedade pós-industrial... da mesma maneira que a combinação de energias, recursos e tecnologia mecânica foram os instrumentos transformadores da sociedade industrial" (Bell, Daniel, 1973, "The Coming of Post-Industrial Society, NY: Basic Books, p. 535)

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A afirmação da nova política econômica alternativamente substituta ao fordismo tradicional – denominada capitalismo concorrencial ou turbinado – e seus modos tradicionais de administração científica do trabalho tayloristas, incutiu em franco desmoronamento da prática discursiva política e legal, acomodadas, então, à real exaustão paradigmática da ciência social, inclusa a ciência do Direito.

A ciência do Direito e sua ontologia metodológica se desfacelaram em estruturaem adiantada apreensão – graças a impotência de seu código comunicativo tipicamente "unilingüístico" e geral (normas jurídicas) para descodificar contextos sociais "plurilingüísticos" e variados segundo sua própria particularidade (redes circulares de organizações sociais), exsurgidos no âmbito de uma sociedade informacional e extremamente complexa e "descentrada" pela ação condicionante da hegemonia econômica global.

A ciência do Direito e seus dogmas na práxisem segunda apreensão – são relegados à tolices lingüísticas nos meandros sociais pós-modernistas (sistemas sociais se sobrevalendo uns em relação aos outros), precisamente quando do ato comunicativo (fattispecie clássico) há desconexão temática, temporal e espacial. Esta se concretiza pela evidente ineficácia positivista-dogmática em dirimir conflitos sociais intrincados e multifacetados, os quais escapam à unividência de um código jurídico tradicional. Dissonância que, em contrapartida, afeta a simbologia da legitimidade do direito por parte de seus destinatários, no que tange à eficácia de neutralizar conflitos advindos de demandas sociais – o direito não é capaz de funcionar e de se funcionalizar diretamente no mosaico cosmopolitizado da sociedade contemporâneo global.

Em outras palavras, o mito da globalização econômica implica anomia lingüística jurídica des-velada pela falência das significações da "fábula de Justiça" e da "segurança e certeza", não tão-somente no momento da recusa ao discurso jurídico-formal para o suprimento das disfunções sentidas socialmente e individualmente, mas sobretudo pela formação de múltiplas áreas de "juridicidade" paralelas e eficazes a dar resposta pronta e imediata a concretude do caso-conflito, na exatidão da flagrância dos interesses envolvidos e do diagnóstico a ser ministrado – flexibilidade decisória e de adjudicação em semiose social marginais à subsunção dos paradigmas jurídicos tradicionais, se balizam à soberania.

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Ademais, a sociedade informacional e sua ação em micro-localidades consolida a descentração de poderes paralelos ao centro tradicional liberal, fator que corrobora à manutenção de espaços infinitos de juridicidade ad hoc e post factum a responder à flexibilidade de soluções em nível global – corporativas sociais autopoiéticas capazes de criar antídotos aos seus próprios estímulos internos e externos, excetuando o auxílio do direito tradicional.

Em acréscimo, o fenômeno da juridicidade operando em redes locais sociais – corporativismo social heterarquizado – se internaliza, não somente na práxis, mas sob a consciência global dos sujeitos destinatários dela, como um novo símbolo de Justiça extremamente utilitário (ética da eficiência ou dos resultados, numa concepção maquiaveliana). Tal simbologia é reforçada cada vez mais pela identificação destes às organizações que participam e, primacialmente por conterem ela dispositivos de juridicidade de conciliação e adjudicação ao contento das expectativas dos participantes – situação que, a centralidade e exclusividade do poderio estatal e jurídica, tomando para si a responsabilidade de solucionar mazelas sócio-econômicas e políticas (incrementalismo jurídico), a muito, desde da sociedade de massas, no capitalismo organizado, já não satisfaziam, o que dirá numa sociedade estratificada e descentrada em suas instituições.

Num contexto introdutório, a "antropolização da realidade" na cultura do "Império" (1) se afigura sofismática sob a apreensão gnoseológica das ciências humanas, (inclusa a jurídica), ao escopo de construir um escudo metodológico de coerência racional interna vinculado à gerência e gestão ideais de conflitos sociais, garantidor de unicidade, autonomia e completude reais e, difusor da simbologia da obediência "purista" (ética da convicção), da existência de uma sociedade em que tudo se resolveria no plano das relações inter-subjetivas presas à soluções difundidas em esferas individuais – indivíduo como premissa maior para coordenação do meio social.

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Para contento de Michel Foucault, na atuação filosófica pós-moderna o tradicional status do homem como agente e sujeito da construção de seu espaço de sobrevivência sob fomento e supervisão de uma ordem estatal, econômica e jurídica (autônoma e una) coordenadas a lhe selecionar comportamentos determinantes, em gênero e abstração – ação e omissão, deveres e direitos a serem cumpridas consoante uma lógica de previsão e racionalização segura dos atos individuais em prol de um bem social comum e coletivo para o sustento de uma lucratividade ótima do sistema capitalista – se coloca em vias de extinção ou acentuada mitigação, frente a crescente simbologia da nova linguagem a cartografar os fluxos e refluxos humanos nas localidades nacionais do sistema de internacionalização (micro-cosmopolitismos), da economia-mundo.

A aderência da nova linguagem comunicativa se presta à econopolização dos sujeitos e ao niilismo de valores morais - semiologia do "Império" e condição de sustentação de suas externalidades sociais e produtivas – conotação da descentração do sujeito e, em ato contínuo, da secundarização de quaisquer práticas lingüísticas fundadas em conhecimento e valores universais e padronizantes, tal como a linguagem jurídica-formal.

Verossímel, enfim, as ciências humanas, em particular a jurídica, se mostram impotentes para solidificar paradigmas que a incorporam de forma ontológica na nova realidade-mundo. O fenômeno da antropolização do sujeito e de suas interações como apriorístico metodológico e cognitivo se mitiga e se enquadra à senilidade.

Implacável, a força da soberania da produção do "Império" transmuta a intangibilidade de paradigmas modernistas (fruto de saltos qualitativos do consenso da comunidade científica, na melhor concepção de Thomas Kuhn) à pilhérias lingüísticas. O instrumento da ciência do Direito (normas jurídicas) quando não coexiste em mútua(coisas: o ordenamento jurídico e o comando. O comando imperial já se está constituído, o ordenamento jurídico está em via de constituição (...) No Império, nenhum Estado-nação pode funcionar como centro de poder. A nova ordem mundial é produto de uma nova forma de soberania, baseada no poderio econômico, no monopólio da "arma final" e na ampliação da velocidade e quantidade de troca de informação a nível global...")

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indiferença com o meio social a ser regulado, age desnaturando este a partir da expropriação de seus conflitos à categorias particularizantes que escamoteiam a solução prospectiva de essências básicas sociais, ou se intervém com medida eficiência à litigiosidade em caso, abre margem à incoerência lógica de seus assentos, pois para se abrir é contigente se abdicar de posturas rígidas e ideológicas, bem como de arquiteturas arcaicas frente à especificidades sociais causuísticas, que conjunturais são imprevisíveis e efêmeras (há um trilema regulatório carente por solução) – a cientificidade jurídica é mais um produto no mercado da práxis, similar a outras práticas de referência no mosaico social da economia-mundo, a somar pela moralidade niilista do Ser enquanto Ser e do Ser enquanto Social, nos fenômenos semióticos do "monde vécu" pós-moderno.

A contra-reação do dilema da exaustão paradigmática da linguagem jurídica se permeia pela captura de métodos que a torne interativa às atuações do novo contexto global. Esta se propõem à elasticidade temática das hipóteses de incidência sob a égide da teleologia (direito "promocional" ou "incrementalista"), resultando em prescrições hipotéticas abertas, uso de estruturas dialógicas, trespassadas por aporias (contradições que se ramificam) e heteroglossias (pluralidade de vozes), culminando pela dissonância material da inundação de leis descartáveis, vez que contigenciais não valem para casos supervenientes, já mais complexos pela recursividade semiótica diuturna da economia-mundoesta tentativa de atualização ensejou a fase do direito promocional, quando o formalismo jurídico, sob o custo de perder sua legitimidade e autonomia, internaliza as externalidades sociais oriundas das disfunções das relações econômicas de um capitalismo social e econômico fordista, fato gerador das conhecidas crises de ingovernabilidade e do fenômeno de juridificação ou colonização da sociedade pelas normas jurídicas (resultantes do trilema regulatório).

Em resultados teoréticos, temos:

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A)em forma, a flexibilidade da linguagem jurídica normativa desconfigura o arcabouço piramidal positivista (unidade, hierarquia e ausência de antinomias e lacunas) e traz incoerência interna, reveladas no culto falho do feed-back imprimido, qual seja, abuso de conceitos jurídicos vagos a perpetuar a polissemia da hermenêutica normativa e, por conseguinte, sua plena ineficácia a regulamentar contextos sociais economizados, que operam em tempo real e em espaços flexíveis de juridicidade;

B)acirrando tal perspectiva, em matéria, a frustrada tentativa de colonizar os novos fluxos e refluxos sociais flexíveis da globalização segundo o arcabouço formal-legal Kelseniano do ordenamento, mais aberto graças a construção de leis de circunstância e regulamentos de necessidade, consagra a ineficácia e põe em xeque a logicidade científica do próprio direito. Somatória que enaltece o cúmulo da ineficácia mesma em prol de uma vigência já desfacelada em origem legiferante pelos impactos sociais da retumbante soberania produtiva e seus símbolos estéticos ao longo de três "ondas" capitalistas, a industrial, a monopolista ou organizada e, a atual, concorrencial ou "desorganizada", segundo a maestria de Alvin Toffler.

Em digressão, a teorização do Direito, a datar da "Teoria Pura do Direito", de Hans Kelsen, passando pela contribuição de Norberto Bobbio, e vigente metodologia do direito como sistema autopoiètique, da escola de Günther Teubner e da sociológica francesa com Niklas Luhman, (centrada no fenômeno da globalização econômica), voltam sua reflexão filosófica-científica ao ordenamento jurídico, com a distinção de que as primeiras correntes priorizam como manuter a vigência do estatuto, resguardando a intangibilidade da centralidade e da exclusividade social a seu poder. E, a última, contemporânea à perda da centralidade e exclusividade do Direito positivo, priorizam como reintegrá-lo ao contexto social e de que forma este poderia se reposturar para viger em uma sociedade complexa global, policentrada juridicamente:

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I. a teorética de Kelsen parte da premissa que a autonomia e centralidade do Direito somente se sustentam na medida em que este não se preocupe com aspectos sociais outros, que não a realidade já mestra da manutenção do sistema jurídico. Trata-se do culto à racionalidade do "purismo" – época da indiferença da ordem jurídica quanto as disfunções econômicas e vice-versa. O direito é concebido acima de outras instituições sociais. A ciência do direito se presta a manter o "purismo" e a racionalizar metodicamente as paixões humanas maliciosas à conservação do Estado;

II. a teorética de Bobbio, prevendo a expansão da sistemática econômica a condicionar a seleção jurídica de acontecimentos sociais que tornar-se-iam fatos juridicamente relevantes, propõe ao sistema jurídico a internalização das externalidades do saldo econômico-social, a partir do incrementalismo jurídico, centrado no gigantismo estatal e na monopolização da atuação pública como mediadora de "déficits" sociais, ao estilo da macroeconomia keynesiana – época do entrosamento e paternalismo do direito às condicionantes econômico-sociais. A viga mestra desta teoria é o sistema jurídico chamar a sua responsabilidade a neutralização dos saldos negativos sociais, com expediente de impedir o fortalecimento de poderes informais privados que, logo, poderiam ameaçar a pretensão ideológica de autonomia e completude jurídicas no âmbito de uma sociedade de massas. O Direito começa a perder importância funcional para outras instituições sociais, em principal, a econômica. A ciência do Direito se presta a coordenar este processo de interação direito-sociedade;

III. a concepção dos últimos dois teóricos

se cimenta sob o princípio de que o direito já perdeu sua autonomia e exclusividade e, que não passa mais de um sistema de poder ao lado de outros sociais, em particular o econômico – fenômeno acelerado pela globalização econômica, como será abordado adiante. E, em razão disto, o grande desafio de uma ciência jurídica seria redescobrir a sua nova postura dentro desta sistemática global, a partir de uma linguagem reflexiva sobre o seu próprio papel funcional, quando reclamado pelos demais sistemas que gravitam em simbiose com ele.

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O Direito não deve buscar centralidade e exclusividade, mas garantia de existir vivo no meio envolvente das redes da pós-modernidade. A ciência do Direito se presta a descobrir novas alternativas para este desejada manutenção dinâmica de um sistema jurídico. A concepção de manter autonomia é símbolo de isolamento teorético e funcional, tentar manter a estática ontológica na álea da dinâmica de um meio contigente, é dar margem à fatalidade e ao suicídio de uma ordem jurídica (não ordenamento, note).

"... deixando a relação direito-sociedade de ser concebida à luz da idéia de causalidade linear biunívoca, de acordo com o qual as normas jurídicas produziriam diretamente mudanças sociais, para o ser em termos de uma causalidade circular unívoca, que apenas deixa espaço para influências intersistêmicas "modeladoras", filtradas e extremamente indiretas" (Ost, François, "Le système juridique entre Órdre et Désordre", PUF, 1988, p. 151)


ESMIUÇANDO A REFLEXÃO (II)

"Nenhum ditador pode sobreviver por muito tempo em uma sociedade comunicativa, uma vez que os fluxos de informação não poderão ser controlados a partir do centro" (Kumar, Krishan, "Da sociedade pós-industrial à pós-moderna", p. 22)

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Na era do mito da globalização econômica, mais uma vez é atualizada a assertiva de cunho materialista de Récasens Siches de que é na economia que se deve buscar a anatomia e a história da sociedade e da cultura, em todos os seus setores e em todos os seus aspectos. Filosofia, ciência, religião, arte, política, direito, etc., são apenas efeitos, epifenômenos ou superestruturas, que repousam na realidade principal... são simples conseqüências do que ocorre na realidade econômica. Em outras palavras, o processo gerativo da comunicação humana em semiose é determinado pela reciprocidade dialética do Logos em Linguagem porque zöon politikön o Ser é (numa acepção filosófica grega), configurado em referência à moralidade do "monde vécu" e sua agonística das utilidades e apropriações do universo visível e sensível para se bem viver.

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A par de qualquer apreciação crítica de um monismo econômico, despiciendo notar que o Direito, sob a verossimilhança da premissa enunciada, se ressona na mesma nota dos fenômenos macro-sociais, mesmo porque de tal natureza, sine qua non, ele faz parte. É um fenômeno diametrizado em semiose da práxis, é um fenômeno social: para um Direito puro se deve construir uma sociedade liberal (ideologia do direito cria a sociedade); para uma sociedade de massas e suas incessantes explosões de litigiosidade um Direito promocional (socialização do Direito); e, em tempos atuais, para uma sociedade comunicativa complexa, integrada num processo contínuo de auto-reprodução a partir de uma diferenciação mitótica, um Direito descentrado e reflexivo (sociedade diferenciada, sistema jurídico diferenciado).

O desafio da ciência jurídica se expõe em achar um atalho que dê ao sistema jurídico dos exegetas a possibilidade de reivindicar (não o papel manifesto, até então, de "controlar os destinos dos setores sociais"), mas a recapturação das rédeas perdidas em algum momento da história capitalista – fenômeno jurídico e fenômeno social são facetas uníssonas da mesma moeda (=fenômeno econômico).(2)

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Ao Direito urge a reposturação no seio da unitas complex planetária. Esta, atuante à exatidão de ser capaz de des-codificar as difusas lingüagens de uma sociedade contemporânea que opera em contextos políticos descentrados, em localidades sociais dispostas em micro-corporações - implícitas dentro de um macro-sistema de redes cooperativas, cuja organicidade, em base primária, é permitida por atos comunicativos oriundo do fator cibernético e cognitivo (semiose em práxis), o qual comprime tempo e espaço em intervalos instantâneos e efêmeros nas passagens cotidianas das relações humanas.

"... A época atual será talvez, acima de tudo, a época do espaço. Estamos na época da simultaneidade: estamos na época da justaposição, do perto e do longe, do lado a lado, do disperso. Estamos em um momento, acredito, em que nossa experiência do mundo é menos a de uma longa vida desenvolvendo-se no tempo do que a de uma rede que liga pontos e se interliga com seu próprio grupo" (Soja, E.W., Postmodern Geographies: The Reassertion of Space in Critical Social Theory, Londres, 1989, Kumar, Krishan, "Da sociedade pós-industrial à pós-moderna, p. 157)

O mito da globalização econômica reformula as tradicionais trilhas de comunicação das plúrimas linguagens sociais, culturais e políticas existentes à era do capitalismo organizado, através de sua máxime penetração condicionante na sistemática social, inclusa a jurídica, a qual é posta em xeque: em instituição, pela rigidez peculiar para neutralizar litigiosidades que exigem equacionamentos eficazes, operacionalizados em moldes flexíveis à corrente do imprevisível e em tempo instantâneo e funcional. Em legitimidade, sob a ótica de seus destinatários, pela perda de dissimulação deste em manuter o respaldo da autonomia e completude frente a formação de poderes de juridicidade paralelos e funcionalmente hábeis para as disfunções de uma sociedade complexa. E, em hegemonia por se ver relativizado em sua soberania formal pela ação de um setor econômico megapolizado, o qual transformando a anatomia social e os símbolos

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morais da fisiologia social, delega ao Direito a inserção ao lado dos sistemas sociais dispostos na rede circular organizacional.

A simbologia do Império não se comporta ao minudente de disponibilizar a sua semântica a des-codificação de sistemas que com ele interajam, em maior ou menor grau, mas em absoluto e com exclusividade, passa a condicionar seu código "econolingüístico" como premissa maior de qualquer comunicação relacional entre ele e sistemas já existentes ou mesmo entre estes e outros.

A apriorística econômica global, como base de superestrutura e infraestrutura operacional dos demais sistemas semióticos sociais, nasce à acomodação sistêmica do capitalismo e a nova matéria-prima que lhe pretende nutrir, qual seja, a científica da informação e do conhecimento, para em maioria, dar respostas imediatas à exaustão do projeto moderno e seus paradigmas simbólicos. Daí se impulsionar a ideologia social da informática como premissa para toda e qualquer relação no seio da pós-modernidade – mais uma mistificação a ser propalada sob a consciência comum em prol da ideologia capitalista e de seu reino semiológico das necessidades supérfluas.

A deflagração econômica planetária injetada pelo conhecimento informático disperso, agora em espaços de vida variados, promulga a era do capitalismo desorganizado, linguagem oriunda da capacidade intra-sistêmica da economia de se auto-reproduzir em ritmo acelerado com maior maestria em relação a outros microcosmos sociais, em particular, o jurídico, o qual nesta ambientação de rotinização, se comunica com o social dentro da medida da aceitação deste, daquele, ou não se comunica, embora o social exija, ou, ainda, para manter a já perdida autonomia, diante da indiferença do social, também, assim se comporta (trilema regulatório).

A superação autopoiética do setor econômico quanto à capacidade de produção de seus elementos (condicionantes materiais recursivas) e de sua própria estrutura comunicacional circular intra-sistêmica (expansão geográfica transnacional), relega ao sistema econômico, frente ao caráter retrógrado e lento dos demais, a ganhar, paulatinamente, referência prática e simbólica de ente soberano do velho Estado-nação e de seu aparato jurídico formal-instrumental, o qual se desvanece nesta covarde

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competição à desmedida expansão urbi et orbisacelerada em demasia para seus modelos de tempo diferido e rigidez estrutural, seja cultuados na clausura (direito puro), seja através de comunicações precárias e disfuncionais a respostas imediatas (direito promocional).

O novo regime de acumulação capitalista inscrito na tecnologia da informação e do conhecimento científico fez reformular o modo de produção econômico que, descentralizado nas localidades do controle das matérias-primas energéticas e dos espaços de operação multinacionais, se transforma em uma rede de serviços financiados pela tecnologia flexível e operados além dos espaços tradicionais, (co-)rompendo os limites geográficos da soberania das nações locais que se vêem relativizadas no seu poder de gestão dos agentes econômicos externos e internos.

Este trânsito cibernético internacional exige mecanismos jurídicos mais receptivos e abertos ao tráfego de discursos comerciais e difusão concorrenciais que se posicionam soberanos à qualquer fronteira nacional. Derivante o "a-controle" estatal ao dirigismo de um sistema econômico que se expande ao seu alvedrio. O enfraquecimento da simbologia do monopólio estatal para a produção de hipótese de incidências a serem aplicadas num contexto genérico e abstrato, é inevitável.

O Direito não pode se manter íntegro sem uma estrutura hierarquizada que tenha como referência a unidade de uma poder central e soberano, cujo signo é uma norma fundamental nas mãos de um poder constituinte, também, soberano. E, por outro prisma, o contexto de aplicação genérico e abstrato é uma apreensão dogmática-jurídica estéril. A realidade espacial e temporal a ser solucionada por um estatuto sincrônico à pós-modernidade se molda ao discurso da eficiência ao da vigência, à soluções rápidas e funcionais em um campo de ação de diuturnas interações comunicativas efêmeras e complexas e, sobretudo, agonísticas, fugidias à qualquer racionalidade ideológica da dogmática jurídica.

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A expansão econômica comina à destruição, a mudança, ao des-holísiitico, logo, desindustrialização e "descentração" dos modelos fordistas. Em suma, confederações de micro-cosmos empresariais cuja matriz gerenciadora e gestora se concentra na própria localidade que se tempera segundo as notas do sistema de internacionalização-mundo. (o discurso filosófico-científico pós-moderno é a mudança à substituição do moderno, que era o progresso)

Depreende-se a formação de localização das relações de produção do tipo modular (tal como o mapeamento social), cujo comando de gestão e gerenciamentos jurídicos hão de se formar no âmago da própria micro-estrutura, tendo em vista que somente esta é capaz de produzir uma ordem jurídica conecta com a imprevisibilidade e concretude temporal exsurgidas dos fatores e recursos de produção da plus-valia costumeira, dirigida e coordenada às formulações da álea da conjuntura internacional – reposturação da legitimidade do Direito sob o ponto de vista funcional.

Depreende-se, ainda, que a nova realidade do Império reclama normas atuantes e flexíveis à temáticas variáveis, cuja gênese seja o poder descentrado, fomentador da sistemática intra-sistêmica mesma. E, em acréscimo, que estas normas contenham dispositivos de feed-back, capazes de restabelecer a estabilidade perante fatores intrusos externos ou internos em prioridade, para não se ter, neste caso, que acionar o Direito tradicional, símbolo de atraso e ineficiência.

Em exaustão, extrai-se trivial que o monismo formal-jurídico estatal cede seu espaço de exclusividade para o pluralismo descentrado da econopolização. Neste a base da linguagem recursiva não são as normas jurídicas abstratas e gerais (então, ideologia da inocuidade), mas sobretudo atos de comunicação coordenados à álea adaptativa econômica. Estes se caracterizam pela reflexão compreeendida no sentido de que os elementos do sistema destinatário possuem a racionalidade de criar dispositivos contigenciais para se adaptar à disfunções sistêmicas imprevistas e imprevisíveis – a produção normativa se espelha em si e para si, na medida que ela é a resposta ao fenômeno limite do social e, sendo assim, deve ser remontar à seletividade e avaliação empírica que garanta sem perturbações a continuidade da ontologia do sistema em que esta se destina.

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Da ética da convicção à ética da eficiência, a regulamentação legal direta da sociedade informacional se transfere à ambientação e à comando da tipologia dinâmica da produção modular pelos poderes descentrados mesmos. Ao tradicional Direito estatal, a intervenção regulatória intra-sistêmica não será mais possível, cabendo apenas uma intervenção indireta na ordenação e coordenação inter-sistêmicas, cuja normativa despontar-se-á para a manutenção da ordem do recurso circular comunicativo, bem como a formulação de mecanismos de refutação e quaisquer entes sistêmicos que, de maneira egocêntrica ou mesmo egoística, pretendam se sobrepor aos demais. A atuação jurídica é conciliar a desenvoltura dos interesses conjunturais dos atores sociais em práxis.

Trata-se da processualização do Direito que se traduz na axiologia da abertura normativa de variedades seguras à respectiva mutabilidade. Trata-se do curto-circuitando, onde, como já posto, o Direito estatal é o garantidor da comunicação empírica inter-sistemas, impedindo expedientes de concorrência leoninos e desleais – impedir que sistemas multivalentes tumultuem ou neutralizem atos comunicativos inter-sistêmicos. Tudo voltado à proteção da estabilidade, da circularidade semiótica de toda sociedade global.

A ideologia da cibernética aliada ao sistema financeiro (capitalismo desorganizado) numa observação macro-sociológica jurídica provocou a exaustão dos paradigmas da ciência jurídica e do Direito como ordenamento completo e exclusivo à produção de normas para intervenção e coordenação dos indivíduos de acordo com uma governabilidade político-social mínima (tal concepção no decorrer dos anos se tornou demasiada díspare com o real).

Adiante, ao enigma de algumas particularidades jurídicas mestras, também debilitadas em suas funções primordiais em razão da soberania econômica planetária e do "re-mapeamento" sócio-ideológico, instilados pela política social da "ética da eficiência" a preterir a "ética da convicção".

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Com a integração sistêmica da sociedade informacional consagrou-se a relativização estatal no fomento, regulação e coordenação macroeconômica por meio de seu sistema jurídico, fator que contribui para o fortalecimento das instâncias privadas – que já despotavam soberanas – as quais possuíam, a contra-senso do poder estatal, base material para financiar as políticas de bem-estar do État Providence ou Welfare State. Esta supervalorização deu crédito à legitimidade crescente destes corporativismos ao destinatários sociais, os quais, aos poucos, já eivados da consciência da eficiência à convicção, passam a privilegiar os comando privados, formais ou informais – na sociedade global perde sentido o binômio público e privado do velho Estado Liberal e de sua tentativa de sociologização jurídica, a partir do État Providence através da simbolização de novas atores sociais, bem como da tópica da criação de direitos tidos como difusos e coletivos lato sensu que, nada mais são que subterfúgios legais para despolitizar demandas sociais básicas (expropriação de conflitos sociais) e permitir que o Direito, através de sentenças concretas e particulares in casu, cultuem a falsa simbologia de regulação social e garantia de eficácia de direitos na consciência de seus destinatários, uma vez que estes pensam ter transferido à positivação as suas "lutas sociais" pelo reconhecimento destes.

Os operadores do Direito, em particular, o Poder Judiciário, ciente da impossibilidade de sobrevivência do tradicional binômio público e privado imprimem em sua hermenêutica dos fatos juridicamente relevantes o discurso da heterodoxia, buscando trazer sensibilidade social aos seus julgamentos e garantir a superação da crise do Direito (mais um mito jurídico) em relação ao corporativismo que se anima à satisfação do mal-estar social, trazendo para si a ameaça da incoerência e de decisões conflitantes, desnaturando a própria legitimidade inabalável da sua alçada.

O Legislativo, na tentativa de garantir um piso mínimo de governabilidade por parte do Executivo, já decretado a obsolescência de seus imperativos pela substituição gradual do corporativismo econômico, se põe à criação de hipóteses de incidências sob conceitos mais abertos, de modo que possa tal letra se encaixar em qualquer imprevisibilidade social, ou ainda, utiliza o expediente de legislar para todos os campos

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do monde vécu que denotem uma mudança, o que faz desembocar numa variabilidade de normas ineficazes, declarando a sua própria hipertrofia e o fenômeno descrito da juridificação (trilema regulatório).

O Executivo passa, então, a governar ao sabor dos interesses econômicos e antagônicos de uma sociedade diferenciada, procurando coexistir os infinitos micro-sistemas normativos corporativos dotados de sua lógica própria e íntima, cujo fator revelador é o uso abusivo, ao menos no Brasil, das medidas provisórias, longe de serem urgentes e relevantes como pré-requisita o Texto constitucional – diga-se de passagem, em este em gênese já disfuncional, vez que erigido sob uma premissa ideológica de coerência do ordenamento jurídico e da filosofia do apego a lei como princípio à solução de todas as mazelas sociais, o que no complexo da diferenciação global, é simplicado na ingovernabilidade sistêmica, situação em que os direitos positivados, de caráter incrementalista, necessitam de regulamentação e verbas, as quais não se realizam em concreto por falta de base material-financeira, trazendo descrença quanto aos setores públicos e ao seu instrumento jurídico, tachado o primeiro incompetente (desgaste e impopularidade do Executivo) e o segundo ineficaz.

Irrefutável não haver no Império a distinção entre público e privado, mas sim um policentrismo político atuando ao nível dos interesses de variados micro-sistemas (heterarquia corporativista), os quais altamente diferenciados e complexos, delegam à inocuidade qualquer discurso que se fundamente na filosofia mestra da supra-infra ordenação normativa, à ciência kelseniana, tendo em visa que a hierarquização é impossível neste âmbito, além de ser pouco desejada.

A hierarquização das normas a partir de uma norma fundamental não se acomoda à racionalidade pós-moderna, posto que esta enfatiza a desregulação estatal para a expansão sem fronteiras do capitalismo turbinado, partindo da produção de um Direito cujo valor máximo normativo não se molda ao instrumento (Estado liberal) ou a teleologia (Estado promocional), mas à normas referenciais voltadas à conjuntura de um sistema jurídico que advém de redes complexas descentradas, que se dinamizam mais eficientes que o poder decisório estatal.

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O exemplo clássico desta referencialidade no Direito em pós-modernidade são as relações contratuais microcorporativas que se avizinham do informalismo da plêiade da Lex mercatoria, em que a formalização comercial internacional, fragmentada na descentração das organizações complexas, se qualificam à subordinação da eficácia da produção econômica. Nestes termos, a tipologia contratual contém cláusulas abertas à contigências produtivas e concorrenciais, clamantes de controle, legitimação e co-participação a exigências em constante imprevisibilidade e renovação.

A execução do modelo contratual da racionalidade conjuntural se informa pelo princípio da rebus sic stantibus ao abandono gradual do pactum sur servanda – rígido demais para a álea econômica e seus interesses a sopesar. Os possíveis conflitos advindos no curso contratual são dirimidos por dispositivos de juridicidade, tais como Câmaras de Comércio e Arbitragem, eliminando a cognição jurisdicional e mitigando o princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, desenvolvido através de um processo jurídico burocrático e, portanto, lento para as expectativas dos sujeitos contraentes.

Os contratos do Império sob o nível interacional são do tipo relacional, posto que priorizam a descontinuidade (racionalidade jurídico-formal), mas a continuidade no sentido de que a contratação entre os entes se coloca como uma linguagem comunicativa de cooperação à contigência da práxis. Todos estão unidos para atravessar maus agouros. A responsabilidade contratual tradicional se pulveriza social, ao cargo de todos, envolvidos ou não de forma imediata na convenção.

Os contraentes priorizam os acordos para enfrentar as contigências dentro de cada campo de atuação econômica que se (re-)conduzem, secundarizando o conteúdo da prestação de serviço ou comercialização de determinado bem, no circuito global – contratação como uma variável dependente da respectiva envolvente sistêmica.

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"... "contrato relacional"... sublinha a "interação e cooperação entre os participantes, a emergência de valores e necessidades específicas, a processualização das relações contratuais, a incidência marginal do direito contratual formal na práxis negocial, e a ambivalência da <<juridificação>> do contrato originada seqüência de numerosas intervenções" (Teubner, Günther, O direito como sistema autopoiético", p. 233)

A função social institucional do contrato relacional não remarca o tradicional papel – no formalismo, em garantir o cumprimento do pactuado para estabilidade do social, ou na racionalidade promocional, em garantir o equilíbrio do social a partir da proteção do vulnerável – mas sobretudo, se reconstrói sob o escopo de uma estrutura compensatória de supervisão e legitimação específicas do próprio grupo sistêmico em que ele se organiza e pretende normatizar.

A desconcentração e flexibilização por intermédio de acordos contratuais atinge não somente as relações de comunicação entre métodos de financiamento da matéria-prima tecnologia, mas há de se expandir e ser repassado no contexto das relações entre consumidores e trabalhadores.

O Direito do Consumidor sob a égide da vulnerabilidade implícita deste e na promoção do equilíbrio do mercado a partir da intervenção direta nas relações de consumo por via estatal, se enfraquece gradativamente, relegando ao reforço da plena eficácia. Este se originou na tardia da racionalidade teleológica (incrementalista), centralizado na ideologia de uma sociedade de massas que necessitava de reparos a cargo do Poder Público, situação que nunca se implantou pois que traz soluções promocionais, para uma sociedade já moralizada pela mito da globalização – há um descompasso cognitivo temporal, ente a legislação consumerista e os fatos sociais. Vulgarmente, quer se apagar o macro-incêndio com gotículas homeopáticas de álcool (Nem água!!), isto é, dá-se soluções superficiais, que não integradas a profundeza da questão, agravam ainda mais as conseqüências maléficas repercutidas na semiótica social, em práxis.

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O consumo de massas na sociedade informacional foi descentrado ao consumo localizado e a gostos específicos, voltado não ao consumidor-padrão, mas ao consumidor tendente a valorizar uma rede de bens especializados às expectativas do micro-cosmo no qual este se identifica de forma primária e exclusiva – padrões de produção e consumo à especialização flexível.

Da economia de escala fordista, de massas, passa-se para a economia de escopo, tipificada na produção de bens voltados aos anseios de mercados relativamente pequenos ou segmentados. Tal modelação injetada pelas novas máquinas da informação tornam possível a rotatividade acelerada de espécies de bens a mudança de setores unitas complex, os quais para serem absorvidos, militam a ideologia do markenting de incitar o consumidor à atualização tão rápida quanto as mudanças em turno, fato que simboliza nas consciências do homem organizado as pseudo-necessidade de uma escala variada de bens.

Desume-se que a descrição em tela marca o anacronismo estatal e jurídico da legislação consumerista. De um lado, em ratio por esta ser produto normativo de um Estado centralizado e promocional, sendo que a realidade do Império se prende a convenções coletivas de consumo intra-sistêmicas e inter-sistêmicas, em que os antagonismos de interesses entre fornecedor e consumidor são enfrentados em e segundo a dinâmica de espaços menores, em seus sistemas valorativaos micro-corporativados, a sopesar em situações-limites e reais a axiologia prevalecente.

Por outro lado, na racionalidade jurídica referencial à conjuntura econômico-social do Império, se torna despicienda a opção pelos instrumentos de juridicidade dos códigos consumeristas, por serem soluções tardias e tematicamente incipientes. Fator que leva a se vangloriar ferramentas de arbitragem locais, de menor burocracia e de pronta entrega da prestação jurisdicional sensível e cônscia à flexibilização da resposta ad hoc (produz justiça, não em conceito abstrato e estático, mas efetivamente concreto e dinâmico).

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Ademais, a matéria das normas consumeristas, se dirigem a consumidores vistos como sujeitos individuais agindo num contexto social de massas, sob o julgo de um mercado massificador e aglutinador de direitos básicos, tal como a ameaça à intangibilidade psico-física e econômica do consumidor. Este contexto se vê fragilizado na sociedade diferenciada, posto que a identidade e ação do homem pós-moderno se confunde com a própria organização complexa que participa, partindo desta o comando das ações individuais, in casu, materializadas através de imperativas de negociação impostos por estas, no advento de disfunções a perturbar o funcionamento de seus integrantes, bem como a manipulá-los à adesão contratual pela desinformação.

Adendo pertinente se faz sobre o sucesso da teoria da class action na modelagem norte-americana, no sentido de que cada sistema diferenciado se legitima a compartilhar interesses próprios em dirimir lides que os atinge de maneira comunitária, sem acionar qualquer dispositivo estatal para legitimá-los, como em primazia, no Brasil, é monopolizado pelo Ministério Público ao lado de outros co-legitimados, por a-politicidade de consciência educacional da população.

A eficiência norte-americana dessa processualização é nota essencial de que na economia global as fronteiras entre esferas econômicas espontâneas (não-organizadas) e regradas (organizadas), entre mercado e organização (market and hierarchy), nada mais são do que o produto de processos de evolução a turbulências dos circuitos de redes informacionais em alcance planetário.

A nova faceta das relações sociais são aprimoradas em dispositivos alternativos ao tradicional, garantidores de um sistema cooperativo orgânico que se compreende sob o discurso da eficiência para compensação de falhas de mercado (troca e concorrência) em diversos graus e níveis de interação, onde o direito do trabalho tradicional, tal como o direito consumerista, seguindo a mesma filosofia, qual seja, a "socialização do direito", é guinado ao fracasso.

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A legislação trabalhista, fruto da luta de classes trabalhadoras que se formaram ao tempo de um Estado Liberal, sob o mercado de um capitalismo industrial, numa economia de grande escala fordista e sua administração científica da divisão social do trabalho taylorista, frente a economia do Império, temendo o desfacelamento, se enclausurou e perdeu razão de ser no âmbito de relações de trabalho contemporâneas, as quais são em essência flexíveis, diferenciadas e descontínuas, com o intuito de premir à ética da eficiência.

"O mundo de um "capitalismo desorganizado" é aquele em que as "relações fixas, rígidas" das relações capitalistas organizadas foram varridas para longe. As sociedades estão sendo transformadas a partir de cima, de baixo e de dentro. Tudo o que é sólido no capitalismo organizado – classe, indústria, cidades, coletividade, nação-estado e mesmo o mundo – se desmancha no ar" (Kumar, Krishan, "Da sociedade pós-industrial à pós-moderna, p.61/62)

A tradicional classe trabalhadora industrial de massa e seus protagonistas sindicatos e partidos são relegados ao declínio a partir da emergência de novas formas dominantes de relação de trabalho centradas no fator conhecimento e informação, a se instaurar em um espaço de intercruzamento entre redes organizadas a respostas instantâneas,

O mundo do trabalho da automação global prioriza-se, então, na imateriabilidade e intelectualidade como foco da economia global, o que traz novas formas de liberação e exploração à substituição da mão-de-obra taylorista. Estas exigem a mobilidade da mão-de-obra à sincronia da desindustrialização dos espaços fordistas e aos prospectos do fomento do conhecimento para garantir a sustentação do sistema econômico planetário – da teoria do valor do trabalho para a teoria do conhecimento.

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A conformação da força do trabalho à especialização flexível exige que os custos econômicos com o trabalhor fordista e toda a infraestrutura para garantir o seu controle rígido à satisfação do trabalho, sejam repassados para outros focos sociais, tal como o financiamento de conhecimento, que é a matéria-prima do novo mercado. Nesta filosofia, a tipologia do trabalho se molda ao trânsito da demanda de serviços informatizados ou mesmo no financiamento de fomento à pesquisa, privilegiando os níveis mestrado e doutorado, ao ciclo básico e médio e, quanto aos demais, menos qualificados, somente lhe restam trabalhos temporários, como autônomos ou no setor informal. O local de trabalho, também, se torna exigência secundária frente a informatização das redes de comunicação entre prestadores de serviços e tomadores destes a contrair tempo e espaço, sendo crescente o desenvolvimento no âmbito do próprio lar.

A reestruturação dos cargos e espaços de trabalho traz a despolitização que deflagra o fim do corporativismo de classe, o esfacelamento da provisão de benefícios padronizados coletivistas ao fornecimento privado de benefícios sociais da organização laboral dos próprios sistemas sociais os quais participam, contribuindo para a ineficácia ou, ao menos, inoperância do sistema jurídico previdenciário e seus princípios de universalidade.

O Direito do Trabalho e suas categorias jurídicas protecionistas e paternalistas perdem a funcionalidade num contexto díspare para com a realidade jurídica que foram criadas. Os poderes descentrados das organizações complexas, dispostas em redes, passam a ditar o poderio normativo do novo mapeamento da organização da força do trabalho e suas conjecturas, feitas no calor dos acontecimentos supervenientes oriundos das superposições e entrosamentos lingüísticos entre os diversos sistemas.

As relações interativas de fornecimento da força do trabalho se dão ao vínculo de prestação específica de determinado serviço à demanda do suprimento de uma satisfação surgida ad hoc. Nestes moldes, os conceitos basilares da continuidade da relação de trabalho, do piso de jornada de trabalho por categoria profissional, da tipologia de local do trabalho, da proibição de intempéries in pejus para o trabalhador, da relação de emprego, como regra, por prazo indeterminado, se tornam relativizados, passando de regras à exceções, apenas levadas em conta pelos contraentes, se conveniente for às exigências de eficiência e menor custo para as relações de produção.

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Por outro lado, o Direito Processual do Trabalho e seus mecanismos de jurisdição individual e coletiva tendem a progressiva ineficiência. A composição de lides individuais trabalhistas nada mais são que aplicação de normas particularizantes para corrigir ou amenizar as crises sociais da hegemonia econômica institucional, relegadas a franco fracasso na medida que são cada vez mais aplicadas.

No campo da juridicidade trabalhista, os dissídios coletivos estão em desmoronamento, visto que as negociações coletivas não se fazem com freqüência entre sindicatos e suas facções, já despolitizados pela preponderância da econopolização, cujo objeto (classes) se esvaziam pela nova reestruturação profissional.

Da ética da eficiência não escapa, também, o ensino acadêmico. Este se envolve na malha social estratificada e se eleva à categoria de fábricas de conhecimento voltados a alimentar a manutenção da rede de dependência orgânica e cooperativa do Império e sua variante simbólica sociedade informacional.

"... as empresas, mais do que o governo provocam as mudanças na educação devido à nova economia baseada no conhecimento. O sistema de ensino tradicional, de universidades e faculdades está perdendo o trem da transformação do aprendizado, que evolui fora dele, no trabalho e no lazer. Nas próximas décadas o setor privado – de formas alternativas de ensino – superará a escola como instituição educacional predominante. (comentário de S. Davis e J. Borkin, em HSM Management 8, maio-junho, 1998)

A Universidade, ao lado de outras instituições sociais, suporta a dificuldade de interagir a sua linguagem e destinação de conhecimento e cultura geral a plurilinguagem da competitividade da economia global, voltada a educação especializada eao tornar apto para o mercado (não se forma o Ser, o instrumentaliza à profissão – técnicos do saber). Realidade que, na área jurídica, se detecta na crescente proliferação de faculdades voltadas à formação de "técnicos de Direito" e cursos de extensão universitária a intermediar os mestrados e doutorados, bem como ao enxugamento dos currículos de outras academias jurídicas tradicionais que internalizam o mesmo escopo, ao lado da permanência da instigação do saber e da incitação iluminista a raciocinar - confirmação, é o desaparecimento das disciplinas filosóficas na educação. Ora, a Filosofia deveria estar presente na educação jurídica e em todas as outros setores de aprendizado, como embasamento de reflexão do conhecimento, de maneira transversal às disciplinas, de modo que o aluno se indague sobre a causa das coisas e não apenas para que servem.

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A questão do conhecimento jurídico se condiciona à razão social do Império. Leituras acadêmicas que fujam a produção de conhecimento útil (lucrável), estão delegadas a segundo e esquecido plano, ora pelas Universidades que tentam se adaptar a nova rítmica para não perder espaço social, ora pelo mercado que se nega absorver profissionais que não sejam tecnicamente especializados.

De outro lado, a profissionalização para a funcionalidade do sistema produtivo muda o conceito de pesquisa da universidade do saber, a qual no drible de sua perda de hegemonia e legitimidade para a soberania da economia e seu conceito distorcido de saber e conhecer a verdade, apenas consegue angariar financiamentos para seus projetos de pesquisa, se estes passarem no crivo das exigências de um mercado diferenciado e em franca inovação, o qual em termos de pesquisa se molda ao saber para lucrar ou, ao menos diminuir taxas de custos das relações de produção.

O suplantar da crise da ciência do Direito e de seu conjunto de normas a partir de uma reposturação e atualização de sua linguagem ao meio envolvente, está muito longe de se concretizar. Em particular, não somente em razão da soberania econômica do Império, mas sobretudo pelo fato de que a ideologia da funcionalidade e especialização está tão arraigada nas consciências acadêmicas que, aonde deveriam surtir alternativas para a construção empírica de um Direito à pós-modernidade – as cadeiras das Universidades – já estão eivadas em gênese na nova pragmática.

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Ademais, o escapismo desta, quiçá, nem se cogita impossível, mas sem quaisquer expectativas de fugir à regra, pois nem se chega a ser concebido, o culto do espírito acrítico e do marionetismo sócio-acadêmico é nefasto, ilustração visível é o desdém dos estudantes em pensar alguma coisa que se afugente dos limites do tecnicismo estatal jurídico.

A metodologia da tecnicidade jurídica se tornou no âmbito da economia-mundo e de suas implicantes sociais, expectativas sólidas, propaladas no seio acadêmico à secundarização da filosofia, ética e sociologia jurídicas. Fomentadas pelo Império como condição de sua expansão e sustentabilidade das externalidades capitalistas, as Universidades têm duplo papel: fabricantes dos técnicos do saber e fabricantes do conhecimento-informacional, estes matéria-prima do capitalismo desorganizado.

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Sobre a autora
Patrícia Bressan da Silva

advogada em São Paulo, acadêmica de Filosofia na Universidade de São Paulo (USP), pós-graduanda em Interesses Difusos e Coletivos da Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo (ESMP), pós-graduanda em Educação Ambiental (USP/FDP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Patrícia Bressan. Implicações Jurídicas Da Globalização Econômica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2391. Acesso em: 23 nov. 2024.

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