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A possibilidade de aplicação de multa ao condômino antissocial.

Análise de aspectos legais e jurisprudenciais

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19/04/2013 às 17:01
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CONCLUSÃO

Conforme já se ressaltou no presente artigo, foi louvável a iniciativa por parte do Poder Legislativo em reconhecer, no âmbito dos condomínios edilícios, um problema recorrente e buscar uma solução legal para diminuição de conflitos entre moradores. Entretanto, a eficácia dessa iniciativa foi limitada, uma vez que elaborado dispositivo legal demasiadamente vago e, por conta disso, de difícil aplicação. Em face desse contexto, tem sido a jurisprudência a responsável por conferir à Lei seus exatos contornos e forma de aplicação.

Em primeiro lugar, pacificou-se entendimento segundo o qual, para aplicação da multa na esfera administrativa condominial, é necessário que tenham sido estritamente observados o princípio do contraditório e da ampla defesa. Isso significa que o condômino acusado de praticar conduta antissocial tem direito de conhecer, previamente e em seus exatos termos, a imputação que lhe é atribuída. Somente dessa maneira, poderá preparar-se, produzir provas e defender-se com eficácia. Além disso, deve ser garantido a este tempo suficiente para manifestar-se na assembleia geral de condôminos convocada com finalidade de aplicação da multa. Caso contrário, restará configurado o cerceamento de defesa e, na hipótese de ação judicial, dificilmente, será mantida a penalidade. Consequentemente, todo o dispêndio de tempo e dinheiro para convocação da assembleia, sua realização e distribuição de atas terá sido em vão. Por isso, é importantíssimo que as convenções condominiais descrevam devidamente o procedimento a ser adotado para a aplicação da multa por comportamento antissocial, assegurando, em respeito à Lei e á Constituição da República, o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Quanto à necessidade de reiteração da conduta para aplicação da multa, conclui-se que não se exige que haja qualquer forma de advertência ou notificação em relação a um primeiro comportamento antissocial para que uma segunda conduta indevida configure a reincidência. Isto quer dizer que, verificado mais de uma ação ou omissão que se enquadre como antissocial, é possível adotar o procedimento para penalizar o condômino. Entretanto, deve-se ressaltar que os comportamentos devem ser constatados em contextos fáticos distintos. Portanto, se em um mesmo contexto, o condômino pratica várias condutas antissociais, ainda assim, considera-se esta uma conduta isolada.

É fato que a Lei exige a reiteração da conduta antissocial para que se possa sancionar o morador por esse motivo. Por outro lado, também é verdade que, se a ação ou omissão for descrita em convenção de condomínio ou regulamento interno como infração e for estabelecido procedimento e quórum para aplicação de uma multa por esse ato ou omissão, nada impede que o condômino seja punido se cometida essa única conduta. Por exemplo, se a convenção condominial estabelecer que agressão física a outro morador ou funcionário constitui infração administrativa e cominar pena de multa a esta conduta, nada impede que esta seja aplicada. Com isto, a partir de qualquer outra conduta passível de ser considerada antissocial, prevista ou não como infração na convenção de condomínio, seria possível adotar-se o procedimento legal para aplicação da multa por comportamento antissocial, o que pode ser eficaz para inibir outras ações do mesmo gênero, dada sua onerosidade.

Em relação ao quórum exigido, em assembleia geral de condôminos, para aprovação da multa, a jurisprudência parece ser pacífica em adotar o mesmo quórum do “caput” do artigo 1337. Contudo, cumpre salientar que este quórum, somado à previsão de iniciativa da aplicação da multa por parte do síndico, tende a dificultar muito a ocorrência dessa sanção na prática. Afinal, ao tomar a iniciativa, o síndico corre grande risco de não conseguir a ratificação da penalidade em assembleia, principalmente, em virtude de falta de quórum de comparecimento. Situações como esta são passíveis de, indubitavelmente, minar a autoridade e representatividade do síndico perante os outros condôminos o que, para ele, é claramente indesejável. Por isso, é bastante improvável que um síndico, efetivamente, tome essa iniciativa, o que torna a aplicação da penalidade rara de ser verificada na prática.

No que se refere à determinação de quais seriam os comportamentos tidos como antissociais e capazes de gerar incompatibilidade de convivência, a jurisprudência reconhece as mais diversas formas de ação e omissão. Seriam antissociais desde comportamentos grosseiros até agressões físicas. Considerou-se antissocial até mesmo a falta de pagamento reiterada de valores referentes a contribuições condominiais. O importante é que a conduta seja realmente capaz de criar toda uma atmosfera de animosidade no âmbito do condomínio edilício que torne, realmente, insustentável o convívio.

Há decisões no sentido de que, para ser considerada antissocial, a conduta deveria ser prevista, ao menos em tese, em convenção condominial ou regulamento interno, como infração. Todavia, essa posição não deve ser acatada. Afinal, é absolutamente impossível que se preveja, nesses documentos, toda e qualquer forma de comportamento passível de tornar a convivência incompatível. Seria injusto impossibilitar a aplicação de multa por repetição de uma conduta gravíssima simplesmente por esta não estar prevista em convenção ou regulamento como infração. A própria Lei não realiza essa definição e, em nenhum de seus dispositivos, delega-a aos condôminos.

Em se tratando do valor da multa a ser aplicado, resta claro que o limite máximo é o previsto em Lei, ou seja, o décuplo do valor atribuído à contribuição relativa às despesas condominiais. Consequentemente, não poderia ser estabelecido, em convenção condominial ou regulamento interno, valor superior a este montante. Por outro lado, tais documentos condominiais poderiam, sim, prever uma sanção menos onerosa que a prevista em Lei. Assim, em caso de eventual ação judicial que visasse questionar o valor da penalidade, o juiz ficaria adstrito ao disposto em convenção condominial ou regulamento interno, pois deve respeitar a autonomia de vontade das partes, ou seja, dos condôminos.

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Também há entendimento no sentido de que os limites legais e convencionais não são os únicos a serem observados. Há julgados em que se afirma que a multa deve respeitar a realidade condominial e social. E, de fato, pode ser considerado injusto e não razoável aplicar o mesmo limite máximo para todos os tipos de condomínio e classes sociais. Por um lado, é verdade que valor da sanção é variável de acordo com o valor das contribuições condominiais e que é possível pressupor que populações de baixa renda vivam em condomínios onde essas despesas sejam inferiores. Por outro lado, também é verdade que, ainda assim, o valor da multa aplicada em seu máximo para um morador carente poderia ter impactos muito mais sérios e devastadores, inclusive em relação à sua subsistência, que para indivíduos abastados, moradores de condomínios luxuosos.

Quanto à possibilidade de expulsão do condômino antissocial, também existe divergência jurisprudencial. Grande parte dos julgados é no sentido de não admiti-la, tendo em vista a falta de previsão legal. Restaria, assim, aos condôminos prejudicados a aplicação da multa prevista em Lei, sem prejuízo das perdas e danos sofridos. Em sentido oposto, há acórdãos que admitem a expulsão, desde que haja convicção de que, realmente, houve reiteração de condutas graves. Por fim, há um posicionamento intermediário, de acordo com o qual seria possível a exclusão do condômino antissocial caso houvesse previsão expressa em convenção condominial admitindo-a e regulando-a.

Por fim, conclui-se que, diante da dissonância jurisprudencial em face de várias questões relativas ao parágrafo único do artigo 1137 do Código Civil, as convenções condominiais e regulamentos internos tornaram-se documentos fundamentais para regular a matéria em âmbito interno. Uma convenção condominial que descreva, de forma exemplificativa, as infrações, que regule o procedimento para a aplicação da multa de forma adequada e que preveja, expressamente, a possibilidade de expulsão do condômino antissocial tende a cumprir muito bem diversas funções. Em primeiro lugar, podem inibir, com eficácia, comportamentos indevidos, uma vez que os condôminos terão ciência de quais são as condutas a serem evitadas. Em segundo lugar, garantem segurança e previsibilidade no tocante ao procedimento adotado, garantindo direitos fundamentais. Em terceiro lugar, impossibilitam subjetivismos relativos ao montante a ser aplicado a título de sanção. Com isto, diminui-se a chance de emergirem motivos que acarretem demandas judiciais que, quando ajuizadas, geram ainda mais custos e desarmonia entre os condôminos o que contraria, de maneira flagrante, os próprios objetivos da Lei.


Nota

[i] O âmbito de amostragem selecionado foram as decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo e Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

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Sobre a autora
Erika Nicodemos

Advogada atuante na área cível, sócia do escritório Erika Nicodemos Advocacia, graduada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito da Propriedade Intelectual pelo Centro de Extensão Universitária, em convênio com a Universidad Austral de Buenos Aires. Pós-graduada em Direito Empresarial e especialista em Direito Digital e Planejamento Sucessório pela Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas. Mestre em Direito Internacional Privado pela Università degli Studi di Roma – La Sapienza. Mestranda em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Membro efetivo da Comissão de Direito de Família e das Sucessões da Ordem dos Advogados do Brasil, São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NICODEMOS, Erika. A possibilidade de aplicação de multa ao condômino antissocial.: Análise de aspectos legais e jurisprudenciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3579, 19 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24232. Acesso em: 29 mar. 2024.

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