4 Conceito de Fornecedor
Em linhas introdutórias, fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, tal como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços, consoante definição insculpida no caput do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor[16]. “É, em síntese, todo aquele que oferta, a título singular e com caráter profissionalidade – exercício habitual do comércio – produtos e serviços ao mercado de consumo, atendendo, assim, às suas necessidades”[17]. Pela dicção apresentada, é denotável que não importa a tarefa assumida pelo fornecedor no universo das relações consumeristas, sendo irrelevante o papel que ele desempenha, quando se trata da afirmação dos direitos do consumidor.
Nesta esteira, a remuneração é a nota essencial à caracterização do fornecedor, sendo que a remuneração dá o tom do exercício profissional, não se aplicando apenas aos serviços. Igualmente, o fornecedor de produtos, para ser caracterizado como tal, deve atuar no curso de sua atividade-fim. “As rés, na condição de prestadoras de serviços, enquadram-se no conceito de fornecedor do art. 3º, do Diploma Consumerista”[18]. Ao traçar os aspectos característicos da figura do fornecedor, alude o legislador ao vocábulo atividade, sendo esta considerando como a prática reiterada de atos de cunho negocial, de maneira organizada e unificada, por um mesmo indivíduo, objetivando um escopo econômico unitário e permanente. Consoante o magistério de Carvalho:
Essas atividades, assim indicadas no Código, são: produção (atividade que conduz ao produto qualquer bem móvel ou imóvel, material ou imaterial); montagem (a combinação de peças que, no conjunto, vão formar o produto); criação (desenvolvimento da atividade espiritual ou física do homem que constitui novidade); construção (com ou sem criatividade); transformação (mudança ou alteração de estrutura ou forma de produto já existente em outro); importação e exportação (aquisição de produtos do exterior e venda de produtos para o exterior); distribuição (ato de concretizar a traditio da res); comercialização (prática habitual de atos de comercial); prestação de serviços (aquele que presta serviços a outras entidades)[19].
Nesta trilha de exposição, revela-se imprescindível distinguir o fornecedor imediato do fornecedor mediato, ambicionando, por conseguinte, fixar a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço. Ao lado disso, mister se faz sublinhar que o fornecedor mediato é todo aquele que não celebrou o contrato, tendo, contudo, integrado a cadeia econômica como fornecedor do produto ou do serviço. Já o fornecedor imediato, também denominado fornecedor direto, é aquele que comercializa o produto ou, ainda, presta diretamente o serviço, mesmo que venha a se utilizar de mandatário, preposto ou empregado. Com espeque no artigo 13 do Estatuto de Defesa e Proteção do Consumidor[20], a responsabilidade do fornecedor direta será sucessiva e subsidiária, quando desconhecida ou insuficiente à identificação do fornecedor indireto ou mediato.
Em havendo dano puramente patrimonial, a responsabilidade será de todos os fornecedores que integram a cadeia econômica, a título de solidariedade, excetuada exceção em sentido contrário. No sistema inaugurado pela Legislação Consumerista, em especial nas hipóteses contidas nos artigos 18 e 20, respondem pelo vício do produto todos aqueles que ajudaram a colocá-lo no mercado, desde o fabricante (que elaborou o produto e o rótulo de identificação), o distribuidor, ao comerciante (que contratou com o consumidor). A cada um deles é imputada a responsabilidade pela garantia de qualidade-adequação do produto. Salta aos olhos que a cada um deles a Legislação Consumerista de regência impôs, de maneira expressa, um dever específico, respectivamente, de fabricação adequada, de distribuição somente de produtos adequados, de comercialização somente de produtos adequados e com as informações devidas.
O Código de Defesa do Consumidor adota, assim, uma imputação, ou, atribuição objetiva, pois todos são responsáveis solidários, responsáveis, porém, em última análise, por seu descumprimento do dever de qualidade, ao ajudar na introdução do bem viciado no mercado. A legitimação passiva se amplia com a responsabilidade solidária e com um dever de qualidade que ultrapassa os limites do vínculo contratual consumidor/fornecedor direto. Considerando que a responsabilidade é solidária tanto do fabricante, distribuidor e comerciante, é facultada ao consumidor a escolha de contra quem irá demandar, podendo ser contra um dos integrantes da cadeia de consumo como todos. Colhe-se, por imperioso, o entendimento jurisprudencial que tem o condão de abalizar o acimado:
Ementa: Apelação Cível. Direito Privado não especificado. Pretensão de indenização por dano material. Vício do produto ("Notebook"). Agravo Retido. Legitimidade passiva da loja onde o bem foi adquirido. Fornecedor - para fins de imputar a responsabilidade solidária pelos vícios de qualidade ou quantidade que tornem os produtos impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam (art. 18 do CDC), na linha do que dispõe o art. 3º do CDC - é todo aquele que participa da cadeia de fornecimento de produtos e/ou serviços, pouco importa sua relação direta ou indireta, contratual ou extracontratual com o consumidor. Do aparecimento plural dos sujeitos-fornecedores resulta a solidariedade dentre os participantes da cadeia mencionada nos arts. 18 e 20 do CDC e indicada na expressão genérica "fornecedor de serviços" do art. 14, caput, do CDC, restando, assim, afastada a alegação de ilegitimidade passiva. [...] Negaram provimento ao Agravo Retido e a Apelação. Unânime. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Vigésima Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70041693920/ Relator: Desembargador Rubem Duarte/ Julgado em 26.09.2012) (destacou-se).
Ementa: Consumidor. Aparelho celular. Vício de qualidade do produto. Comerciante. Legitimidade Passiva. Em se tratando de responsabilidade por vício de qualidade do produto, todos os fornecedores respondem pelo ressarcimento dos vícios, como coobrigados e solidariamente. Tanto o fabricante como o comerciante possuem deveres perante o consumidor quanto à garantia de qualidade dos produtos, e ambos podem ser acionados judicialmente. [...] Apelação desprovida. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Décima Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70047064365/ Relator: Desembargador Túlio de Oliveira Martins/ Julgado em 29.03.2012) (sublinhou-se).
Ademais, são também considerados fornecedores as pessoas jurídicas de direito público interno, compreendendo-se a administração direta e indireta, bem como os denominados entes despersonalizados. Neste sentido, cuida salientar que “a empresa concessionária de serviço público afigura-se responsável pelos danos causados em razão da suspensão do fornecimento de energia elétrica e pela demora no seu restabelecimento”[21]. Verifica-se, assim, que as concessionárias de serviço público, para incidência das disposições protecionistas em relação ao consumidor contidas no Diploma Consumerista, são consideradas como fornecedores. A responsabilidade civil, por consequência, é objetiva e igualmente tem previsão no art. 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor, somente podendo ser afastada quando comprovado que o defeito inexiste ou que o dano decorreu de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
5 Anotações acerca da Acepção de Produtos
Em uma acepção inaugural, a Legislação Consumerista, em expressa dicção, apresenta produto como sendo “qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”[22]. Nesta esteira, o vocábulo “produto”, a partir de um viés jurídico, assume o sentido econômico, como resultado proveniente de uma produção, isto é, o resultado de algo elaborado por alguém, com o escopo primordial de ser comercializado, satisfazendo, via de consequência, uma necessidade humana. Como bem anota Carvalho, “ao definir produto de forma bem ampla tem-se, para as finalidades do Código do Consumidor, que podem ser objeto de relação de consumo quaisquer bens – corpóreos ou incorpóreos – como também os que venham a ser integrados a outros produtos ou a um imóvel”[23]. Trata-se de definição demasiadamente abrangente, não sendo possível a interpretação restritiva de seu conteúdo, ressalvada a hipótese de se promover a diferenciação da pessoa e do produto. “Constata-se que a Lei Nº. 8.078/1990 utilizou o termo bem, no sentido de ser uma coisa – algo que não é humano -, com interesse econômico e/ou jurídico, construção que é seguida por este autor”[24].
Hodiernamente, os produtos são classificados, segundo o ordenamento consumerista, quanto à segurança, à nocividade, à adequação, à propriedade, à durabilidade, à natureza e à essencialidade. É considerado inseguro o produto quando não oferece a segurança que se espera legitimamente, consoante disposição apresentada no §1º do artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor[25]. Neste sentido, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul firmou entendimento que “caso em que a parte autora, tendo adquirido veículo "zero quilômetro", veio a ser submetida a uma verdadeira via crucis pela concessionária e fabricante do produto, porque o bem exibia defeitos que o tornavam inseguro para o trânsito, repercutindo em sua indisponibilidade”[26].
De outra banda, diz-se que o produto é nocivo quando a segurança que dele se espera não pode ser alcançada de maneira imediata. Salta aos olhos que o consumidor tem o direito de não ser exposto a produtos e serviços que ocasionem perigo à sua incolumidade física. Oportuno, em verdade, é salientar que desse direito básico decorrem normas como aquelas previstas nos artigos 8º, 9º e 10º do Código de Defesa do Consumidor, que tratam das medidas de proteção à saúde e segurança do consumidor, e que preveem, por exemplo, a exigência de ostensiva e adequada informação sobre os riscos que os produtos ou serviços possam apresentar. Ainda nesse mesmo rol de artigos, encontra-se disposição que veda ao fornecedor colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança. Colaciona-se, com o objetivo de subsidiar as ponderações apresentadas até o momento, colacionar o aresto paradigmático:
Ementa: Apelação Cível. Direito Privado não Especificado. Rescisão de contrato. Direito do Consumidor. Produto nocivo à saúde e segurança. Informação insuficiente. Conduta contratual abusiva e enganosa. […] - Conduta atentatória a diversos direitos do consumidor. Art. 6º, CDC. Direito à proteção da vida, saúde e segurança (inc. I). Direito à informação adequada e clara (inc. III). Direito à proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços (inc. IV). - Caso concreto. Prova suficiente a demonstrar que o produto vendido ao consumidor causou problemas à sua saúde. Importante notar, ainda, que a hipótese dos autos apresenta notável agravante, pois o produto em tela foi vendido sob a promessa de melhora à saúde do consumidor. E se o fornecedor se utiliza justamente de promessas de contribuição e melhora à saúde do consumidor para vender o seu produto e, posteriormente, esse mesmo produto se mostra, ao contrário, nocivo à sua saúde, fica configurada com evidência a sua conduta enganosa e abusiva. Nesse contexto, o consumidor é claramente induzido em erro pelo fornecedor, que desvirtua informações sobre o produto para conseguir a sua venda. Mantido o deferimento do pedido do consumidor de rescisão do contrato. […] Apelo improvido. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Décima Segunda Câmara Cível/ Apelação Cível Nº. 70020637252/ Relator: Desembargador Dálvio Leite Dias Teixeira/ Julgado em 06.12.2007) (realçou-se).
Nesta esteira, ainda, o produto é tido como inadequado se não corresponde ordinariamente às expectativas do consumidor quanto à finalidade da aquisição ou à utilização do produto. Ao lado disso, o produto é denominado impróprio quando se mostra inadequado economicamente por vício de qualidade, quantidade ou informação[27]. É fato que constatado o vício de qualidade ou quantidade no produto, que o torno inadequado para o consumo, concede o §1º do artigo 18 da Legislação Consumerista[28], no lapso temporal de trinta dias, ao fornecedor a oportunidade de saná-lo, sendo facultado ao consumidor, em caso de não reparação do efeito, optar por uma das três alternativas admitidas no diploma legal supramencionado, a saber: a substituição do produto por outro da mesma espécie em perfeitas condições de uso; a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; ou, ainda, o abatimento proporcional do preço. “O objetivo do dispositivo legal em comento é dar conhecimento ao fornecedor do vício detectado no produto, oportunizando-lhe a iniciativa de saná-lo, fato que prescinde da notificação formal do responsável, quando este, por outros meios, venha a ter ciência da existência do defeito”[29].
6 Comentários à Natureza Jurídica do Serviço
Em relação ao serviço, o ordenamento pátrio adota, em referência às relações consumeristas, que o serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, compreendendo-se, inclusive, as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, excluindo-se as provenientes das relações de moldura trabalhista. “Trata-se, pois, de atividade laborativa, ofertada no mercado de consumo, mediante remuneração. A regra em comento excepciona, dentre as atividades remuneradas, apenas a de natureza trabalhista”[30]. Desta feita, pode-se ponderar que as relações existentes entre concessionárias de serviço público, tais como rodovias, telefonia e energia elétrica, e o usuário do serviço são típicas de consumo, estando, portanto, alcançadas pelos feixes inspiradores que orientam a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Nesta trilha, cuida trazer à colação o seguinte entendimento jurisprudencial:
Ementa: Concessionária de rodovia. Acidente com veículo em razão de animal morto na pista. Relação de consumo. 1. As concessionárias de serviços rodoviários, nas suas relações com os usuários da estrada, estão subordinadas ao Código de Defesa do Consumidor, pela própria natureza do serviço. No caso, a concessão é, exatamente, para que seja a concessionária responsável pela manutenção da rodovia, assim, por exemplo, manter a pista sem a presença de animais mortos na estrada, zelando, portanto, para que os usuários trafeguem em tranquilidade e segurança. Entre o usuário da rodovia e a concessionária, há mesmo uma relação de consumo, com o que é de ser aplicado o art. 101, do Código de Defesa do Consumidor. 2. Recurso especial não conhecido. (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 467883/RJ/ Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito/ Julgado em 17.06.2003/ Publicado no DJ em 01.09.2003, p. 281) (grifou-se).
Ao lado disso, cuida salientar que “apesar da lei mencionar expressamente a remuneração, dando um caráter oneroso ao negócio, admite-se que o prestador tenha vantagens indiretas, sem que isso prejudique a qualificação da relação consumerista”[31]. Com o escopo de ilustrar o expendido, pode-se citar como exemplos o caso de estacionamento gratuito em shopping center, supermercados, lojas e afins, sendo que a empresa que o oferta é responsável, eis que os atrativos objetivam exclusivamente angariar clientela. “O empreendimento comercial que oferece estacionamento aos seus clientes responde objetivamente pelos eventuais danos e prejuízos a eles causados, em razão do dever de guarda e vigilância assumidos”[32]. Aliás, cuida salientar que a responsabilidade em comento encontra-se sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça, consoante verbete de nº. 130, que dicciona no sentido que “a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo, ocorrido em seu estabelecimento”[33].
Nesta toada, os fornecedores possuem a obrigação de dispensar todos os esforços carecidos “para repelir a ocorrência de falha na prestação de seus serviços, devendo responder pelos danos morais causados a seus clientes, decorrentes da prestação de serviço defeituoso, consistente na inscrição indevida do nome do consumidor”[34]. O robusto questionamento que incide é relacionado à incidência do regime jurídico contemplado na legislação consumerista nas relações de cunho bancário. A dicotomia existente em relação ao tema orbita no aparente confronto entre as disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor e as leis que regem o Sistema Financeiro Nacional, com as resoluções e as portarias emitidas pelo Conselho Monetário Nacional e Banco Central.
Pois bem, conquanto o dinheiro, em si, não seja objeto de consumo, ao se afigurar como elemento de troca, a moeda adquire a natureza de bem de consumo. As operações de crédito são negócios de consumo por conexão, encontrando-se abrangida nessa classificação todos os meios de pagamento em que ocorre diferimento de prestação monetária, a exemplo de cartões de crédito, cheques-presentes e outros. “Como a prestação de serviço de natureza bancária encerra relação de consumo, aplicável é o Código de Defesa do Consumidor”[35]. A relação de consumo é o vínculo jurídico por meio do qual uma pessoa física ou jurídica denominada consumidora adquire ou utiliza produto ou serviço de outra pessoa denominada fornecedora. É patente que a relação entre banco e cliente é uma relação tipicamente de consumo, recebendo, por via de consequência, o respaldo ofertado pela Carta da República.
Destarte, tem-se que, para os efeitos da incidência do Código de Defesa do Consumidor, é considerado como consumidor, inquestionavelmente, toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. É cediço que as instituições estão sujeitas ao cumprimento dos corolários e ditames emanados pela Legislação Consumerista. Ao lado disso, no que concerne à aplicação do Código de Defesa do consumidor aos contratos bancários, a matéria já está pacificada pelo excelso Superior Tribunal de Justiça pela Súmula nº 297 que dispõe: "O Código de Defesa do consumidor é aplicável às instituições financeiras"[36], estendendo-se, frise-se, tão somente aos serviços atinentes à atividade bancária.