O artigo 409 do Código de Processo Civil italiano, redação da lei 533/1973, e o artigo 11 da Lei espanhola 20/2007 e Real Decreto 197/2007 (Estatuto do Trabalhador Economicamente Dependente), criaram, respectivamente, os conceitos de parassubordinação e trabalhador economicamente dependente.
A parassubordinação é o trabalho prestado sem vínculo de emprego, mas de forma contínua, pessoal, com certa autonomia e utilizando-se o trabalhador da estrutura do tomador do trabalho. É um instituto que foi criado, na década de 1970, para proteger os trabalhadores que prestavam trabalho sem subordinação mas que, embora independentes, estavam integrados à atividade do tomador de trabalho mas de forma “fraca”, se comparada com a relação de emprego cuja integração é “forte”.[1] Ainda, para parte da doutrina, o trabalhador parassubordinado depende economicamente de seus tomadores de serviço[2].
Esta continuidade, a fim de caracterizar a parassuborinação, seria pelo tempo de execução da obra, o que não é sinônimo de estabilidade. Pode, contudo, haver renovação do contrato.[3]
Já o trabalho economicamente dependente é aquele que, embora tenha o prestador de trabalho autonomia na execução dos serviços, depende economicamente do tomador do trabalho, de quem retira pelo menos 75% de seus ganhos. Presta, como no caso italiano, trabalho de forma permanente e pessoal, o que aproxima os institutos, embora não se possa confundi-los. No caso espanhol, legislação que, inclusive, é objeto de estudos dentro da União Européia, há a previsão de direitos a estes trabalhadores, o que demonstra o objetivo da norma em proteger estes trabalhadores.
O que deve ser dito, apenas para não deixar passar é que, tanto no caso italiano como espanhol, não há efetiva e concreta proteção ao trabalhador, como querem fazer crer alguns doutrinadores. Há, na verdade, uma falsa idéia de autonomia, no caso particular da Espanha, na medida em que rechaça toda a doutrina da subordinação objetiva, pois que os trabalhadores, embora subordinados de forma estrutural, deixam, por força de lei, de ser considerados empregados. Em síntese: os trabalhadores ditos parassubordinados por força da legislação específica de Itália e Espanha seriam com base no direito positivo brasileiro verdadeiros empregados porque flagrantemente integrados na atividade produtiva do tomador dos serviços.
Dito isso, o que dá origem a este pequeno ensaio é a recente jurisprudência que vem se formando no Brasil e que entende aplicável, por força do artigo 8º, cabeça, da CLT, especialmente o instituto da parassubirdinação no Brasil.
Sobre isso há que se fazer algumas considerações.
Estes dois institutos, parassubordinação e trabalho economicamente dependente, não podem ser trazidos para o direito brasileiro, salvo como forma de análise, acadêmica, quanto aos limites da subordinação.
Primeiro: porque o artigo 8º, cabeça, da CLT permite a utilização do direito estrangeiro como forma de integração da norma jurídica trabalhista exclusivamente no caso de omissão. Não há omissão na disciplina jurídica nacional do trabalho subordinado, mas sim equívocos de aplicação do conceito de subordinação expressamente previsto no artigo 3º da CLT.
Segundo e mais importante: porque o artigo 7º, cabeça, da CF/88 preceitua que são direitos dos trabalhadores, além de outros que visem à melhoria da sua condição social, o rol de incisos do mesmo artigo 7º. Ora, se há limite para o legislador, a melhoria da condição social do trabalhador, portanto, não retrocesso em matéria trabalhista, com muito mais razão este mesmo artigo serve de limite interpretativo para o julgador.
A interpretação da norma, e isso é princípio, o da proteção, sub-principio do “in dúbio pro operário”, deve ser aquela mais favorável ao trabalhador, aplicando-se, portanto, em casos em que há trabalho de forma não-eventual (contínua), pessoal e remunerada, o que preceitua o artigo 3º da CLT. Faço o registro que no Brasil a legislação não diferencia a subordinação em direta e indireta (estrutural), prevalecendo, pelo mesmo critério (interpretação mais benéfica), a idéia de que o trabalho permanente prestado ligado à atividade do tomador também dá origem à subordinação jurídica[4].
Ainda, não se pode esquecer que deixar de lado o fato de que também os juízes estão sujeitos ao que consta da cabeça do artigo 7º a CF/88 é dar maior poder à interpretação judicial do que à norma em si. Isso fere o equilíbrio entre os poderes, equilíbrio este que é fundamento da República, artigo 1º, cabeça, da CF/88.
Reforço que estes dois institutos não são criação doutrinária. Estão previstos em lei nos respectivos países e por isso são aplicados. O Brasil não possui lei similar. A vontade do legislador brasileiro é de que ou o trabalhador é autônomo, sem dependência econômica ao tomador do trabalho, ou é empregado subordinado, dependendo, como regra, daquele que tira proveito dos serviços prestados.
Quanto aos contratos de representação comercial, agenciamento e distribuição, o que deve ficar claro é que possuem eles legislação própria, lei 4.886/65, na qual se exige registro no CORE por exemplo e Código Civil, artigos 710 a 721, capítulo XII, “Da agência e distribuição”, apenas podendo servir para exclusão da relação de emprego nos casos de cumprimento, “à risca” de seus requisitos, o que exclui tanto a parassubordinação quanto o trabalho economicamente dependente que, como já dito aqui, possuem regramento expresso dentro do sistema jurídico dos países respectivos.
Por fim, tanto a norma italiana quanto a espanhola tiveram por objetivo (declarado) a proteção do trabalhador. Se os tribunais tem por idéia utilizar-se do direito estrangeiro quanto a estes institutos devem fazê-lo por inteiro, alcançando aos trabalhadores brasileiros idênticos direitos daqueles dados pela lei ou italiana ou espanhola (conforme o caso e o arrazoado jurídico) aos trabalhadores autônomos mas com dependência econômica dos tomadores de serviço. O que não podem, de forma alguma, é afastar simplesmente o reconhecimento da relação de emprego com base em uma destas normas. Isso viola regras claras de interpretação da norma trabalhista, bem como fere o equilíbrio que exige a Constituição entre os poderes da República.
Notas
[1] DEL PUNTA, Riccardo, Diritto del lavoro, Milano, Giuffrè Editore, Terza edizione, 2010, p. 328.
[2] ALVES, Amauri Cesar, Novo contrato de emprego: parassubordinação trabalhista, São Paulo; LTr, 2004, pp. 85/88.
[3] AMOROSO, G, DI CERBO, V e MARESCA, A., Diritto del lavoro. La Costituzione, Il Códice civile e Le leggi speciali, Milano, Giuffrè Editore, volume I, terza edizione, 2009, p. 1613.
[4] Aliás é por isso que o artigo 3º da CLT faz alusão expressa à não-eventualidade e à subordinação. No caso de trabalho permanente relacionada à atividade do tomador haverá, também, subordinação jurídica, não necessitando, portanto, seja ela apenas a sujeição às ordens diretas, bastando a vinculação à estrutura da empresa. Esta é, e isso se pode ver de forma fácil, a interpretação mais favorável ao trabalhador, conforme regra de interpretação esculpida no artigo 7º, cabeça, da CF/88. Tanto é verdade que na Itália, por exemplo, a doutrina apenas aceita a diferenciação entre a subordinação e a parassubordinação em razão do que consta do artigo 409, 3 do Código de Processo Civil, que permite a separação entre integração fraca dentro da estrutura jurídica do empregador, a parassuborinação, e integração forte, a relação de trabalho subordinada. Parte final conforme DEL PUNTA, Riccardo, Diritto del lavoro, Milano, Giuffrè Editore, Terza edizione, 2010, p. 328.